32 - 40 Valores intervenientes.indd 32 AQUICHAN - ISSN 1657-5997 Fernanda de Carvalho-Dantas1 Claudia de Carvalho-Dantas2 Valores intervenientes no cuidado do enfermeiro ao cliente com HIV/Aids 1 Enfermeira. Especialista em Terapia Intensiva. Professora Substituta, Universidade Federal Fluminense (UFF), Brasil. ffernandadantas@yahoo.com.br 2 Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Adjunta, Universidade Federal Fluminense (UFF), Brasil. dantasclaudia@hotmail.com Recibido: 30 de julio de 2013 Enviado a pares: 9 de septiembre de 2013 Aceptado por pares: 11 de octubre de 2013 Aprobado: 19 de diciembre de 2013 AÑO 14 - VOL. 14 Nº 1 - CHÍA, COLOMBIA - MARZO 2014 l 32-40 Para citar este artigo / Para citar este artículo / To reference this article De Carvalho-Dantas, F., De Carvalho-Dantas, C. (2014). Valores intervenientes no cuidado do enfermeiro ao cliente com HIV/Aids. Aquichan. Vol. 14, No. 1, 32-40. RESUMO Objetivo: o presente estudo teve por objetivos analisar valores intervenientes no cuidar, pelo enfermeiro, a clientes com HIV/Aids. Método: trata-se de pesquisa social, descritiva e exploratória, com abordagem qualitativa. Os participantes/cenário foram 23 enfermei- ros de três instituições de saúde do estado do Rio de Janeiro. A coleta de dados foi realizada de janeiro de 2010 a dezembro de 2012 por meio de entrevista semiestruturada com roteiro preestabelecido, gravado em fita magnética. O projeto de pesquisa foi submetido ao CEP HUAP 279/09, com CAAE N. 980.0.000.258-09. Resultados: do processo de categorização emergiram quatro categorias. Os valores mais ressaltados foram: discriminação, respeito, igualdade e solidariedade. Conclusão: conclui-se que cada membro da equipe de saúde deve se autoconhecer, o que implica a reflexão de seus valores, crenças e cultura afim de que estes não interfiram negativamente na realização de suas ações. Assim, mediante o conhecimento de seus valores e reconhecimento de valores alheios, poder-se-á, numa maior dimensão, realizar uma assistência de melhor qualidade, que proporcione aos portadores de HIV, bem como aos clientes de quaisquer patologias, um cuidado digno dentro dos preceitos preconizados pela profissão. PALAVRAS-CHAVE Enfermagem, cuidado, HIV, Síndrome de Imunodeficiência Adquirida, assistência ao paciente (fonte: DeCS, BIREME). 33 Valores intervenientes no cuidado do enfermeiro ao cliente com hiV/Aids l Fernanda de Carvalho-Dantas, Claudia de Carvalho-Dantas AÑO 14 - VOL. 14 Nº 1 - CHÍA, COLOMBIA - MARZO 2014 l 32-40 Valores intervinientes en el cuidado del enfermero al cliente con VIH/Sida RESUMEN Objetivo: analizar los valores intervinientes en el cuidar, por el enfermero, a clientes con VIH/Sida. Método: se trata de una investi- gación social, descriptiva y exploratoria, con abordaje cualitativo. Los participantes/escenario fueron 23 enfermeros de tres instituciones de salud del departamento de Rio de Janeiro. La recolecta de datos se realizó de enero del 2010 a diciembre del 2012 por medio de entrevistas semiestructuradas con guion preestablecido, grabadas en cinta magnética. El proyecto de investigación se sometió al CEP HUAP 279/09, con CAAE N. 980.0.000.258-09. Resultados: del proceso de categorización emergieron cuatro categorías. Los valores más destacados fueron: discriminación, respeto, igualdad y solidaridad. Conclusión: cada miembro del equipo de salud debe autoconocerse, lo que implica la reflexión de sus valores, creencias y cultura con el fin de que estos no interfieran negativamente en la realización de sus acciones. Así, mediante el conocimiento de sus valores y reconocimiento de valores ajenos, se podrá, en una mayor dimensión, realizar una asistencia de mejor calidad, que proporcione a los portadores de VIH, así como a los clientes de cualquier patología, un cuidado digno dentro de los preceptos preconizados por la profesión. PALABRAS CLAVE Enfermería, cuidado, VIH, Síndrome de Inmunodeficiencia Adquirida, atención al paciente (fuente: DeCS, BIREME). 34 AQUICHAN - ISSN 1657-5997 Values Intervening in Nursing Care for Clients with HIV / AIDS ABStRACt Objective: The study is designed to analyze the values involved in nursing care for clients with HIV / AIDS. Method: This is so- cial, descriptive and exploratory research with a qualitative approach. The participants/scenario included 23 nurses from three health institutions in the Department of Rio de Janeiro. The data were collected between January 2010 and December 2012, through tape- recorded, semi-structured interviews with a pre-established scrip. The research project was subjected to CEP HUAP 279 /09, with CAAE N. 980.0.000.258-09. Results: Four categories emerged from the categorization process. Discrimination, respect, equality and solidarity were the most important values. Conclusion: Each member of the health team must know themselves. This implies reflecting on one’s values, beliefs and culture to make sure they do not interfere adversely with the duties nurses perform. By understanding their own values and recognizing the values of others, nurses are able to supply better quality care in a larger dimension that provides HIV carriers and clients with any other pathology dignified attention consistent with the precepts advocated by the profession. KEY WORDS Nursing, care, HIV, Acquired Immunodeficiency Syndrome, patient care (source: DeCS, BIREME). AÑO 14 - VOL. 14 Nº 1 - CHÍA, COLOMBIA - MARZO 2014 l 32-40 35 Valores intervenientes no cuidado do enfermeiro ao cliente com hiV/Aids l Fernanda de Carvalho-Dantas, Claudia de Carvalho-Dantas Introdução A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids, por sua si- gla em inglês) surgiu no início da década de 1980 e, até junho de 2012, o Brasil registrou 709.447 casos de Aids. No ano de 2012, a taxa de incidência da doença chegou a 20,2 para cada 100 mil habitantes (1). A razão entre os sexos vem apresentando dimi- nuição, já que antes, em 1989, os homens eram os mais acometi- dos (1:6). Em 2012, último dado disponível, chegou a 1,9 caso em homens para cada 1 caso em mulheres (1). Independentemente do sexo, a faixa etária habitual de noti- ficação da Aids é de 25 a 49 anos (1, 2). No tocante ao cenário internacional, dados de renomada agência da Organização das Nações Unidas (onu) revelam que 1,6 milhões de pessoas morre- ram em decorrência da Aids (3-5). Apesar das estatísticas anteriormente citadas, verifica-se uma diminuição de casos do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV, por sua sigla em inglês) em decorrência de esforços do mundo inteiro para cumprimento das metas do milênio, dentre as quais se encontra a morbidade em questão, cujo objetivo é a sua redução. Embora se tenha observado a diminuição no cenário nacional e internacional, o número de casos existentes ainda é preocu- pante e demanda investimento. No ano de 2002 existiam US$ 3,8 bilhões para combater a doença. Em 2012, foram investidos qua- se US$ 19 bilhões (4). Vale ressaltar que o Brasil aparece como o país com o maior orçamento nacional para o combate à doença entre os emergentes. Por ano, são mais de US$ 745 milhões. Ou- tros países como a China, com uma população seis vezes maior, investem US$ 497 milhões, contra US$ 200 milhões na Tailândia e US$ 262 milhões em Botsuana (5). Ante o exposto, esforços de todos os envolvidos (profissionais de saúde, portadores do HIV, governantes, sociedade em geral) devem ser mantidos e estimulados. No tocante aos profissionais de saúde, em especial, além de um atendimento de qualidade, cabem a eles a realização de pesquisas para cada vez mais co- rroborar com a qualidade de vida dos portadores. Nesse sentido, a presente pesquisa teve por objeto de investigação os valores intervenientes no cuidado do profissional de enfermagem ao por- tador de HIV/Aids. As autoras têm observado, no transcorrer de sua prática pro- fissional, que membros da equipe de saúde não se encontram pre- parados para atender às especificidades da clientela em questão. Acredita-se que muitos desses profissionais possuem arraigados preconceitos que, mesmo após décadas de informação sobre a Aids, são exteriorizados por meio de gestos e comentários, con- forme estudo realizado em 2011 com 110 portadores do HIV (6). Destarte, busca-se, na presente pesquisa, conhecer os valores atribuídos à equipe ante a assistência ao portador de HIV/Aids. Na literatura científica existem diversas pesquisas publicadas sobre o HIV, por diversas categorias profissionais. Por outro lado, ao buscar por trabalhos cujo foco tenha sido os fatores/valores intervenientes na assistência prestada pelo profissional ao porta- dor de HIV, verifica-se a escassez. Um dos poucos trabalhos (7), cujo objetivo foi identificar os dilemas éticos enfrentados pela equi- pe de enfermagem atuante no Programa DST/ HIV/Aids, concluiu que a temática é alicerçada no sigilo e no preconceito que a Aids suscita. E, ainda, que a Aids é um tema impactante para os próprios profissionais que atuam diretamente com o paciente, os familiares, a sociedade e a própria equipe. Para eles, as autoras sugeriram a capacitação da equipe ante a bioética e o tema da Aids, visando reflexões sobre os valores profissionais e o processo de trabalho da enfermagem ao paciente e família do programa de DST/Aids, além de reflexões sobre a ética do cuidado, sobre os estigmas que rondam a Aids e sobre os próprios preconceitos. Isso posto, justifica-se a presente pesquisa devido à escas- sez de publicações sobre a conduta profissional da enfermagem com foco nos valores profissionais. Outra justificava refere-se ao alto índice do HIV que ainda perdura no cenário nacional e internacional e, dessa forma, tem o intuito de contribuir com re- flexões referentes à prática profissional no que tange aos valores intervenientes no cuidado de profissionais de enfermagem. Nesse sentido, a presente pesquisa teve por objetivo analisar valores in- tervenientes no cuidar pelo enfermeiro a portadores do HIV/Aids a fim de discutir as implicações desses valores para assistência de enfermagem. Método Trata-se de pesquisa qualitativa, de natureza descritivo-ex- ploratória. Os participantes da pesquisa foram enfermeiros que assistiram ou estavam assistindo portadores do HIV/Aids. Os cri- térios utilizados para seleção dos profissionais foram: aceite em participar do estudo; ser enfermeira(o); ter no mínimo dois anos de experiência profissional; estar ou ter assistido portadores do 36 AÑO 14 - VOL. 14 Nº 1 - CHÍA, COLOMBIA - MARZO 2014 AQUICHAN - ISSN 1657-5997 HIV/Aids. Com o intuito de resguardar o anonimato, foi atribuído um pseudônimo a cada participante da seguinte forma: Enfa X, em que Enfa refere-se a uma forma contracta para enfermeira (tanto para os profissionais do sexo masculino quanto para o feminino) e X refere-se a um algarismo cardinal que representa a ordem de realização da entrevista. Exemplo: Enfa 2 significa que este participante foi entrevistado em segundo lugar. Os cenários de coleta de dados da pesquisa foram três hos- pitais de grande porte localizados no Estado do Rio de Janeiro. A preferência em desenvolver o estudo nessas instituições atribui- se ao fato de estas desenvolverem trabalhos em parceria com o Programa Nacional de DST/Aids, e de uma delas ser um Centro de Pesquisa em Aids, além de ter despontado no início da epidemia na luta contra a síndrome em questão. A coleta de dados foi realizada durante o primeiro semes- tre de 2010 ao segundo semestre de 2012, mediante entrevista gravada em sistema digital. Optou-se por esse método porque é por meio da entrevista que “o pesquisador busca obter informes contidos na fala dos atores sociais, se insere como meio de co- leta dos fatos relatados pelos atores, enquanto sujeitos-objetos da pesquisa que vivenciam uma determinada realidade que está sendo focalizada” (8:57). O instrumento utilizado para realização da entrevista foi composto de duas partes. A primeira parte foi construída com variáveis para conhecer o perfil dos participantes quanto a: idade, sexo, tempo de experiência profissional, reali- zação de cursos de atualização sobre HIV/Aids, local de trabalho, cargo/função. A segunda parte foi composta por duas questões abertas: “o que é para você cuidar de um cliente com HIV” e “como você percebe o cuidado realizado pela equipe de enfer- magem?”. Após a coleta das entrevistas, elas foram prontamente transcritas e submetidas ao processo de categorização (8). O quantitativo de depoimentos foi determinado de acordo com o ponto de saturação teórica. Esse é o ponto que, na visão do pesquisador, deve-se suspender a inclusão de novos participan- tes na pesquisa quando os dados coletados apresentam repetição e não acrescentam dados novos à coleta; portanto, a amostra é fechada (9). Como forma de adquirir respaldo legal para realizar esta pesquisa e transitar pelas dependências da instituição, foi en- caminhada ao Comitê de Ética em Pesquisa, a fim de obter a de- vida autorização, por meio do protocolo CEP HUAP 279/09, com CAAE N. 980.0.000.258-09. Para cada sujeito, antes da realização da entrevista, foi fornecido um termo de consentimento, conforme preceitua as normatizações das pesquisas que envolvem seres humanos, de modo a resguardar o anonimato dos participantes e a divulgação dos dados coletados pelos pesquisadores. Resultados Dos 23 enfermeiros entrevistados, a maioria pertence ao sexo feminino (total de 16). Com relação ao tempo de atuação profissional, sete possuem entre dois a nove anos; 10 possuem entre 10 a 19 anos; cinco possuem entre 20 a 29 anos e um possui entre 30 a 39 anos. Quanto ao cargo ocupado, dois são chefes de serviços, um trabalha na educação permanente do hospital e a maioria (total de 20) é gerente de serviço. Sobre os setores des- ses 20 enfermeiros, eles estão distribuídos da seguinte forma: oito em clínica médica, cinco em clínica cirúrgica, dois em enfer- maria de gestante e cinco em ambulatório de DST/Aids. Referen- te à realização de cursos de atualização em doenças sexualmente transmissíveis, a maioria relatou ter participado (total de 13). Categoria central: valores intervenientes no cuidar de clientes com hiv/Aids A categoria central foi composta por quatro subcategorias, as quais serão apresentadas a seguir. Conhecendo valores Nesta subcategoria, foram identificados os seguintes valores, a partir dos depoimentos de enfermeiros: discriminação, solida- riedade, respeito e igualdade. Infelizmente, a sociedade ainda associa a Aids a homossexualis- mo, prostituição, drogas, o que dificulta a aceitação desse clien- te pela sociedade. E, mais infelizmente ainda é que, este fato é percebido não só entre pessoas da sociedade, mas também em alguns profissionais da própria equipe de saúde (Enfa 1). Teve até uma situação, uma vez na enfermaria, que uma menina estava passando álcool no braço todo, na mão toda, porque tocou na mão de um cliente com HIV. Em pleno ano de 2011, quando eu vi aquela cena, eu falei assim: “não, eu acho que eu não estou acreditando, não é possível”. E era uma colega enfermeira, não era de curso técnico nem de auxiliar, e fazendo isso. Ela, olhando 37 Valores intervenientes no cuidado do enfermeiro ao cliente com hiV/Aids l Fernanda de Carvalho-Dantas, Claudia de Carvalho-Dantas para mim, disse: “não, de repente, sei lá, pode ter alguma conta- minação”. Então, por mais que saibam, os preconceitos, as len- das que existem em nosso subconsciente ainda afloram muito na hora do cuidar de um cliente HIV (...) ainda se tem muita dúvida, muitas dúvidas mesmo (Enfa 5). Vejo que aqui os profissionais fazem o cuidado sem interesse, fazem e gostam do que fazem... Poucos são aqueles que discri- minam... Pelo menos aqui... A equipe tem um objetivo em comum: proporcionar o melhor cuidado possível, apesar das dificuldades que temos em termos de recursos materiais e humanos... Mas, pelo menos, tentamos ser solidários... Damos o ombro quando o cliente quer chorar, principalmente o HIV onde percebo que a família o abandona e que, na maioria das vezes, quem passa a ser família é o próprio parceiro... (Enfa 4). Eu não vejo o paciente com HIV como um paciente diferente dos outros... É um paciente com uma patologia (Aids) como outra qualquer (Enfa 8). Mas como hoje em dia a gente não tem como saber quem é HIV e quem não é, as precauções de início são as universais. Então, a gente tem que ter o mesmo cuidado com HIV que a gente teria com qualquer outro, sabendo ou não que é HIV: cuidado com sangue, com secreção... (Enfa 6). Reconhecendo seus valores O reconhecimento dos valores pessoais por cada profissional é indispensável para o cuidado ao ser humano. Verificou-se, em alguns discursos, a clareza por parte de alguns depoentes acerca da importância de cada pessoa refletir sobre seus atos/valores pessoais. No contexto hospitalar, em virtude da fragilidade que o cliente se encontra, o profissional deve reconhecer seus valores para que estes não interfiram negativamente na assistência a ser prestada. A enfermeira tem que saber seus limites, saber lidar com seus valores, suas crenças, buscar sempre a atualização de seus con- hecimentos e atos (Enfa 1). Não tenho nada contra os novos sem prática, seja em tempo de serviço ou inserção em setor especializado... Mas cada um deve se conhecer e por o pé apenas aonde sabe que vai alcançar... (Enfa 7). Respeitando valores alheios Todo ser humano almeja o respeito e consideração dos de- mais membros que compartilham de seu ambiente de convívio. Respeitar valores alheios consiste no aceite sem questionamen- tos da conduta do outro, desde que não esteja causando nenhum dano para outrem. O respeito é a base de tudo, principalmente quando se trata de uma doença com forte estigma social, embora estejamos em ple- no século XXI (Enfa 1). Precisamos realizar um cuidado independente da religião do ou- tro, opção sexual, nível social, cor sexo... Percebo que muitos colegas julgam os outros e esquecem que também são passíveis de serem julgados... (Enfa 19). Trabalhando valores Esta subcategoria agrupa depoimentos que apontam para a necessidade de o profissional, após reconhecer a necessidade de mudança, buscar pelo seu constante aprimoramento. O enfermei- ro responsável pelo setor deve atentar para a forma como sua equipe desenvolve o cuidado para detectar possíveis condutas inapropriadas e intervir de imediato. Devem ser feitos treinamen- tos que contemplem não apenas a parte técnica, mas também aspectos inerentes ao relacionamento interpessoal. Antes de qualquer coisa, de qualquer escolha na vida, o profissio- nal tem que se conhecer, saber de suas fraquezas, de seus pon- tos fortes, mas principalmente dos fracos para que possam ser trabalhados... E, aqui, vejo que as pessoas precisam trabalhar seus valores, seus conhecimentos sobre a Aids (Enfa 5). O Enfermeiro, em especial, o responsável pelo plantão, tem que estar atento à forma como sua equipe presta o cuidado para, caso necessário, poder intervir de forma individualizada ou em grupo, quando perceber que se trata de uma demando do grupo como um todo (Enfa 23). Discussão O valor atribuído às ações cotidianas interfere na forma como o ser humano se relaciona com o mundo. O significado dado às ações define a forma como será desencadeada a ação huma- 38 AÑO 14 - VOL. 14 Nº 1 - CHÍA, COLOMBIA - MARZO 2014 AQUICHAN - ISSN 1657-5997 na. Todo ser humano, na tomada de decisão, age com base em significados que são construídos ao logo de sua vida pessoal e profissional, decorrentes das relações humanas. Muitas dessas construções são feitas com base na moral, fortemente influencia- da pelo meio que, em dadas situações, refletem o desejo deste, mas não da pessoa que o vivencia. Conhecendo os valores é o primeiro passo para se caminhar em direção a uma assistência de qualidade com igualdade no cui- dado ao portador do HIV. Verifica-se, por meio dos discursos, que as pessoas precisam refletir sobre seus valores, reconhecê-los e respeitar os valores alheios. Em estudo (10) que delineou um modelo de cuidado ao por- tador do HIV, verificou-se que um modelo de cuidado deve estar pautado em três pilares: no profissional, na patologia e no pacien- te. Com relação ao pilar “profissional”, deve-se primar pela sua atualização e conhecimento de suas habilidades e competências perpassando por seus valores profissionais, visando ao ofereci- mento de uma assistência de qualidade. Essa afirmativa tem sub- sídios na formação do enfermeiro e aponta para a necessidade de preparar as pessoas para as mudanças no mundo e no contexto de trabalho, ao procurar conciliar a necessidade de desenvolvi- mento pessoal e de grupo com a instituição e a sociedade. Nessa linha de raciocínio, pesquisadores (11, 12) reforçam a necessida- de de reafirmar a questão da educação como um compromisso para o crescimento pessoal e profissional, com o objetivo de mel- horar a qualidade da prática profissional. Defende-se que a competência profissional é um conceito educacional e político abrangente, um processo de articulação e mobilização gradual e contínua de conhecimentos gerais e espe- cíficos. Complementa-se, ainda, que o conceito de competência profissional refere-se a um processo de habilidades teóricas e práticas, de atitudes e hábitos e de valores éticos, que permi- tem ao profissional a realização de seu trabalho de forma crítica, consciente e eficiente (13, 14). Os valores que o profissional possui devem ser destituídos de preconceitos, não deixando que valores morais e éticos interfiram na assistência que desenvolve a cada dia, pois, ao não saber lidar com eles, tende a agir de modo que considera correto, ao ponto de considerar inválidas todas as posturas que são contraditórias àqui- lo que se pensa, inclusive em termos de ofensa/afronta pessoal. Ao considerar que são os valores que movem nossa ação, se estes estiverem corrompidos por uma visão equivocada dos fatos, tenderão a constranger e a prejudicar, ao invés de estimular o relacionamento/interação do profissional da equipe de enferma- gem com o cliente portador do HIV. Vários foram os valores ressaltados pelos enfermeiros como fundamentais para a construção de um ambiente harmônico, que valorizam o relacionamento interpessoal. Eles guiam nossa ação, nossos cuidados e, ao não estarmos cientes de nossos valores, torna-se difícil o exercício de uma assistência igualitária ao clien- te. A esse respeito, destaca-se que: Na assistência ao paciente, muitas vezes este tenta fazer suas escolhas ou tomar suas decisões, mas, por acharmos que po- demos fazer melhores escolhas que ele e por sabermos o que é melhor para ele, na maioria das vezes ignoramos suas vontades, decisões, valores, história de vida e cultura (15:368). Nessa linha de raciocínio, outros autores (16) defendem que os valores são fundamentos do agir profissional da enfermeira, os quais nem sempre são claramente identificados por tais profis- sionais. O profissional deve refletir sobre seus valores pessoais e identificar como eles interferem na assistência prestada. Para todo profissional que desconhecer a influência de seus valores pessoais na conduta profissional, poderá ter seus atos distanciados dos fun- damentos éticos, o que prejudicará a assistência ao paciente. Isso se deve ao fato de os valores serem entendidos, também, como norteadores de julgamentos que levam em consideração as Figura 1. Valores intervenientes no cuidado 39 Valores intervenientes no cuidado do enfermeiro ao cliente com hiV/Aids l Fernanda de Carvalho-Dantas, Claudia de Carvalho-Dantas preferências do que é mais desejável para o indivíduo. Tudo o que cerca o homem pode ser atribuído um valor e, diante disso, sem- pre assumirá uma escolha: aceitá-lo ou rejeitá-lo (17). Por exem- plo: o comportamento de um paciente, a forma de falar, a forma de se vestir, a sua opção sexual e/ou religiosa, dentre outros. Se o profissional não refletir sobre seus valores, poderá, involuntaria- mente, aproximar-se ou realizar uma assistência de melhor quali- dade para aqueles que guardarem proximidade com seus valores pessoais. É de extrema relevância refletir sobre como os atos têm sido concretizados e até que ponto as decisões têm sido tomadas de forma imparcial, uma vez que não é possível passar indiferente aos valores, os quais (17) não existem por si mesmos, pelo menos necessitam de um depositário no mundo. Aparecem como meras qualidades desses depositários, no caso do estudo, enfermeiros. Uma qualidade faz parte da própria existência do objeto ao passo que o valor refere-se ao sujeito em relação ao objeto, o que serve como norteador para a tomada de decisão (17). O sentimento da vida de um homem é dado pelos valores e, por meio deles, o homem vive plenamente a sua condição huma- na, sendo possível observar que o indivíduo exerce uma atitude axiológica diante de tudo que o cerca, sendo com isso capaz de julgar se alguma coisa é boa ou ruim, agradável ou desagradável, justa ou injusta (16). Nesse contexto, o profissional que assiste o cliente portador de HIV depara-se com questões relacionadas à sexualidade, dis- criminação e preconceito e, dependendo do valor que atribuir a tais questões, tenderá a desenvolver uma assistência adequada ou inadequada em termos de qualidade. Abordar as temáticas das doenças sexualmente transmissíveis implica invariavelmente deparar-se com a questão do exercício da sexualidade e dos valores sexuais de cada pessoa que, por sua vez, antecedem e fundamentam suas atitudes sexuais. Trata- se de um tema que está envolto de uma rede de subjetividade repleto de significações pessoais pelas quais se aprendem a rea- lidade (18:37). Com o objetivo de contribuir para uma assistência de melhor qualidade, cabe ao enfermeiro realizar capacitações de sua equi- pe, por meio da educação permanente, para o desenvolvimento de uma assistência de qualidade, em especial aos portadores do HIV que culturalmente têm enfrentado grandes desafios no âmbi- to dos serviços de saúde. Conclusão Verificou-se, por meio das categorias e subcategorias, que os valores mais ressaltados foram: discriminação, respeito, pre- conceito, sexualidade, vida, igualdade e solidariedade. No tocante ao discurso de enfermeiros, verifica-se que, para cuidar de al- guém, se deve cuidar independentemente de patologia. Os pro- fissionais devem reconhecer os limites de seus valores e não permitir que estes conduzam para um cuidado discriminatório, que valoriza apenas os pacientes que tenham semelhança com seus valores. Conclui-se que, cada membro da equipe de saúde deve se au- toconhecer, o que implica a reflexão de seus valores, crenças e cultura a fim de que estes não interfiram negativamente na rea- lização de suas ações. Assim, mediante o conhecimento de seus valores e reconhecimento de valores alheios, poder-se-á, numa maior dimensão, realizar uma assistência de melhor qualidade, que proporcione aos portadores de HIV, bem como aos portado- res de quaisquer patologias, um cuidado digno dentro dos precei- tos preconizados pela profissão. 40 AÑO 14 - VOL. 14 Nº 1 - CHÍA, COLOMBIA - MARZO 2014 AQUICHAN - ISSN 1657-5997 Referências 1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretária de Vigilância Saúde. Programa Nacional de DST e AIDS. Boletim Epidemiológico – AIDS e DST – Ano II. 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