359 - 369 Representacoes sociais do cuidado.indd 359 Stefanie Griebeler Oliveira1 Alberto Manuel Quintana2 Maria de Lourdes Denardin-Budó3 Maria Henriqueta Luce-Kruse4 Raquel Pötter Garcia5 Simone Wünsch6 Silvia Francine Sartor7 Representações sociais do cuidado de doentes terminais no domicílio: o olhar do cuidador familiar 1 orcid.org/0000-0002-8672-6907. Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Brasil. stefaniegriebeleroliveira@gmail.com 2 orcid.org/0000-0001-7356-6142. Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Brasil. albertom.quintana@gmail.com 3 orcid.org/0000-0002-2539-0813. Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Brasil. lourdesdenardin@gmail.com 4 orcid.org/000-0001-5320-0629. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Brasil. kruse@uol.com.br 5 orcid.org/0000-0002-5503-7981. Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Brasil. raquelpotter_@hotmail.com 6 orcid.org/0000-0003-4074-8489. Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Brasil. simone.wunsch@gmail.com 7 orcid.org/0000-0002-3270-5916. Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Brasil. sii.sartor@hotmail.com Recibido: 06 de agosto de 2014 Enviado a pares: 28 de marzo de 2015 Aceptado por pares: 11 de diciembre de 2015 Aprobado: 03 de abril de 2016 DOI: 10.5294/aqui.2016.16.3.7 Para citar este artículo / To reference this article / Para citar este artigo Oliveira SG, Quintana AM, Budó MLD, Kruse MHL, García RP, Wünsh S, Sartor AF. Representações sociais do cuidado de doentes terminais no domicílio: o olhar do cuidador familiar. Aquichan. 2016; 16(3): 359-369. DOI: 10.5294/aqui.2016.16.3.7 RESUMO Objetivo: conhecer as representações sociais construídas pelos cuidadores familiares de pacientes terminais sobre o cuidado no domicílio. Método: estudo qualitativo com referencial teórico-metodológico das representações sociais, realizado com 11 cuidadores fa- miliares de doentes terminais, cadastrados no serviço de internação domiciliar de um hospital universitário do sul do Brasil. Realizaram-se entrevistas narrativas, analisadas por meio de análise de conteúdo. Elaboraram-se quatro categorias: 1) cuidadores homens e mulheres — um olhar diferenciado; 2) a inversão de papéis e trocas a partir do cuidar; 3) experiências como fonte de conhecimento para o cuida- do domiciliar; 4) desafios do cuidar. Resultados: para os cuidadores homens, as representações diferem das mulheres, pois o cuidado inclui o ambiente, além do paciente. Eles não atribuem a angústia gerada à sobrecarga, mas ao temor da perda do ente querido. Outras representações remetem-se à falta de escolha para assumir o papel de cuidador e à inversão ou mudança de papéis, o que torna o paciente submisso ao cuidador. Conclusão: esta pesquisa permitiu conhecer como os cuidadores familiares constroem os significados e interpretam o cuidado que realizam no domicílio por meio do programa de hospitalização domiciliar. Destaca-se a função dos profissionais da saúde em orientar o cuidador familiar para realizar o cuidado. PALAVRAS-CHAVE Assistência domiciliar, cuidadores, acontecimentos que mudam a vida, enfermagem, enfermagem oncológica (Fonte: DeCS, BIREME). AÑO 16 - VOL. 16 Nº 3 - CHÍA, COLOMBIA - SEPTIEMBRE 2016 l 359-369 360 AQUICHAN - ISSN 1657-5997 AÑO 16 - VOL. 16 Nº 3 - CHÍA, COLOMBIA - SEPTIEMBRE 2016 l 359-369 Representaciones sociales de cuidadores de pacientes terminales en el domicilio: la visión del cuidador familiar RESUMEN Objetivo: conocer las representaciones sociales construidas por los cuidadores familiares de pacientes terminales sobre el cuidado en el domicilio. Método: estudio cualitativo con once cuidadores familiares de enfermos terminales, registrados en el servicio de inter- nación domiciliaria de un hospital universitario del sur de Brasil. Realizaron entrevistas narrativas, analizadas por medio del análisis de contenido. Se definieron cuatro categorías: cuidadores hombres y mujeres, una visión diferente; la inversión de roles y los cambios en el cuidado; experiencias como fuente de conocimiento para el cuidado en el hogar; y desafíos del cuidado. Resultados: para los cuidadores hombres, las representaciones difieren de las de las mujeres debido a que el cuidado incluye su entorno. Los hombres no atribuyen la an- gustia a la sobrecarga, pero sí al temor de perder un ser. Otras representaciones remiten a la imposibilidad de elección para asumir el pa- pel de cuidador y a la inversión de roles, lo que vuelve al paciente sometido al cuidador. Conclusión: esta investigación permitió conocer cómo los cuidadores familiares construyen los significados e interpretan el cuidado que realizan en el domicilio por medio del Programa de Hospitalización Domiciliaria. Se destaca la función de los profesionales de la salud en orientar al cuidador familiar para realizar el cuidado. PALABRAS CLAVES Atención domiciliaria de salud; cuidadores; acontecimientos que cambian la vida; enfermería; enfermería oncológica (Fuente: DeCS, BIREME). 361 Representações sociais do cuidado de doentes terminais no domicílio: o olhar do cuidador familiar l Stefanie Griebeler Oliveira e outros Social Representations of In-Home Caregivers of Terminally Ill Patients: The Family Caregiver’s Point of View ABSTRACT Objective: To learn about the social representations of home care by family caregivers of terminally ill patients. Method: Qualitative study with eleven family caregivers of terminally ill patients, registered in the home care service of a teaching hospital in southern Brazil. The researchers conducted narrative interviews and used the content analysis method to analyze them. Four categories were established: male and female caregivers, a different perspective; role reversal and changes in care; experiences as a source of knowledge for home care; and healthcare challenges. Results: Representations by male caregivers differ from those of female caregivers because care also includes the context. Male caregivers do not associate distress to excessive burden but to the fear of losing someone. Other represen- tations refer to the impossibility of choice to assume the role of caregiver and to role reversal, which causes patients to be submissive with the caregiver. Conclusion: The research revealed how family caregivers construct meanings and how they interpret the home care provided through the home care program. Particular attention is given to the role of healthcare professionals in guiding family caregivers. KEYWORDS Home health care; caregivers; life changing events; nursing; oncology nursing (Source: DeCS, BIREME). AÑO 16 - VOL. 16 Nº 3 - CHÍA, COLOMBIA - SEPTIEMBRE 2016 l 359-369 362 AÑO 16 - VOL. 16 Nº 3 - CHÍA, COLOMBIA - SEPTIEMBRE 2016 AQUICHAN - ISSN 1657-5997 Introdução A família vem sendo integrada no processo de cuidado ao pa- ciente crônico recentemente (1). É nela que as pessoas muitas vezes aprendem e desenvolvem suas práticas de cuidado. Nem sempre é a forma mais adequada tecnicamente, mas há forte sim- bolismo por envolver afeto, aproximação, compartilhamento de experiências (2). O cuidado pode apresentar diversos significados e constituir-se em um termo polissêmico; além disso, expressa-se como um fenômeno universal na vida do ser humano desde a An- tiguidade e é organizado por comportamentos e atitudes diver- sos, dentre os quais se destacam o respeito, a consideração, a segurança, o conforto e a capacitação. O cuidado compreende, portanto, uma prática responsável pela sobrevivência humana e uma luta constante em prol da perpetuação da espécie (3). O cuidado pode ser realizado em diversos ambientes, dentre estes, destaca-se o domicílio. O cuidado domiciliar, disponibili- zado por uma equipe de referência para o paciente e a família, possibilita a efetiva construção de vínculos e novas formas de cui- dar (4-5). Está voltado para pessoas com doenças que ameaçam a vida e contribui para a promoção do conforto e a satisfação das necessidades dos moribundos devido ao ambiente ser mais favorável para a realização dos cuidados ao paciente (6). Nesse contexto domiciliário, abarcar o processo de morrer e de morte pode ser uma forma de resgate dos aspectos humanos nas práti- cas de saúde (5, 7-8). Se, por um lado, o mundo científico considera o cuidado domi- ciliar uma ação benéfica, como será que os cuidadores familiares se veem quando inseridos repentinamente nesse contexto? Como esse novo papel para que são designados impacta suas vidas? Desse modo, faz-se relevante a presente pesquisa, pois o referencial teó- rico das representações sociais facilita aos profissionais de saúde conhecer como cuidadores familiares constroem os significados e interpretam o cuidado realizado no domicílio, o que possibilita mel- hor comunicação entre os envolvidos nesse processo. Diante disso, com este estudo, buscou-se conhecer as repre- sentações sociais construídas pelos cuidadores familiares de pa- cientes terminais sobre o cuidado no domicílio. Referencial teórico metodológico: representações sociais As representações sociais (RS) são formadas por interpre- tações da realidade e procuram reconhecer como os grupos constroem um mundo estável e previsível a partir das diferenças, uma vez que há como ponto de partida a diversidade dos indiví- duos (9). Elas também podem ser definidas como teorias do senso comum e ser reconhecidas tanto quanto as teorias científicas, pois satisfazem e são plausíveis ao intelecto do mesmo modo, embora sejam formadas com outros métodos e respondam a inquietações diferentes (10). Para que as RS sejam criadas, é necessária a passagem de algo não familiar para familiar por meio de dois processos: a an- coragem e a objetivação. A ancoragem trata de classificar e dar nome a algo por meio de um processo que transforma algo es- tranho no sistema particular de categorias, comparando isso com um paradigma de uma categoria que se pensa ser apropriada. Na objetivação, une-se a ideia da não familiaridade com a realidade, tornando-se a verdadeira essência da realidade. Em outras pala- vras, seria apanhar algo da memória e comparar com o objeto a ser interpretado (9). Método Tratou-se de uma pesquisa qualitativa que foi desenvolvida com cuidadores familiares de pacientes terminais oncológicos vinculados a um Serviço de Internação Domiciliar de um hospital universitário do sul do Brasil. Esse serviço, composto por uma equipe multiprofissional, presta assistência a pacientes portado- res de enfermidades crônicas, que não precisam de internação hospitalar, clinicamente estáveis, e sem condições de acompa- nhamento ambulatorial. Para ser inserido no programa, o pacien- te ou o responsável deve concordar com a internação domiciliar e dispor de um cuidador que se responsabilize pelos cuidados no domicílio. O serviço tem como intuito diminuir a ocupação dos lei- tos hospitalares e abater a média de permanência hospitalar, o que leva a um atendimento mais humanizado. Além disso, o ser- viço tem como objetivo proporcionar apoio técnico e estrutural à família no retorno do paciente ao domicílio. Essa organização aproxima-se das premissas do Programa Melhor em Casa, insti- tuído no Brasil em 2011 (11) . A seleção desses participantes ocorreu de janeiro a junho de 2010, nos cadastros do referido serviço, por ordem alfabética. Fo- ram incluídos os cuidadores familiares, maiores de 18 anos, que realizavam cuidados ao paciente terminal oncológico, vinculado ou cadastrado no Serviço de Internação Domiciliar do Hospital Universitário de Santa Maria (SIDHUSM). Foram excluídos, neste 363 Representações sociais do cuidado de doentes terminais no domicílio: o olhar do cuidador familiar l Stefanie Griebeler Oliveira e outros estudo, cuidadores familiares de pacientes que não possuíam o diagnóstico de câncer, menores de 18 anos e fora do Programa de Internação Domiciliar do Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM). Ao todo, foram entrevistados 11 cuidadores familiares. Destes, quatro eram do sexo masculino e sete do sexo feminino. Das mulheres, cinco eram filhas dos pacientes, e duas, esposas destes. Dos homens, dois eram cônjuges, um era irmão e outro era pai. A totalidade de cuidadores que atendia aos critérios de inclusão no período da coleta de dados foi entrevistada. Para a obtenção de dados, foi utilizada a entrevista narrativa (12), que possibilitou a exposição das RS por meio da vivência e experiência relatadas. Nesse tipo de entrevista, o conhecimento científico é produzido de forma fidedigna aos relatos, o que via- biliza o aprofundamento das investigações a partir da contextua- lização destes. Além disso, permite evidenciar aspectos a partir do que a pessoa registrou de sua história, indo além da transmis- são de informações por abranger aspectos fundamentais para a compreensão do sujeito individualmente e no contexto que está inserido, e por ter como característica sensibilizar, fazer o ou- vinte assimilar as experiências de acordo com as suas vivências e ainda possibilitar interpretações que envolvem as experiências prévias. Para tanto, foram utilizados como eixos norteadores: a experiência de ser cuidador e as tarefas do cuidador. A execução do projeto foi posterior à aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria, com o número de Certificado de Apresentação para Apreciação Ética 0246.0.243.000-09. A visita ao domicílio do paciente terminal para a entrevista era agendada previamente por contato telefônico e foi realizada individualmente com o cuidador familiar no domicílio do paciente. Para melhor captação dos dados, as entrevistas foram gravadas e depois transcritas para a realização da análise dos dados. Os encontros tiveram em média a duração de uma hora e ocorreram na sala do domicílio, para que os pacientes não estivessem pre- sentes no momento da entrevista, o que permitiu que o cuidador familiar ficasse mais à vontade para falar sobre sua experiência. Para a etapa de análise dos dados, utilizou-se a análise de con- teúdo, a qual se define pela explicitação do sentido contido em um documento ou o modo em que pode ser transformado com a finali- dade de oferecer um significado, levando-se em conta a frequência da repetição dos termos, o aparato e o andamento do discurso (13). Seguindo os princípios éticos e respeitando a Resolução 196/96 (14), que orienta pesquisas em seres humanos, os par- ticipantes leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O sigilo e o anonimato dos participantes do estudo foram preservados por meio da adoção de códigos para a identifi- cação das falas, a fim de manter a sua privacidade. As letras que formaram esses códigos são CF para cuidador familiar, seguidas de números que indicam a ordem de realização das entrevistas e, ainda, com o acréscimo de F (feminino) ou M (masculino), os quais auxiliarão na identificação das falas, no concernente à análise. Por exemplo: CF1-M, CF2-F, CF3-F, CF4-M, e assim sucessivamente. Resultados A partir da análise dos dados, foram construídas quatro ca- tegorias. São elas: 1) cuidadores homens e mulheres: um olhar diferenciado; 2) inversão de papéis e trocas a partir do cuidar; 3) experiências como fonte de conhecimento para o cuidado domici- liar; 4) desafios do cuidar. Cuidadores homens e mulheres: um olhar diferenciado Ao longo da análise das narrativas, percebeu-se que existem representações diferenciadas entre homens e mulheres que as- sumem o papel de cuidador familiar. Os entrevistados do sexo masculino expressaram em suas falas que o cuidado envolve o paciente e o ambiente. Citaram ações como o preparo e o forneci- mento de alimentos, higiene, tanto do paciente como do ambiente, e a administração da medicação: “Aqui quem faz tudo é ele [o pai da paciente]. Lava a louça, cozinha, troca três a quatro vezes o lençol que precisa ser lavado, seca, lava, seca, lava, passa, fral- das, fraldinhas, tudo. Praticamente, vamos dizer 80% quem faz é ele” (CF3-M). Ah, no cuidado, principalmente a alimentação. [...] que ela tem que comer. A comida também sou eu que faço [...] esse tipo de medicação que ela toma, tem sono, então a gente procura sem- pre dizer: “Olha, não fica numa cadeira, deita na cama, pode dei- tar [...]”. As roupas também a gente bota na máquina, são tudo as coisas assim [...] Eu estou fazendo tudo que ela fazia e mais o que eu faço. Estou dando valor à mulher, como dizem. (CF7-M) Já as mulheres cuidadoras entrevistadas nesta pesquisa des- tacaram atividades mais ligadas diretamente com o paciente: 364 AÑO 16 - VOL. 16 Nº 3 - CHÍA, COLOMBIA - SEPTIEMBRE 2016 AQUICHAN - ISSN 1657-5997 Dar banho, ela vai para o banheiro sozinha, mas ela está muito fraca, aí treme muito as pernas. Daí ela vai meio que agarrada, a gente coloca numa cadeira, dá banho [...] comida, ela come só batida, é mais sopinha, caldinho, que ela não se afoga. E remédio tem que quebrar pra dar para ela. (CF8-F) A medicação dele toda é oral, só faz uma injetável no abdômen que é com aquelas agulhinhas pequenas [...] ele tá engolindo bem, agora ele já começou a ter crises de demência, de enxergar o que não tem [...] Às vezes ele pede pra urinar, às vezes ele não pede, meio se urina. (CF9-F) Auxiliar ele no banho, ver as roupas dele, botar ele para sentar, alimentar. Isso aí sempre foi feito. Desde quando ele estava com a sonda, de tanto em tanto tempo tinha que dar. Tanto é que, que ele está há mais de cinco anos, porque nunca faltou nada para ele. (CF10-F) Inversão de papéis e trocas a partir do cuidar Em algumas situações do processo de cuidar, ocorrem mu- danças de papéis, como quando os filhos assumem uma prática maternal com relação ao paciente. De certa forma, esse aspecto remete para uma situação de poder sobre o paciente, que passa a ser visto como criança, como submisso ao cuidador: “Nos papéis aqui em casa houve uma inversão, hoje ela é a minha filha, e eu sou a mãe. A gente conversa isso, eu falo para ela: a senhora me obedeça!” (CF1-F). “Eu nunca tinha cuidado de ninguém, nem de criança! Aí ganhei um bebê gigante!” (CF8-F). Ainda, na fala seguinte, pôde-se perceber que as condições de ser cuidado e de cuidar modificam não somente papéis, mas, até mesmo, comportamentos, gerando alteração de regras e hábitos. As filhas nunca se imaginavam dando banho no próprio pai: O pai mudou muito o comportamento dele. Antes ele era muito ríspido. Agora dificilmente ele perde a paciência. Alterou um pouco a personalidade. Ficou mais fácil lidar com ele. Ele mes- mo aceita as limitações, porque antes ele não aceitava. [...] Mas nunca nosso pai ia estar imaginando que nós iríamos estar dando banho [nele]. Agora não. Ele aguenta a gente estar junto. (CF 10) Ainda acontece de o cuidado poder significar um compromisso uma vez que o cuidador revela que foi escolhido para cuidar da paciente pelo fato de a paciente ter cuidado dele anteriormente, o que caracteriza outra inversão de papéis: “Me escolheu para cuidar dela, porque ela me cuidou. Eu tive internado [em um outro hospital]. Tive câncer no pulmão e ela me cuidou. Agora eu estou cuidando dela” (CF2-M). Experiências como fonte de conhecimento para o cuidado domiciliar Os cuidadores familiares referiram, inicialmente, que eram inexperientes com o cuidado, mas que, com o passar dos dias, ad- quiriram experiência para as atividades necessárias. O aprendi- zado pode ser iniciado quando a pessoa já foi cuidada por alguém; no entanto, por outro lado, a lembrança de que os profissionais de saúde são os mais preparados para a realização do cuidado gerou certa insegurança aos cuidadores: A gente faz toda a medicação. [...] Fiz um cronograminha para poder me orientar, saber os horários, [...] [o] medicamento dela está para lá separado, para não misturar com nada [...] não sei se a gente faz a coisa certa, porque às vezes a gente acha que está fazendo. A gente não tem noção. As enfermeiras são to- das treinadas, elas estão preparadas para aquilo. Mas, graças a Deus, até agora não deu nada que eu não pudesse resolver. No começo, foi só o susto, mas depois me dediquei, eu mesmo procurei fazer isso, então para mim está sendo o normal de um dia a dia. (CF7-M) As experiências individuais/pessoais também servem como fonte de conhecimento para o cuidado. Em uma situação em que duas irmãs eram cuidadoras, uma delas passou pela formação de auxiliar de enfermagem e referiu que isso influencia no seu jeito de cuidar. Por conta da formação profissional, ela assume uma posição mais impositiva e prática, quando comparada à da irmã. Esta, por não ter experiência formativa em um curso na área da saúde, demonstra maior flexibilidade em suas ações: “Ah, eu cursei auxiliar de enfermagem. Então mais ou menos tem [ex- periência para o cuidado]. A minha irmã tem mais jeitinho, mais paciência [...] de fazer do jeitinho que ele quer. Eu já sou de impor as coisas, de fazer o certo. Acho que ele prefere ela” (CF10-F). As orientações recebidas durante o cuidado domiciliar de profissionais da saúde colaboraram para a experiência do cui- dador, da mesma forma que o ajudaram a agregar e absorver o conhecimento: Uma enfermeira me ensinou a fazer um soro glicosado! Eu não sabia nada! Cheguei na farmácia, comprei tudo que ela mandou. 365 Representações sociais do cuidado de doentes terminais no domicílio: o olhar do cuidador familiar l Stefanie Griebeler Oliveira e outros Comprei o soro, a vitamina C, complexo B. Tem a minha vizinha aqui de cima, ela é técnica em enfermagem, eu pedi para ela puncionar a veia. Eu sabia que a mãe nunca teve glicose alta, nem nada. Aí peguei e coloquei, era eu que trocava sempre, mas para puncionar a veia era ela [profissional de enfermagem]. Eu ia de metida, aprendendo. (CF8-F) Tinham ensinado, o [meu filho, e ele] não queria dar [a injeção], estava com medo. Chamei uma vizinha [para ficar com o pacien- te], corri para arrumar uma [enfermeira], o postão [unidade de saúde] estava aberto, daí ela [enfermeira] veio e fez. Daí eu comecei a olhar, aprendi na marra! Eu mesmo dou! Passo bas- tante álcool, depois dou a injeção. (CF5-F) Desafios no cuidar Alguns desafios no cuidar são também relacionados a de- terminadas ações, algumas simples e outras complexas, que envolvem desde fazer a higiene do familiar até movimentar um paciente com fratura de vértebras, apresentando-se como novas experiências: “Eu mesma fiz a barba! Eu nunca fiz na minha vida, aprendi tudo na marra. Dou banho nele todos os dias. E cuido dele! Uma novidade, bem dizer!” (CF5-F). “Ela é pesada, e às vezes ele [o pai] sozinho tira ela da cama. E ela é uma pessoa que não pode pegar assim, só botar força. Tem que ter jeito, porque senão pode afundar um osso, quebrar” (CF3-M). A rotina do cuidado parece estressar o cuidador, sobretudo, na situação de cuidar de um paciente terminal, que é bastante solicitante: “Ah, a gente se estressa um pouco, sabe. De fazer a mesma coisa, todo dia de manhã tem que dar banho nela. Ela fica às vezes um pouco rebelde, até por causa da doença, daí ela fica toda hora chamando” (CF8-F). Além disso, o cuidador familiar acredita que os sentimen- tos daquele que cuida são transferidos ao ser cuidado. Por isso, destaca a relevância de se manter alegre para transmitir isso ao doente: “Para a pessoa que está doente tem que chegar alegre. Se chegar triste, aí é triste” (CF2-M). O cuidado no domicílio representa uma atenção constante, ininterrupta, entendido, por alguns, como uma missão: “É um cui- dado, minuto a minuto, direto, não pode estar nunca longe. Não é fácil, é uma missão. A minha missão” (CF1-F). Discussão As RS do cuidado são construídas de forma distinta pelos cuidadores familiares homens e mulheres, o que pode estar relacionado ao papel assumido por ambos os sexos na socie- dade. Assim, salientam-se algumas reflexões: a primeira delas refere-se ao destaque com que os cuidadores homens direcio- nam ao cuidado com o ambiente, além do paciente, o que inclui as tarefas domésticas nesse processo. Diante disso, surgem al- guns questionamentos: a inclusão dessas atividades nas tarefas de cuidado pelos homens ocorre porque eles, em geral, não as realizavam cotidianamente? Um segundo questionamento seria se os cuidadores do sexo masculino assumiram o cuidado por ausência de alternativas ou por pouca disponibilidade de outros familiares? Essas questões são pertinentes visto que, dos quatro homens cuidadores, dois deles eram cônjuges, um era pai, e outro era irmão. Em nenhum desses casos, havia possibilidade de outro membro da família assumir esse cuidado. Na perspectiva das mulheres, por sua vez, reflete-se acerca da abordagem do cuidado de forma restrita ao paciente. Essa re- presentação poderia estar relacionada ao fato de que as tarefas domésticas já seriam consideradas parte de suas atividades coti- dianas. Isso pode ser justificado uma vez que, historicamente, o cuidado desenvolvido pelas mulheres abarcava as práticas reali- zadas em casa, no terreno, com os alimentos, desde o momento do cultivo até o preparo e a ingestão destes. Já para os homens, a caça lhes proporcionava a apropriação de cuidados mais comple- xos e distantes do domicílio devido aos ferimentos ocasionados pela luta com o animal, como suturas, o que restringiu os cuida- dos domésticos às mulheres (15). Isso posto, pode-se afirmar que as RS sobre o cuidado rea- lizado no domicílio ao paciente terminal foram construídas pelo processo de ancoragem (9), mas com interpretações diferentes para homens e mulheres, tendo em vista os fatores sociais, his- tóricos, culturais e psicológicos, que parecem influenciar a for- mação de imagens e significados expressos nesta pesquisa. Os homens veem-se desenvolvendo tarefas domésticas, talvez realizadas anteriormente de forma eventual. Eles as as- similam para si como inerentes ao cuidado do paciente já que a ma- nutenção do ambiente favorece também o bem-estar do enfermo. O desconhecido, ou seja, as tarefas domésticas somadas ao cui- dado do paciente em internação domiciliar, torna-se cotidiano 366 AÑO 16 - VOL. 16 Nº 3 - CHÍA, COLOMBIA - SEPTIEMBRE 2016 AQUICHAN - ISSN 1657-5997 ao cuidador familiar do sexo masculino, fazendo reproduzir essas representações. Já, para as mulheres, o desconhecido seria ape- nas o cuidado direto ao paciente terminal, sendo as tarefas do- mésticas comuns em suas atividades cotidianas. Assim como o papel assumido por homens e mulheres de- termina a produção das RS do cuidado, a situação de cuidado também parece produzir sentidos, em especial nas relações en- tre cuidador e paciente, gerando inversão ou mudança de papéis. Um exemplo disso seria quando o paciente se torna submisso ao cuidador que impõe limites, como se colocam às crianças (16). Essa condição de sujeição ao cuidador favorece a redução de au- tonomia do paciente, pois o familiar se posiciona em um papel de superioridade, como mãe ou pai do doente, fazendo com que este não decida quanto às suas terapêuticas. Nos aspectos diários da vida do doente crônico, a sua autonomia deve ser incentivada pelo cuidador, de modo que a cronicidade não o torne totalmente de- pendente de alguém. Em um estudo (17) demonstrou-se a importância de permitir que os pacientes possam participar ativamente no processo de to- mada de decisão e tenham a possibilidade de ter uma vida boa no pouco tempo de vida que lhes resta. Isso permite que os pacientes tenham liberdade e respeito para tomar decisões, e possam se perceber como pessoas com autonomia (17). A restrição da auto- nomia não se limita à situação de doença crônica; pode também se evidenciar no processo de terminalidade. Para prevenir essa situação, é necessário que o cuidador estimule o doente a viver e realizar as atividades que sua condição permite, evitando trans- formar suas limitações em uma incapacidade geral (16). Dessa forma, evitam-se situações de infantilização do paciente e recuo de sua própria autonomia. Acredita-se que essas RS podem advir do modelo paternalista introduzido pelos próprios profissionais de saúde, pois, colocando o paciente em uma condição inferior, torna-se mais fácil o ma- nejo das ações de cuidado. Assim, essas RS foram construídas mediante o processo de objetivação (9) visto que os cuidadores familiares já foram cuidados pelos seus responsáveis, podendo remetê-los a uma lembrança de submissão. Para o cuidador, quando o paciente aceita suas limitações, também aceita ser cui- dado e, desse modo, as intervenções, tanto do cuidador familiar como da equipe, ficam mais facilitadas. Quem cuida também necessita ou necessitará, talvez em um futuro próximo, de cuidados. E quem é cuidado por alguém poderá cuidar de alguém no futuro (2). Diante disso, valorizar as RS que giram em torno do cuidado no domicílio, no olhar dos cuidadores familiares, pode permitir um melhor planejamento das ações e uma aproximação maior na relação e na comunicação entre en- fermeiros, seus pares, o paciente e a família. Em alguns momentos, fica implícita a dificuldade dos familia- res assumirem o papel de cuidadores familiares, quando estes ex- põem que os enfermeiros são mais preparados para o cuidado dos pacientes. Contudo, não é possível que pacientes com doenças crônicas de longa duração permaneçam continuamente no hos- pital e, desse modo, são necessários os cuidados dos familiares. Destaca-se que não é aceitável negar o cuidado a quem precisa, sobretudo a um membro da família, e, assim, faz-se necessária uma adaptação para enfrentar tal situação. Nesse sentido, os cuidadores criam estratégias para se organizar, como no caso do cronograma citado nas entrevistas, mas, apesar disso, perma- nece o receio e a insegurança de não prestarem os melhores cui- dados por não terem o treinamento profissional. Outros estudos também mostram que ser cuidador nem sempre é uma escolha (6, 18). Muitos cuidadores e pacientes avaliam a atenção domici- liar como positiva ao considerar a proximidade do paciente com a família por estar em seu contexto, em sua casa (6). Entretan- to, muitos cuidadores sentem-se sobrecarregados, privados de necessidades básicas como sono e boa alimentação, vivendo em isolamento social por ficar em torno do paciente e longe de suas atividades (6, 18). Para os cuidadores que já foram cuidados ou que já experimen- taram cuidar, a vivência vai tornando-se consolidada e, de certa forma, parece proporcionar um melhor preparo. No entanto, isso não parece ser regra já que a vontade de aprender o cuidado é um fator que auxilia os cuidadores a adquirirem segurança. Assumir o papel de cuidador implica uma ruptura da barreira que separa o cuidador familiar do profissional de saúde. Parece que, quando os cuidadores falam de sua vontade de aprender e fazer, buscam se identificar com ele. Nesse processo, passam a assumir funções que legalmente são restritas ao profissional e isso parece ser fa- cilitado na sua necessidade de ensinar alguns procedimentos a serem realizados pelo familiar com o paciente. Assim, para o cui- dador, torna-se confusa a distinção entre as atividades restritas ao profissional de saúde e suas atividades como cuidador. É importante destacar que a família, recentemente, vem sen- do (re)conhecida pela equipe de saúde como membro do processo de cuidado. Ante o incentivo da internação domiciliar do paciente 367 Representações sociais do cuidado de doentes terminais no domicílio: o olhar do cuidador familiar l Stefanie Griebeler Oliveira e outros terminal, cabe ao enfermeiro o papel fundamental de preparar e apoiar os cuidadores familiares na reorganização familiar, de modo que possam assumir os cuidados. A atenção e a valorização das experiências dos cuidadores, por parte dos enfermeiros e profissionais de saúde, podem torná-los mais seguros. Assim, as RS expressas neste estudo podem favorecer a maneira de abor- dar a família do doente terminal, especialmente nas orientações de como proceder nas ações de cuidado e papel desempenhado costumeiramente pelo enfermeiro. Em estudo com cuidadores do programa de atenção domici- liar, demonstrou-se que cuidar de um paciente em situação de terminalidade torna possível a tomada de consciência da própria morte, fazendo pensar na finitude humana (2). Na proposta de cuidados paliativos, o familiar torna-se um membro fundamental na etapa de morte e de morrer do paciente (5). Nesse movimento, a enfermagem necessita desenvolver a escuta, em especial com os cuidadores familiares, pois estes não demandam somente escla- recer dúvidas acerca de como realizar os cuidados, mas também um acolhimento para seus sentimentos de insegurança sobre a relação cuidador-paciente, suas ansiedades e seu sofrimento de estar percebendo o morrer do outro. Portanto, as RS são construídas nesse contexto transitório de entrega do paciente à família, que apresenta diversos sen- timentos envolvidos no aprendizado do cuidado já que, para al- guns cuidadores familiares, existiu a experiência e, para outros, as ações e sentimentos são novidades. As RS para aqueles que já experienciaram o cuidar e ser cuidado são repetidas. Assim, quando um fenômeno se repete (9), ocorre um estabelecimento da relação entre os cuidadores, a situação, a experiência ou entre o desconhecido e o conhecido. É aqui que se diferenciam as RS da ciência, observadas na fala do cuidador familiar, quando relata que os enfermeiros sabem como deve ser feito e que, como ele não possui o treinamento, ainda apresenta insegurança quanto a fazer o cuidado correto. É condição necessária para uma pessoa com doença terminal permanecer em casa, tendo um cuidador informal que faça a li- gação com a equipe de cuidados (5, 11). Dessa forma, quando não há apoio e suporte da equipe profissional de saúde, muitas vezes, esses cuidadores podem sofrer pela falta de informação, acom- panhamento e apoio (6, 19). Tudo isso exigirá deles motivação e, principalmente, ação, compreensão e entendimento a respeito de assuntos e práticas dos quais pouco sabem como funcionam, ou para que servem. Como resultado, o cuidador pode se encontrar em um estado de solidão. Quando o cuidador vê o paciente como solicitante, pode ex- pressar, de certa forma, que o familiar, ao assumir o papel de cuidador, passa a viver em torno do paciente terminal ou crônico para poder satisfazer suas necessidades. Além disso, quando o papel de cuidar torna-se rotineiro e prolongado, o cuidador pode ficar estressado por realizar a mesma atividade. Isso pode ser mais impactante quando se sabe que o cuidado desenvolvido é para ajudar um ente querido no processo de morrer, o que implica a aceitação da impossibilidade de cura de seu familiar. O cuidado no domicílio traz à família e ao paciente alguns de- safios psicológicos e adaptação ambiental. Nesse sentido, propi- ciar suporte ao cuidador garante uma assistência de qualidade uma vez que ele também necessita de cuidados, pois passa por adaptações físicas, sociais, emocionais e de sobrecarga, preci- sando de compreensão. A dinâmica no cuidado a domicílio envolve dedicação contínua de tempo e conhecimento básico ao ato de cuidar; entretanto, esse processo pode causar estresse e des- gaste à família, ao usuário, ao cuidador e à equipe (20-22). Destaca-se que a atitude do cuidador é parte integrante do cuidado. A pessoa doente sente quando o cuidador está sobre- carregado. Sabe-se que, de fato, o paciente percebe que sua de- pendência pode atrapalhar quem cuida e isola-se. Por outro lado, a dependência do doente potencializa a vontade do familiar res- ponsável de cuidar. Considerações finais Esta pesquisa, que se desenvolveu fundamentada no referen- cial teórico das representações sociais, permitiu o conhecimento de como os cuidadores familiares constroem os significados e interpretam o cuidado realizado por eles no domicílio por meio da internação domiciliar. Esses significados emergiram de forma diferente entre cuidadores homens e mulheres; os primeiros di- recionam o cuidado ao ambiente, além do paciente, o que inclui as tarefas domésticas nesse processo. Todavia, é fato que em suas representações não se visualizou o cuidado como algo esgota- dor, o que permitiu a reflexão de que os sentimentos de tristeza, angústia e ansiedade, revelados pelos cuidadores ao longo das entrevistas, referem-se mais à perda do ente querido, e não à sobrecarga de trabalho. 368 AÑO 16 - VOL. 16 Nº 3 - CHÍA, COLOMBIA - SEPTIEMBRE 2016 AQUICHAN - ISSN 1657-5997 Visualizou-se também a impossibilidade de escolha para as- sumir o papel de cuidador familiar, pois não é adequado negar o cuidado a quem precisa, sobretudo a um membro da família. Dessa forma, faz-se necessária uma adaptação para o enfrentamento da situação a fim de facilitar o cuidado domiciliar. Outra questão encontrada nas representações sociais, acerca do cuidado domiciliar, é a inversão ou a mudança de papéis, quando o paciente se torna submisso ao cuidador que impõe limites, o que pode ser trabalhado pela equipe de saúde para não haver prejuízo da autonomia do paciente. Assim, este estudo pode ressaltar que os enfermeiros e demais profissionais de saúde relativizem o ol- har de infantilização ao doente promovendo sua autonomia e favo- recendo um posicionamento ativo do paciente ante a sua doença. A condução dos diálogos e o compartilhamento de informações entre equipe e família podem promover as potencialidades do pa- ciente e ressaltar seu papel de protagonismo diante das ativida- des diárias de sua rotina, mesmo modificada pela doença. Nas RS expressas pelos cuidadores familiares sobre o cuidado, destaca-se a necessidade da equipe de saúde —principalmente os enfermeiros, normalmente, os responsáveis pela orientação das ações do cuidado— estar atenta para as peculiaridades que os cuidadores apresentam com relação às suas vivências e ex- periências, com o objetivo de proporcionar segurança, apoio e amparo no processo de cuidado em situação de terminalidade. Por outro lado, quando o cuidador já cuidou de outra pessoa com agravos à saúde, o preparo para o cuidar do paciente termi- nal é facilitado, bem como a aproximação para um diálogo sobre o processo de morte e de morrer desse indivíduo. Nesse contexto, a enfermagem poderá preparar melhor o cuidador para as obser- vações ante a situação do paciente, o que proporciona a condução do cuidado de maneira mais efetiva e traz conforto e tranquilidade ao ambiente domiciliar. Observamos que, considerando a recente inserção da família no cuidado ao doente, é atribuição da enfermagem a identificação de sentimentos e necessidades advindos desse contexto, dando apoio aos cuidadores envolvidos no processo de cuidado. Estes realizam diferentes atividades, como a administração de medica- mentos por via subcutânea, realização de curativos, uso do oxigê- nio, entre outras, que, anteriormente, eram ações privativas aos profissionais de saúde. Tais atividades necessitam ser conduzi- das pelos profissionais de saúde que devem avaliar a capacidade do cuidador e, de acordo com programas de saúde instituídos, prepará-lo para executar os cuidados; desse modo, serão evita- dos a transferência de atividades aos cuidadores e o surgimento de sentimentos de insegurança e ansiedade. Destaca-se que é função dos profissionais de saúde orientar e capacitar o cuidador familiar para realizar o cuidado, pois ao delegar procedimentos de enfermagem a um cuidador estarão amparando o melhor desenvol- vimento do cuidado domiciliar. Há pouco na literatura que aborde essa questão; portanto, sugere-se que mais estudos sejam realiza- dos nesse campo para explorar tais possibilidades. O presente estudo apresenta limitações uma vez que o olhar das representações sociais acerca da internação domiciliar re- mete-se a um contexto de um coletivo permeado por experiên- cias específicas de um determinado grupo. Além disso, o uso da teoria das representações sociais foi um dos possíveis olhares para esse objeto de pesquisa. Por fim, ainda se destaca, como limitante, que tais representações sociais podem ser restritas ao grupo pesquisado. Desse modo, recomenda-se a realização de estudo semelhante em outros contextos e também com outros referenciais teórico-metodológicos. Referências 1. 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