32 - 42 Puerperas usuarias de crack.indd 32 Juliane Portella Ribeiro1 Daiani Modernel Xavier2 Giovana Calcagno Gomes3 Marina Soares Mota4 Simone Quadros Alvarez5 Mara Regina Santos da Silva6 Puérperas usuárias de crack: difi culdades e facilidades enfrentadas no cuidado ao recém-nascido 1 orcid.org/0000-0002-1882-6762. Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Brasil. juliane.ribeiro@ufpel.edu.br 2 orcid.org/0000-0003-3832-2120. Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Brasil. daiamoder@furg.br 3 orcid.org/ 0000-0002-2464-1537. Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Brasil. giovanacalcagno@furg.br 4 orcid.org/0000-0002-5717-9406. Universidade Federal do Rio Grande-FURG. Brasil. marinamota@furg.br 5 orcid.org/0000-0002-0501-7202. Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Brasil. simone.alvarez@aedu.com 6 orcid.org/0000-0002-7385-7609. Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Brasil. marare@brturbo.com.br Recibido: 08 de septiembre de 2016 Enviado a pares: 6 de octubre de 2016 Aceptado por pares: 4 de abril de 2017 Aprobado: 25 de abril de 2017 DOI: 10.5294/aqui.2018.18.1.4 Para citar este artículo / To reference this article / Para citar este artigo Xavier DM, Gomes GC, Ribeiro JP, Mota MS, Alvarez SQ, Da Silva MRS. Puérperas usuárias de crack: dificuldades e facilidades enfrentadas no cuidado ao recém-nascido. Aquichan. 2018; 18(1): 32-42. Doi: 10.5294/aqui.2018.18.1.4 RESUMO Introdução: os recém-nascidos de usuárias de crack sofrem os efeitos da dependência já nas primeiras horas de vida e podem apre- sentar quadro de irritabilidade, sudorese, hipertonia e dificuldade nos ciclos de sono e vigília. Essa realidade torna necessário o auxílio profissional à puérpera usuária de crack para sua instrumentalização ao cuidado do recém-nascido. Objetivo: conhecer dificuldades e facilidades de puérperas usuárias de crack no cuidado ao recém-nascido. Método: realizou-se pesquisa com abordagem qualitativa em uma maternidade do sul do Brasil, mediante entrevistas semiestruturadas com 18 puérperas. Resultados: a partir da análise de conte- údo, identificaram-se como dificuldades: abstinência da droga, não amamentação, falta de apoio familiar, vigilância dos profissionais do Conselho Tutelar, falta de habilidade para a realização de cuidados diretos ao recém-nascido, medo de machucá-lo e falta de condições fi- nanceiras. Como facilidades, revelaram o fato de o recém-nascido chorar pouco, ser tranquilo e quieto; apoio da família, vizinhos e amigos, e auxílio financeiro do companheiro e familiares. Conclusão: puérperas usuárias de crack necessitam de auxílio para desempenharem seu papel de cuidadoras do recém-nascido. Devem ser captadas durante a gestação e acompanhadas de forma a realizarem o pré-natal, orientadas acerca dos cuidados com a criança e acolhidas em serviços de apoio. PALAVRAS-CHAVE Cocaína; crack; enfermagem; período pós-parto; recém-nascido; transtornos relacionados ao uso de substâncias (Fonte: DeCS). AÑO 18 - VOL. 18 Nº 1 - CHÍA, COLOMBIA - MARZO 2018 l 32-42 33 Puérperas usuárias de crack: dificuldades e facilidades enfrentadas no cuidado ao recém-nascido l Juliane Portella Ribeiro e outros AÑO 18 - VOL. 18 Nº 1 - CHÍA, COLOMBIA - MARZO 2018 l 32-42 Puérperas dependientes de crack: dificultades y facilidades afrontadas en el cuidado al recién nacido RESUMEN Introducción: los recién nacidos de dependientes de crack sufren los efectos de la dependencia ya en las primeras horas de vida y pueden presentar cuadro de irritabilidad, sudoración, hipertonía y dificultad en los ciclos de sueño y vigilia. Esta realidad requiere el auxilio profesional a la puérpera usuaria de crack para su instrumentalización al cuidado del recién nacido. Objetivo: conocer dificultades y facilidades de puérperas dependientes de crack en el cuidado al recién nacido. Método: se realizó investigación con enfoque cualitativo en una maternidad del sur de Brasil, por medio de entrevistas semiestructuradas con 18 puérperas. Resultados: desde el análisis de con- tenido, se identificaron como dificultades: abstinencia de la droga, no lactancia, falta de respaldo familiar, vigilancia de los profesionales del Consejo Tutelar (Similar al Bienestar Familiar en Colombia), falta de habilidad para la realización de cuidados directos al recién nacido, miedo a lastimarlo y falta de condiciones financieras. Como facilidades, se encontró que el recién nacido llore poco, sea tranquilo y quieto; respaldo de la familia, vecinos y amigos, y auxilio financiero del compañero y familiares. Conclusión: puérperas dependientes de crack necesitan de auxilio para que cumplan su rol de cuidadoras del recién nacido. Deben ser identificadas durante el embarazo y acompañadas de forma a que realicen el prenatal, orientadas acerca de los cuidados con el niño y recibidas en servicios de apoyo. PALABRAS CLAVE Cocaína; crack; enfermería; periodo postparto; recién nacido; trastornos relacionados con el uso de narcóticos (Fuente: DeCS). 34 AQUICHAN - ISSN 1657-5997 - eISSN 2027-5374 Crack-Dependent Postpartum Women: Newborn Care Difficulties and Facilities ABSTRACT Introduction: Newborns of crack-dependent mothers suffer the effects of drug dependence in the first hours of life and can exhibit irritability, sweating, hypertonia and difficulty in their sleep and wake cycles. This reality means the crack-dependent mother requires professional help to be able to care for her newborn child. Objective: The purpose of the study is to identify the newborn care difficulties and facilities facing postpartum women who are dependent on crack. Method: A qualitative study was conducted at a maternity hospital in southern Brazil, through semi-structured interviews with 18 postpartum women. Results: The content analysis made it possible to identify a number of difficulties; namely, abstinence from crack cocaine, no breastfeeding, lack of family support, surveillance by professionals from the Guardianship Council, lack of ability to care for the newborn, fear of hurting the newborn and financial problems. As for facilities, it was found the newborns of crack-dependent mothers cry little and are quiet and tranquil. Support from family members, neighbors and friends and financial help from the partner and the family are possible resources as well. Conclusion: Crack-dependent postpartum women need help to fulfill their role as newborn caregivers. They should be identified during pregnancy so as to receive guidance during the prenatal period and orientation on newborn care and the support services to which they are entitled. KEYWORDS Postpartum period; disorders related to substance abuse; crack cocaine; newborn, nursing (Source: DeCS) AÑO 18 - VOL. 18 Nº 1 - CHÍA, COLOMBIA - MARZO 2018 l 32-42 35 Puérperas usuárias de crack: dificuldades e facilidades enfrentadas no cuidado ao recém-nascido l Juliane Portella Ribeiro e outros Introdução Crack é uma substância ilícita que surgiu na década de 1980, em bairros pobres e marginalizados de Los Angeles, Nova York e Miami. Resulta da dissolução de cloridrato de cocaína em água e adição de uma base que, aquecida, forma pedaços de cristais e pó (1). Seu uso pode causar dependência psicológica e resultar em sentimentos de vazio, solidão, angústia e depressão (2). O uso de drogas ilícitas durante a gravidez tornou-se um pro- blema de saúde pública mundial. Nos Estados Unidos da América, a prevalência do uso de drogas ilícitas durante a gravidez em mu- lheres entre 15 e 44 anos que relataram o uso dessas substâncias nos últimos 30 dias atingiu 4,4 %. Na Europa, estudo que analisou substâncias ilícitas indicou que 7,9 % das gestantes foram expos- tas a substâncias psicoativas. Em 4,4 %, o uso foi exclusivamente de cocaína (3). Estudo em que se analisaram pacientes de 25 Unidades Básicas de Saúde do município de Maringá, no Estado do Paraná, e concluiu-se que a prevalência de uso de drogas ilíci- tas foi de 1,5 % em mulheres grávidas (4). O World Drug Report (5), publicado em 2016 pelo United Na- tions Office on Drugs and Crime, apontou que há uma tendência em nível global em relação ao aumento no consumo de cocaína, seja na forma intranasal (pó), seja na fumada (crack, merla ou oxi), principalmente na América do Sul. No Brasil, especificamente, o índice cada vez mais elevado de consumo de crack, nas diferentes regiões do país, tem sido objeto de publicações específicas por parte dos órgãos especializados e tem se constituído uma preo- cupação crescente das autoridades de saúde. Considerando que há um grande número de mulheres usuá- rias, sendo muitas gestantes, essa situação se torna ainda mais grave. Isso porque o uso de crack está associado à relação se- xual desprotegida e à não realização do pré-natal, o que leva à negligência da própria saúde e a do bebê (6). Pesquisa que bus- cou verificar a heterogeneidade dos dependentes de substâncias psicoativas constatou que, embora a prevalência do consumo de crack masculino seja maior, as mulheres têm um risco mais sig- nificativo de contrair infecções sexualmente transmissíveis, pois a prostituição como atividade informal é mais prevalente entre o grupo de mulheres (7). Estudo mostrou que essas mulheres são resistentes em aderir ao tratamento e aos programas de auxílio psicossocial direciona- dos a gestantes em situações de vulnerabilidades. Constatou-se que a maioria das mulheres grávidas eram solteiras, ficaram grá- vidas três ou mais vezes e relataram ter trocado sexo por dinheiro ou por substâncias psicoativas (8). O uso de crack ou de outras formas de administração da co- caína está relacionado a graves efeitos adversos maternos, como risco aumentado de descolamento prematuro de placenta, líquido amniótico meconial, ruptura prematura de membranas ovulares, anomalias de trato geniturinário, prematuridade e baixo peso ao nascimento. Pacientes dependentes que desenvolvem hiperten- são durante a gestação devem ser investigadas para pré-eclâmp- sia e intoxicação aguda (9-10). Os recém-nascidos sofrem os efeitos da dependência já nas primeiras horas de vida e podem apresentar quadro de irritabi- lidade, sudorese, hipertonia e dificuldade nos ciclos de sono e vigília. Todos esses sinais requerem ser averiguados para cons- tatar se o recém-nascido precisa de medicação (8). Dentre as limitações infantis mais frequentes, estão alterações no padrão de sucção, comprometimento cognitivo, menor propensão a in- teragir socialmente e maior propensão a morrer de síndrome da morte súbita (10). Essa realidade torna necessário o auxílio profissional à puér- pera usuária de crack para sua instrumentalização ao cuidado do recém-nascido. Cabe, então, aos profissionais da saúde, o delinea- mento de ações voltadas a essas crianças e puérperas, assim como a prevenção, a detecção precoce e o tratamento adequado, com vistas à reabilitação da díade mãe e bebê. No intuito de facilitar o cuidado à criança exposta ao crack, destaca-se a intervenção baseada na orientação da puérpera para a prestação dos cuidados à criança e para a promoção da saúde desta. O consumo de crack é um grave problema de abrangência mundial, que atinge não apenas o usuário, mas também as pes- soas que com ele convivem, o que inclui sua família. Atender ade- quadamente a esse público requer dos enfermeiros sensibilidade e conhecimento científico para embasar as práticas profissionais desenvolvidas com essas pessoas nos diferentes cenários onde buscam assistência em saúde (4). O uso de crack no período gestacional é tema de difícil aborda- gem na prática assistencial. Devido à necessidade do cuidado ao recém-nascido exposto ao crack e à usuária, o objetivo do presen- 36 AÑO 18 - VOL. 18 Nº 1 - CHÍA, COLOMBIA - MARZO 2018 AQUICHAN - ISSN 1657-5997 - eISSN 2027-5374 te estudo foi conhecer as dificuldades e as facilidades de puérpe- ras usuárias de crack no cuidado ao recém-nascido. Considera-se que o conhecimento produzido poderá auxiliar os profissionais da saúde/enfermagem na instrumentalização para atuar ante o binô- mio puérpera usuária e recém-nascido. Método Trata-se de uma pesquisa do tipo exploratória e descritiva, com abordagem qualitativa. A pesquisa exploratória e descritiva aborda a descrição do fenômeno investigado e possibilita conhe- cer os problemas vivenciados, além de aprofundar seu estudo nos limites de uma realidade específica (11). A abordagem qualitativa considera, como fonte de estudo, a ótica dos indivíduos que viven- ciam determinado fenômeno e seus significados (11). Foi realizada em uma maternidade de um hospital universi- tário do sul do Brasil (HU), referência em gravidez de alto risco e no atendimento a usuários de drogas. Participaram 18 puérpe- ras usuárias de crack. Os critérios de inclusão foram: ser usuária de crack, ter tido o filho no HU, estarem lúcidas e orientadas, e terem 18 anos ou mais. O número de participantes foi definido pela saturação dos dados definida quando, na avaliação do pes- quisador, ocorre uma certa redundância ou repetição, não sendo considerado relevante persistir na coleta de dados (12). Todas foram orientadas acerca dos objetivos e da metodologia do estudo; em seguida, assinaram o Termo de Consentimento Li- vre e Esclarecido em duas vias. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas únicas com cada participante, nas quais se questionaram sobre suas percepções acerca da influên- cia do uso de crack no cuidado ao recém-nascido. As entrevistas objetivaram inferir algo a respeito de uma realidade representati- va de uma população que também apresenta unidades individuais (13). Foram realizadas no pós-parto em sala da unidade que ga- rantiu o conforto e a privacidade da participante. Foram gravadas e transcritas para análise. As falas das participantes foram identi- ficadas pela letra M, seguida do número da entrevista. Os depoimentos foram submetidos à análise de conteúdo de Bardin (13), compreendida como um conjunto de instrumentos metodológicos que se aplicam a discursos, o que proporciona, ao investigador, a busca pelo latente, não aparente e escondido. Esse método foi operacionalizado manualmente por meio de três fases: pré-análise, exploração do material e, por último, trata- mento dos resultados, inferência e interpretação. A pré-análise foi a fase de organização do material transcrito com o objetivo de tornar operacional e sistematizar as ideias iniciais a partir da leitura flutuante, o que permitiu constituir um corpus. Na fase de exploração e análise do material, o texto foi recortado em unidades de registro para posterior codificação e categorização. Após, foi realizada a leitura dos resultados obtidos para mais cinco puérperas usuárias de crack, com a finalidade de confirmar os dados encontrados da análise, complementá-los e validá-los (13). Foram respeitados os princípios éticos, conforme a Reso- lução 466/2012 da pesquisa que envolve seres humanos (14). O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e aprovado mediante Parecer 135/2013. Resultados A seguir, apresentam-se as participantes do estudo e as cate- gorias geradas a partir da análise dos dados. Caracterização das participantes do estudo Participaram do estudo 18 puérperas usuárias de crack que tiveram seus filhos na maternidade do HU, no período de realiza- ção do estudo. Suas idades variaram entre 24 e 36 anos. Todas residentes na periferia da cidade do Rio Grande (estado do Rio Grande do Sul, Brasil). Residem em casas de duas a cinco peças; quatro das entrevistadas moram em casas de alvenaria; oito, de madeira, e seis, mista (alvenaria e madeira), com água e luz, sendo que cinco casas não possuem saneamento básico. Quanto à escolaridade, todas possuíam o Ensino Fundamental in- completo. Quanto ao estado civil, 11 referiram ser solteiras; três casadas e quatro em união estável. Quanto à profissão, sete se autointitularam do lar; oito, desempregadas, e três, profissionais do sexo. Quanto ao número de filhos, cinco referiram possuir dois filhos; seis, três; cinco, quatro; uma, cinco, e uma, oito filhos. Ape- nas duas utilizavam exclusivamente o crack. As outras, além do crack, utilizam, também, cocaína, maconha, álcool, merla e tabaco. Iniciaram a utilizar substâncias psicoativas entre 14 e 32 anos. Apenas duas tiveram o crack como primeira droga de consumo. 37 Puérperas usuárias de crack: dificuldades e facilidades enfrentadas no cuidado ao recém-nascido l Juliane Portella Ribeiro e outros Dificuldades de puérperas usuárias de crack no cuidado ao recém-nascido Como dificuldades para o cuidado ao recém-nascido, verificou- -se que, na tentativa de não usar o crack, as puérperas apresen- tam abstinência da droga e, com isso, manifestam sintomas como, fraqueza, cansaço e depressão, além de desejo de conversar com a criança ou de se apegar a ela. Preciso de repouso. Ganhei um bebê e estou com crises depres- sivas de abstinência do crack. Me sinto fraca e cansada. Estou em acompanhamento psicológico aqui no hospital. Fiquei depres- siva. Não consigo ter vontade de dar carinho e de cuidar minha filha. Sinto falta da droga que parei de usar há dois meses. (M1) Estou depressiva, agitada e sem carinho para dar à criança. (M5) Só vou me apegar a ela quando eu perceber que vai sobreviver. Vou dar para ela os cuidados que precisar. Está difícil, pois estou sem a droga. (M6) Além disso, algumas puérperas relatam a recomendação re- cebida para a não amamentação da criança, tendo em vista que os resíduos do crack podem ser transmitidos ao leite para o bebê e podem afetá-lo. Não posso amamentar o meu bebê. Sou usuária de crack. (M12) Não estão querendo deixar eu amamentar meu bebê. Disseram que estou com o efeito do crack e que vou passar para ele a droga. Fiquei preocupada! (M13) O uso do crack impede que eu amamente em função da droga passar pelo leite. Ela já nasceu com crise de abstinência e muito parada. Foi direto para a UTI infantil, com dificuldades respira- tórias. (M8) Não vou poder amamentar. Vai passar a droga pelo leite para minha filha. A neném é viciada porque eu usei crack toda a ges- tação. No dia que vim para o hospital ganhar minha filha, eu fu- mei crack, mas não muito. (M6) A dependência química do crack, associada à falta de apoio familiar para o cuidado ao recém-nascido fazem com que a puér- pera fique sob a vigilância do Conselho Tutelar. Por isso algumas puérperas referem medo pela sua falta de condições em assumir a criação da criança sozinha. Como sou dependente de crack, o Conselho Tutelar não quer deixar a criança morar comigo. O pai dela está preso e não tenho condições de criar sozinha. (M11) Não quero que o Conselho Tutelar tire ele de mim, por causa do uso do crack. Embora pretenda parar de usar. Acho que eles não vão acreditar em mim. (M13) Constata-se que, devido aos episódios de tremores, advindos da abstinência do crack, referiram dificuldades de prestar cuida- dos diretos à criança, como dar banho e realizar curativos do coto umbilical, portanto necessitam da ajuda de familiares para isso. Quando estou tremendo, minha dificuldade passa a ser o dar o banho. Quem dá banho é o pai dele. Ele sabe que tremo da abstinência e, por isso, ele me ajuda. Tenho medo do umbigo aparecendo. (M3) Tenho medo do umbigo. Parece que vou machucar meu filho. Minha mãe é quem faz os cuidados. Ela aproveita e já dá o banho. (M7) Algumas puérperas também expressam dificuldades para cuidar o recém-nascido prematuro, com problemas respiratórios e malformação congênita, temendo machucá-lo. Para tanto, pas- sam a conviver com o apoio dos serviços de saúde e a enfrentar a necessidade de cuidados diferenciados da criança. A dificuldade para cuidar da minha filha é o medo que tenho de quebrar ela. É pequena e delicada. Pesou 910 gramas. Nasceu de seis meses de gravidez. (M11) Ela nasceu com problema respiratório. Teve uma parada cardíaca, mas se recuperou bem. Ela é muito parada, não se mexe e nem chora muito. A fonoaudióloga disse que terei que levar minha filha ao Centro de Referência para Correção de Fenda Palatina e Lábio Leporino para tentarem corrigir a boca e o lábio dela que estão abertos e exigem cuidados. (M15) Minha filha nasceu com malformações. Ela não tem uma ore- lhinha e não tem a mandíbula. Não sei nem por onde começar a cuidar. (M16) Revelam sua dificuldade de aprender a lidar com as tecnolo- gias que a criança necessita para sobreviver. Meu cuidado tem sido em virar ele de lado. Tenho medo que ele fique machucado ou se engasgue com a sondinha que vai até o estômago. (M9) 38 AÑO 18 - VOL. 18 Nº 1 - CHÍA, COLOMBIA - MARZO 2018 AQUICHAN - ISSN 1657-5997 - eISSN 2027-5374 Aqui no hospital é feita nebulização para que não dê falta de ar. Também, é dada a medicação receitada pelo médico do plantão. Me sinto insegura e peço informações. (M14) Em relação ao sustento e ao cuidado da criança, algumas puérperas revelaram dificuldades financeiras, referindo medo de recorrer novamente à prostituição, como forma de atividade econômica. Não tenho condições para comprar o leite. Quando eu sair do hospital, vou pedir ajuda no posto de saúde. Aqui no hospital o leite é dado de graça. (M12) Vou ter dificuldades em cuidar da minha filha. Não poderei ama- mentar e comprar os mantimentos dela. Estou sem dinheiro. Vou pedir ajuda para o pai dela e para minha mãe. Se a situação financeira não melhorar, terei que voltar para a prostituição. Tenho medo dessa situação, pois me levará a ficar mais perto das drogas. (M18) Facilidades de puérperas usuárias de crack no cuidado ao recém-nascido Quanto às facilidades para o cuidado direto ao recém-nascido, puérperas usuárias de crack referiram que o fato de a criança chorar pouco, ser tranquila e quieta facilita seu cuidado. Meu filho é um bebê que não dá trabalho. É tranquilo e pouco chora. (M7) Cuido direitinho do meu bebê. Não me incomoda em nada. Dou leite, troco as fraldas e coloco para dormir. Gosto dele porque está sempre quieto. Não é um chorão. (M3) Ela é boazinha e quase não chora. Quero sair da maternidade e amamentar minha filha para não precisar fazer maisena grossa e nem dar leite de saquinho na mamadeira. Não terei dificuldade de cuidar minha filha. (M16) Outra facilidade elencada foi o apoio da família para a presta- ção do cuidado direto à criança. Os dados do estudo mostram que mães, sogras, companheiros, irmãos e filhos mais velhos se orga- nizam para auxiliar a puérpera no cuidado direto ao recém-nascido. Confio minha filha aos cuidados da minha mãe, por ser a única pessoa em quem confio. Minha filha só poderá sair daqui do hos- pital com a assinatura da minha mãe se responsabilizando pelos cuidados dela. Meu irmão, também, me disse que vai auxiliar minha mãe nos cuidados da minha filha. (M17) Tenho a ajuda do meu marido, aqui no hospital. Ele reveza os cuidados comigo. Enquanto ele trabalha, sou eu quem cuida e, quando ele chega para cuidar, sou eu quem vai para casa des- cansar. (M4) A única ajuda que tenho é dada pela minha sogra. Ela ajuda a cui- dar do bebê para mim. Foi ela quem me ajudou a fazer o enxoval do meu filho. Sempre me deu todo apoio. (M10) O meu marido será meu apoio. Ele gosta de alimentar, dar banho e trocar as fraldas. Disse que me ajudará a levar ao médico quan- do necessário. Tenho dificuldades de ser carinhosa com minha filha. (M15) Além dos familiares, constatou-se que vizinhos e amigos tam- bém se aproximam da puérpera usuária de crack a fim de compor uma rede de apoio social para seu auxílio, oferecendo roupas, fraldas e leite para o bebê, além do apoio emocional e do incen- tivo à puérpera. Minha comadre juntou as roupinhas que não servem no bebê dela para mim. Todas as conhecidas dela estão ajudando tam- bém. (M18) Tenho uma vizinha e duas amigas que me ajudaram na aquisição das fraldas e do leite. Isso me incentiva a cuidar do meu bebê. (M2) Outra forma de facilitar o cuidado ao recém-nascido pela puér- pera é o fornecimento de auxílio financeiro pelo companheiro e pela sogra para que a criança tenha suas necessidades atendidas. Meu atual companheiro vai me ajudar no cuidado e nas despesas com ela. Disse que na pobreza e na tristeza vai sempre me ajudar. Ele não usa droga. Ganha bem com o salário da aposentadoria e do emprego de moto-táxi. (M2) Quando sair da maternidade, será meu marido e minha sogra quem me sustentarão. Vamos ficar morando com a minha sogra. (M1) Discussão A partir da análise, constatou-se que a puérpera usuária de crack pode apresentar abstinência do crack logo após o parto, quando procura diminuir seu consumo devido à gestação (15). A 39 Puérperas usuárias de crack: dificuldades e facilidades enfrentadas no cuidado ao recém-nascido l Juliane Portella Ribeiro e outros abstinência faz com que as puérperas se sintam cansadas, enfra- quecidas e deprimidas, portanto não têm vontade de conversar e isso pode influenciar na diminuição do seu apego à criança. Devido à dependência do crack, podem tornar-se insensíveis e deixar de se preocupar com atividades básicas da vida diária, as quais con- sideravam importantes, como lazer em família, sono e repouso, estudo, trabalho, leis, regras e higiene corporal, podendo sequer lembrar-se da sua gravidez ou do bebê (16). Em geral, as pessoas que usam crack tendem a ser irritadas e deprimidas, o que impede um ambiente afetivo sadio de cuidado para que a criança se desenvolva adequadamente (17). O uso pro- longado dessa substância pela mulher pode prejudicar suas habi- lidades cognitivas e emocionais, a função executiva e a atenção, importantes habilidades necessárias ao cuidado da criança (18). Outra dificuldade referida pelas puérperas usuárias de crack é a não indicação da amamentação (19). Evidências clínicas demons- tram efeitos adversos do aleitamento materno para os recém- -nascidos e desaconselham seu uso. Comportamento agressivo e conflitivo dessas pacientes, associado à diminuição de senso de julgamento, pode levá-las a não aderirem adequadamente às orientações médicas e de enfermagem. Por tais motivos, é reco- mendado que dependentes ativas de cocaína ou crack e pacien- tes sem histórico confiável de suspensão do uso da droga sejam consideradas contraindicadas ao aleitamento materno (9, 18). A utilização de crack durante a gravidez e a amamentação pode trazer consequências graves para o bebê devido a suas proprie- dades farmacocinéticas. Ele pode ficar excessivamente irritável e taquicárdico (20). A falta de apoio familiar para o cuidado ao recém-nascido as- sim como o temor da vigilância do Conselho Tutelar e da perda da guarda da criança foram referidas. Geralmente, são mulheres usuárias de crack que se encontram em situação de vulnerabili- dade social, com rompimento dos vínculos familiares, percebidas como falha de caráter (21). A perda do vínculo familiar pode fa- zer com que vivam em situação de moradia de rua. Em São Paulo (Brasil), no ano de 2007, houve apenas um caso de dependente de crack que perdeu a guarda de seu filho recém-nascido, mas esse número está aumentando a cada ano. Em 2008, foram 15; em 2009, o número cresceu para 26 e, em 2010, o número de ca- sos em que os hospitais encaminharam os recém-nascidos para o Conselho Tutelar ou para a Vara da Infância e da Juventude foi de 43, crescimento de 65 % apenas de 2009 a 2010 (22). Estudo acerca da influência do ambiente familiar no consumo de crack apontou a deficiência de suporte parental dos usuários (23). Outro estudo realizado com o objetivo de conhecer o vínculo familiar de usuários atendidos em um serviço de emergência psiquiátrica identificou graves perdas nos vínculos relacionais com a família e o meio social. Os autores referiram que a falta de vínculos familiares pode estimular a continuidade do uso de drogas. Entre os usuários participantes do estudo, poucos manti- nham contato com as famílias, e a maioria dos vínculos familiares encontrava-se fragilizada ou totalmente rompida (24). Puérperas usuárias de crack podem apresentar dificuldade em prestar cuidados diretos ao recém-nascido quando retornam a casa (25) e necessitar do auxílio de familiares —rotineiramente, da mãe ou da avó— para se adaptarem ao puerpério no domicílio. O agravante passa a ser o estresse sofrido pela retomada dos cui- dados com o lar e com o recém-nascido, como o banho e o curativo do coto, visto que ainda se encontram em uma fase de recupera- ção pós-parto e podem apresentar abstinência do crack (26). Essas usuárias podem apresentar medo de machucar o bebê devido à sua prematuridade, malformações congênitas, problemas respiratórios e uso de tecnologias mais complexas de cuidado. Apresentam necessidades específicas e fragilidade, em termos de condições clínicas pós-natais, quando comparados a recémnasci- dos a termo de mães não usuárias da droga. Muitas vezes, puérpe- ras usuárias de crack justificam sua falta de vínculos com a criança devido ao medo que o bebê morra. Demonstram, geralmente, in- diferença em relação a outras pessoas, tendo uma tendência para distúrbios de humor. Podem apresentar, também, uma má reação ao estresse, alienação e estados agressivos relacionados a dis- túrbios orgânicos causados pelo uso do crack (10, 27). A falta de recursos financeiros dificulta o cuidado à criança, o que deixa a puérpera usuária de crack em situação de maior fragilidade (28). Além disso, essas crianças podem nascer com alteração no tempo de emissão e no timbre do choro devido à ação do crack no sistema nervoso central (26). O apoio da família, vizinhos e amigos para o cuidado ao re- cém-nascido corrobora para o cuidado da mãe com o bebê. Diante da necessidade de se adaptar à maternidade, a puérpera recorre à sua rede de apoio social, que age como mediadora na reestru- turação de suas relações afetivas. 40 AÑO 18 - VOL. 18 Nº 1 - CHÍA, COLOMBIA - MARZO 2018 AQUICHAN - ISSN 1657-5997 - eISSN 2027-5374 O contexto que envolve essas puérperas usuárias de crack implica a necessidade de apoio social com olhar compreensivo, especialmente para o enfrentamento de sentimentos como medo e incompetência materna, e deve promover suporte favorável à saúde mental da puérpera e do recém-nascido (29). Sabe-se que a maternidade é mobilizadora de recursos pessoais e financeiros para o enfrentamento das demandas acrescidas pela gravidez, e que promove suporte favorável à saúde mental da puérpera e do recém-nascido (30). Conclusão O estudo possibilitou conhecer dificuldades e facilidades de puér- peras usuárias de crack no cuidado ao recém-nascido. Constatou-se como dificuldades para o cuidado a abstinência da droga, o que dificultou seu apego à criança; a recomendação da não amamen- tação; a falta de apoio familiar; a vigilância dos profissionais do Conselho Tutelar; a falta de habilidade para a realização de cui- dados diretos à criança; o medo de machucar a criança com mal- formações e problemas respiratórios, além da falta de condições financeiras para prover as necessidades da criança. Como facili- dades, revelaram o fato de a criança chorar pouco, ser tranquila e quieta assim como o apoio da família, de vizinhos e amigos, além do auxílio financeiro do companheiro e familiares. Os dados indicam que as puérperas usuárias de crack neces- sitam de auxílio para desempenharem adequadamente seu papel de cuidadoras do recém-nascido, tendo em vista as dificuldades que enfrentam. Assim, precisam ser precocemente captadas e acolhidas pelos profissionais da saúde/enfermagem durante a gestação e acompanhadas de forma a realizarem o pré-natal. Embora não haja dados concretos no Brasil acerca do número de gestantes usuárias de crack, os profissionais da saúde/enfer- meiros que atuam nas maternidades e centros obstétricos pre- cisam estar preparados para conduzir o parto dessas mulheres, acompanhando-as no seu puerpério imediato. É preciso saber orientar a mulher acerca dos cuidados com o recém-nascido e verificar aqueles em risco social para fazer os devidos encami- nhamentos, o que garantirá sua segurança e cuidado. Do mesmo modo, as puérperas necessitam ser acolhidas em serviços de apoio que lhes deem sustentação para que possam superar suas dificuldades de forma mais amena, desenvolvendo habilidades e competências para o cuidado ao recém-nascido. Recém-nascidos de puérperas usuárias de crack, a partir da alta hospitalar, devem ter garantido o acompanhamento periódico por profissionais da saúde e do Conselho Tutelar para que pos- sam ser identificadas, precocemente, situações de abandono e maltrato, garantindo sua segurança. Para tanto, os profissionais de saúde/enfermagem devem refletir acerca de sua atuação ante a puérpera usuária de crack e o recém-nascido, além de identifi- car e aplicar intervenções terapêuticas eficazes e eficientes em prol da sua saúde. Aponta-se como estratégia no novo cenário da saúde mental que os serviços de saúde mental atuem e pautem suas ações de forma a contemplar a gestante e a puérpera usuárias de crack e o recém-nascido. Como limitação do estudo, destaca-se ter sido realizado com participantes vinculadas a um único hospital, o que levou a achados de uma realidade específica à compreensão do fenômeno sob um dado ponto de vista. Futuros estudos que consi- derarem outras realidades poderão contribuir com novos achados sobre o fenômeno em questão. Conflito de interesse: nenhum declarado. 41 Puérperas usuárias de crack: dificuldades e facilidades enfrentadas no cuidado ao recém-nascido l Juliane Portella Ribeiro e outros Referências 1. Quimby E. Promoting community recovery from crack cocaine. Int J Equity Health. 2014; 3(1):161-75. 2. Marcon SR, Xavier JS, Barcelon AA, Espinosa MM, Barbosa DA. Correlation between depressive symptoms and quality of life in users of psychoactive substances. Rev Esc Enferm USP. 2014; 48(4):662-8. 3. Department of Health and Human Services. Rockville: Substance Abuse and Mental Health Services Administra- tion; 2014. 4. Oliveira TA, Bersusa AA, Santos TF, Aquino MM, Mariani Neto C. Perinatal Outcomes in Pregnant Women Users of Illegal Drugs. Rev Bras Ginecol Obstet. 2016; 38(4):183-8. 5. United Nations Office on Drugs and Crime. World Drug Report 2016 [Citado em 10 abril 2017]. 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