Microsoft Word - 16-Agra_Vet_11668.doc 270 Original Article Biosci. J., Uberlândia, v. 28, n. 2, p. 270-276, Mar./Apr. 2012 PARÂMETROS MÉTRICOS DA TRAQUEIA E SUAS CORRELAÇÕES COM O PERÍMETRO TORÁCICO, PESO E COMPRIMENTO CORPORAL DE CÃES (Canis familiaris, Linnaeus, 1758) SEM RAÇA DEFINIDA METRIC PARAMETERS OF THE TRACHEA AND THEIR CORRELATIONS WITH THORACIC PERIMETER, WEIGHT AND BODY LENGTH OF UNKNOWN BREED DOGS (Canis familiaris, Linnaeus, 1758) Gregório Corrêa GUIMARÃES1; Bárbara Roberta Lorenzato POLEGATO2; Matheus Camargos de Britto ROSA3; Camila Souza de Oliveira GUIMARÃES4; Liliane Rangel NASCIMENTO5; André Luiz Quagliatto SANTOS6; Márcia Rita Fernandes MACHADO7; Fabrício Singaretti de OLIVEIRA8 1. Professor, Doutor, Departamento de Medicina Veterinária - DMV, Universidade Federal de Lavras - UFLA, Lavras, MG, Brasil. gregorio@dmv.ufla.br 2. Médica Veterinária, Centro Universitário Barão de Mauá, Ribeirão Preto, SP, Brasil. 3. Graduando em Medicina Veterinária - UFLA, Lavras, MG, Brasil. 4. Doutoranda em Patologia Geral, Universidade Federal do Triangulo Mineiro - UFTM, Uberaba, MG, Brasil. 5. Mestranda em Ciências Veterinárias, Faculdade de Medicina Veterinária - FAMEV, Universidade Federal de Uberlândia - UFU, Uberlândia, MG, Brasil. 6. Professor Titular, FAMEV - UFU, Uberlândia, MG, Brasil. 7. Professor Adjunto, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinária, Universidade Estadual Paulista - UNESP, Jaboticabal, SP, Brasil. 8. Professor Adjunto, UEM, Umuarama, PR, Brasil. RESUMO: Com o presente estudo objetivou-se analisar dados métricos da traqueia de cães e correlacioná-los com o comprimento corporal, perímetro torácico e peso corporal. Utilizou-se 48 cães sem raça definida, 19 machos e 29 fêmeas. Os animais foram pesados e em seguida aferiu-se o comprimento corpóreo, o perímetro torácico, o comprimento e diâmetro traqueal, e o número de anéis traqueais. O peso dos cães variou de 4,2 a 21,5 kg, o comprimento corporal de 40,6 a 81,0 cm e o perímetro torácico de 36,0 a 63,5 cm. A traqueia exibiu número total de anéis entre 32 e 43, comprimento entre 13,0 e 23,4 cm, diâmetro de sua porção cervical entre 11,0 e 23,5 mm e de sua porção torácica entre 8,2 e 20,9 mm. Avaliou-se também a esqueletopia da terminação traqueal, que manteve relação com o 2º (2,0%), 3º (6,3%), 4º (20,8%) ou 5º (12,5%) espaços intercostais, e com a 3ª (6,3%), 4ª (35,4%) ou 5ª (16,7%) costelas. Evidenciou-se fortes correlações positivas do comprimento traqueal com o peso corporal (rS=0,763; p<0,001), o comprimento corporal (r=0,826; p<0,001) e o perímetro torácico (r=0,735; p<0,001). Portanto, o estudo anatômico da traqueia, ao fornecer subsídios morfológicos para a realização de procedimentos clínico-cirúrgicos nesse órgão, mostra-se como uma importante ferramenta na prática veterinária. PALAVRAS-CHAVE: Biometria traqueal. Correlação corporal. Cães. INTRODUÇÃO A traqueia é um órgão tubular, formado por uma série de anéis cartilaginosos, unidos entre si pelos ligamentos anulares, e dotada de flexibilidade, o que permite aos animais realizarem movimentos de pescoço com boa amplitude. Possui como funções principais a condução do ar aos pulmões e a ação do sistema mucociliar (JOHNSON, 2001). Seu início ocorre junto à cartilagem cricóide da laringe, na altura do áxis, estendendo-se por toda a região cervical. Adentra a cavidade torácica e termina em seu terço cranial. Situa-se em sua maior parte no plano mediano. Próximo à entrada do tórax, o esôfago, com quem mantém relação estreita, encontra-se ligeiramente deslocado à esquerda. Pouco antes de sua bifurcação, a traqueia encontra- se deslocada ligeiramente à direita do plano mediano pelo arco aórtico. Sua terminação ocorre por meio de uma bifurcação conhecida como “Carina”, responsável por dividir o fluxo de ar para os pulmões. Neste ponto se originam os brônquios principais direito e esquerdo que são estruturalmente semelhantes à traqueia. Existe uma sequência de relevos e depressões na traqueia devido à presença dos ligamentos anulares intercalados aos anéis traqueais. Estes anéis são constituídos por cartilagem hialina e variam em número nos animais domésticos. No cão, os anéis traqueais possuem a forma de um "C" ou de uma ferradura, com sua extremidade aberta voltada dorsalmente, sendo envolvida neste ponto pelo músculo traqueal (CHAUVEAU; ARLOING; LESBRE, 1909; BRUNI; ZIMMERL, 1950; SCHWARZE; SCHRÖDER, 1970; EVANS; CHRISTENSEN, 1979; NICKEL, SCHUMMER; SEIFERLE, 1979; HARE, 1981; BANKS, 1992; DABANOGLU; ÖCAL; KARA, 2001; DYCE; SACK; WENSING, 2004; FRANDSON; WILKE; FAILS, 2005). A traqueia divide-se em duas porções: uma cervical e outra torácica. A porção cervical faz conexão com a laringe por meio do ligamento Received: 03/03/11 Accepted: 23/08/11 271 Parâmetros métricos... GUIMARÃES, G. C. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 28, n. 2, p. 270-276, Mar./Apr. 2012 cricotraqueal, terminando na altura do primeiro par costal (EVANS; CHRISTENSEN, 1979; NICKEL, SCHUMMER; SEIFERLE, 1979; HARE, 1981; DYCE; SACK; WENSING, 2004; FRANDSON; WILKE; FAILS, 2005). Nesta porção traqueal pode ser realizada uma intervenção cirúrgica simples, a traqueostomia, abertura temporária ou permanente da traqueia, cuja finalidade é restabelecer o fluxo de ar aos pulmões. Além disso, a intubação orotraqueal ou endotraqueal também é uma prática habitual, cujas principais indicações envolvem anestesia, proteção das vias aéreas, alterações do estado de consciência, aspiração de secreções, sobretudo nos casos em que há progressiva deterioração da função ventilatória (FOSSUM, 2001). Considerando-se a importância anátomo- cirúrgica da traqueia e visando contribuir com a anatomia descritiva, objetivou-se com a realização deste trabalho descrever parâmetros métricos da traqueia de cães, além da esqueletopia de sua terminação. Buscou-se ainda, estabelecer as correlações desses parâmetros com o comprimento corporal, perímetro torácico e peso corpóreo. MATERIAL E MÉTODOS Foram utilizados 48 cães, 19 machos e 29 fêmeas, adultos, sem raça definida (SRD) e com tendência ao biótipo mediolíneo, provenientes do Canil do Hospital Veterinário do Centro Universitário Barão de Mauá. Antes de serem avaliados nesta pesquisa, os cães foram utilizados na disciplina de técnica cirúrgica e sofreram eutanásia em seguida aos procedimentos cirúrgicos. Desta forma, foi possível utilizar animais com um mesmo perfil de estado fisiológico (jejum, idade, prenhez) e físico (porte, biótipo) para evitar possíveis fatores de variação. Após o óbito os animais foram numerados, identificados e pesados. Em seguida, aferiu-se o comprimento corpóreo e o perímetro torácico, ambos com fita métrica (Cateb), tomando-se a articulação atlanto-occipital e a articulação sacro- caudal como pontos de referência para o comprimento corporal. Para o perímetro torácico, usou-se como referência a região caudal à articulação do cotovelo (articulação úmero-rádio- ulnar), aferindo-se este na altura do 5º espaço intercostal (EIC). O peso foi aferido com balança eletrônica 2096-DD (Toledo®). Para visualização da traqueia e aferição de suas medidas foi realizada incisão da pele na linha mediana ventral da região cervical, desde a raiz da língua até o manúbrio do esterno. Duas incisões perpendiculares à primeira foram realizadas no antímero direito da região cervical, rebatendo-se a pele e a tela subcutânea, bem como toda a musculatura superficial. Em seguida, com auxílio de um costótomo, procedeu-se a abertura da cavidade torácica, removendo-se somente as costelas do antímero direito. Com este procedimento, pode-se visualizar a porção torácica da traqueia, bem como a sua bifurcação em brônquios principais direito e esquerdo, e assim, estabelecer a esqueletopia de sua terminação. A divisão da traqueia em porções cervical e torácica teve como referência o primeiro par de costelas. Seus anéis foram contados e seu comprimento aferido em ambas as porções com auxílio de régua milimetrada. Para a mensuração de sua porção cervical, tomou-se como parâmetro cranial a junção crico-traqueal, e caudal, o primeiro par de costelas. Já para sua porção torácica, estabeleceu-se como limite cranial o primeiro par de costelas, e caudal, a sua bifurcação em brônquios principais. Os diâmetros interno e externo da traqueia foram aferidos nos terços médios de suas respectivas porções cervical e torácica, em seu eixo transversal, ambos com paquímetro (Starret). O primeiro no nível da articulação da 4ª com a 5ª vértebra cervical, e o segundo, na altura da 2ª vértebra torácica. Os dados coletados foram armazenados em planilha eletrônica no programa Microsoft Excell e para a análise estatística utilizou-se o programa SigmaStat versão 2.0. Nos testes de correlação, para variáveis com distribuição normal, foi utilizado o teste de Pearson (r) e no caso de distribuição não- normal, o teste de correlação de Spearman (rS). Foram consideradas estatisticamente significativas as diferenças em que a probabilidade (p) foi menor que 5% (p≤0,05). Este trabalho foi avaliado pela Comissão de Ética em Experimentação Animal (CEPAN), do Centro Universitário Barão de Mauá, e considerado aprovado sob número 018/2006. RESULTADOS Com relação aos parâmetros biométricos avaliados, o peso corporal dos cães variou entre 4,2 e 21,5 Kg (9,42 ± 4,2), o comprimento corporal entre 40,6 e 81,0 cm (56,7 ± 8,8) e o perímetro torácico entre 36,0 e 63,5 cm (47,7 ± 7,2) (Figura 1). O número de anéis traqueais variou de 32 a 43 (38,1 ± 3,0). A porção cervical da traqueia exibiu um número de anéis entre 18 e 30 (23,4 ± 2,9), e a porção torácica, entre 10 e 20 (14,7 ± 2,3). O 272 Parâmetros métricos... GUIMARÃES, G. C. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 28, n. 2, p. 270-276, Mar./Apr. 2012 comprimento traqueal encontrado esteve entre 13 e 23,4 cm (17,0 ± 2,6), com sua porção cervical apresentando valores entre 7,5 e 15,0 cm (10,4 ± 1,9), e sua porção torácica, entre 3,7 e 10,5 cm (6,6 ± 1,4) (Figura 2). Figura 1. Desenho esquemático retratando os pontos de referência para aferir o comprimento corporal e o perímetro torácico. Para o comprimento corporal, foram utilizadas as articulações atlanto-occipital e sacro-caudal (∇), e para o perímetro torácico, o 5º EIC caudalmente à articulação do cotovelo (setas). Figura 2. Cão fêmea, SRD, no momento da aferição do comprimento das porções cervical (A-B) e torácica (B- C) da traqueia. Seta: primeira costela. Quanto à esqueletopia da terminação traqueal, observou-se que a bifurcação da traqueia em brônquios principais direito e esquerdo estabelece relação topográfica geral com o 2º EIC (2,0%), 3ª costela (6,3%), 3º EIC (6,3%), 4ª costela (35,4%), 4º EIC (20,8%), 5ª costela (16,7%) ou 5º EIC (12,5%) (Figuras 3 e 4). A porção cervical da traqueia exibiu valores para o diâmetro externo entre 1,30 e 2,55 cm (2,0 ± 0,3) e para o interno entre 1,1 e 2,4 cm (1,7 ± 0,3). Já sua porção torácica apresentou valores para o diâmetro externo entre 1,0 e 2,3 cm (1,7 ± 0,3) e para o interno entre 0,8 e 2,1 cm (1,5 ± 0,3) (Figura 5). ∇∇∇∇ ∇∇∇∇ A B C 273 Parâmetros métricos... GUIMARÃES, G. C. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 28, n. 2, p. 270-276, Mar./Apr. 2012 6,3 6,3 35,4 20,8 16,7 12,5 2,0 0 5 10 15 20 25 30 35 40 2º EIC 3ª C 3º EIC 4ª C 4º EIC 5ª C 5º EIC E s q u e le to p ia Frequência relativa (%) Figura 3. Cão fêmea, SRD, evidenciando-se a bifurcação da traqueia (A) em brônquios principais direito (∆) e esquerdo (seta), e sua relação com o 4º espaço intercostal (B). Figura 4. Esqueletopia da terminação traqueal em cães SRD. C (costela) e EIC (espaço intercostal). Figura 5. Vista ventral das regiões cervical (A e B) e torácica (C e D) de cão fêmea, sem raça definida, no momento da aferição dos diâmetros traqueais com paquímetro. Em (A) diâmetro externo; (B) diâmetro interno; (C) diâmetro externo; (D) diâmetro interno. A B A C B D A C B D cranial caudal cranial caudal cranial caudal cranial caudal 274 Parâmetros métricos... GUIMARÃES, G. C. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 28, n. 2, p. 270-276, Mar./Apr. 2012 Na Tabela 1 são mostradas as correlações estabelecidas entre as medidas corporais e traqueais dos cães estudados. Na comparação entre gêneros, não houve diferença estatisticamente significativa entre as variáveis testadas. Tabela 1. Medidas corporais de cães sem raça definida e suas correlações com o número de anéis, comprimento e diâmetros traqueais. Medidas Corporais Traqueia Número de Anéis Comprimento total Diâmetro cervical Diâmetro torácico Peso rS=0,334 (p=0,019) rS=0,763 (p<0,001) rS=0,667 (p<0,001) rS=0,601 (p<0,001) Comprimento corporal r=0,445 (p=0,001) r=0,826 (p<0,001) r=0,498 (p<0,001) r=0,502 (p<0,001) Perímetro torácico r=0,402 (p=0,004) r=0,735 (p<0,001) r=0,637 (p<0,001) r=0,589 (p<0,001) DISCUSSÃO Estudos em cães com objetivos específicos de avaliar a traqueia e sua correlação com medidas corporais lineares como peso, comprimento corpóreo e perímetro torácico não foram encontrados na literatura compilada, entretanto, os achados do atual estudo se assemelharam às descrições feitas para a traqueia de cães de acordo com Bruni e Zimmerl (1950), Schwarze e Schröder (1970), Evans e Christensen (1979), Nickel, Schummer e Seiferle (1979), Sisson e Grossman (1979), Dallman e Brown (1979; 1984), Hare (1981) e Dabanoglu, Öcal e Kara (2001). Bruni e Zimmerl (1950), Schwarze e Schröder (1970) e Hare (1981) descreveram em cães um número médio de 42 a 46 anéis traqueais. Para Dallman e Brown (1979; 1984), Evans e Christensen (1979), Sisson e Grossman (1979) e Dabanoglu, Öcal e Kara (2001) cães exibem média de 35 a 43, 35, de 40 a 45, e de 36 a 45 anéis traqueais, respectivamente. Nos cães ora estudados, foram encontrados de 32 a 43 anéis, variação que está de acordo com os valores reportados por Dallman e Brown (1979; 1984) e Evans e Christensen (1979), e parcialmente aos relatos de Bruni e Zimmerl (1950), Schwarze e Schröder (1970), Sisson e Grossman (1979), Hare (1981) e Dabanoglu, Öcal e Kara (2001). Embora os anéis traqueais estejam separados pelos ligamentos anulares, foi possível encontrar em alguns casos anéis adjacentes fusionados, principalmente nas regiões cervical cranial e entrada do tórax, corroborando com relatos de Hare (1981) e Dabanoglu, Öcal e Kara (2001). Quando observado o número de anéis traqueais segundo a porção da traqueia, foram encontrados nos cães do presente estudo, valores entre 18 e 30 para a cervical e de 10 a 20 para a torácica. De acordo com Nickel, Schummer e Seiferle (1979) e Hare (1981) o comprimento traqueal pode variar tanto em animais da mesma espécie quanto nos de espécies diferentes, sendo importante considerar fatores raciais, tamanho, idade e biótipo dos animais, entre outros. Assim, procurou-se nesta oportunidade, minimizar estas variáveis a partir da padronização dos animais quanto ao perfil de estado fisiológico e físico. No presente estudo, o comprimento traqueal dos cães avaliados apresentou valores totais entre 13,0 e 23,4 cm, com a porção cervical entre 7,5 e 15,0 cm e a porção torácica entre 3,7 e 10,5 cm, sendo o segmento cervical maior que o torácico em todos os casos (100%). Uma vez que, na literatura, não são encontradas referências sobre medidas do comprimento traqueal em cães, estas informações se mostram relevantes em situações em que o veterinário necessite realizar manobras utilizando sondas em casos de intubação. Para Bruni e Zimmerl (1950), Schwarze e Schröder (1970) e Dabanoglu, Öcal e Kara (2001) e Kara et al. (2001) a traqueia de cães representa um conduto elástico com diâmetro regular em quase toda a sua extensão, exceto na entrada do tórax, local estreito e com limites ósseos, sendo para Dabanoglu, Öcal e Kara (2001) a região com maior risco de ocorrência de colapso traqueal. Dallman e Brown (1979; 1984), ao avaliarem cães com pesos entre 1,1 e 18,6 Kg, encontraram para a porção cervical diâmetros entre 0,8 e 2,2 cm e para a porção torácica entre 0,7 e 1,8 cm. No presente estudo, também foi observada essa característica, ocorrendo uma diminuição do diâmetro já próximo à entrada do tórax. Os cães avaliados nesta oportunidade pesaram de 4,2 a 21,5 Kg, e exibiram para o diâmetro da porção cervical valores entre 1,1 e 2,4 cm, estes sempre superiores aos encontrados na porção torácica, que estiveram entre 0,8 e 2,1 cm, coincidindo com os achados dos autores supra citados. Assim, quando comparados os diâmetros das porções cervical e torácica da traqueia dos cães no presente estudo, notou-se que o diâmetro traqueal diminui no sentido crânio-caudal até a sua bifurcação. Para Dallman e Brown (1984), a explicação para essa diminuição dos diâmetros 275 Parâmetros métricos... GUIMARÃES, G. C. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 28, n. 2, p. 270-276, Mar./Apr. 2012 traqueais no sentido crânio-caudal se baseia na dinâmica de fluidos, considerando o fluxo de um fluido (ar) através de um tubo elástico (traqueia). Quanto à esqueletopia da terminação traqueal, Hare (1981) relatou que, em cães, a traqueia se bifurca dorsalmente à base do coração ao nível da 5a costela ou do 5º EIC. Nickel, Schummer e Seiferle (1979), Popesko (1997), Dabanoglu, Öcal e Kara (2001) e Dyce, Sack e Wensing (2004) informaram que esta bifurcação ocorre entre o 4º e o 6º EIC. De acordo com Evans e Christensen (1979) ela ocorre entre a 4a e a 5a vértebras torácicas e para Anderson e Anderson (1994) entre a 4a e a 5a costelas ou ainda na altura do 4º EIC. No atinente a esta característica, os cães avaliados nesta oportunidade apresentaram a bifurcação da traqueia do 2º ao 5o EIC. A bifurcação ao nível da 4a costela foi encontrada em 35,4% dos casos e na altura do 2o EIC em 2,0% dos casos, representando os extremos de valores (maior e menor, respectivamente) encontrados. Como valores intermediários encontrou-se terminação junto a 3a costela (6,3%), ao 3º EIC (6,3%), ao 4º EIC (20,8%), a 5a costela (16,7%) e ao 5º EIC (12,5%). Tais valores coincidem em parte com os dados da literatura supracitada, sendo ainda descritos, nesta oportunidade, valores como a terminação na altura do 2o e 3o EIC e 3a costela, regiões mais craniais do que as habitualmente encontradas na literatura. Em ruminantes, estudos envolvendo a correlação de medidas corporais como o peso, comprimento corpóreo e perímetro torácico são comuns, entretanto, em cães são poucos os trabalhos desenvolvidos com este intuito. Campos et al. (2002) correlacionaram o comprimento corpóreo de cães SRD com o comprimento do osso peniano. Cunha (2005) correlacionou o peso de cães da raça Dachshound com o volume e comprimento renal. Muller, Schossler e Pinheiro (2008) também utilizaram esses parâmetros biométricos para determinar o padrão de escore corporal e o índice de massa corporal canino. De acordo com Campos et al. (2002) foi encontrada forte correlação entre o comprimento corpóreo e o comprimento do osso peniano (r=0,803; p<0,01) e para Cunha (2005), entre o peso corporal e o comprimento renal (direito r=0,74; esquerdo r=0,79; p<0,05) e entre o peso corporal e o volume renal (direito r=0,80; esquerdo r=0,81; p<0,05). Nos cães do presente estudo, foi observada forte correlação positiva entre o peso e o comprimento traqueal (rS=0,763; p<0,001), entre o comprimento corporal e o comprimento traqueal (r=0,826; p<0,001) e entre o perímetro torácico e o comprimento traqueal (r=0,735; p<0,001), dados que divergem com os resultados de Dallman e Brown (1984), que não encontraram correlação significativa entre o comprimento traqueal e o comprimento corporal. CONCLUSÕES A traqueia exibe variações quanto ao número de anéis, comprimento e esqueletopia da terminação. O comprimento traqueal se mostrou diretamente relacionado ao peso, comprimento corpóreo e perímetro torácico dos animais estudados. ABSTRACT: The present study aimed to analyze metric data from the trachea of dogs and to correlate them with the thoracic girth, body length and weight. We used 48 dogs of unknown breed, 19 males and 29 females. The animals were weighed and then body length, thoracic girth, length and diameter of the trachea, and the number of tracheal rings were measured. The weight of dogs ranged from 4.2 to 21.5 kg, body length from 40.6 to 81.0 cm and thoracic girth from 36.0 to 63.5 cm. The trachea exhibited a total number of tracheal rings between 32 and 43, length between 13.0 and 23.4 cm, diameter of the cervical portion between 11.0 and 23.5 mm and in the thoracic portion between 8.2 and 20.9 mm. We also evaluated the tracheal termination skeletopy, which maintained relations with the 2nd (2.0%), 3 (6.3%), 4 (20.8%) or 5 (12.5%) intercostal spaces, and with the 3rd (6.3%), 4th (35.4%) or 5th (16.7%) ribs. Strong positive correlations of tracheal length with body weight (rS = 0.756, p <0.001), body length (r = 0.808, p <0.001) and thoracic girth (r = 0.735, p <0.001) were found. Therefore, the anatomical study of the trachea provides morphological subsidies for the realization of clinical and surgical procedures in this organ, being an important tool in veterinary practice. KEYWORDS: Tracheal biometrics. Body correlation. Dogs. REFERÊNCIAS ANDERSON, W. D.; ANDERSON, B. G. Atlas of canine anatomy. Malvern: Lea & Febiger, 1994. 465 p. BANKS, W. J. Histologia veterinária aplicada. 2. ed. São Paulo: Manole, 1992. 502 p. 276 Parâmetros métricos... GUIMARÃES, G. C. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 28, n. 2, p. 270-276, Mar./Apr. 2012 BRUNI, A. C.; ZIMMERL, U. Anatomia degli animali domestici. 2. ed. Milano: Francesco Vallardi, 1950. p. 133. CAMPOS, D. B.; CARNEIRO e SILVA, F. O.; SEVERINO, R. S.; DRUMMOND, S. S.; CAMPOS, A. B.; LIMA, E M. M. Biometria do osso do pênis em correlação com a da coluna vertebral em cães (Canis familiaris) sem raça definida. Bioscience Journal, Uberlândia, v. 18, n. 1, p. 85-92, 2002. CHAUVEAU, A.; ARLOING, S.; LESBRE, F. X. Traité d´anatomie comparée des animaux domestiques. 5. ed. Paris: J. B. Baillière, 1909. p. 24. CUNHA, L. M. F. 2005. Correlação entre peso corporal e volume renal por medidas lineares ultra- sonográficas em cães da raça dachshound. 2005. 38 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Veterinárias), Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2005. DABANOGLU, I.; ÖCAL, M. K.; KARA, M. E. A quantitative study on the trachea of the dog. Anatomia, Histologia, Embryologia, Berlin, v. 30, n. 1, p. 57-59, 2001. DALLMAN, M. J.; BROWN, E. M. Structural considerations in tracheal disease. American Journal of Veterinary Research, Chicago, v. 40, n. 4, p. 555-558, 1979. DALLMAN, M. J.; BROWN, E. M. Statistical analysis of select tracheal measurements in normal dogs and dogs with collapsed trachea. American Journal of Veterinary Research, Chicago, v. 45, n. 5, p. 1033-1037, 1984. DYCE, K. M.; SACK, W. O.; WENSING, C. J. G. Aparelho respiratório. In: ______. (Eds.). Tratado de anatomia veterinária. 3. ed. Philadelphia: W. B. Saunders, 2004. cap. 4, p. 146-163. EVANS, H. E.; CHRISTENSEN, G. C. Miller´s anatomy of the dog. Philadelphia: W. B. Saunders, 1979. 526 p. FOSSUM, T. W. Cirurgia de pequenos animais. 1. ed. São Paulo: Roca, 2001, 678 p. FRANDSON, R. D.; WILKE, W. L.; FAILS, A. D. O sistema respiratório. In: ______. (Eds.). Anatomia e fisiologia dos animais de fazenda. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005. cap. 19, p. 279-295. HARE, W. C. D. Sistema respiratório do carnívoro. In: GETTY, R. (Ed.). Sisson/Grossman anatomia dos animais domésticos. 5. ed. Rio de Janeiro: Interamericana, 1981. v. 2, cap. 52, p. 1472-1473. JOHNSON, L.R. Diagnóstico y tratamiento del colapso traqueal en los perros. Waltham Focus, London, v. 11, n. 2, p. 3-8, 2001. KARA, M. E.; KARAMAN, Z. C.; DABANOGLU, I.; ÖCAL, M. K. Computed tomographic measurements of the trachea in dog. Deutsche Tierarztliche Wochenschrift, Hannover, v. 108, n. 4, p. 164-167, 2001. MULLER, D. C. M.; SCHOSSLER, J. E.; PINHEIRO, M. Adaptação do índice de massa corporal humano para cães. Ciência Rural, Santa Maria, v. 38, n. 4, p. 1038-1043, 2008. NICKEL, R.; SCHUMMER, A.; SEIFERLE, E. The viscera of the domestic mammals. 2. ed. Berlin: Verlag Paul Parey, 1979. p. 238-240. POPESKO, P. Atlas de anatomia topográfica dos animais domésticos. 3. ed. São Paulo: Manole, 1997. v. 2, 194 p. SCHWARZE, E.; SCHRÖDER, L. Atlas 1: órganos respiratorios. In: ______. (Eds.). Compendio de anatomia veterinária: el sistema visceral. Zaragoza: Acribia, 1970. tomo II, cap. 2, p. 174-228. SISSON, S.; GROSSMAN, J. D. Anatomia de los animales domésticos. 4. ed. Barcelona: Salvat, 1979. 952 p.