Microsoft Word - 15-Agra_12521-BJ.doc 964 Case Study Biosci. J., Uberlândia, v. 27, n. 6, p. 964-977, Nov./Dec. 2011 SISTEMA CONSERVACIONISTA E DE MANEJO INTENSIVO DO SOLO NO CULTIVO DE CAFEEIROS NA REGIÃO DO ALTO SÃO FRANCISCO, MG: UM ESTUDO DE CASO INTENSIVE COFFEE CULTIVATION MANAGEMENT IN THE PHYSIOGRAPHIC REGION OF THE UPPER SAN FRANCISCO RIVER, MG: A CASE STUDY Milson Evaldo SERAFIM1; Geraldo César de OLIVEIRA2; Alessandro Silva de OLIVEIRA3; José Maria de LIMA2; Paulo Tácito Gontijo GUIMARÃES4; Joyce Cristina COSTA3 1. Professor, Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de Mato Grosso - IFMT, Campus Cáceres, Cáceres, MT, Brasil. milson.serafim@cas.ifmt.br ; 2. Professor, Doutor, Bolsistas do CNPq Universidade Federal de Lavras – UFLA, Lavras, MG, Brasil; 3. Engenheiros Agrônomos – Empresa Agropecuária Piumhi – AP, Piunhi, MG, Brasil; 4. Pesquisador da EPAMIG, Centro Tecnológico do Sul de Minas, Lavras, MG, Brasil. RESUMO: Amparado pelo melhoramento genético e a evolução dos tratos culturais, entre outros aspectos, a cafeicultura no Brasil se expandiu para a região do Cerrado, superando, parcialmente, as limitações de déficit hídrico e a baixa fertilidade natural dos solos desta região. A evolução dos sistemas produtivos tem sido uma constante, visando aumentar os rendimentos sob a ótica da nova ordem de conservação dos recursos naturais. Com esta motivação, surgiu um sistema conservacionista e de manejo intensivo de cultivo de cafeeiros, que foi desenvolvido e vem sendo praticado na região fisiográfica do Alto São Francisco, MG, em propriedades dos municípios de São Roque de Minas, Vargem Bonita e Piumhi, além de outras regiões nos estados de Minas Gerais e São Paulo. Esse sistema é caracterizado pela aplicação de altas doses de gesso, cultivo de braquiária na entrelinha, plantio semi-adensando, sulco de plantio profundo, plantio antecipado, variedades de porte baixo, uso de tração animal e controle periódico do estado nutricional das plantas. O sistema de cultivo intensivo destaca-se por ter sido capaz de operacionalizar boas práticas de manejo, permitindo executá- las de forma rotineira dentro das atividades requeridas pela cafeicultura. Áreas de Cambissolo e Latossolo com lavouras de cinco e dez anos, respectivamente, sob esse sistema, têm apresentado resultados promissores. O crescimento radicular profundo, superior a dois metros, tem sido uma constante nas lavouras adultas. O bom aspecto visual das lavouras e a produtividade média de 49 sacas por hectare reforçam os bons resultados do sistema. Tecnicamente, o sistema é positivo, economicamente, no entanto, ainda faltam estudos complementares para produtores de diferentes níveis tecnológicos. PALAVRAS-CHAVE: Cafeicultura no Cerrado. Uso da terra. Gesso agrícola, Inovação tecnológica. INTRODUÇÃO Com uma produtividade média de 28,6 sacas de café beneficiado por hectare, as lavouras de café (Coffea arabica) do Cerrado de Minas Gerais apresentaram, em 2008, a maior produtividade do país (COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO - CONAB, 2010). Segundo esse levantamento, a média de produtividade do estado foi de 22,5 sacas e a média nacional de 21,2 sacas por hectare. O cafeeiro (Coffea arabica L.) tem sua origem em regiões cuja altitude varia de 1.600 a .2800 m, com precipitações elevadas, variando de 1.600 a mais de 2.000 mm anuais (DAMATTA et al., 2008). Amparada pelo melhoramento genético e a evolução dos tratos culturais, entre outros aspectos, hoje, a cafeicultura no Brasil é praticada em regiões distintas daquelas de origem da planta. Nesse sentido, Petek e Patrício (2007) ressaltam que a diversidade de clima e de solo, além do contraste no nível tecnológico dos produtores envolvidos na cafeicultura brasileira, gera a necessidade constante de desenvolvimento tecnológico para a cultura. O déficit hídrico e a baixa fertilidade natural dos solos na região do Cerrado são as principais limitações ao bom desenvolvimento da cultura. As chuvas nessa região são concentradas em apenas seis meses do ano; no período mais seco, as camadas superficiais do solo podem apresentar valores de umidade abaixo do ponto de murcha permanente (RENA; GUIMARÃES, 2000). A cafeicultura da região do Alto São Francisco, devido às limitações de precipitação, tem sua viabilidade atrelada a recomendação de irrigação (FERNANDES et al., 2000; KARASAWA et al., 2002). Com a falta água para irrigação em muitas propriedades, a adoção de sistemas de cultivo capazes de mitigar o déficit hídrico, como, por exemplo, a preservação ou a melhoria da qualidade física e química do solo, se torna imperativa. Respostas positivas à aplicação de gesso agrícola no solo em áreas sob cafeicultura foram Received: 16/05/11 Accepted: 05/08/11 965 Sistema conservacionista... SERAFIM, M. E. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 27, n. 6, p. 964-977, Nov./Dec. 2011 relatadas por Guimarães (1988). O autor observou acréscimo de 18,24 sacas por hectare em áreas que receberam 2,5 t ha-1 deste insumo, quando comparada à lavoura que recebeu apenas calcário. A sustentabilidade da cafeicultura depende do aumento da rentabilidade do produtor, como forma de garantir sua permanência na atividade. Isso está associado a sistemas de cultivo que proporcionem maior longevidade para as lavouras (PETEK; PATRÍCIO, 2007) e produtividades elevadas ao longo dos anos. Nesse sentido, o cafeicultor tem demonstrado muita disposição em adotar novas tecnologias ou adaptá-las, em alguns casos e, mesmo, desenvolver suas próprias tecnologias para contornar as adversidades da atividade. Foi dessa forma que surgiu um sistema intensivo de cultivo de cafeeiros, que foi desenvolvido e vem sendo praticado na região fisiográfica do Alto São Francisco, MG, em propriedades dos municípios de São Roque de Minas, Vargem Bonita e Piumhi, além de outras regiões nos estados de Minas Gerais e São Paulo. O sistema foi denominado, por seus criadores, como Sistema AP Romero. Esse sistema é caracterizado pela aplicação de altas doses de gesso e cultivo de braquiária nas entrelinhas dos cafeeiros. Outros pontos marcantes do sistema são: plantio semiadensado, com estande médio de 5.333 plantas por hectare; preparo do sulco de plantio com revolvimento e correção da fertilidade do solo até 60 cm de profundidade; plantio antecipado, na segunda quinzena de outubro e na primeira quinzena de novembro; uso de variedades de porte baixo e uso de tração animal na realização dos tratos culturais (roçada, aplicação de defensivos e adubação, entre outros), além de monitoramento do estado nutricional das plantas e manejo das adubações com base em análise foliar realizadas no período de dezembro a abril. Algumas práticas deste sistema, como as altas doses de gesso, o plantio em áreas de cambissolo (pequena profundidade efetiva), a sistematização das áreas declivosas, ainda carecem de bases científicas. Mesmo assim, os resultados de produtividade já obtidos com a adoção do mesmo são promissores. A divulgação desse sistema, permitirá que mais pesquisadores e técnicos da área atuem na construção do conhecimento e possam verificar a viabilidade do seu emprego. Nesse sentido, pesquisas vêm sendo desenvolvidas no setor de Física e Conservação do Solo e Água, no Departamento de Ciência do Solo da Universidade Federal de Lavras (UFLA), juntamente com pesquisadores da EPAMIG/Lavras. A abordagem dessas pesquisas (solo-planta) visa discutir as bases do sistema conservacionista, com ênfase em pontos que o diferenciam do sistema convencional de cultivo de cafeeiros na região em estudo. Dessa maneira, não se pretende, com este artigo, gerar um manual a respeito do sistema e menos ainda divulgá-lo como sendo verdade científica, mas apenas discutir, à luz dos conhecimentos científicos atuais, algumas práticas que o compõem. O acompanhamento de lavouras sob sistema conservacionista de cultivo foi realizado em fazendas da Empresa Agropecuária Piumhi, nos municípios de Piumhi, São Roque de Minas e Vargem Bonita, na região fisiográfica do Alto São Francisco, MG. Trata-se, portanto, de propriedades situadas na cabeceira de uma das mais importantes bacias hidrográficas do país. Dentre as atividades mais relevantes desenvolvidas durante o acompanhamento das lavouras, destacam-se o levantamento de solos das áreas cultivadas com cafeeiros e as visitas técnicas em fazendas da região. Este sistema é dinâmico, tendo suas práticas de manejo ajustadas para cada situação, buscando conciliar a conservação do ambiente, principalmente solo e água, com altas produtividades da cultura do café. O termo “sistema”, por sinal, é muito apropriado para esse conjunto de práticas, uma vez que, por definição, sistema é a combinação de partes que concorrem para certo fim, formando um todo harmônico. O aspecto inovador desse sistema está no conjunto de práticas de manejo que o compõem e, já tendo sido amplamente estudadas, providas de base científica. O mérito inovador do mesmo está em reunir estas boas práticas de manejo de forma condizente com a cafeicultura, podendo ser adotado por produtores de diferentes níveis tecnológicos. As primeiras lavouras manejadas nesse sistema estão completando dez anos. Neste período, o sistema evoluiu, foi discutido por produtores e pesquisadores, expandiu em área, com mais de 1000 ha, recebeu ajustes, nas doses de gesso, adubação, cultura de cobertura e outros, e possui seu conjunto de práticas bem definido, como época de plantio, controle do estado nutricional do cafeeiro, manejo da cultura de cobertura entre outros. O mesmo está ilustrado esquematicamente na Figura 1, que enfatiza a aplicação do gesso, os sulco de plantio, a cultura de cobertura nas entrelinhas, a sistematização das áreas declivosas, a amontoa de terra na linha e o rápido crescimento das plantas, embasado por um sistema radicular profundo. 966 Sistema conservacionista... SERAFIM, M. E. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 27, n. 6, p. 964-977, Nov./Dec. 2011 Figura 1. Representação esquemática de cafeeiro sob sistema de manejo intensivo de cultivo, em área de Latossolo (esquerda) e em área de Cambissolo (direita), segundo observações de campo, em que: A camada de gesso na linha da cultura; B amontoa de terra na linha do cafeeiro; C cultura de cobertura na entrelinha dos cafeeiros; D sulco de plantio; Linhas pontilhadas referem-se a separação dos horizontes antes da instalação da lavoura. A instalação de lavouras manejadas dentro dessas premissas deste sistema em diferentes unidades de solo tem exigido algumas adaptações. Uma delas é a sistematização das áreas com declividade acima de 18%. A sistematização do terreno pode ser visualizada no esquema da direita (Figura 1), onde as linhas pontilhadas que representam os horizontes do solo são inclinadas, em condição natural; e a superfície do solo, como mostrado na representação esquemática, apresenta desnível de uma entrelinha para a outra, decorrente da sistematização do terreno, que confere feições de terraços em patamar, aumentando a eficiência de aproveitamento de água das chuvas. O gesso aplicado na linha da cultura é enterrado por ocasião da “chegada de terra” ou amontoa nas plantas. A camada de gesso persiste nas lavouras, podendo ser visualizado, conforme indicado pela letra “A” de ambos os esquemas da Figura 1, em lavouras adultas com mais de sete anos. No Cambissolo, a camada encontra-se inclinada, pois, no momento da aplicação do gesso, o terreno ainda não havia sido sistematizado; a sistematização ocorre com a “chegada de terra”. A leira de terra na linha, decorrente da amontoa, inicialmente pode chegar a 0,5 m de altura, porém, com o tempo, ocorre acomodação do material e esta altura estabiliza com 0,2 a 0,3 m, conforme representado pela letra “B”, em ambos os esquemas, na Figura 1. Para o Cambissolo representado no esquema, com declividade próxima de 30%, a altura da leira somada ao desnível entre as ruas é de 0,6 m no lado de baixo, conforme esquema da direita (Figura 1). A presença de braquiária nas entrelinhas da lavoura é de grande importância no sistema e está representada, em ambos os esquemas, pela letra “C” (Figura 1). O crescimento do cafeeiro acontece de forma diferente para áreas de Latossolo e Cambissolo. Seis meses após o plantio, no final do período chuvoso, as plantas atingem altura aproximada de 0,6 m nas áreas de Latossolo e 0,5 m nas áreas de Cambissolo. Com um ano, a lavoura em área de Latossolo tem altura média de 1,2 m, e 1,1 m, no Cambissolo. Na fase de produção, após os p p w1 w2 967 Sistema conservacionista... SERAFIM, M. E. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 27, n. 6, p. 964-977, Nov./Dec. 2011 dois anos e meio, os cafeeiros tendem a se igualar em altura nos dois solos. O preparo do sulco de plantio constitui etapa importante deste sistema. O sulco é preparado com 0,6 m de profundidade, conforme ilustrado em ambos os esquemas e indicado pela letra D (Figura 1). Para isso é utilizada uma cavadeira tratorizada, cujo funcionamento assemelha-se ao da enxada rotativa, diferindo pela profundidade, a qual é apresentada adiante no item “preparo do solo para plantio”. O crescimento radicular, a exemplo da parte aérea, é mais rápido nas áreas de Latossolo em comparação ao Cambissolo. Nos primeiros seis meses após o plantio, as raízes atingem profundidade média de 0,8 m, contra 0,6 m no Cambissolo. Com um ano, a profundidade média é de 1,4 m no Latossolo e 1,2 m no Cambissolo. Na fase adulta, há tendência de igualar os comprimentos dos sistemas radiculares, contudo, na descrição morfológica do perfil, observa-se maior presença de raízes no Latossolo em comparação ao Cambissolo, principalmente nas camadas abaixo de 1 m. Por ocasião da descrição morfológica e do perfil cultural do Cambissolo, durante os levantamentos de campo, foi observado o horizonte CR a, aproximadamente, 60 cm de profundidade (Figura 1). Neste horizonte, a densidade do solo é elevada. Dessa forma, quando as raízes atingem o fundo do sulco de plantio, já encontram algum impedimento, o que pode retardar seu crescimento em relação aos Latossolos. Condições climáticas da região do Alto São Francisco, MG Segundo Menegasse et al. (2002), o clima na região do Alto São Francisco, MG, segundo a classificação de Köppen é tipo Cwa, com clima temperado brando de verão quente e úmido e inverno seco. A temperatura média anual é de 20,7ºC, sendo julho o mês mais frio, com temperatura média de 16,3ºC, e janeiro o mais quente, com a média de 23,3ºC. A precipitação média anual local é de 1.344 mm; o clima tropical local é responsável pela sazonalidade da dinâmica hídrica regional. A vegetação nativa da área é do tipo savana (cerrado), com gradações que vão do Campo Limpo, onde predominam gramíneas, à vegetação densa e de maior porte, denominada de Cerradão. A principal característica deste bioma é uma fisionomia sempre verde na estação chuvosa e completamente seca na estiagem (RADAMBRASIL, 1983). Períodos secos prolongados podem comprometer a cultura do cafeeiro, contudo, isso varia, dependendo da capacidade de retenção de água do solo, da umidade relativa do ar e da cobertura de nuvens, bem como das práticas de cultivo (DAMATTA et al., 2008). As condições climáticas da região de estudo apresentam restrições ao cultivo do cafeeiro, principalmente devido ao déficit hídrico (SOUSA et al., 2003). Para estas condições, tecnologias que favoreçam o crescimento radicular em profundidade (CARVALHO; RAIJ, 1997) e ou aumentem a capacidade de armazenamento de água disponível no solo (PARDO et al., 2000) devem ser adotadas. A aplicação de condicionadores do ambiente radicular, como gesso agrícola (SOUZA; RITCHEY, 1986) e cobertura do solo, pela adoção e manejo de plantas de cobertura nas entrelinhas da cultura (REISSER JUNIOR et al., 2005), particularmente pelo aporte de matéria orgânica em superfície e no perfil do solo (MIELNICZUK et al., 2003), são práticas com importante efeito de mitigação do déficit hídrico. Solos da área estudada Os solos do Cerrado apresentam características morfológicas bastante variadas. Os municípios de São Roque de Minas e Vargem Bonita, MG, locais deste estudo, são predominantemente recobertos por Latossolos de textura argilosa e muito argilosa e Cambissolos de textura variada (RADAMBRASIL, 1983). Os Cambissolos formam um grupo bastante variável e nesta região ocorrem, principalmente, Cambissolos Háplicos Distróficos, com argila de atividade baixa (RADAMBRASIL, 1983). Solos recomendados para a cultura do cafeeiro, nas condições climáticas brasileiras, devem-se ter, no máximo, 200 g kg-1 de fração grosseira, conteúdo de argila entre 200 e 500 g kg-1 e porosidade adequada, além de possuir, no mínimo, 1,2 m de profundidade (GUIMARÃES et al., 2002; KÜPPER, et al. 1981). Com a expansão do parque cafeeiro do Brasil para a região do cerrado, iniciada na década de 1970 e com um aumento na década de 1990 (ABIC, 2009), grande parte das lavouras foi implantada em solos que apresentam sérias limitações de ordem química e nutricional ao desenvolvimento normal das raízes (GUIMARÃES, 1992), inclusive em subsuperfície (RAIJ, 1988). Essas limitações intensificam os efeitos de déficits hídricos, pela pequena profundidade alcançada pelo sistema radicular e menor absorção de água e 968 Sistema conservacionista... SERAFIM, M. E. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 27, n. 6, p. 964-977, Nov./Dec. 2011 nutrientes nas partes mais profundas do perfil do solo. A cafeicultura, na região do Alto São Francisco, vem sendo implantada prioritariamente em áreas de Latossolo. Contudo, também existem lavouras implantadas em áreas de Cambissolos, Argissolo e, mesmo, em Plintossolos Pétricos Concrecionários. Estes solos são dotados de características contrastantes e ocorrem em posições variadas na paisagem, necessitando, portanto, de um estudo mais detalhado de suas potencialidades e limitações para o uso na cafeicultura. O sistema proposto para região possui em seu escopo práticas capazes de proporcionar melhorias dos solos cultivados. Destaca-se o uso do gesso, com importante papel na correção do íon Al3+, para formas não tóxicas às plantas e no carreamento de bases para o subsolo (RAIJ, 1988), criando um ambiente menos impeditivo ao crescimento radicular em profundidade. O uso da braquiária como cultura de cobertura nas entrelinhas complementa a prática de uso do gesso, uma vez que, manejada corretamente, assegura reciclagem de nutrientes e aumento da CTC (pH 7,0), contribuindo, ainda, para diminuir erosão e para a conservação e o armazenamento de água, entre outros benefícios (AULER et al., 2008). A declividade acentuada, de 25% a 30%, de áreas de Cambissolo, não tem impedido a implantação de lavouras cafeeiras quando se adota o sistema proposto. A sistematização das entrelinhas assegura a formação de patamares, que permite a realização de operações com tração animal na lavoura, além de ser uma prática conservacionista de controle de erosão. A erosão é uma preocupação na fase de implantação da lavoura nestes solos. Com a lavoura instalada, o risco de erosão fica reduzido pela presença de cobertura morta do solo e braquiária na entrelinha, pela presença dos patamares e pelo efeito dos sulcos de plantio. Nos sulcos, provavelmente devido aos efeitos do gesso e matéria orgânica adicionados, perdura uma porosidade elevada. Estes sulcos parecem apresentar efeito semelhante àqueles descritos para o mulching vertical em áreas de plantio direto (DERNARDIN et al., 2008). Levantamento pedológico e capacidade de uso das terras O levantamento de solos é indispensável para o um planejamento agrícola em sintonia com o ambiente, além de facilitar a difusão de tecnologias apropriadas para cada grupo de solos (LEPSCH et al., 1991). A organização das informações dos levantamentos dentro de um sistema de classificação é recomendada para a tomada de decisões. Atualmente, a demanda por áreas para cultivo aliada à elevação do custo da terra tem estimulado a incorporação de áreas até então marginais para a agricultura, mostrando, inclusive, a necessidade de mudanças no sistema de classificação da capacidade de uso das terras, utilizado no Brasil (LEPSCH et al., 1991), baseado nas modificações impostas pelo cultivo e na introdução de novas práticas de manejo (SEVERIANO et al., 2009), tornando o sistema dinâmico. O bom desenvolvimento e a elevada produtividade das lavouras sob o sistema de manejo intensivo em estudo, em áreas de Cambissolo, contrariam o sistema de classificação atual, por ser um sistema de manejo capaz de reduzir limitações, inclusive topográficas dos ambientes para cafeicultura. Pelo levantamento de solos das áreas cultivadas, constata-se que diferentes unidades de solo vêm recebendo este sistema de cultivo. Estes solos possuem atributos físico-químicos contrastantes, além de mineralogia variada. Salienta-se que a indicação de doses semelhantes de gesso, baseando-se em teor de argila, Al3+, Ca2+, para solos de classes diferentes é um questionamento ainda sem resposta. Em levantamento preliminar no ano de 2008, foi constatado que, na primeira colheita, uma lavoura implantada em Latossolo Vermelho Amarelo câmbico, com estrutura tipicamente em blocos, produziu mais que outra implantada em Latossolo Vermelho com estrutura granular típica. Estes dois solos apresentam textura semelhante; o plantio foi realizado na mesma época, com a mesma variedade de cafeeiros e o manejo da fertilidade também foi o mesmo, mostrando a necessidade de se considerar a classe de solo para a indicação de gessagem. Lavouras cultivadas sob este sistema de manejo intensivo em áreas de Cambissolo têm apresentado rendimento médio de 49 sacas por hectare, nas duas primeiras safras (2009 e 2010). Essas lavouras encontram-se em ambientes com sérias limitações químicas, físicas e hídricas, com grande risco de insucesso se o sistema de manejo não for adequado. Deve-se vincular a implantação de lavouras a um levantamento semidetalhado de solo, capaz de identificar limitações indiferentes às tecnologias adotadas neste sistema de manejo intensivo de cultivo. 969 Sistema conservacionista... SERAFIM, M. E. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 27, n. 6, p. 964-977, Nov./Dec. 2011 Produção de mudas Para a produção de mudas, a semeadura é feita nos saquinhos de polietileno (10 x 20 cm) com 90 furos. O elevado número de furos permite o plantio sem a remoção do saquinho, sem prejuízo aparente para as mudas, o que facilita o plantio mecanizado. A semeadura direta nos saquinhos no mês de abril, normalmente apresenta germinação e emergência lenta, devido às condições do clima. O uso de sacos de aniagem e lona de polietileno preta para cobrir os canteiros garante que o processo de germinação e emergência seja acelerado, fazendo com que as mudas estejam disponíveis para o plantio na segunda metade do mês de outubro e início de novembro, enquanto, tradicionalmente, estariam prontas em dezembro ou mais tarde (Figura 2). O substrato recomendado para a produção de mudas é enriquecido com 5% de gesso agrícola. Figura 2. Canteiros cobertos com filme de polietileno preto (esquerda) e muda pouco antes de ser levada para o campo (direita). Preparo do solo para plantio O preparo do solo é realizado nos meses de julho e agosto, consistindo de uma aração e duas gradagens. Para o condicionamento do solo, é feita a calagem da área, visando elevar a saturação por bases para 70%. No sulco de plantio é feita uma operação com subsolador a 0,6 m de profundidade e, em seguida, o solo é revolvido até esta profundidade, misturando os adubos, através de uma “cavadeira adubadeira” do Tipo Mafes (Figura 3 ). Na linha de plantio, faz-se adubação com adubo formulado (08-44-00) enriquecido com 1,0% Zn e 0,5% B, na dose de 980 kg ha-1, o que equivale a 0,245 g m-1. O potássio é fornecido com a fórmula 20-00-20, na dose de 530 kg ha-1, o que também complementa o nitrogênio. A máquina de preparo do sulco adiciona calcário a 0,6 m de profundidade. O sulco de plantio profundo (0,6 m), corrigido, adubado e com baixa densidade reúne condições favoráveis para o estabelecimento das mudas e um rápido crescimento radicular que, no final do período chuvoso, já se encontra até na profundidade de 0,9 m. Supostamente, esta camada apresenta água disponível para as plantas por um período maior, quando comparado à camada superficial, o que resulta em melhor aspecto visual das plantas, “bem vestidas” e com folhas turgidas nesta época do ano. Estas práticas, possivelmente, são as principais responsáveis pela mitigação dos efeitos deletérios da seca no primeiro ano de implantação da cultura. Figura 3. Preparo do sulco de plantio utilizando cavadeira adubadeira tipo Mafes. 970 Sistema conservacionista... SERAFIM, M. E. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 27, n. 6, p. 964-977, Nov./Dec. 2011 Plantio das mudas no sistema intensivo de cultivo em estudo O plantio é feito no início do período chuvoso, até o final do mês outubro e o replantio até dezembro. Dessa forma, a muda tem até o final de abril para se estabelecer, quando se encerra o período chuvoso. O plantio é mecanizado, utilizando mudas com 3 a 4 pares de folhas verdadeiras (Figura 4). O espaçamento adotado é o de 2,5 x 05 a 0,75 m, constituindo um estande aproximado de 5.500 plantas por hectare. O uso do sistema semiadensado tem como vantagens a otimização do uso da área, permitindo maior produtividade. O adensamento da lavoura tem proporcionado maior cobertura do solo, o que reduz a erosão e aumenta os conteúdos de matéria orgânica e de nutrientes no solo, a longo prazo (PAVAN et al., 1997). A dificuldade de manejo da lavoura neste espaçamento é contornada com o uso de tração animal. A adubação de plantio é feita com adubo de liberação lenta (mistura de grânulos) contendo 31% de N e 11% de P2O5. A dose utilizada do adubo é 30 g por planta, o que corresponde a 160 kg ha-1. Esta é a ultima adubação fosfatada que a lavoura recebe. Considera-se que o plantio de mudas sadias e de elevado potencial produtivo é fundamental para a formação de uma lavoura. Para minimizar os custos de produção, o plantio é mecanizado. Figura 4. Plantio mecanizado de mudas utilizando-se saquinhos furados e eliminação apenas do fundo da embalagem. Cultura de cobertura do solo nas entrelinhas Nas entrelinhas da lavoura cultiva-se a Brachiaria ruziziensis ou Brachiaria decumbens, para cobertura do solo da área e ciclagem de nutrientes (Figura 5). Figura 5. Implantação da braquiária antes do plantio do cafeeiro. Área com aproveitamento do banco de sementes do solo. A formação da braquiária nas entrelinhas é uma etapa feita antes da implantação da lavoura. Em áreas em que se cultiva milho antes do plantio do cafeeiro, o solo é corrigido com calcário e gesso agrícola e recebe adubação, conforme recomendação para a cultura do milho. A braquiária é semeada nas entrelinhas do milho. Com a gramínea já formada na área, o preparo do solo para a instalação dos cafeeiros é feito apenas no sulco de plantio. Salienta-se que a braquiária estabelecida assegura cobertura do solo, constituindo benefícios de retenção de umidade e proteção contra erosão, 971 Sistema conservacionista... SERAFIM, M. E. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 27, n. 6, p. 964-977, Nov./Dec. 2011 entre outros (BRAGAGNOLO; MIELNICZUCK, 1990). Quando a opção é a instalação da braquiária por ocasião do plantio do cafeeiro, é feita a semeadura de uma linha de braquiária na entrelinha. A quantidade de sementes é a mesma recomendada para a formação de pastagens e a adubação de semeadura é feita com 20 kg ha-1 de P2O5. Após a emergência, na fase de estabelecimento, e no início de cada período chuvoso, a braquiária recebe uma adubação de cobertura com nitrato de amônio, na dose de 200 kg ha-1. Nas lavouras em fase de formação, o manejo da braquiária é feito com roçadeira tratorizada, sendo o primeiro corte feito logo após o pendoamento. No período chuvoso, a gramínea é cortada com altura de 5 a 10 cm, a intervalos de 35 a 45 dias e, no início do período de seca, a braquiária é roçada, visando à redução da concorrência com o cafeeiro, principalmente por água no solo. Os cortes são realizados em ruas alternadas. Esta estratégia permite que a braquiária apresente alto grau de lignificação dos tecidos, o que torna a cobertura mais duradoura na superfície do solo, sem comprometer a quantidade de luz ao cafeeiro, sobretudo em lavouras produtivas. Na linha, o manejo da braquiária e do mato é feito com capina. A matéria orgânica é considerada um dos atributos do solo mais relacionados à sua qualidade (MIELNICZUK, 1999). Diante disso, os formuladores desse sistema intensivo de cultivo do cafeeiro procuram o máximo de aporte de matéria orgânica em superfície e no perfil, objetivando maximizar as melhorias dos atributos do solo e os benefícios para a lavoura. A cultura de cobertura nas entrelinhas e a manutenção dos restos culturais na superfície do solo encerram benefícios como diminuição das variações de temperatura do solo, redução das perdas por erosão, maior retenção de água e aumento dos rendimentos dos cultivos agrícolas, além de diminuir a evaporação de água e o escoamento superficial, elevando a taxa de infiltração (BRAGAGNOLO; MIELNICZUCK, 1990). Quatro meses após o plantio do cafeeiro, faz-se aplicação de gesso na linha da cultura, seguido da “chegada de terra” na linha do cafeeiro. Dessa forma, por ocasião da operação da amontoa, que é feita depois deste período de acúmulo de resíduo, todo o material, inclusive a massa de raízes presentes até 0,1 m, é removido juntamente com a camada superficial de solo para junto das plantas. Com o acúmulo de matéria orgânica no solo há ativação de diversos processos que atuam na agregação do solo, no aumento da capacidade de retenção de cátions, no estoque de nutrientes, na adsorção e complexação de compostos, na ciclagem de elementos químicos, no sequestro de carbono atmosférico, na atividade biológica do solo e na resistência a perturbações (CARVALHO et al., 2010; MARTORANO et al, 2009; MIELNICZUK et al., 2003; VEZZANI, 2001). O resíduo adicionado a linha de cafeeiros, provavelmente, propicia efeitos físicos, químicos e biológicos importantes para a estabilidade do sistema, e melhoram os efeitos da alta dose de gesso empregada, salientando, ainda, que o gesso fica amontoado, propiciando que seus componentes químicos sejam liberados gradativamente. Adubação de formação Aos 60 dias após o plantio (janeiro), iniciam-se às adubações de cobertura do cafeeiro. Esse período de 60 dias é possível devido à utilização de adubo de liberação lenta no plantio. São feitas três adubações com intervalos de 30 a 40 dias, até o mês de abril. Nesta operação é utilizada a fórmula 20-00-20, na dose de 110 kg ha-1, em cada cobertura, o que equivale a 20 g por planta. As operações são feitas com adubadoras de tração animal, na linha do cafeeiro ou utilizando adubadeira manual, conhecida como matraca ou pula-pula. Aplicação do gesso e amontoa de terra na linha da cultura No mês de fevereiro ou no de março é realizada a aplicação de gesso em cobertura, na linha de plantio, sendo empregados 7 kg m-1 deste insumo, o que corresponde a 28 t ha-1 nas lavouras estudadas, com espaçamento de 2,5 m entrelinhas (Figura 6). No momento da aplicação, as folhas do cafeeiro devem estar com a superfície seca, pois, na presença de água, ocorre reação com o gesso, causando a queima das folhas. O uso do gesso no sistema visa promover melhorias químicas no ambiente radicular das plantas e propiciar condições adequadas para o aprofundamento do sistema radicular. Sistemas radiculares profundos exploram maior volume de solo e, dessa forma, maior quantidade de água e nutrientes pode ser absorvida pela planta. A melhoria do ambiente radicular condicionada pelo gesso se dá, principalmente, pela presença do íon sulfato (SO4 2-) que, por ser altamente móvel no solo, é capaz de formar pares iônicos com cátions de 972 Sistema conservacionista... SERAFIM, M. E. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 27, n. 6, p. 964-977, Nov./Dec. 2011 reação básica e descer, enriquecendo o perfil do solo. O sulfato também forma par com o alumínio (Al3+), formando precipitados, reduzindo a atividade do Al3+. Figura 6. Lavoura sob sistema conservacionista logo após a aplicação de gesso agrícola na linha de plantio do cafeeiro. Para este sistema que combina elevado aporte de matéria orgânica e altas doses de gesso, além do sulfato, o carbono orgânico dissolvido (COD) na camada superficial do solo e o fluoreto, proveniente do gesso, na subsuperficie, são importantes na complexação do Al3+, podendo superar efeito do sulfato (ZAMBROSI et al., 2007). Dessa forma, fica claro o papel do gesso na melhoria do ambiente radicular, permitindo o seu aprofundamento (PAVAN; VOLKWEISS, 1986). Isto se torna importante, sobretudo em períodos de seca e também na ocorrência de veranicos, por propiciar à planta maior e mais eficiente aproveitamento de água do perfil do solo (RAIJ, 1988). Os efeitos adversos do gesso na nutrição de plantas, amplamente discutidos na literatura, não ocorrem na mesma proporção do aumento da dose de gesso do sistema intensivo de cultivo do cafeeiro na região, o que chega a 48 t ha-1. Algumas hipóteses podem ser levantadas a esse respeito, embora estudos direcionados sejam ainda necessários. A aplicação do gesso apenas na linha, seguida da amontoa de terra sobre o mesmo, reduz a taxa de solubilização. Foi observado que em lavoura com mais de sete anos, ainda se verifica a presença da camada de gesso na linha de plantio. A elevada quantidade de matéria orgânica acumulada na leira de plantio, combinada com o pH 6,0 a 6,5 do solo, assegura aumento da CTC, o que reduz a lixiviação de bases trocáveis, mesmo na presença do gesso (WADT, 2000). Na camada subsuperficial de solos muito intemperizados, a fração mineral tem um importante papel no balanço de cargas, apresentando, inclusive, carga positiva em alguns casos (ALLEONI & CAMARGO, 1994a; WEBER et al., 2005). A adsorção do sulfato a estes sítios reduz sua mobilidade, propiciando seu acúmulo (SERAFIM et al., 2009; WADT, 2000), reduzindo seu potencial de lixiviar bases. Logo após a gessagem, é realizada a “amontoa de terra” às plantas. A primeira etapa desta operação é o revolvimento do solo da entrelinha com uma grade, até a profundidade de 0,1 m. Utilizando-se de uma lâmina acoplada ao trator, a camada revolvida da entrelinha é removida para a linha da cultura. Em seguida, são feitos acertos manuais da leira com uso de enxada, com o material de solo recobrindo as plantas até altura do segundo ou terceiro ramo plagiotrópico, formando a leira (Figura 7). A leira tem como objetivo promover adubação orgânica do cafeeiro, tendo em vista ser esta constituída de material de solo acrescido de resíduos de brachiária. Dessa forma, os nutrientes fornecidos à gramínea, via adubação, retornarão ao cafeeiro após a sua liberação. A leira também exerce o papel de diminuir as oscilações de temperatura do solo onde se encontra a maior parte do sistema radicular da planta, além de proteger a camada de gesso contra a ação direta da água da chuva e do vento. Outros benefícios da leira são reduzir o tombamento e evitar lesão de colo dos cafeeiros. Estudos estão sendo desenvolvidos para mensurar os efeitos desta leira. Adubação de produção O monitoramento do estado nutricional das plantas e as recomendações de adubação de produção para as lavouras neste sistema intensivo de cultivo são feitos com base nos resultados de análise foliar, no histórico da área e na diagnose visual, interpretados conjuntamente. São realizadas três amostragens de folha, por ano, nos meses de 973 Sistema conservacionista... SERAFIM, M. E. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 27, n. 6, p. 964-977, Nov./Dec. 2011 novembro/dezembro, janeiro/fevereiro e março/abril. Figura 7. Leira de terra enriquecida com restos de braquiária ao longo da linha da cultura, ao final do período chuvoso (esquerda) e início do período chuvoso (direita). A adubação nitrogenada é feita logo após a colheita, tendo como fonte o nitrato de amônio. A escolha dessa fonte nitrogenada assegura que as perdas sejam mínimas, mesmo quando aplicada na condição de solo seco. A justificativa para o fornecimento de adubos ao solo ainda no período seco é que, segundo Malavolta et al., (2002), a absorção de nutrientes pelo cafeeiro ocorre com a umidade remanescente do solo ou na primeira chuva, estimulando a antese e, portanto, eles devem estar disponíveis no solo antes do florescimento. Outras vantagens são a facilidade e o rendimento da operação de adubação no período seco. O atendimento da demanda nutricional das plantas vai depender da capacidade de absorção pelas raízes e do transporte no xilema, que devem estar ativos mesmo no inverno (DAMATTA et al., 1999; RENA; GUIMARÃES, 2000). A viabilidade dessa premissa vai depender do uso e do manejo de irrigação suplementar e ou da manutenção de água disponível no solo para as plantas, o que é indispensável para a nutrição do cafeeiro (MALAVOLTA et al., 2002). O gesso aplicado ao solo em áreas de lavouras manejadas nesse sistema normalmente assegura uma nutrição satisfatória de cálcio e enxofre, o que corrobora os resultados de Marques et al. (1999). Entretanto, estes autores alertam para o fato de que, com a sucessão das colheitas, os teores foliares daqueles nutrientes diminuem. Isso justifica a preocupação dos formuladores deste sistema com a análise foliar da cultura. Nitrogênio e potássio são fornecidos de quatro a cinco vezes no período de agosto a fevereiro, por meio do fertilizante 18-00-27, que pode ser enriquecido de micronutrientes, como boro e zinco, quando necessário. O cobre é fornecido via fungicidas. Após a colheita do café a planta apresenta inúmeros danos mecânicos, a aplicação de fungicidas cúpricos funciona como barreira à entrada de fungos nestes locais. O molibdênio é fornecido via foliar, nos meses de novembro e fevereiro. Visando proteger as folhas do ataque de microrganismos, o cloro é fornecido pela aplicação de um “antisséptico” após a colheita, no mês de março, época a partir da qual há redução da temperatura. Considerações finais A abordagem dada ao sistema de manejo intensivo do cafeeiro na região do Alto São Francisco foi de ordem técnica, faltando ainda uma abordagem econômica do sistema para produtores de diferentes níveis tecnológicos. As lavouras assim manejadas em áreas de Cambissolos ainda não ultrapassaram cinco anos, deixando em aberto o conhecimento da longevidade das mesmas nesta unidade pedológica, tendo em vista supostas limitações, particularmente de ordem física destes solos. As melhorias proporcionadas em atributos do solo e, consequentemente, em lavouras cafeeiras neste sistema, embora visualmente nítidas, são suportadas por resultados analíticos ainda incipientes em áreas de Cambissolos, o que justifica maiores estudos a respeito dos efeitos do sistema nestas áreas. As práticas de manejo adotadas no sistema apresentam potencial para reduzir limitações relacionadas ao déficit hídrico das classes de solos da região do estudo, abordadas neste trabalho. Com base no que foi discutido, é possível inferir que as práticas de manejo que compõem o sistema intensivo de cultivo convergem para a desejável sustentabilidade ambiental, assegurando particularmente a conservação do solo e da água, 974 Sistema conservacionista... SERAFIM, M. E. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 27, n. 6, p. 964-977, Nov./Dec. 2011 notadamente em uma região que faz parte da cabeceira de uma das principais bacias hidrográficas do país, a bacia do rio São Francisco. ABSTRACT: Aided by genetic improvement and evolution of the cultural treatments, among other aspects, coffee growing in Brazil has expanded to the area of the Savannah, overcoming the water deficit and low natural soil fertility limitations of this area. The evolution of the productive systems has been a constant, seeking to increase the yields within the perspective of the new order of natural resource conservation. With this motivation, an intensive cultivation system of coffee plants has appeared, that has been developed and is being practiced in the Physiographic Region of the High San Francisco River Valley, MG, on farmland of the municipal districts of São Roque de Minas, Vargem Bonita and Piumhi, besides other areas in the states of Minas Gerais and São Paulo. This system is characterized by the application of high doses of gypsum, brachiaria cultivation in between rows, semi-condensed planting, deep furrow planting, early planting, short stature varieties, use of animal traction and rigorous control of the nutritional state of the plants. The intensive cultivation system stands out by being capable of operationalizing good management practices, allowing to execute them in a routine way within the spectrum of activities required by coffee growing. Good results were verified in Cambisol and Latosol areas with five and ten year-old coffee plants, respectively. The crops showed good visual aspect and the average productivity of the farms is 49 coffee sacks ha-1. The depth root growth, over two meters, has been a constant in the adult plants. The technical approach considers the system positive. An economical approach to the system is needed for producers of different technological levels. KEYWORDS: Coffee production in the Cerrado. Coffee cultivation system. Gypsum. REFERÊNCIAS ABIC. Associação Brasileira da Indústria do Café. Disponível em: < http://www.abic.com.br/estatisticas.html#intro>. Acesso em 31 out. 2009. ALLEONI, L. R. F.; CAMARGO, O. A. Pontos de efeito salino nulo de latossolos ácricos. 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