Microsoft Word - 23-Vet_15195 201 Original Article Biosci. J., Uberlândia, v. 30, n. 1, p. 201-209, Jan./Feb. 2013 RELAÇÕES ENTRE MORFOGÊNESE E DINÂMICA DO PERFILHAMENTO EM PASTOS DE CAPIM-BRAQUIÁRIA RELATIONSHIP BETWEEN MORPHOGENESIS AND TILLER DYNAMICS IN SIGNALGRASS PASTURES Manoel Eduardo Rozalino SANTOS1; Dilermando Miranda da FONSECA2; Virgilio Mesquita GOMES3 1. Professor, Doutor, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil. manoeleduardo@famev.ufu.br; 2. Professor, Doutor, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG, Brasil. 3. Professor, Doutor, Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, MG, Brasil. RESUMO: A análise conjunta das características morfogênicas e da dinâmica populacional de perfilhos permite compreender os padrões de respostas da planta forrageira ao ambiente. Dessa forma, este trabalho foi conduzido para identificar as relações entre a morfogênese e a dinâmica de perfilhos da Brachiaria decumbens sob lotação contínua com bovinos. Para isso, foram avaliados o aparecimento de folhas e perfilhos, o alongamento de folhas e de colmos, a duração de vida da folha e as taxas de mortalidade e sobrevivência de perfilhos em pastos sob duas estratégias de manejo do pastejo, durante três estações do ano (inverno, primavera e verão). Equações de regressão entre as variáveis respostas foram estimadas. A taxa de aparecimento de perfilho aumentou linearmente em função das taxas de aparecimento foliar (Ŷ=-0,9514 + 385,24X; R²=0,91) e de alongamento de folha (Ŷ=2,5965 + 26,746X; R²=0,88) e de colmo (Ŷ=7,5663 + 117,46X; R²=0,77). Mesmo padrão de resposta ocorreu para a taxa de mortalidade de perfilho. Por outro lado, a taxa de sobrevivência de perfilhos diminuiu de maneira linear em função das taxas de aparecimento (Ŷ=96,26 - 124,19X; R²=0,52) e alongamento (Ŷ=95,653 + 9,1489X; R²=0,56) foliares. A duração de vida da folha promoveu aumento linear na taxa de sobrevivência de perfilhos (Ŷ=78,836 + 0,1085X; R²=0,52). As mudanças nos padrões morfogênicos de perfilhos individuais, que ocorrem durante as estações do ano, modificam a dinâmica populacional de perfilhos no pasto de B. decumbens. PALAVRAS-CHAVE: Altura do pasto. Brachiaria decumbens. Estação do ano. Pastejo INTRODUÇÃO Quando bem manejado, o pasto é perene, mas seus perfilhos possuem ciclo de vida limitado e, desse modo, a persistência do pasto depende da sua capacidade de emitir novos perfilhos para substituir aqueles que morrem. Desse modo, o número de perfilho no pasto depende do equilíbrio entre as taxas de aparecimento e de mortalidade de perfilhos (CARVALHO et al., 2000; SANTOS et al., 2011a). A perenidade do pasto também depende do desenvolvimento de folhas, dado o papel destas na fotossíntese, ponto de partida para a síntese de tecidos (BRAGA et al., 2009; ARAUJO et al., 2010). O desenvolvimento do colmo também influencia a produção de forragem, porque o colmo pode favorecer a fotossíntese do dossel pela redução do seu coeficiente de extinção de luz (FAGUNDES et al., 2001). Nesse contexto, a compreensão da dinâmica de produção de forragem no pasto pode ser obtida pelo estudo da morfogênese, que em pastos tropicais é descrita por quatro características principais: taxa de aparecimento foliar, taxa de alongamento foliar, duração de vida da folha e taxa de alongamento de colmo (SANTOS et al., 2011b). Da mesma forma, o estudo da dinâmica populacional de perfilhos também permite identificar a intensidade com que os processos de aparecimento, sobrevivência e florescimento de perfilhos ocorrem no pasto. Isso determina as características da população de perfilhos, o que interfere no valor nutritivo, no potencial produtivo e na competitividade do pasto (SANTOS et al., 2011a). As alterações nas características morfogênicas da planta modificam a estrutura do pasto e, com efeito, alteram o microclima no qual as plantas se desenvolvem. Como consequência, a dinâmica da população de perfilhos no pasto é alterada, caracterizando a complexa e interdependente natureza da comunidade de plantas e do fluxo de tecidos no ecossistema pastagem. A análise conjunta das características descritoras da morfogênese e da dinâmica populacional de perfilhos do pasto, bem como a identificação da natureza de suas relações, é relevante, porque permite compreender os padrões de respostas das plantas no ambiente, incluindo o manejo do pastejo e o clima. Nesse contexto, a estimativa de equações de regressões entre as características morfogênicas e as da dinâmica do Received: 12/05/12 Accepted: 12/12/12 202 Relações entre morfogênese… SANTOS, M. E. R; FONSECA, D. M.; GOMES, V. M. Biosci. J., Uberlândia, v. 30, n. 1, p. 201-209, Jan./Feb. 2013 perfilhamento permite quantificar a natureza das relações entre as variáveis do desenvolvimento vegetal. Assim, este trabalho foi desenvolvido com o objetivo de avaliar as relações entre a morfogênese e a dinâmica populacional de perfilhos em pastos de Brachiaria decumbens manejada em lotação contínua com bovinos durante três estações do ano. MATERIAL E MÉTODOS O experimento foi realizado de junho de 2008 a março de 2009 em pastagem de Brachiaria decumbens cv. Basilisk (Stapf.) (capim-braquiária), pertencente ao Setor de Forragicultura do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de Viçosa, em Viçosa-MG (20º45' S; 42º51' W; 651 m). Foi utilizada uma pastagem de capim- braquiária estabelecida em Latossolo Vermelho- Amarelo de textura argilosa e relevo medianamente ondulado (EMBRAPA, 1999). A pastagem foi dividida em oito piquetes, de 0,25 a 0,40 ha, além de uma área de reserva, totalizando aproximadamente 3,0 ha. O clima de Viçosa é do tipo Cwa (KÖPPEN, 1948) com precipitação anual em torno de 1.340 mm e umidade relativa do ar média de 80%. As temperaturas médias máxima e mínima são de 22,1 e 15oC. Os dados climáticos registrados durante o período experimental foram obtidos na estação meteorológica do Departamento de Engenharia Agrícola da Universidade Federal de Viçosa, situada a cerca de 500 m da área experimental (Tabela 1). Tabela 1. Médias mensais da temperatura média diária, insolação, precipitação pluvial total mensal e evaporação total mensal durante junho de 2008 a março de 2009 Mês Temperatura média do ar (°C) Insolação (hora/dia) Precipitação pluvial (mm) Evaporação (mm) Junho/2008 16,7 6,2 12,7 55,9 Julho/2008 15,4 8,2 10,2 73,9 Agosto/2008 16,7 7,3 15,4 87,1 Setembro/2008 18,7 4,4 150,0 101,5 Outubro/2008 21,6 5,6 41,4 89,0 Novembro/2008 21,0 3,7 223,8 65,8 Dezembro/2009 21,3 11,1 626,0 270,8 Janeiro/2009 22,5 13,2 250,7 137,0 Fevereiro/2009 23,0 6,6 222,5 63,3 Março/2009 22,8 5,8 231,9 60,1 Durante três estações do ano (inverno, primavera e verão), foram avaliadas duas estratégias de manejo do pastejo. Em uma, o pasto foi mantido com 25 cm de altura média durante todo o período experimental. A outra correspondeu à manutenção do pasto em 15 cm de altura média durante o inverno, com aumento para 25 cm a partir do início da primavera (SANTOS et al., 2011ab). Desde junho de 2007, os oito piquetes da área experimental vinham sendo manejados sob lotação contínua com taxa de lotação variável para manter a altura média do pasto em 25 cm. Em meados de junho de 2008, quatro piquetes tiveram a altura média do pasto rebaixada para 15 cm. Para isso, aumentou-se a taxa de lotação nos mesmos, utilizando-se bovinos em recria com peso médio de aproximadamente 200 kg. Assim, conseguiu-se que, em um período de cerca de 15 dias, a meta de altura (15 cm) fosse alcançada. Por outro lado, os outros quatros piquetes permaneceram com o pasto em cerca de 25 cm de altura média, com ausência de animais desde maio de 2008. A partir do início de outubro de 2008, todos os piquetes voltaram a ser utilizados, concomitantemente, e os pastos foram manejados sob lotação contínua e taxa de lotação variável para manter sua altura média em cerca de 25 cm. O monitoramento das alturas dos pastos foi realizado por meio de medidas em 50 pontos de cada piquete, utilizando-se instrumento e metodologia descritos por Santos (2009). Para o controle da altura do pasto, bovinos com cerca de 200 kg de peso corporal foram retirados ou colocados nos piquetes quando as alturas dos pastos estavam abaixo ou acima, respectivamente, do valor almejado. A análise química do solo foi realizada em outubro de 2008 e apresentou os seguintes resultados: pH em H2O: 4,79; P: 1,5 (Mehlich-1) e K: 86 mg/dm3; Ca2+: 1,46; Mg2+: 0,32 e Al3+: 0,19 cmolc/dm 3 (KCl 1 mol/L). Foi realizada adubação em toda área experimental com a aplicação de 100 kg/ha de N e K2O, bem como 25 kg/ha de P2O5, usando o formulado 20-05-20. Essas doses foram 203 Relações entre morfogênese… SANTOS, M. E. R; FONSECA, D. M.; GOMES, V. M. Biosci. J., Uberlândia, v. 30, n. 1, p. 201-209, Jan./Feb. 2013 divididas em duas aplicações iguais, que ocorreram nos dias 11/11/2008 e 15/12/2008. Desde o início de julho de 2008 até o fim de março de 2009, as características morfogênicas e estruturais do capim-braquiária foram avaliadas em 16 perfilhos por unidade experimental, de acordo com metodologia descrita por Santos et al. (2011b). A partir desses procedimentos foram calculadas as variáveis: taxa de aparecimento foliar, taxa de alongamento foliar, taxa de alongamento de colmo, e duração de vida da folha. Para a avaliação da dinâmica do perfilhamento, em cada unidade experimental (piquete), foram delimitados três locais, com área de 0,0625 m², representativos da condição média inicial do pasto. Esses locais foram demarcados utilizando- se moldura metálica pintada na cor branca e com formato de um quadrado de 25 cm de lado. Esta moldura foi fixada ao solo por meio de dois grampos metálicos e não foi removida até o término do experimento. No início da avaliação, todos os perfilhos dentro das molduras, foram contados e marcados com arame liso revestido de plástico colorido. A partir daí, a cada 30 dias, todos perfilhos foram novamente contados e os perfilhos novos foram marcados com arame de cor diferente. Os perfilhos mortos tiveram seus arames de identificação retirados. Com esses dados, calcularam-se as taxas de aparecimento, de mortalidade e de sobrevivência de perfilho (Santos et al., 2011a). Com o banco de dados obtidos a partir dessas avaliações, que totalizou 24 observações, foram estimadas equações de regressão entre algumas características morfogênicas e da dinâmica do perfilhamento do capim-braquiária. O coeficiente de determinação das equações foi determinado. A significância dos coeficientes de regressão, testada pelo teste t ao nível de significância de até 10% de probabilidade, também foi avaliado. RESULTADOS E DISCUSSÃO O aumento da taxa de aparecimento foliar resultou em incremento linear da taxa de aparecimento de perfilho (Figura 1). Esse resultado se deve ao fato de que, com o aparecimento de uma nova folha no perfilho, há concomitantemente o aparecimento de uma nova gema axilar. Esta, por seu turno, pode potencialmente originar um novo perfilho, especialmente quando as condições ambientais são favoráveis ao desenvolvimento do pasto. Ŷ = -0,9514 + 385,24*X R² = 0,91 0 10 20 30 40 50 60 0 0,05 0,1 0,15 T ax a d e ap ar ec im en to d e pe rf il h o ( % ) Taxa de aparecimento foliar (cm/perfilho.d ia) Figura 1. Relação entre a taxa de aparecimento de perfilho e a taxa de aparecimento foliar em pastos de capim-braquiária sob lotação contínua; *Significativo pelo teste t (P<0,01). A taxa de aparecimento foliar é um indicativo da taxa de aparecimento de gema axilar no pasto e toda situação que estimula o aparecimento foliar também gera um aumento no “banco de gemas” no pasto. As gemas podem permanecer dormentes por determinado período de tempo, fato comum nos meses de inverno, em que as condições climáticas (temperatura, luminosidade e precipitação pluvial) são restritivas ao crescimento da planta forrageira (CARVALHO et al., 2000; SANTOS et al., 2011a). Da mesma forma, a manutenção do pasto com altura mais alta ocasiona menor luminosidade na base das plantas e, com efeito, gera redução no desenvolvimento das gemas em perfilhos, o que promove diminuição do site filling do pasto, ou seja, da relação entre o aparecimento foliar e o aparecimentos de perfilhos (DAVIES, 1971). 204 Relações entre morfogênese… SANTOS, M. E. R; FONSECA, D. M.; GOMES, V. M. Biosci. J., Uberlândia, v. 30, n. 1, p. 201-209, Jan./Feb. 2013 Nos meses de primavera e verão, com clima predisponente ao desenvolvimento da planta forrageira (Tabela 1), houve estímulo ao aparecimento de folhas e gemas axilares nos perfilhos do capim-braquiária e, paralelamente, muitas das gemas também se desenvolveram em novos perfilhos vegetativos, especialmente naqueles pastos manejados com menor altura média durante o inverno (SANTOS et al., 2011a). Padrão de resposta contrário ocorreu nos meses de inverno em função, principalmente, das condições de clima adversas à planta forrageira (Tabela 1). Esses argumentos explicam a distribuição dos dados de taxa de aparecimento foliar e de taxa de aparecimento de perfilhos em basicamente dois grupos (Figura 1). Um primeiro grupo é caracterizado por menores valores dessas variáveis respostas, que ocorreram durante os meses de inverno. Por outro lado, o segundo grupo engloba altos valores dessas variáveis respostas ocorridos durante os meses de primavera e verão. Esses resultados demonstram o efeito preponderante do clima sobre o desenvolvimento da planta forrageira, conforme observado em outros trabalhos (FAGUNDES et al., 2005; MORAES et al., 2006; SANTOS et al., 2011b). Nesse sentido, também se observaram respostas lineares e positivas da taxa de aparecimento de perfilhos em função das taxas de alongamento de folha e de colmo (Figura 2), o que é consequência dos efeitos do clima sobre a planta forrageira. Essas três características (taxa de aparecimento de perfilho, taxa de alongamento de folha e taxa de alongamento de colmo) expressam o crescimento e desenvolvimento do pasto. Todos os fatores que modificam as taxas de desenvolvimento vegetal geram efeitos de mesma natureza nesses índices morfogênicos, o que justifica as associações positivas entre essas características. Nesse sentido, o clima restritivo durante o inverno resultou em decréscimo nas taxas de aparecimento de perfilho, de alongamento de folha e de alongamento de colmo e, contrariamente, nos meses de primavera e verão, padrão de resposta inverso ocorreu, especialmente naqueles pastos manejados com maior altura média. Ŷ = 2,5965 + 26,746**X R² = 0,88 0 10 20 30 40 50 60 0 0,5 1 1,5 2 T ax a d e ap ar ec im en to d e p er fi lh o ( % ) Taxa de alongamento foliar (cm/perfilho.dia) A Ŷ = 7,5663 + 117,46**X R² = 0,77 0 10 20 30 40 50 60 0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 T ax a d e ap ar ec im en to d e p er fi lh o ( % ) Taxa d e alongamento de colmo (cm/perfilho.d ia) B Figura 2. Relações entre a taxa de aparecimento de perfilho e as taxas de alongamento foliar (A) e de colmo (B) em pastos de capim-braquiária sob lotação contínua; **Significativo pelo teste t (P<0,05). É possível conjecturar que, na primavera e no verão, o maior alongamento do colmo possa ter melhorado o ambiente luminoso no interior do dossel pelo seu efeito em tornar as lâminas foliares mais eretas e, assim, reduzir o coeficiente de extinção de luz (FAGUNDES et al., 2001). Com isso, mais luz pode ter incidido na base das plantas, estimulando o perfilhamento do capim-braquiária (DEREGIBUS et al., 1983). Isso pode explicar a resposta linear da taxa de aparecimento de perfilho em função da taxa de alongamento de colmo (Figura 2B). Em adição, o maior aparecimento de perfilhos vegetativos durante a primavera e o verão também pode ter sido estimulado e beneficiado pelas maiores taxas de alongamento foliar do capim- braquiária nessas estações. De fato, o alongamento foliar concorre para o acréscimo do índice de área foliar do pasto, o que tem efeito positivo sobre a interceptação de luz pelo dossel. Esta, por seu turno, é premissa básica para a fotossíntese. Nesse sentido, é possível que maiores taxas fotossintéticas tenham elevado o status energético dos perfilhos, gerando excedente de compostos nitrogenados e carbonados, que podem ter sido mobilizados e utilizados para a 205 Relações entre morfogênese… SANTOS, M. E. R; FONSECA, D. M.; GOMES, V. M. Biosci. J., Uberlândia, v. 30, n. 1, p. 201-209, Jan./Feb. 2013 síntese de novos perfilhos, principalmente naqueles pastos mantidos mais baixos. Isso justificaria a resposta linear da taxa de aparecimento de perfilho em função da taxa de alongamento foliar (Figura 2A). No que tange a taxa de mortalidade de perfilhos, seus valores foram incrementados linearmente pelas taxas de aparecimento e alongamento de folhas (Figura 3). Esses resultados podem ser explicados considerando-se que a transição de um período de condições climáticas adversas, comum no inverno, para um período de clima favorável, típico da primavera e verão, resulta em elevação acentuada no fluxo de tecidos e também em uma típica renovação de perfilhos no pasto de capim-braquiária (FAGUNDES et al., 2005; MORAES et al., 2006; SANTOS et al., 2011a; SANTOS et al., 2011b). Com isso, nos meses de clima favorável ao crescimento da planta forrageira, é natural que aqueles perfilhos mais velhos apresentem maior senescência foliar, morram e sejam substituídos por perfilhos novos, que apresentam maior fluxo de tecidos. Isso justifica as relações positivas entre as taxas de mortalidade de perfilhos e as de aparecimento e alongamento de folhas (Figura 3). Ŷ =3,7395 + 124,19***X R² = 0,52 0 10 20 30 40 50 60 0 0,05 0,1 0,15 T ax a d e m o rt al id ad e d e pe rf il h o ( % ) Taxa de aparecimento foliar (cm/perfilho.d ia) A Ŷ = 4,3467 + 9,1489***X R² = 0,56 0 10 20 30 40 50 60 0 0,5 1 1,5 2 T ax a d e m o rt al id ad e d e pe rf ilh o ( % ) Taxa de alongamento foliar (cm/perfilho.dia) B Figura 3. Relações entre a taxa de mortalidade de perfilho e as taxas de aparecimento (A) e alongamento foliar (B) em pastos de capim-braquiária sob lotação contínua; ***Significativo pelo teste t (P<0,10). A renovação de perfilhos ocorrida na primavera e no verão, caracterizada pelas altas taxas de aparecimento e mortalidade de perfilhos, indica que a idade média da população de perfilhos no pasto é reduzida, o que tem implicações importantes na morfogênese do pasto. Realmente, uma densidade populacional de perfilhos jovens no pasto é condição favorável ao aumento em produtividade desde que a estabilidade da população de perfilhos não seja comprometida (CAMINHA et al., 2010). Com isso, pode-se afirmar que o aumento da produção de forragem nos pastos de capim- braquiária no início da primavera (FAGUNDES et al., 2005; MOREIRA et al., 2009) ocorre devido, dentre outros fatores, à menor idade média dos perfilhos no pasto. Como a taxa de mortalidade de perfilhos é inversamente proporcional à taxa de sobrevivência de perfilhos (SANTOS, 2009), esta última apresentou padrão de resposta contrário ao verificado para a taxa de mortalidade de perfilhos. De fato, a taxa de sobrevivência de perfilhos decresceu de forma linear em função das taxas de alongamento e aparecimento foliar (Figura 4). Conforme discutido, nos meses com clima adequado ao crescimento do pasto (primavera e verão) ocorreu alta renovação de perfilhos, bem como alto fluxo de tecidos em perfilhos individuais. Nessa condição, o pasto é caracterizado por baixa taxa de sobrevivência de perfilhos e altas taxas de aparecimento e alongamento foliar, o que é o motivo das relações negativas entre a taxa de sobrevivência de perfilhos com as taxas de aparecimento e alongamento foliares (Figura 4). De outra forma, durante o inverno, o fluxo de tecidos dos perfilhos individuais é reduzido em virtude do clima restritivo e típico dessa estação (Tabela 1). Desse modo, as taxas de aparecimento e alongamento foliares dos perfilhos diminuíram, o que também gerou efeito inibitório sobre a taxa de aparecimento de perfilhos (Figuras 1 e 2). Assim, em uma estratégia de compensação, o capim- braquiária aumenta a sobrevivência dos perfilhos no 206 Relações entre morfogênese… SANTOS, M. E. R; FONSECA, D. M.; GOMES, V. M. Biosci. J., Uberlândia, v. 30, n. 1, p. 201-209, Jan./Feb. 2013 inverno a fim de contrabalancear a redução na taxa de aparecimento de perfilhos. Ŷ = 96,26 - 124,19***X R² = 0,52 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 0 0,05 0,1 0,15 T ax a d e so b re v iv ên ci a d e pe rf ilh o ( % ) Taxa de aparecimento foliar (cm/perfilho.d ia) A Ŷ = 95,653 - 9,1489***X R² = 0,56 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 0 0,5 1 1,5 2 T ax a d e so b re v iv ên ci a d e pe rf ilh o ( % ) Taxa de alongamento foliar (cm/perfilho.dia) B Figura 4. Relações entre a taxa de sobrevivência de perfilho e as taxas de aparecimento (A) e alongamento foliar (B) em pastos de capim-braquiária sob lotação contínua; ***Significativo pelo teste t (P<0,10). Um dos fatores que determina a menor mortalidade e, com efeito, a maior sobrevivência de perfilhos durante os meses de inverno consiste no incremento da duração de vida da folha dos perfilhos nessa estação. Realmente, essa assertiva pode ser confirmada pela resposta linear e negativa da taxa de mortalidade de perfilhos em função da duração de vida da folha (Figura 5A), bem como pelo acréscimo linear da taxa de sobrevivência de perfilhos em resposta à duração de vida da folha do capim-braquiária (Figura 5B). Ŷ = 21,164 - 0,1065***X R² = 0,52 0 10 20 30 40 50 60 0 50 100 150 200 250 T ax a d e m or ta li d ad e d e p er fi lh o (% ) Duração de vida da folha (dia) A Ŷ = 78,836 + 0,1065***X R² = 0,52 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 0 50 100 150 200 250 T ax a d e so b re v iv ên ci a d e pe rf ilh o ( % ) Duração de vida da folha (dia) B Figura 5. Relações entre a duração de vida da folha e as taxas de mortalidade (A) e sobrevivência (B) de perfilhos em pastos de capim-braquiária sob lotação contínua; ***Significativo pelo teste t (P<0,10). A maior duração de vida da folha assegura que o perfilho mantenha por mais tempo sua área foliar, que é condição indispensável para a interceptação de luz e a fotossíntese do dossel. Desse modo, a superior duração de vida da folha no inverno, além de compensar as menores taxas de aparecimento e alongamento de folhas nessa estação, também pode contribuir para a otimização da fotossíntese do pasto dentro dos limites de clima restritivos prevalecentes no inverno e, consequentemente, permitir que a sobrevivência dos perfilhos seja incrementada. As maiores duração de vida da folha e a taxa de sobrevivência de perfilhos observadas durante o inverno também podem ter sido respostas ao decréscimo da disponibilidade de nutrientes para 207 Relações entre morfogênese… SANTOS, M. E. R; FONSECA, D. M.; GOMES, V. M. Biosci. J., Uberlândia, v. 30, n. 1, p. 201-209, Jan./Feb. 2013 a planta forrageira em decorrência, principalmente, do déficit hídrico ocorrido nessa época do ano, que limita a absorção de nutrientes pela planta via fluxo de massa e difusão no solo (NOVAES; SMYTH, 1999). Nessa condição, a maior sobrevivência dos órgãos da planta contribuiria para aumentar o tempo médio de permanência dos nutrientes no vegetal, aumentando a conservação dos mesmos em situação de recursos nutricionais escassos (SBRISSIA, 2004). É oportuno ressaltar que a eficiência na conservação dos nutrientes, conferida pelas maiores duração de vida da folha e taxa de sobrevivência de perfilhos do capim-braquiária no inverno, é apropriada quando o ambiente é caracterizado por menor de ocorrência de desfolhação (SBRISSIA, 2004), fato que aconteceu no inverno, estação em que os pastos de capim-braquiária permaneceram sem bovinos, devido à necessidade de manutenção das alturas pretendidas. De outra forma, a menor duração de vida da folha e taxa de sobrevivência de perfilhos nos meses de primavera e verão indicam mudança de estratégia ecológica do capim-braquiária, pois a planta forrageira, provavelmente, passou a priorizar a translocação dos nutrientes dos tecidos em senescência para os tecidos em crescimento (ALEXANDRINO et al., 2005). De fato, a menor longevidade dos órgãos do vegetal, tais como folhas e perfilhos, tem sido utilizada como marcador característico de plantas que crescem em meio favorável. Com base nos resultados apresentados (Figuras 1 a 5), observou-se que a dispersão dos dados na primavera e no verão foi maior em comparação ao inverno. Possivelmente, as condições de clima favoráveis ao desenvolvimento da planta forrageira na primavera e no verão contribuíram para maior resposta da planta forrageira às duas estratégias de manejo do pastejo avaliadas e, com isso, essas plantas apresentaram maior variabilidade nas suas características morfogênicas e de dinâmica de perfilhos. Por outro lado, no inverno, o clima restritivo à planta limitou a variabilidade das variáveis respostas mensuradas. Os resultados apresentados também permitem evidenciar a interdependência entre o fluxo de tecidos em perfilhos individuais e a dinâmica da população de perfilhos no pasto, ou seja, modificações no desenvolvimento em nível de perfilho individual geram variações em nível de população de perfilhos no pasto. E essas inter- relações são mediadas pelos efeitos do ambiente, incluindo o clima e o manejo do pastejo. As alterações na morfogênese de cada perfilho determinam mudanças nas suas características estruturais (CONFORTIN et al., 2010; SANTOS et al., 2011b). Quando as variações na estrutura dos perfilhos individuais são somadas têm-se as modificações na estrutura do pasto (comunidade de plantas). Por seu turno, a estrutura do pasto influencia o microclima (ventilação, umidade, luminosidade, etc) no qual os perfilhos se desenvolvem, o que desencadeia novas respostas morfogênicas em nível de perfilho e também condiciona a dinâmica populacional de perfilhos. Com isso, tem-se um ciclo de variações interdependentes em que variações na morfogênese de perfilhos individuais geram mudanças na expressão das características descritoras da dinâmica de perfilhos. Isso denota a complexidade dos processos biológicos e ecológicos que ocorrem no pasto, que precisam ser mais bem compreendidos para subsidiar recomendações adequadas de manejo das plantas forrageiras. CONCLUSÕES As taxas de crescimento dos órgãos de perfilhos individuais são positivamente relacionadas com o aparecimento e a mortalidade de perfilhos em pasto de Brachiaria decumbens. No pasto de B. decumbens sob lotação contínua, ocorre relação positiva em entre aparecimento de folhas e de perfilhos, e entre a duração de vida da folha e a sobrevivência de perfilhos. As mudanças nos padrões morfogênicos de perfilhos individuais, que ocorrem durante as estações do ano, modificam a dinâmica populacional de perfilhos no pasto de B. decumbens. AGRADECIMENTOS Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo financiamento da pesquisa. __________________________________________________________________________________________________ ABSTRACT: The joint analysis of morphogenesis and dynamic of tiller population allows understanding the responses patterns of grasses to environment. Thus, this study was conducted to identify the relationship between morphogenesis and tillers dynamics of Brachiaria decumbens under continuous stocking with cattle. For this, the appearance of leaves and tillers, the elongation of leaves and stems, the leaf lifespan and mortality and survival rates of 208 Relações entre morfogênese… SANTOS, M. E. R; FONSECA, D. M.; GOMES, V. M. Biosci. J., Uberlândia, v. 30, n. 1, p. 201-209, Jan./Feb. 2013 tillers were evaluated in pastures with two grazing management strategies for three seasons (winter, spring and summer). The regression equations between variables were estimated. The tiller appearance rate increased linearly with leaf appearance rate (Y = -0.9514X + 385.24, R² = 0.91), leaf elongation rate (Y = 2.5965X + 26.746, R² = 0.88) and stem elongation rate (Y = 7.5663X + 117.46, R² = 0.77). Same pattern occurred for a tiller mortality rate. Moreover, the tiller survival rate decreased linearly as a function of appearance rate (Y = 96.26 to 124.19 X, R² = 0.52) and elongation rate (Y = 95.653 + 9.1489X, R² = 0.56) of leaf. The leaf lifespan caused a linear increase in tiller survival rate (Y = 78.836 + 0.1085X, R² = 0.52). The changes in morphogenesis of individual tillers, which occur during the seasons, change the dynamic of tiller population in B. decumbens pasture. KEYWORDS: Brachiaria decumbens. Grazing. Season. Sward height. REFERÊNCIAS ALEXANDRINO, E.; GOMIDE, J. A.; OLIVEIRA, J. A.; TEIXEIRA, A. C. B.; LANZA, D. C. F. Distribuição dos fotoassimilados em plantas de Panicum maximum cv. mombaça. Revista Brasileira de Zootecnia, v. 34, n. 5, p. 1449-1458, 2005. ARAÚJO, S. A. C.; VASQUEZ, H. M.; CAMPOSTRINI, E.; NETTO, A. T.; DEMINICIS, B. B.; LIMA, E. S. Características fotossintéticas de genótipos de capim-elefante anão (Pennisetum purpureum Schum.), em estresse hídrico. Acta Scientiarum. 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