Microsoft Word - 24-Agra_17261_revisado.doc 727 Original Article Biosci. J., Uberlândia, v. 29, n. 3, p. 727-731, May/June 2013 ORIGENS E RAMIFICAÇÕES DO NERVO FEMORAL EM JAVALIS (Sus scrofa scrofa LINNAEUS, 1758) ORIGINS AND RAMIFICATIONS OF THE FEMORAL NERVE IN WILD BOARS (Sus scrofa scrofa LINNAEUS, 1758) Andréa Regina Abrantes GOMES1; Frederico Ozanam CARNEIRO E SILVA2; Luciana Pedrosa IGLESIAS3; Lucas de Assis RIBEIRO4; Tharlianne Alici Martins de SOUZA4; Nicole Latanza FURLAN5 1. Mestranda, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia - FAMEV, Universidade Federal de Uberlândia - UFU, Uberlândia, MG, Brasil. andreagomes85@gmail.com; 2. Professor, Doutor, FAMEV – UFU, Uberlândia, MG, Brasil; 3. Doutoranda da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil; 4. Biólogo(a) autônomo(a); 5. Médica Veterinária autônoma. RESUMO: Neste estudo foram analisadas a origem e distribuição dos nervos femorais em 25 fetos de javalis (Sus scrofa scrofa). A fixação destes animais em solução aquosa de formaldeído a 10% ocorreu mediante diferentes pontos de injeções subcutâneas, intramusculares e intracavitárias, bem como por imersão dos referidos exemplares em recipientes com a mesma solução por um período mínimo de 48 horas, a fim de preparar o material para posterior dissecação. Foi observado que a origem das raízes do nervo originaram-se de L3 a S1. No tocante a quantidade de vértebras lombar, variou de cinco a sete, sendo cinco em oito casos (32%), seis em 12 exemplares (48%) e sete em cinco animais (20%). Com relação a sua distribuição, os nervos femorais emitiram de dois a cinco ramos para os músculos ilíacos direito e de dois a quatro para o esquerdo, o psoas maior direito recebeu de dois a cinco, e seu antimero esquerdo, de dois a sete, o sartório direito, por sua vez, foi inervado por dois ramos em um caso e o quadríceps femoral apresentou variação de sete a 16, em ambos os antímeros. PALAVRAS-CHAVE: Plexo lombosacral. Suídeos. Inervação. Neuroanatomia. INTRODUÇÃO A criação de javalis está aumentando no Brasil devido à sua importância econômica, muito se foi estudado sobre sua ecologia e manejo, ao passo que, há poucas pesquisas sobre a morfologia destes animais. Por serem da mesma família, tanto o suíno domestico como o javali, alguns criadores praticam o acasalamento entre ambos como forma de aumentar os índices de produtividade, explorando uma possível melhoria da lucratividade (ROTTA; RÖNNAU, 2006). Os plexos braquial e lombossacral dão origem aos nervos que se distribuem às estruturas dos membros torácicos e pélvicos, respectivamente. O plexo lombossacral é formado pelos últimos nervos lombares e pelos dois primeiros nervos sacrais (DYCE et al. 2010). O nervo femoral nas espécies domésticas, de um modo geral, surge na parte cranial (L4-L6) do plexo lombossacral e percorre um caminho através do músculo psoas para alcançar o espaço entre o ângulo dorso-caudal do flanco e o músculo íliopsoas. Este nervo é acompanhado pela artéria femoral e pelas veias ilíacas externas e, ao entrar na coxa, segui entre os músculos sartório e pectíneo. Logo, emite o nervo safeno e, após um curto trajeto, mergulha entre os músculos reto femoral e vasto medial, para atender ao músculo quadríceps (DYCE et al. 2010). Além do quadríceps da coxa, o nervo femoral é responsável pela inervação dos músculos ilíaco, sartório (GHOSHAL, 1986; KÖNIG; LIEBICH, 2004; OLIVEIRA et al., 2011), psoas maior e pectíneo (FRANDSON et al. 2005). Lesões graves deste nervo, embora raras, determinam sérias consequências como a paralisia do músculo quadríceps, impedindo a fixação da articulação do joelho. Torna todo membro incapaz de suportar peso e a inibição do reflexo patelar, não sendo possível compensar esta deficiência (DYCE et al. 2010). Ademais, a lesão deste nervo ocasiona a perda de sensibilidade na face medial da coxa, do joelho e da perna (MACHADO, 2002). Neste contexto, a paralisia femoral causa a insensibilidade do músculo quadríceps femoral. A função de suporte na articulação do joelho fica comprometida, com flexão superficial da mesma, sendo que as possíveis causas são fraturas pélvicas (RADOSTITS, 2000). Lesões dos segmentos L4 a L6 da medula espinal resultam na dessensibilização cutânea da superfície medial do membro pélvico, e num reflexo patelar diminuído ou ausente (FRANDSON et al., 2005; OLIVEIRA et al., 2011) O conhecimento da localização e distribuição dos principais nervos é determinante no diagnóstico clínico de paralisias ou ausência de sensibilidade, podendo apontar a região de lesão (FURTADO; KASHIVAKURA, 2007). A partir Received: 03/06/12 Accepted: 24/09/12 728 Origens e ramificações... GOMES, A. R. A. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 29, n. 3, p. 727-731, May/June 2013 disso, objetivou-se, neste trabalho, descrever a origem e distribuição do nervo femoral, em fetos de javalis. MATERIAL E MÉTODOS O presente experimento teve como base a dissecação do nervo femoral de 25 fetos de javalis (Sus scrofa scrofa), procedentes de doações do IBAMA e do LAPAS (Laboratório de Pesquisas com Animais Silvestres) da Universidade Federal de Uberlândia. A fixação destes animais em solução aquosa de formaldeído a 10% ocorreu mediante diferentes pontos de injeções subcutâneas, intramusculares e intracavitárias, bem como por imersão dos referidos exemplares em recipientes com a mesma solução por um período mínimo de 48 horas antes do início da dissecação. Posteriormente, para visualização das origens dos nervos femorais esquerdos e direitos, promoveu-se uma incisão horizontal na linha mediana ventral desde o terço final da cavidade torácica até a borda cranial da sínfise pélvica. A partir dela, outras quatro incisões verticais foram realizadas, duas em cada antímero, até alcançar a linha mediana dorsal. Afastaram-se cranialmente os órgãos internos, aorta abdominal e veia cava caudal. Por conseguinte, desarticulou a sínfise pélvica seccionando-a longitudinalmente. Após remoção de parte do tecido adiposo e rebatimento dos músculos psoas, visualizou-se os ramos ventrais dos nervos espinhais lombares de ambos os antímeros, que dão origem aos nervos femorais direito e esquerdo. Por fim, analisou-se as distribuições de seus ramos musculares, em seus respectivos antímeros, na região cranial das coxas, e, quando necessário, utilizou-se uma lupa com aumento de 10x para facilitar a visualização dos ramos. A documentação dos resultados foi realizada a partir de desenhos esquemáticos e fotografias das origens e distribuições dos nervos femorais. A nomenclatura adotada para descrição dos resultados esteve de acordo com a Nomina Anatômica Veterinária (I. C. V. G. A. N., 2012). Os dados foram compilados em tabelas e expressos por esquema, sendo que a análise estatística foi descritiva através de desvio padrão da quantidade de vértebras, porcentagem simples da origem do nervo e média do número de ramos musculares. RESULTADOS Foram evidenciadas variações no número de vértebras lombares de fetos de javalis, estas variaram de cinco a sete, sendo cinco em oito casos (32%, ±3,51), seis em 12 exemplares (48%, ±3,51) e sete em cinco animais (20%, ±3,51). Com a variação no número de vértebras lombares no javali, a origem das raízes ventrais do nervo femoral apresentou-se distintas comparando os mesmos dentro da espécie, junto aos forames intervertebrais ou vertebrais laterais. Tendo em vista esta diversidade foi constatada neste experimento, a participação de ramos originados de L3 a S1, sendo a frequência predominante, em ambos os antimeros, foi oriunda de L4, L5 e L6 (Tabela 1), (Figura 1). Tabela 1. Origem do nervo femoral dos ramos ventrais dos nervos espinhais lombares e sacrais em fetos de javalis nos antímeros direito (AD) e esquerdo (AE), Uberlândia – MG, 2012. Nervo Femoral Frequência (%) Origem dos ramos AD AE L3 12 8 L4 72 44 L5 88 84 L6 60 64 L7 8 16 S1 8 12 729 Origens e ramificações... GOMES, A. R. A. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 29, n. 3, p. 727-731, May/June 2013 Figura 1 Vista ventral das vértebras sacrais e lombares dos fetos de javali. Pode-se visualizar as vértebras lombares L5, L6 e L7, os nervos femoral (Nf) e obturatório (No). As setas indicam os ramos ventrais que contribuíram para a formação do nervo femoral. Os nervos femorais de ambos os antimeros, percorreram um caminho entre os músculos psoas maior e psoas menor para alcançar o espaço entre o ângulo dorso-caudal do flanco e o músculo ilíaco, destinando-se medialmente à musculatura da coxa, ramificando-se e prosseguindo com o nervo safeno na face medial proximal da coxa. Ao longo de seu trajeto, aproximadamente no nível do púbis, estes nervos emitiram ramos para o músculo sartório. (Tabela 2) Tabela 2. Variação do número de ramos destinados à musculatura em fetos de javalis, nos antimeros esquerdo (AE) e direito (AD), Uberlândia – MG, 2012. Musculatura Variação AD AE Ilíaco 2 a 5 2 a 4 Psoas maior 2 a 7 2 a 5 Sartório z a 2 z Quadríceps femoral 7 a 16 7 a 16 z = zero DISCUSSÃO O plexo lombossacral é constituído pela comunicação de ramos ventrais lombares e sacrais, os quais dão origem aos nervos do membro pélvico (OLIVEIRA, et al. 2011). No entanto, Ghoshal (1986) descreveu o plexo lombar separadamente do plexo sacral em suínos, por não constar a participação de nervos sacrais na constituição do plexo em questão, tal fato contradiz ao observado neste trabalho, pois foram evidenciados ramos sacrais na formação do nervo femoral. No tocante a quantidade de vértebras lombares, Dyce et al. (2010) afirmaram que o número de vértebras lombares nas espécies domésticas é variável, influenciando na quantidade de nervos espinhais lombares. Analisando o número destas vértebras em suínos domésticos, König e Liebich (2004) descreveram de cinco a sete e Ghoshal (1986) e Frandson et al. (2005) delinearam de seis a sete para estes animais. Em fetos de javalis estas variaram de cinco a sete, desta forma, o presente trabalho esta em concordância com os autores supracitados. 730 Origens e ramificações... GOMES, A. R. A. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 29, n. 3, p. 727-731, May/June 2013 De uma maneira geral, König e Liebich (2004) e Lizardo et al. (2009) em bovinos, Dyce et al. (2010) e Silva et al. (2011) em ruminantes e Oliveira et al. (2011) em suíno citaram que o nervo femoral origina-se de ramos ventrais de L4, a L6, disposição evidenciada em 12% de nossos exemplares. Ghoshal (1986) e Miheliae et al. (2004) afirmaram que no suíno, o referido nervo possui uma origem extremamente variável, podendo este originar-se do terceiro ao sexto nervo lombar. No entanto, no presente trabalho foi observado que o nervo pode ser originado entre L3 a S1 Os dois antímeros mostraram similitude de origem e sintopia do nervo femoral, entretanto, exibindo ou não simetria bilateral, é certo que este sempre se mostrou constituído por dois ou mais ramos ventrais de nervos espinhais, o que confirma sua característica de nervo plurissegmentar (MACHADO, 2002). Conforme citações de Ghoshal (1981) e König e Liebich (2004) nos animais domésticos, o nervo femoral tem curto trajeto e logo, emite ramos para musculatura lombar profunda para os músculos ilíaco, sartório, psoas maior e quadríceps femoral, tal fato também evidenciado nesta pesquisa. Entretanto, Lizardo et al. (2009), Oliveira et al. (2011) e Silva et al. (2011) evidenciaram o ramificações do nervo para o músculo pectíneo; Ghoshal (1986) identificou a existência de ramos para o quadrado lombar e Moraes et al. (2008) para o adutor e grácil, sendo que não foi observada inervação para estes músculos neste estudo. Ademais, Frandson et al. (2005) e Lizardo et al. (2009) identificaram ramos para o musculo iliopsoas e Silva et al. (2011) para o ilíaco medial e psoas maior, entretanto, não foi observado inervação para tal musculatura nesta investigação. CONCLUSÕES Os nervos femorais em fetos de javalis originaram-se dos ramos ventrais de L3 a S1, distribuíram-se nos músculos psoas maior, ilíaco, sartório e quadríceps femoral e, a quantidade de vértebras variou de cinco a sete. Os resultados expressaram características comuns com os correspondentes dados obtidos na literatura consultada, sendo estas informações importantes como subsídio para anatomia comparativa. AGRADECIMENTOS Ao IBAMA e LAPAS por disponibilizarem as peças. ABSTRACT: We analyzed the origin and distribution of the femoral nerve in 25 fetuses of wild boar (Sus scrofa scrofa). The introduction of these animals in aqueous formaldehyde 10% was by different points of subcutaneous, intramuscular and intracavitary injections, as well as by immersion of those specimens, in containers of the same solution for a minimum of 48 hours, to prepare the material for further dissection. It was observed that the origin of the nerve roots were derived from S1 to L3. Regarding the amount of lumbar vertebrae varied from five to seven, five in eight cases (32%), six in twelve specimens (48%) and seven in five animals (20%). In relation to their distribution, the femoral nerves emitted 2-5 branches to the right iliac muscle and 2-4 to the left, the right psoas major received 2-5, and its left antimer, 2-7, the right sartorius was innervated by two branches and in 1 case and the femoral quadriceps presented variation of 7-16 branches, in both antimers. KEYWORDS: Lumbosacral plexus. Swine. Innervation. Neuroanatomy. REFERÊNCIAS DYCE, K. M.; SACK, W. O.; WENSING, C. J. G. Tratado de anatomia veterinária. 4 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010. 834p. FRANDSON, R. D.; WILKE, W. L.; FAILS, A.D. Anatomia e fisiologia dos animais da fazenda. 6 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005. 454p. FURTADO, M. M.; KASHIVAKURA, C. K. Artiodactyla, Tayassuidae e Suidae (Cateto, queixada, javali). In: CUBAS, Z. S; SILVA, J. C. R; CATALÃO-DIAS, J. L. Tratado de animais selvagens medicina veterinária. 1 ed. São Paulo: Roca, 2007. p. 615-627. 731 Origens e ramificações... GOMES, A. R. A. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 29, n. 3, p. 727-731, May/June 2013 GHOSHAL, N. G. Nervos espinhais: suíno. In: GETTY, R. Anatomia dos animais domésticos. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1986. p. 1294-1307 KONIG, H. E.; LIEBICH, H. G.; CERVENY, C. Sistema Nervoso. In: KONIG, H. E. ; LIEBICH, H. G. 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