Microsoft Word - 50-Sau_18011 458 Original Article Biosci. J., Uberlandia, v. 30, supplement 1, p. 458-466, June/14 QUALIDADE HIGIÊNICO SANITÁRIA DE ALFACES (Lactuca sativa) COMERCIALIZADAS EM FEIRAS LIVRES NA CIDADE DE UBERLÂNDIA, MG, BRASIL HYGIENIC-SANITARY QUALITY OF THE LETTUCE (Lactuca sativa) COMMERCIALIZED IN FREE FAIRS IN UBERLANDIA CITY, MG, BRAZIL Bruno Ramos FRANÇA1; Deborah Santesso BONNAS2; Cristiane Maria de Oliveira SILVA3 1. Graduando em Tecnologia de Alimentos, Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Triângulo Mineiro, Campus Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil. brunofranca_udi@yahoo.com.br; 2. Professora, Doutora, Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Triângulo Mineiro, Uberlândia, MG, Brasil; 3. Laboratório de Análises Clínicas, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil. RESUMO: No Brasil, as parasitoses intestinais estão entre os problemas mais comumente diagnosticados em saúde pública. Essas doenças são amplamente difundidas em virtude da precariedade das condições sanitárias, e as hortaliças servem como um dos principais veículos de sua transmissão. A contaminação dos vegetais pode ocorrer no campo, no período de produção, durante o processo de colheita ou até mesmo na saída do produto em direção à mesa do consumidor, pois os microrganismos podem se multiplicar nos alimentos de acordo com a umidade e temperatura. O objetivo deste trabalho foi avaliar a qualidade de alfaces provenientes de feiras livres do município de Uberlândia, em relação à contaminação microbiológica e parasitológica. De junho a setembro/2009 foram coletadas aleatoriamente 96 amostras de alfaces, da variedade crespa, em 12 bancas de diferentes produtores. Tais amostras foram submetidas ao método de sedimentação espontânea por 24 horas para análise parasitológica. Os resultados obtidos indicaram 100% de contaminação parasitária nas amostras avaliadas, destacando-se Balantidium coli, Entamoeba histolytica/dispar, Giardia lamblia e Cryptosporidium spp. Considerando a elevada frequência de contaminação parasitária e o potencial risco de doenças veiculadas pelas hortaliças, sugere-se uma vigilância sanitária mais atuante na fiscalização de alimentos oferecidos à população, como também um programa de educação sanitária para os produtores e consumidores. PALAVRAS-CHAVE: Hortaliças. Segurança de Alimentos. Contaminação Parasitária. INTRODUÇÃO Pesquisas têm sido feitas sobre as hortaliças cruas, como veiculadoras de infecções alimentares, devido à presença da carga microbiana patogênica encontrada nesse tipo de produto. Além de bactérias, esses produtos podem estar contaminados por parasitas que provocam diarreias, entre outros sintomas, e que devem ser tratadas com relevância, sobretudo em crianças, idosos e imunodeprimidos. Entre os contaminantes destacam- se ovos de helmintos (Taenia spp, Ancylostoma spp, Ascaris lumbricoides etc.), cistos de protozoários (Entamoeba histolytica/dispar, Giardia lamblia, Cripytosporidium parvum etc) e outros patógenos (SOARES; CANTOS, 2005). A contaminação dos alimentos, sobretudo de verduras, pode ocorrer em toda a cadeia produtiva, desde o seu cultivo até o consumo. Existem ainda agentes patogênicos que se mantêm incubados por períodos prolongados, facilitando a sua propagação. Na falta de saneamento básico, os ovos e cistos levados pela poeira podem contaminar os alimentos, a água e o ambiente, acometendo a população com helmintíase e protozooses. No caso das verduras, isto ocorre porque são frequentemente adubadas e/ou irrigadas com água contaminada por dejetos fecais (ODUMERU et al., 1997). As parasitoses geram, em sua forma mais grave, um número amplo de enfermidades, trazendo desconforto e prejuízos econômicos para quem é portador. As pessoas que consomem produtos contaminados podem adquirir doenças agudas ou crônicas. Pessoas que ingerem ovos de Taenia spp, por exemplo, podem adquirir cisticercose, e desenvolver, como consequência, a epilepsia. Já a ancilostomíase é vulgarmente conhecida como doença do amarelão devido à presença de pronunciada anemia. A sintomatologia depende da intensidade da infestação (ANDRADE et al.,2010). Na literatura brasileira esta doença foi caracterizada como a “Doença do Jeca”, personagem de Monteiro Lobato (LOBATO, 1957) Os casos mais graves de doenças causadas por protozoários e bactérias acontecem com a ingestão de verduras contaminadas por enterobactérias, bactérias gram negativas amplamente distribuídas no solo, água, plantas e no intestino do homem e animais. A Salmonella do gênero das enterobactérias é a mais conhecida popularmente, devido a sua presença nos ovos de galinha. A ingestão de alimentos contaminados por 459 Qualidade higiênico sanitária… FRANÇA, B. R.; BONNAS, D. S.; SILVA, C. M. O. Biosci. J., Uberlandia, v. 30, supplement 1, p. 458-466, June/14 esta bactéria pode ser fatal, pois as pessoas podem adquirir algumas doenças graves como a colite hemorrágica, trombocitopenia, insuficiência renal, até mesmo a bacteremia e a septicemia (FRANCO; LANDGRAF, 2001) Além de problemas de contaminação do próprio produtor e da comercialização, os perigos com as hortaliças podem ocorrer com o consumidor. As hortaliças consumidas em saladas, quando mal higienizadas, podem ainda conter larvas e ovos de helmintos e cistos de protozoários, provenientes de águas contaminadas por dejetos fecais de animais ou do próprio homem. A alface - Lactuca sativa - é a hortaliça folhosa que mais se encontra nas saladas da população brasileira, sendo a mais comercializada e, segundo o IBGE, confere ao país uma grande expressividade econômica. Sendo considerada uma cultura hortícola de grande consumo por ser prática, por possuir baixo valor calórico e ter um sabor agradável está sempre presente nas saladas de qualquer dieta (FERNANDES et al,. 2002). Em virtude do interesse pelo consumo alimentar de vegetais folhosos crus e considerando, sobretudo, a carência de informações comparativas sobre os níveis de contaminação dos produtos oriundos do cultivo tradicional, o presente trabalho teve como objetivo a avaliação da qualidade sanitária de alfaces provenientes do comércio em feiras livres da cidade de Uberlândia-MG, por meio da investigação microbiológica e parasitológica das alfaces, a fim de demonstrar quais perigos biológicos ela pode oferecer ao consumidor. MATERIAL E MÉTODOS A primeira etapa do estudo consistiu em um levantamento quanto ao número de comerciantes de alface nas feiras livres de diferentes bairros da cidade de Uberlândia, MG. Obtenção das amostras Foram estabelecidos dois períodos de análises: 1. junho e julho de 2009; e 2. agosto e setembro de 2009. Em cada um dos períodos, coletaram-se quinzenalmente amostras de quatro bancas, até que todas as bancas tivessem suas amostras avaliadas. Em cada banca, foram coletados quatro pés de alface (touceira) de modo aleatório, sendo acondicionados individualmente em sacos de polietileno descartáveis de primeiro uso, sem contato manual. Após a aquisição das amostras, estas foram devidamente identificadas e armazenadas em caixa isotérmica higienizada para, em seguida, serem encaminhadas ao laboratório de microbiologia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Triângulo Mineiro – Campus Uberlândia (IFTM) para as análises de coliformes totais e fecais. As análises parasitológicas foram realizadas no laboratório de Parasitologia do departamento de Análises Clínicas da Escola Técnica de Saúde da Universidade Federal de Uberlândia (ESTES-UFU) pelo método de sedimentação espontânea por 24 horas, conforme descrito por Bolívar e Cantos (2005). No total, foram coletados 96 pés de alface divididos em dois períodos de avaliações: 48 no primeiro período e 48 no segundo. Preparo das amostras De cada banca de hortaliça foi analisada uma amostra representada por 04 pés de alfaces. Para a devida homogeneização, todas as folhas dos quatro pés foram separadas e cortadas em pedaços em uma cuba plástica previamente higienizada. Foram descartadas as folhas deterioradas, queimadas e amassadas. Após este processo, foram pesadas em duplicata 25g de folhas em uma balança analítica e trituradas, brevemente, em um liquidificador com 225 ml de água peptonada a 0,1%. Análises microbiológicas e parasitológicas A contagem de total de microrganismos aeróbios mesófilos e as determinações dos coliformes totais e fecais foi realizada de acordo com Silva et al. (2001) e os resultados expressos em unidades formadoras de colônia por grama (UFC.g- 1) e número mais provável por grama de produto (NMP.g-1), respectivamente (SILVA et al., 2001). Foram pesadas em duplicata 25g de folhas em uma balança analítica e trituradas, brevemente, em um liquidificador com 225 ml de água peptonada a 0,1%. A partir desta diluição, foram feitas mais três diluições, 1:100, 1:1000, e 1:10000, nas quais realizaram-se as análises de coliformes totais e fecais (coliformes a 45°C). Para a contagem total de microrganismos aeróbios mesófilos, as amostras foram inoculadas em duplicata em ágar de PCA (Plate Count Agar), e mantidas inversamente dentro da estufa a 35ºC. A contagem das colônias foi realizada após 48 horas. No mesmo período, o restante do caldo da diluição 1:10 foi transportado em caixa isotérmica sob refrigeração, em condições assépticas para o laboratório de parasitologia da ESTES-UFU, e colocado em sedimentação espontânea, de acordo com o método de HOFFMAN descrito por Bolívar e Cantos (2005), por 24 horas. Após este período, o 460 Qualidade higiênico sanitária… FRANÇA, B. R.; BONNAS, D. S.; SILVA, C. M. O. Biosci. J., Uberlandia, v. 30, supplement 1, p. 458-466, June/14 sobrenadante era desprezado e o sedimento centrifugado a 3000 rpm, por 5 minutos. Em seguida, o material foi colhido para análise microscópica, em microscópio ótico, com o aumento de 400 vezes, com o qual era possível verificar a presença de ovos e parasitas ainda vivos. Foram feitas quatro lâminas sem corantes e quatro lâminas com corantes de lugol. Foi utilizado o método de Kynioun modificado para a pesquisa de oocistos de Cryptosporidium spp (DE CARLI, 2001). As amostras foram processadas de acordo com o método HOFFMAN, com o qual os parasitas são obtidos por sedimentação espontânea, conforme descrito por Bolívar e Cantos (2005). Este método é utilizado para a pesquisa de ovos pesados, por exemplo, o Trichuris spp. As amostras foram centrifugadas posteriormente no intuito de concentrar o sedimento e facilitar a pesquisa dos parasitos. Algumas bactérias e/ou protozoários, sobretudo os álcool- resistentes, possuem propriedades físico-químicas que resistem à descoloração da fucsina básica. Por isso, para a coloração das lâminas foi utilizado o método de Kynioun (DE CARLI, 2001), que consiste em uma coloração álcool – ácido resistente, porém realizada a frio, sem ação do calor, em que a fucsina penetra na célula por ação do fenol. Para identificação adequada do Balantidium coli foi utilizado o método Panótico, coloração rápida utilizada em hematologia (MARQUEZ et al., 2002). Este corante possui três princípios reagentes, o primeiro é o fixador (solução triarilmetano a 0,1%); o segundo é a coloração (solução de xantenos a 0,1%); e o terceiro é contra-coloração (solução de tiazinas a 0,1%). Normalmente a coloração é realizada em 15 segundos. RESULTADOS E DISCUSSÃO Apesar de diversas feiras existentes, os produtores de alface eram os mesmos nas demais feiras da cidade. Assim optou-se pela aquisição do material para análise apenas na feira, localizada na Avenida Monsenhor Eduardo, no Bairro Brasil em Uberlândia-MG, que acontece semanalmente aos domingos e reúne todos os produtores e comerciantes de alface de todas as feiras da cidade. Entre todas as bancas pesquisadas constatou-se que havia doze produtores que comercializavam diretamente o produto. As amostras avaliadas foram coletadas dos doze produtores no período de junho a setembro de 2009. Os resultados obtidos nas análises microbiológicas e parasitológicas referem-se às amostras coletadas das 12 bancas, sendo cada amostra correspondente a quatro touceiras, isto é, 48 pés de alface coletadas em cada etapa. A Tabela 1 apresenta os resultados obtidos do número mais provável (NMP) de coliformes totais, coliformes termotolerantes e Escherichia coli na primeira etapa do processo nos meses de Junho e Julho de 2009. Tabela 1. Resultados das análises microbiológicas de amostras de alfaces coletadas em feiras livres no município de Uberlândia-MG, nos meses de Junho e Julho de 2009. Banca avaliada Contagem total de microrganismos aeróbios mesófilos (UFC/g) Coliformes totais (NMP/g) Coliformes fecais (NMP/g) 01 1,85 x 107 * ≥ 2400 < 03 02 1,65 x 107 ≥ 2400 04 03 2,05 x 107 ≥ 2400 < 03 04 1,13 x 106 460 < 03 05 6,50 x 106 460 11 06 8,10 x 107 ≥ 2400 ≥ 2400 07 7,40 x 107 ≥ 2400 210 08 4,40 x 106 120 < 03 09 6,40 x 107 ≥ 2400 < 03 10 5,25 x 107 ≥ 2400 <03 11 1,85 x 107 ≥ 2400 < 03 12 1,65 x 107 ≥ 2400 04 Embora as amostras de todas as bancas tenham apresentado elevadas contaminações por coliformes totais, apenas cinco bancas indicaram a presença de coliformes de origem fecal. Segundo a Resolução - CNNPA nº 12, de 1978 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, as hortaliças 461 Qualidade higiênico sanitária… FRANÇA, B. R.; BONNAS, D. S.; SILVA, C. M. O. Biosci. J., Uberlandia, v. 30, supplement 1, p. 458-466, June/14 deveriam obedecer ao seguinte padrão: Bactérias do grupo coliforme de origem fecal: máximo, 2x102/g, ausência de Salmonella em 25 g (BRASIL, 1978). A legislação atual (BRASIL, 2001) faz menção a ausência de Salmonella, estando os coliformes a 45oC pesquisados para hortaliças in natura preparadas (fracionadas ou selecionadas) sanificadas. Entretanto, no presente estudo optou-se pela determinação de Escherichia coli em função dessa bactéria ser reveladora de contaminação fecal, informando assim sobre a falta de qualidade higiênica do produto. Em alimentos vegetais frescos, a Escherichia coli é considerada o único indicador válido de contaminação fecal, uma vez que outros indicadores são encontrados naturalmente nesses alimentos (GONÇALVES et al, 2002). A Tabela 2 apresenta os resultados obtidos do número mais provável (NMP) de coliformes totais, coliformes fecais e Escherichia coli na segunda etapa do processo nos meses de Agosto e Setembro de 2009. Tabela 2. Resultados das análises microbiológicas de amostras de alfaces coletadas em feiras livres no município de Uberlândia-MG, nos meses de Agosto e Setembro de 2009. Banca avaliada Contagem total de microrganismos aeróbios mesófilos (UFC/g) Coliformes totais (NMP/g) Coliformes fecais (NMP/g) 01 1,35 x 106 120 < 03 02 1,57 x 107 ≥ 2400 11 03 1,10 x 107 ≥ 2400 < 03 04 1,65 x 107 ≥ 2400 < 03 05 2,30 x 107 ≥ 2400 04 06 4,10 x 107 ≥ 2400 ≥ 2400 07 4,70 x 107 ≥ 2400 < 03 08 2,30 x 107 ≥ 2400 < 03 09 3,63 x 107 ≥ 2400 < 03 10 7,50 x 106 120 <03 11 3,50 x 107 ≥ 2400 240 12 3,90 x 106 460 < 03 Os resultados microbiológicos demonstram que as alfaces comercializadas nas feiras livres de Uberlândia estão com elevada contaminação de microrganismos aeróbios mesófilos, com números superiores a 106 UFC/g do alimento, indicando falta de higiene na obtenção e manuseio do produto bem como a possível presença de microrganismos patogênicos. A elevada contagem de microrganismos é responsável pela redução da vida de prateleira dos vegetais acelerando sua deterioração (FRANCO; LANDGRAF, 2001). Jesus e Bonnas (2008) também identificaram elevadas contagens de coliformes a 45oC em alfaces produzidos em Uberlândia obtendo dados médios 1100 NMP/g. Em relação à avaliação da contaminação parasitológica, constatou-se que amostras de todas as bancas estavam contaminadas, sendo encontradas algumas formas evolutivas de parasitas, porém em quantidades diferenciadas de banca para banca (Figuras 1 e 2). Durante essa pesquisa foi encontrado aproximadamente um total de 1046 parasitas nas 96 amostras analisadas, nas duas épocas de colheita de amostras (Tabelas 3 e 4). Resultados semelhantes foram obtidos por Santana et al. (2006) que avaliaram a qualidade parasitológica de amostras de alfaces, variedade crespa, provenientes dos sistemas de cultivo orgânico, tradicional e hidropônico, comercializadas nos principais supermercados da cidade de Salvador (BA). Os resultados obtidos revelaram que, em todas as amostras, independente do sistema de cultivo, ocorreu algum tipo de contaminação. Guimarães et al.(2003), avaliando alfaces comercializadas no município de Lavras - MG, também detectaram contaminação por formas parasitárias, independente do tipo de estabelecimento comercial (sacolões, supermercado e feiras-livres). As principais formas parasitárias e/ou contaminantes mais frequentes em ordem decrescente foram: larvas de nematódeos - 47,5% (57/120); ovos de ácaros - 41,7% (50/120); ácaros - 40,8% (49/120); insetos - 34,2% (41/120); ovos de outros nematódeos - 30,8% (37/120); oocistos não esporulados - 23,3% (28/120), ovos tipo 462 Qualidade higiênico sanitária… FRANÇA, B. R.; BONNAS, D. S.; SILVA, C. M. O. Biosci. J., Uberlandia, v. 30, supplement 1, p. 458-466, June/14 estrongilóide - 21,7% (26/120); cistos de Entamoeba spp- 5% (6/120) e ovos de Toxocara spp - 1,7% (2/120)(GUIMARÃES et al.,2003). 1% 41% 4% 14% 32% 5% 1% 1% 7% Ancilostomideo spp Balantidium coli Cryptosporidium spp Entamoeba coli Entamoeba histolytica Giardia lamblia S. stercoralis Trichuris spp Figura 1: Percentagem de parasitas detectados em alfaces comercializadas em feiras livres do Município de Uberlândia nos meses de Junho e Julho de 2009. 5%26% 8% 17% 30% 9% 2% 3% 14% Ancilostomideo spp Balantidium coli Cryptosporidium spp Entamoeba coli Entamoeba histolytica Giardia lamblia S. stercoralis Trichuris spp Figura 2: Percentagem de parasitas detectados em alfaces comercializadas em feiras livres do Município de Uberlândia nos meses de Agosto e Setembro de 2009. Tabela 3. Frequência de parasitas detectados em alfaces de feiras livres do Município de Uberlândia - MG (Junho e Julho de 2009) Amostras (bancas) Parasitas Encontrados n 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 F.A Ancilostomideo spp - - 01 - 03 - - - 01 - 02 - 07 Balantidium coli 11 - - - - 50 250 - - - - - 311 Cryptosporidiu m spp. - 03 - 05 - - 05 10 04 - - 04 31 Entamoeba coli - 15 - - 20 - - - 08 14 21 25 103 Entamoeba histolytica/dispa r 09 - - 05 20 180 06 14 - - - - 234 463 Qualidade higiênico sanitária… FRANÇA, B. R.; BONNAS, D. S.; SILVA, C. M. O. Biosci. J., Uberlandia, v. 30, supplement 1, p. 458-466, June/14 Giardia lamblia 03 - 10 - - 10 04 - - 06 - 13 46 S. stercoralis - 01 - - - - - 01 - - - 02 04 Trichuris spp. - - 02 - - - - 01 - 02 - - 05 Total 23 19 13 10 43 240 265 26 13 22 23 44 741 F. A. → Frequência Absoluta; (n) → Quantidade de espécimes por lâmina; Tabela 4. Frequência de parasitas detectados em alfaces de feiras livres do Município de Uberlândia – MG (Agosto e Setembro de 2009) Amostras (bancas) Parasitas Encontrados n 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 F.A Ancilostomideo ssp - - - 01 - - - 05 - 03 05 - 14 Balantidium coli 02 06 16 - - 28 31 - - 09 - - 92 Cryptosporidium ssp. 02 - - 06 - - 03 04 06 - - 05 26 E. coli - - - - 14 - 11 - - - 05 22 52 Entamoeba histolytica/dispar 04 04 02 04 04 48 - - - 05 - 09 80 Giárdia lamblia 02 - 07 - 02 - 04 - 04 - 01 07 27 S. stercoralis - - - 02 - 01 - - - 01 01 - 05 Trichuris ssp - - - - - 02 04 - 03 - - - 09 Total 10 10 28 13 20 79 53 09 13 18 12 43 305 F. A. → Frequência Absoluta; (n) → Quantidade de espécimes por lâmina. De acordo com OMS (1992), os helmintos de importância médica estão divididos em três grupos: nematódeos, cestódeos e trematódeos. Nas amostras analisadas, foram encontrados gêneros e espécies do primeiro grupo. Entre os nematódeos estão; Ancilostomídeos (Ancylostoma duodenale e Necator americanus), Strongyloides stercoralis, Trichiuris trichiura, Enterobius vermiculares e outros (Tabelas 3 e 4). No primeiro período, de junho e julho (Tabela 3), a banca que mais apresentou contaminação foi à banca número 07, pois foi diagnosticado um elevado número de protozoário do tipo Balantidium coli. O hospedeiro da balantidiose apresenta quadros de febre, náuseas, vômitos, desidratação, anorexia e diarreia que, em muitas vezes, evolui para disenteria (fezes com muco, pus e sangue) levando o paciente a um quadro grave da doença. Porém a patologia ocorre no organismo humano quando há alguma lesão na mucosa intestinal (NEVES, 2005). Ao compararem-se as avaliações realizadas em junho e julho às amostras coletadas no mês de setembro, observa-se um número bastante superior de contaminação referente ao primeiro período analisado. Nesses meses de seca, a irrigação das hortas ocorre em maior intensidade, fato que pode estar relacionado à elevada contaminação. Essa alta contaminação em períodos de baixa pluviosidade foi observada por Oliveira e Germano (1992), analisando hortaliças comercializadas na região metropolitana de São Paulo. De acordo com Marzochi (1977), são muitos os fatores que contribuem para a ocorrência de doenças parasitárias por meio da ingestão desses alimentos; desde a prática de irrigação com água não tratada como também dejetos fecais encontrados no solo que foram cultivados. De acordo com Tabela 3 verifica-se uma contaminação elevada por Balantidium coli, parasita comum em suínos, por Cryptosporidium spp, por Entamoeba histolytica/dispar e Giardia spp indicando a contaminação por fezes de animais (suínos) e humanas. Na segunda parte, realizada no período de setembro (Tabela 4), a banca que mais apresentou contaminação foi a banca número 06, com elevada presença de Entamoeba histolytica/dispar e Balantidium coli . Pôde ser verificado também, um valor percentual alto de Giardia spp. (9%) e de Cryptosporidium spp (9%). 464 Qualidade higiênico sanitária… FRANÇA, B. R.; BONNAS, D. S.; SILVA, C. M. O. Biosci. J., Uberlandia, v. 30, supplement 1, p. 458-466, June/14 Embora a giardíase geralmente seja uma parasitose sem intercorrências graves, deve receber atenção uma vez que quando acomete pessoas com desnutrição, fibrose cística ou algumas imunodeficiências pode acarretar consequências graves. A patogenia está ligada ao número de parasitas que colonizam o intestino delgado. (WELLER, 2006). Dessa forma, os elevados índices detectados devem ser considerados relevantes. Outro parasito detectado em índices elevados foi o Cryptosporidium spp. Esse parasito é responsável por diarreia esporádica em todas as idades, diarreia aguda em crianças e diarreia dos viajantes. Em indivíduos imunocompetentes, esse quadro é autolimitado, entre 1 e 20 dias, com duração média de 10 dias. Em imunodeprimidos, particularmente com infecção por HIV, ocasiona enterite grave, caracterizada por diarreia intensa com fezes liquefeitas, acompanhada de dor abdominal, mal-estar, anorexia, náuseas, vômitos e febre. (SPOSITO, 1990). A ocorrência de parasitos em alfaces é tema de estudo em outros trabalhos, como em Porto Murtinho- MS, neste foram analisadas 59 amostras e 54 destas estavam positivas com algum parasita. Neste trabalho, foram analisadas amostra de hortas, frutarias, hipermercados, vendedores ambulantes, feira livre e mercado. O menor percentual foi do mercado com 75% de positividade e o maior foi da horta com 100% de positividade. É relevante ressaltar que os vermes encontrados são de alta patogenicidade, pois foram encontrados Ascaris lumbricoides, Trichiuris trichiura, Ancilostomídeos, Strongyloides stercoralis e Toxocara spp. O trabalho não relata a procedência das amostras quanto ao cultivo (VOLLKOPF et al, 2006). Nesse caso deve-se implantar um programa educacional aos produtores, para que sirva de orientação e auxilie para diminuir a contaminação dessas hortaliças ainda no cultivo. Isso seria um modo de prevenção, que poderia trazer uma melhor qualidade às hortaliças vendidas em feiras livre. A contaminação das hortaliças pode ocorrer em todo o processo, desde o cultivo até a comercialização, pois os produtos são colocados à venda em gôndolas que ficam expostas ao ar livre. Outra maneira de explicar a contaminação pode ser a não higienização das mãos do manipulador, pois é sabido que este desempenha um importante papel na transmissão de doenças veiculadas por alimentos. A possibilidade de contaminação pelas pessoas consumidoras não deve ser descartada, pois na escolha dos produtos, elas entram em contato com a hortaliça antes da compra, visto que várias pessoas possuem o acesso às verduras na hora de escolher o produto, que deverá ser levado para casa. Em 1997, De Rezende et al. relataram, em um estudo sobre os manipuladores de alimentos, que 75% dos indivíduos que manipulavam os alimentos nas escolas públicas de Uberlândia exerciam funções de serventes e zeladores, incluída a limpeza de sanitários. O estudo mostra que das 264 pessoas estudadas 17% (45 casos) tinha algum tipo de parasito. Embora a percentagem não seja expressiva, deve-se observar que são pessoas que trabalham com a manipulação de alimentos para crianças e adolescentes, e que consequentemente tornam-se veículos de contaminação. (DE REZENDE et al,1997). As amostras pesquisadas apresentaram um amplo número de parasitas nos dois períodos de avaliação, e esses valores refletem, igualmente, condições e práticas de cultivo inadequadas do ponto de vista higiênico sanitário. No entanto, segundo trabalhos realizados por Mesquita et al (1999), o maior índice de contaminação das alfaces está durante o período de irrigação e adubação, ou seja, os agricultores utilizam água contaminada com dejetos fecais de humanos e animais sobre a plantação das hortaliças. Tal fato foi constatado no presente estudo onde índices superiores de contaminação foram detectados nos meses de junho e julho. O controle parasitológico e microbiológico das alfaces é um desafio, pois se verifica o crescente consumo de hortaliças por uma população que busca uma alimentação mais saudável. Assim ações urgentes para a melhoria da qualidade sanitária dos produtos são fundamentais para que os consumidores realmente tenham suas expectativas de saudabilidade atendidas ao consumir hortaliças frescas, proporcionando um alimento são e nutritivo e não um veículo de doenças, de acordo com os resultados encontrados. CONCLUSÕES Alfaces comercializadas nas feiras livres do município de Uberlândia podem apresentar risco à saúde dos consumidores, uma vez que todas as amostras estão contaminadas por parasitas intestinais. Além da contaminação parasitológica, a detecção de bactérias indicadoras de contaminação fecal em níveis elevados indica a possível contaminação por microrganismos patogênicos nesses vegetais. 465 Qualidade higiênico sanitária… FRANÇA, B. R.; BONNAS, D. S.; SILVA, C. M. O. Biosci. J., Uberlandia, v. 30, supplement 1, p. 458-466, June/14 ABSTRACT: In Brazil the intestinal parasitism is one of the problems normally diagnosed in public health. These diseases are widely spread out in virtue of the precariousness of the sanitary conditions; the vegetables serve as one of the main vehicles of its transmission. The contamination of vegetables can occur in the field, in the period of production, during the process of harvest or even in the exit of the product towards the table of the consumer, because the microorganisms can be multiplied in foods according to the humidity and temperature. The aim of this work was to evaluate the quality of lettuces proceeding from free fairs of Uberlândia city, MG – Brazil - in relation to the microbiological and parasitological contamination. From June to September/2009, 96 samples of lettuces had been collected randomly in 12 stalls of different producers. Such samples had been submitted to the method of spontaneous sedimentation for 24 hours for parasitological analysis. The found results indicated 100% of parasitic contamination in the evaluated samples; being distinguished Balantidium coli, Entamoeba histolytica/dispar, Giardia lamblia, and Cryptosporidium spp. Considering the raised frequency of parasitic contamination and the potential risk of illnesses propagated by the vegetables, a more operating sanitary monitoring in the fiscalization of foods offered to the population is suggested, as well as a program of sanitary education for the producers and consumers. KEYWORDS: Vegetables. Food Safety. Parasitological Contamination. REFERÊNCIAS ANDRADE, E. C.; LEITE, I. C. G.; RODRIGUES, V. O.; CESCA, M. G.Parasitoses intestinais: uma revisão sobre seus aspectos sociais, epidemiológicos, clínicos e terapêuticos. Revista APS, Juiz de Fora, v. 13, n. 2, p. 231-240,abr/jun. 2010. BOLIVAR, S.; CANTOS, G. A. Qualidade parasitológica e condições higiênico-sanitárias de hortaliças. Revista de Epidemiologia, Florianópolis, v. 8, n. 4, p. 377- 84, 2005. BRASIL. 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