Microsoft Word - 10-Agra_18061 697 Original Article Biosci. J., Uberlândia, v. 30, n. 3, p. 697-706, May/June, 2014 Variabilidade de índices de chuva nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul Variability of rainfall index in the states of Santa Catarina and Rio Grande do Sul Rosandro Boligon MINUZZI¹; Fábio Ziemann LOPEZ² 1. Professor Adjunto, Universidade Federal de Santa Catarina, Campus Florianópolis, Florianópolis, SC, Brasil, rbminuzzi@cca.ufsc.br; 2. Pesquisador, Mestre em Meteorologia, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil, fzlopes1@gmail.com RESUMO: Sendo a chuva uma das variáveis climáticas de maior influência no meio ambiente, na economia e na sociedade, este estudo objetiva analisar a variabilidade climática de diferentes índices de chuva nos Estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Foram utilizados dados diários de chuva de 32 estações hidrológicas, onde foram obtidos cinco índices de chuva. O coeficiente angular da Regressão Linear foi utilizado para analisar a tendência climática dos índices de chuva nas escalas sazonal e anual. Os meses seguintes foram definidos como representativos de cada um dos períodos sazonais: de dezembro a fevereiro (verão), de março a maio (outono), de junho a agosto (inverno) e de setembro a novembro (primavera). Desde meados do século XX, houve aumento na quantidade de chuva, no número de dias chuvosos e de forma mais discreta, no número e na intensidade dos eventos extremos de chuva, principalmente na primavera e no outono. Com a função de autocorrelação aplicada em algumas estações hidrológicas, foi encontrado uma periodicidade da chuva anual em torno de 3, 9-11 e 18 anos nas estações com as séries de dados mais extensas (Pomerode e Rio Negro). PALAVRAS-CHAVE: Eventos extremos. Tendência climática. Periodicidade. INTRODUÇÃO A chuva é uma das variáveis climáticas de maior influência no meio ambiente, na economia e na sociedade. Neste contexto, uma análise detalhada do regime pluvial é fundamental para o manejo correto da água e produção agrícola. Dada à importância, estudos têm sido realizados com o intuito de compreender melhor os fatores que regem o regime pluvial na escala regional. A variação na escala espacial e temporal na tendência da chuva é apontada por Alexandrov et al. (2004), que mostram tendência positiva da chuva durante a primavera e inverno na Bulgária, e negativa no verão e outono, e Gemmer et al. (2004) que encontraram tendências mensais positivas e negativas, simultaneamente, em diferentes áreas da China, no período de 1951 a 2002. Em razão da grande variabilidade espacial e temporal das chuvas, atualmente tem-se dado grande ênfase ao fator antropogênico, principalmente após a divulgação dos relatórios do IPCC (Intergovermental Panel on Climate Change). Em seu quarto relatório, o comitê mostra que houve aumento na ocorrência de chuvas intensas em muitas regiões, localizadas em latitudes médias, durante o período de 1951 a 2003. Estas ocorrências eram esperadas, em razão das mudanças na quantidade total de chuvas (IPCC, 2007). Detalhando essas informações para o Brasil, Penalba e Robledo (2010) citam o estudo de Groisman et al. (2005) que encontraram aumento na intensidade da chuva diária na região subtropical do Brasil, desde os anos 1940. Minuzzi e Caramori (2011) mostram aumento na quantidade de chuva anual e sazonal e na intensidade dos eventos extremos diários no Paraná, provavelmente, refletindo na diminuição da duração dos veranicos com duração de 5 a 10 dias, com quantidade acumulada inferior a 10mm. No entanto, fenômenos de interação oceano-atmosfera como o ENOS (El Niño Oscilação Sul), também têm sido apontados como principais responsáveis pela variabilidade climática da chuva (CARDOSO; DIAS, 2004; GRIMM, 2009; FINDELL; DELWORTH, 2010). Diante destes apontamentos, este estudo visou analisar a variabilidade climática de diferentes características da chuva nos Estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. MATERIAL E MÉTODOS Foram utilizados dados diários de chuva obtidos de estações hidrológicas localizadas nos Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul (Figura 1) e disponibilizados pela Agência Nacional de Águas (ANA). Na Tabela 1, constam informações referentes às coordenadas geográficas, altitude e o ano de início das séries de chuva de cada estação, que se estendem até 2010. Received: 17/09/12 Accepted: 05/06/13 698 Variabilidade de índices de chuva... MINUZZI, R. B.; LOPEZ, F. Z. Biosci. J., Uberlândia, v. 30, n. 3, p. 697-706, May/June, 2014 Figura 1. Localização geográfica das estações hidrológicas utilizadas no estudo e localizadas nos Estados de Santa Catarina (SC) e Rio Grande do Sul (RS). Tabela 1. Código, coordenadas e início da série dos municípios onde se localizam as estações utilizadas no estudo Código Município Latitude(o) Longitude(o) Início da série 02649002 Pomerode -26,73 -49,17 1930 02649006 Rio Negro -26,10 -49,80 1930 02649012 Jaraguá do Sul -26,48 -49,08 1961 02650000 Anita Garibaldi -27,68 -51,12 1964 02651000 União da Vitória -26,22 -51,06 1945 02652000 Abelardo Luz -26,55 -52,32 1960 02653007 Saudades -26,92 -53,00 1954 02749002 Ituporanga -27,38 -49,60 1945 02749031 Lages -27,80 -49,77 1960 02750009 Curitibanos -27,32 -50,75 1960 02751001 Major Vieira -26,37 -50,28 1964 02751007 Sananduva -27,95 -51,80 1960 02754001 Três Passos -27,30 -54,13 1950 02849004 Araranguá -28,95 -49,60 1946 02850009 São Francisco de Paula -28,86 -50,45 1945 02851024 Nova Prata -28,77 -51,62 1945 02852006 Carazinho -28,28 -52,78 1945 02853010 Ijuí -28,28 -53,77 1960 02853014 Cruz Alta -28,72 -53,18 1945 02854005 Santo Ângelo -28,73 -54,63 1960 02854006 Caibate -28,20 -54,60 1960 02855002 São Borja -28,20 -55,32 1961 02951022 Caxias do Sul -29,33 -51,18 1945 02951028 Sapucaia do Sul -29,82 -51,48 1964 02953008 Dona Francisca -29,62 -53,35 1950 02954001 Cacequi -29,87 -54,82 1945 699 Variabilidade de índices de chuva... MINUZZI, R. B.; LOPEZ, F. Z. Biosci. J., Uberlândia, v. 30, n. 3, p. 697-706, May/June, 2014 02955002 Itaqui -29,18 -55,47 1960 02956007 Uruguaiana -29,77 -56,50 1964 03054002 Dom Pedrito -30,97 -54,67 1945 03152003 Canguçu -31,40 -52,66 1951 03252006 Rio Grande -32,33 -52,53 1964 03253003 Santa Vitória do Palmar -32,95 -53,12 1966 As ausências de dados de chuva existentes nas séries das estações utilizadas para aplicação da função de autocorrelação foram preenchidas com informações de estações hidrológicas vizinhas, valendo-se do método de regressão linear, desde que, comprovado a correlação estatisticamente significativa a 5%. Para o selecionado das estações a ser aplicado a função de autocorrelação, foram consideradas aquelas com as séries mais extensas, completas e distribuídas no espaço de forma a representar todas as regiões da área de estudo. A função de autocorrelação foi utilizada para identificar o modelo de algumas séries de chuva anual. Num contexto geral, a função de autocorrelação (Rxx) é a correlação das suas próprias séries temporais, defasadas (‘lags’) por um determinado número de observações. Assim, para uma série temporal x(n), n=1, 2, ...N, a função de autocorrelação num ‘lag’ k é definida como: ∑ − = + − = kN n xx knxnx kN kR 1 )().( 1 )( (1) Para o número de ‘lags’ utilizados em cada função de autocorrelação, considerou-se o valor de aproximadamente 25% do número total de dados da série, e para os limites de confiança de 95%, sendo aproximadamente ± n 96,1 . O método da Análise de Regressão foi utilizado para testar a tendência de alguns índices de chuva (Tabela 2) nas escalas sazonal e anual. O referido teste consta da análise por meio da significância do intervalo de confiança do coeficiente angular de uma reta ajustada aos dados. Se esse intervalo de confiança não incluir o valor zero, a tendência é significativa a 10 ou 5%, obtidos pelo p-valor. Os meses seguintes foram definidos como representativos de cada um dos períodos sazonais: de dezembro a fevereiro (verão), de março a maio (outono), de junho a agosto (inverno) e de setembro a novembro (primavera). Os índices relacionados aos eventos extremos foram determinados de acordo com o percentil 0,95 da chuva diária de cada escala temporal. Assim, o número de eventos extremos (nEXT) e a intensidade de chuva extrema (iCEXT) foram calculados baseado nos valores iguais ou maiores obtidas através deste limite de chuva diária. Tabela 2. Descrição, simbologia, unidade e escala temporal (S=sazonal e A=anual) utilizada na análise dos índices de chuva Simbologia Descrição Escala Unidade TC Total de chuva S/A mm DSC Número de dias sem chuva (<1mm)¹ S/A dias nEXT Número de eventos extremos de chuva diária (percentil ≥0,95) S/A dias iCEXT Intensidade de chuva extrema diária (percentil ≥0,95) S mm CMax5 Chuva máxima acumulada em 5 dias seguidos S mm ¹ Foi utilizado o limite de 1mm para definir um dia seco, pois uma lâmina inferior a este valor geralmente não infiltra no solo. RESULTADOS E DISCUSSÃO Desde meados do século XX, o total de chuva sazonal e anual em Santa Catarina (SC) e Rio Grande do Sul (RS) apresenta uma tendência de aumento (Figura 2), principalmente nas estações de transição, ou seja, no outono (Figura 2B) e na primavera (Figura 2D), apesar do número de estações hidrológicas com esta tendência significativa a 10 ou 5% tenha sido menor que as estações sem significância estatística. No verão (Figura 2A) e no inverno (Figura 2C), as tendências positivas são menos perceptíveis e pontuais, ou seja, não ficaram concentradas em uma dada região, o que impede de remeter a hipóteses mais precisas referente a qual(is) sistema(s) meteorológico(s) e seu(s) comportamento(s) como responsável(is) pelas referidas tendências de chuva. Na escala anual, os totais de chuva aumentaram de 44 a 111mm.década-1, na primavera 700 Variabilidade de índices de chuva... MINUZZI, R. B.; LOPEZ, F. Z. Biosci. J., Uberlândia, v. 30, n. 3, p. 697-706, May/June, 2014 o aumento foi de 17 a 48mm.década-1. Para o estado do Paraná, Minuzzi e Caramori (2011) encontraram aumentos no total de chuva, predominantemente no verão e na primavera. Com os dados de 1928 a 1998, registrados em Urussanga (Litoral Sul de SC), Back (2001) também encontrou tendência significativa de aumento na chuva anual e durante o trimestre outubro-dezembro. Silva Dias (2009) sugeriu que o aumento significativo encontrado da chuva anual no período de 1950 a 2000 e de uma mudança nas anomalias, de negativas para positivas, em meados da década de 1970, na região litorânea de Santa Catarina, pode estar associado com fenômenos de escala planetária, como o ENOS (El Niño Oscilação Sul) e a PDO (Oscilação Decadal do Pacífico). Figura 2. Tendências climáticas do total de chuva em Santa Catarina e Rio Grande do Sul no verão (A), outono (B), inverno (C), primavera (D) e na escala anual (E) (о =não significativo; + - e + - Significativos a 5% e 10%, respectivamente). A tendência no número de dias secos mostra uma relação inversa com a observada para o total de chuva, exceto em duas estações no norte de SC, no verão (Figura 3A) e no inverno (Figura 3C). Durante o outono (Figura 3B), a redução de dias secos foi perceptível em quase todas as estações utilizadas, sendo de 1 a 3 dias.década-1. Num contexto geral, percebe-se que esta predominante relação inversa entre a tendência do DSC e TC não é proporcional, ou seja, fica evidente que um aumento no total de chuva não resulte necessariamente em diminuição no número de dias secos (ou aumento nos dias chuvosos) e vice-versa. As tendências estatisticamente significativas quanto ao número de eventos extremos de chuva (nEXT) são mais discretos em alguns períodos sazonais, como no verão (Figura 4A) e no inverno (Figura 4C). Apesar disso, ainda é possível associar os resultados do TC e DSC com os obtidos no nEXT, ou seja, para um aumento no TC, espera-se que haja um aumento de dias chuvosos e/ou no nEXT, a qual observa-se no outono (Figura 4B) e na primavera (Figura 4D), refletindo na escala anual (Figura 4E), onde o aumento esteve em torno de 0,5 dia.década-1. Obregón e Marengo (2007), analisando séries históricas de chuvas anuais, nos últimos 50 anos, constataram um aumento no total de chuvas para todo o sul do país, assim como, na frequência e intensidade dos eventos extremos. A divergência nos sinais das tendências observadas no nEXT, mesmo entre estações próximas entre si, também é perceptível quando analisado os resultados nas tendências da intensidade dos eventos extremos de chuva (iCEXT) apresentados na Figura 5. Em valores absolutos, os maiores aumentos nas chuvas intensas foram no outono (Figura 5B), sendo de 2 a 6,5mm.dia.década-1. Apesar disso, e considerando o maior número de tendências positivas, pode-se afirmar que nas últimas décadas houve um aumento no número e na intensidade dos eventos extremos, e que, estes contribuíram 701 Variabilidade de índices de chuva... MINUZZI, R. B.; LOPEZ, F. Z. Biosci. J., Uberlândia, v. 30, n. 3, p. 697-706, May/June, 2014 isoladamente ou em conjunto com outras características pluviométricas, com o aumento da quantidade de chuva (TC). Figura 3. Tendências climáticas do número de dias sem chuva (<1mm) em Santa Catarina e Rio Grande do Sul no verão (A), outono (B), inverno (C), primavera (D) e na escala anual (E) (о =não significativo; + - e + - Significativos a 5% e 10%, respectivamente). Figura 4. Tendências climáticas do número de eventos extremos de chuva em Santa Catarina e Rio Grande do Sul no verão (A), outono (B), inverno (C), primavera (D) e na escala anual (E) (о =não significativo; + - e + - Significativos a 5% e 10%, respectivamente). 702 Variabilidade de índices de chuva... MINUZZI, R. B.; LOPEZ, F. Z. Biosci. J., Uberlândia, v. 30, n. 3, p. 697-706, May/June, 2014 Figura 5. Tendências climáticas da intensidade de eventos extremos de chuva em Santa Catarina e Rio Grande do Sul no verão (A), outono (B), inverno (C) e primavera (D) (о =não significativo; + - e + - Significativos a 5% e 10%, respectivamente). Penalba e Robledo (2010) ressaltam esta afirmação, ao destacarem que em alguns casos o número de dias chuvosos parece influenciar o total de chuva, enquanto que, em outros casos, a variação depende da intensidade da chuva e/ou ambas variáveis tem sua parcela de contribuição. No verão, os autores indicam que o número de dias chuvosos (≥0,1mm) na Bacia do Prata está associado com o aumento de chuvas intensas (percentil ≥0,75). No entanto, fica evidente que no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina não houve coerência no comportamento espacial para as tendências no nEXT e iCEXT. Como a análise do nEXT e iCEXT é dependente de valores diários, não se descarta que a citada incoerência entre os sinais das tendências possa ser decorrente, em parte, a pequenos erros de leitura, que numa extensa série de dados, acabam não sendo perceptíveis em análises estatísticas utilizadas para este fim. Além disso, destacam-se as questões de microclima e a natureza dos eventos extremos de chuva subtropicais, que muitas vezes, se caracterizam por envolver pequenas áreas. O cenário na iCEXT é semelhante ao encontrado no Paraná por Minuzzi e Caramori (2011), ou seja, houve tendência de aumento, mas sem a identificação de um período sazonal predominantemente com estas características, além de ser observado esporadicamente algumas estações com tendência negativa. Ao contrário da associação do aumento da chuva anual com forçantes climáticas (ENOS e PDO), feita por Silva Dias (2009), Re e Barros (2009) destacam que, no sul do Brasil, a tendência positiva encontrada na ocorrência de eventos extremos de chuva de 1959 a 2002, tem grande probabilidade de não ser resultante de variabilidade climática relacionada ao ENOS. Na contrapartida, Pscheidt e Grimm (2009) mostram que a frequência nos eventos extremos de chuva no Sul do Brasil está associada ao ENOS, principalmente durante a primavera. Durante o El Niño, os eventos extremos são mais frequentes, mas diminuem durante a La Niña. Porém, chamam a atenção que os eventos extremos de chuva em eventuais El Niños, ocorrem em menor número quando comparado com a ocorrência média de anos neutros (sem o ENOS). Os autores ainda associam o comportamento de eventos extremos nas regiões interioranas do sul do Brasil, com outros modos de variabilidade climática. Um aumento (diminuição) das chuvas extremas estariam em associação com a fase negativa (positiva) da Oscilação Multidecadal do Atlântico, com a fase negativa (positiva) da Oscilação Multidecadal do Pacífico e com a fase positiva (negativa) da Oscilação Interdecadal do Pacífico. As chuvas acumuladas em cinco dias mostram uma tendência de aumento no verão (Figura 6A), no outono (Figura 6B) e na primavera (Figura 6D). Estes resultados são coerentes aos 703 Variabilidade de índices de chuva... MINUZZI, R. B.; LOPEZ, F. Z. Biosci. J., Uberlândia, v. 30, n. 3, p. 697-706, May/June, 2014 obtidos pelos outros índices de chuva, ou seja, o aumento no total de chuva, na intensidade de eventos extremos e no número de dias chuvosos e de eventos extremos, são perceptíveis numa escala de até cinco dias, principalmente no outono e na primavera, onde houve maior número de tendências significativas, com aumentos de 5 a 16mm.década-1. Figura 6. Tendências climáticas de chuva máxima acumulada em cinco dias em Santa Catarina e Rio Grande do Sul no verão (A), outono (B), inverno (C) e primavera (D) (о =não significativo; + - e + - Significativos a 5% e 10%, respectivamente). Seguindo o raciocínio da associação no regime de chuva com modos de variabilidade climática, supõe-se que as tendências previamente destacadas dos índices de chuva não venham a persistir no futuro próximo. Hoerling et al. (2010) sustentam esta tese ao afirmarem que a variabilidade da temperatura da superfície do mar foi um fator de maior contribuição para explicar a tendência da chuva anual global, especialmente sobre os trópicos, enquanto que o efeito atribuído as emissões humanas de gases efeito estufa e aerossóis foi muito fraca. A Figura 7 mostra os correlogramas das séries de chuva anual de seis estações hidrológicas, com número de lags que variam de acordo com o tamanho das séries de cada estação. Para as séries das estações de Pomerode (Figura 7A), Rio Negro (Figura 7B) e Canguçu (Figura 7E), a correlação em lag 1 excede o valor crítico, principalmente em Canguçu, onde a correlação (em módulo) é a maior da sua série (0,45). Isto é um indicativo que as séries possuem memória, ou seja, uma correlação de ano a ano ou talvez uma periodicidade, que se confirma quando analisados os demais valores de correlação. Nas estações de Rio Negro e Pomerode que possuem o maior número de dados (80 anos) é perceptível uma periodicidade da chuva anual em torno de 3, 9-11 e 18 anos. Em Canguçu, foram observadas apenas periodicidades em torno de 3, 6 e 10 anos, e provavelmente não seriam identificados ciclos maiores que 10 anos nesta série de 60 anos, tendo em vista que, as correlações a partir do lag 12 foram próximas à zero. Para fins comparativos, o ideal seria que o tamanho da série de Canguçu fosse igual a das estações de Pomerode e Rio Negro. As periodicidades são coerentes quando associadas com a ocorrência de fenômenos, como exemplo, o Ciclo Solar de 11 anos. Ionita et al. (2012) encontraram periodicidades de 2,5-5 anos e de 12-13 anos nas secas de verão na Europa. Dentre os três modos de variabilidade climática que os autores associaram com as secas, constam o ENOS, a PDO e a Oscilação Multidecadal do Atlântico. No Brasil, Minuzzi et al. (2007) encontraram periodicidade de 12 anos da precipitação observada durante o período chuvoso no Sul do estado de São Paulo, ou seja, se equivalendo parcialmente, aos resultados de Ionita et al. (2012) e ao deste estudo, para os municípios localizados na divisa de SC com o Paraná (Rio Negro e Pomerode). 704 Variabilidade de índices de chuva... MINUZZI, R. B.; LOPEZ, F. Z. Biosci. J., Uberlândia, v. 30, n. 3, p. 697-706, May/June, 2014 Figura 7. Função de autocorrelação da chuva anual para os municípios de Pomerode (A), Rio Negro (B), Araranguá (C), Cruz Alta (D), Canguçu (E) e Cacequi (F) (--- limite de confiança de 95%) Quanto as periodicidades menores como a de três anos, de uma maneira geral, este comportamento é natural da precipitação e sua associação com fenômenos de variabilidade interanual como o ENOS deve ser feita com cautela, haja vista que, há controvérsias em estudos que visam definir uma periodicidade do referido fenômeno climático. Soma-se a isto, a hipótese apresentada por Trenberth e Hoar (1997) de que o aumento incomum na frequência e amplitude dos eventos ENOS, nas décadas de 1980 e 1990, significativamente diferente dos comportamentos em séculos passados, possa estar associado a fatores antropogênicos. Porém, em parte, estes resultados contrariam aos encontrados por Latif et al. (1997), que objetivaram analisar dentre três teorias, qual a responsável pelas anomalias de precipitação ocorridas na década de 1990. Os autores chegaram a interessante conclusão de que o ENOS é provavelmente a mais forte flutuação na escala de tempo interanual, mas o modo de variabilidade decadal independe do ENOS e é responsável pela irregularidade do fenômeno climático. Em Araranguá (Figura 7C) e nas estações mais interioranas selecionadas para aplicação da função de autocorrelação (Cruz Alta e Cacequi), não foi perceptível a identificação de periodicidades da chuva anual, principalmente em Cacequi (Figura 7F) onde a correlação em lag 1 foi praticamente zero, indicando a inexistência de uma periodicidade. CONCLUSÕES Houve aumento na quantidade de chuva e no número de dias chuvosos (>1mm), principalmente durante o outono e a primavera. O número e a intensidade dos eventos extremos mostram uma discreta tendência de aumento, mas não houve coerência na escala espacial com as tendências obtidas pelos demais índices de chuva. As periodicidades em torno de 3, 9-11 e 18 anos, encontradas nas séries de chuva anual desde 1930, sugerem uma associação com fenômenos naturais, como o Ciclo Solar de 11 anos. 705 Variabilidade de índices de chuva... MINUZZI, R. B.; LOPEZ, F. Z. Biosci. J., Uberlândia, v. 30, n. 3, p. 697-706, May/June, 2014 AGRADECIMENTOS Os autores agradecem a ANA (Agência Nacional de Águas) pela disponibilidade dos dados diários de chuva. ABSTRACT: As the rain of the climatic variables of greatest influence on the environment, economy and society, this study aims to analyze the climatic variability of different rainfall index in the States of Rio Grande do Sul and Santa Catarina. Were used daily rainfall data of 32 hydrological stations, which were obtained five rainfall index. The angular coefficient of linear regression was used to analyze the climate trend of rainfall index in seasonal and annual scales. The following months were defined as representative of each of the seasons: December-February (summer), March-May (autumn), June-August (winter) and September-November (spring). Since the mid-twentieth century, there was an increase in the amount of rainfall, the number of rainy days and more discreetly, in the number and intensity of extreme rainfall events, especially in spring and autumn. With the autocorrelation function applied in some hydrological stations, was found a periodicity of annual rainfall of about 3, 9-11 and 18 years at stations with the longest data series (Pomerode and Rio Negro). KEYWORDS: Extreme events. Climate trend. Periodicity. REFERÊNCIAS ALEXANDROV, V.; SCHENEIDER, M; KOLEVA, E.; MOISSELIN, J. M. Climate variability and change in Bulgaria during the 20th century. 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