Microsoft Word - 41-Agra_18292 839 Original Article Biosci. J., Uberlandia, v. 30, supplement 2, p. 839-846, Oct./14 OCORRÊNCIA DE MASTITE EM BÚFALAS (Bubalus bubalis) CRIADAS EM SISTEMA EXTENSIVO NO ESTADO DO PARÁ, BRASIL MASTITIS OCCURRENCE IN BUFFALOES (Bubalus bubalis) EXTENSIVELY FARMED IN THE STATE OF PARA, BRAZIL Natália da Silva e SILVA1; José Alcides Sarmento da SILVEIRA2; Carlos Magno Chaves OLIVEIRA3; Carla Lopes de MENDONÇA4; Tatiane Teles ALBERNAZ2; Eduardo Levi de Sousa GUARANÁ5; Danillo Henrique da Silva LIMA6; José Diomedes BARBOSA3 1. Doutoranda, Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal (UFPA/UFRA/EMBRAPA). Faculdade de Medicina Veterinária, Campus Castanhal, Universidade Federal do Pará - UFPA, PA, Brasil. nataliasilva@ufpa.br; 2. Médico (a) Veterinário (a), Mestre, UFPA, PA, Brasil; 3. Professor, Mestre, UFPA, PA, Brasil; 4. Médica Veterinária, Doutora, Clínica de Bovinos, Campus Garanhuns, Universidade Federal Rural de Pernambuco, PE, Brasil; 5. Médico Veterinário, Mestre, Autônomo. PE, Brasil; 6. Graduando, Faculdade de Medicina Veterinária, Campus Castanhal, UFPA, PA, Brasil. RESUMO: Descreveu-se a ocorrência de mastite em 87 búfalas do Estado do Pará, em diferentes fases de lactação, mantidas em sistema de criação extensivo. Foram realizados o exame clínico da glândula mamária, o California Mastitis Test, o exame bacteriológico do leite e o perfil de sensibilidade a antimicrobianos. Amostras de leite foram colhidas de todos os quartos mamários avaliados, assepticamente, exceto na ausência de secreção láctea. Dos 348 quartos mamários examinados, 89,37% não reagiram ao California Mastitis Test e 5,46% reagiram; 2,87% dos quartos mamários apresentavam mastite clínica e 2,3% não apresentavam secreção láctea. Nas amostras reagentes ao California Mastitis Test, Streptococcus spp. foi o agente isolado em maior percentual, seguido por Staphylococcus aureus e Staphylococcus intermedius. Das amostras não reagentes ao California Mastitis Test houve crescimento bacteriano em 24,8%, sendo Staphylococcus coagulase negativa o agente mais presente, seguido por S. intermedius, S. aureus, Streptococcus agalactiae e Streptococcus spp. No antibiograma, os isolados de estafilococos coagulase negativas foram sensíveis à gentamicina e resistentes à penicilina. Para os isolados de Staphylococcus coagulase positiva, amoxicilina e cefalotina foram os antimicrobianos de eleição. Streptococcus spp. foram sensíveis à amoxicilina e sulfazotrim. Todos S. agalactiae foram sensíveis à amoxicilina e tetraciclina. Conclui-se que a ocorrência de mastite foi baixa nos rebanhos estudados; o California Mastitis Test não se mostrou eficiente no diagnóstico da infecção intramamária, devendo sempre ser associado ao exame microbiológico e houve baixa resistência dos agentes isolados aos antimicrobianos testados, exceto em relação à penicilina. PALAVRAS-CHAVE: Bubalus bubalis. California Mastitis Test. Etiologia. Antibiograma. INTRODUÇÃO No Brasil há aproximadamente 1,3 milhões de bubalinos e o Estado do Pará possui o maior rebanho, com aproximadamente 38% dos animais (IBGE, 2011). Os bubalinos apresentam problemas sanitários semelhantes aos bovinos e, dentre esses, destaca-se a mastite, que é a enfermidade que causa maior prejuízo à pecuária de leite em todo o mundo, sendo esse problema agravado pelo impacto na saúde pública, por meio da veiculação, pelo leite, de microrganismos patogênicos para a espécie humana (CARVALHO, 2005). A mastite caracteriza-se por inflamação da glândula mamária e alterações físicas, químicas e bacteriológicas no leite e/ou alterações no tecido glandular, manifestando-se na forma clínica ou subclínica (RADOSTITS et al., 2009). Os agentes etiológicos frequentemente associados à infecção da glândula mamária de búfalas são Staphylococcus aureus, Streptococcus spp., Streptococcus agalactiae, Corynebacterium bovis e Staphylococcus spp. coagulase negativa (COSTA; WATANABE, 1999; COSTA et al., 2000). No Estado do Pará não há informações sobre mastite em búfalas. Portanto, o presente trabalho objetivou verificar a ocorrência de mastite em búfalas criadas em sistema extensivo no Estado do Pará, verificar os agentes etiológicos, o perfil de sensibilidade dos isolados, bem como a concordância dos resultados obtidos no California Mastitis Test (CMT) com o exame bacteriológico do leite. MATERIAL E MÉTODOS Foram examinadas 87 búfalas (348 quartos mamários) das raças Murrah, Mediterrâneo e seus mestiços, em diferentes fases de lactação (início: 1 a 60 dias; intermediário: 61 a 150 dias e final: acima Received: 30/09/12 Accepted: 20/02/14 840 Ocorrência de mastite... SILVA, N. S. et al Biosci. J., Uberlandia, v. 30, supplement 2, p. 839-846, Oct./14 de 150 dias), mantidas em sistema extensivo, ordenhadas diariamente pela manhã e pertencentes a quatro propriedades localizadas nas regiões metropolitana de Belém e nordeste, Estado do Pará. O exame clínico da glândula mamária foi realizado de acordo com as recomendações de Grunert (1993). Os resultados do CMT foram classificados em negativo (negativo ou traços) e 1+, 2+ e 3+ (SCHALM; NOORLANDER, 1957). Animais em fase colostral e próximo à secagem não foram submetidos aos testes. As amostras de leite foram colhidas de todos os quartos mamários avaliados (reagentes e não reagentes ao CMT, assim como dos casos clínicos), exceto nos casos de ausência de secreção láctea. A colheita ocorreu após antissepsia do óstio do teto com algodão embebido em álcool a 70%. As amostras (aproximadamente cinco mililitros) foram acondicionadas em tubos de vidro estéreis e transportadas à Central de Diagnóstico Veterinário (CEDIVET) da Universidade Federal do Pará, sob refrigeração, sendo posteriormente congeladas a - 18°C por um período máximo de 30 dias até o isolamento bacteriano. Em cada propriedade foi aplicado um questionário sobre o manejo higiênico-sanitário do rebanho e a anamnese das búfalas estudadas relacionada ao estágio da lactação, número de partos, ocorrência anterior de mastite, uso de antimicrobianos, entre outras informações. O cultivo bacteriológico foi realizado de acordo com o preconizado pelo National Mastitis Council (1990). Após homogeneização, semearam- se 10µL de cada amostra de leite em placas contendo Ágar Base (Oxoid®) enriquecido com 5% de sangue desfibrinado de ovino e Ágar MacConkey (Difco®). As placas foram incubadas em aerobiose a 37oC, realizando-se leituras às 24, 48, 72 e 96 horas, assinalando as características morfológicas das colônias (morfologia, produção de pigmento e hemólise) e morfotintoriais, por meio do método de coloração de Gram, permitindo dessa forma uma visão preliminar das bactérias envolvidas no processo (QUINN et al., 2004). Para a caracterização dos membros dos gêneros Staphylococcus e Streptococcus foram adotadas as especificações de Carter e Cole Júnior (1990) e Quinn et al. (2004). O teste de sensibilidade aos antimicrobianos foi realizado pelo método de difusão por discos (BAUER, 1966), seguindo as especificações do Clinical and Laboratory Standards Institute - CLSI/NCCLS (2005). Foi realizada a semeadura com swab estéril sobre a superfície do meio de Ágar Mueller-Hinton (Mueller Hinton-MicroMED). Utilizaram-se discos (Sensibiodisc, Cecon/Sensifar- Vet, Cefar Diagnóstica) impregnados com os seguintes antimicrobianos: Amoxicilina (10µ g), Ampicilina (10µ g), Cefalotina (30µ g), Cefoxitina (30µ g), Eritromicina (15µ g), Estreptomicina (10µ g), Gentamicina (10µ g), Kanamicina (30µ g), Neomicina (30µ g), Oxacilina (1µ g), Penicilina G (10UI), Sulfazotrim (25µ g) e Tetraciclina (30µ g). Para o controle na qualidade de execução e confiabilidade dos resultados obtidos, cepas padrão (Escherichia coli ATCC 27853 e Enterococcus faecalis ATCC 29212) foram testadas sob as mesmas condições de meios de cultivo e incubação. A incubação ocorreu à temperatura de 37ºC por 24 horas, quando então foi realizada a leitura de acordo com o diâmetro de sensibilidade apresentado por cada amostra frente aos antimicrobianos utilizados. Foi realizado um estudo descritivo das variáveis estudadas, empregando-se a distribuição de frequência (%), seguindo as recomendações de Curi (1997). Além disso, foram analisados sensibilidade, especificidade, valores preditivos positivos e negativos, e acurácia do diagnóstico da mastite comparando o CMT com o exame bacteriológico de acordo com Martin et al. (1994). Para verificar a concordância do resultado do CMT com o exame bacteriológico, foi empregado o Teste KAPPA de acordo com Pereira (1995), o qual classifica a concordância entre testes conforme os escores: pobre (<0,20), fraco (0,21- 0,40), moderado (0,41-0,60), bom (0,61- 0,80) e muito bom (>0,80). RESULTADOS Dos 348 quartos mamários examinados, oito (2,3%) não apresentavam secreção láctea (quartos sem alterações ao exame clínico e com histórico de falta de produção), 10 (2,87%) foram diagnosticados com mastite clínica (MC), 19 (5,46%) reagentes ao CMT (1+, 2+ ou 3+) e 311 (89,37%) não reagentes. Os quartos com MC caracterizavam-se por assimetria, aumento de volume ou atrofia e à palpação por endurecimento e aumento da sensibilidade local, bem como secreção láctea com presença de grumos e pus. A ocorrência dos 19 quartos mamários reagentes ao CMT, de acordo com a intensidade da reação, revelou 42,1% (8/19) 1+, 52,6% (10/19) 2+ e 5,3% (1/19) 3+. Em três propriedades a ordenha era manual e em outra, algumas búfalas eram ordenhadas manualmente e outras em ordenhadeira mecânica. Verificou-se também que em três propriedades, os currais e locais de ordenha eram cobertos, o piso de cimento ou de chão batido; duas propriedades 841 Ocorrência de mastite... SILVA, N. S. et al Biosci. J., Uberlandia, v. 30, supplement 2, p. 839-846, Oct./14 realizavam linha de ordenha; em nenhuma havia higiene por parte dos ordenhadores durante a ordenha e apenas uma, realizava o pré e pós dipping. Em todas havia histórico de MC e em apenas uma era realizado o tratamento com antimicrobianos de forma indiscriminada. A fase da lactação em que os animais foram mais acometidos, tanto pela MC quanto pela mastite subclínica (MSC), foi a intermediária, correspondendo a 56,25% dos animais (9/16), sendo que 62,5% (10/16) estavam na segunda ou terceira lactação. Segundo relato dos tratadores, 18,75% dos animais com MC e 12,5% dos animais com MSC já haviam tido mastite. Das 340 amostras submetidas ao exame bacteriológico, 24,4% (83/340) apresentaram crescimento bacteriano. Em 91,6% (76/83) das amostras os agentes foram isolados em cultura pura e 8,4% (7/83) em associação. Na Tabela 1 são apresentados os resultados de todas as amostras submetidas ao exame microbiológico. Tabela 1: Resultado da lactocultura de quartos mamários com mastite clínica, subclínica e não reagentes ao CMT. MICRORGANISMOS MASTITE CLÍNICA (n=10) (2,94%) MASTITE SUBCLÍNICA (n=19) (5,59%) NÃO REAGENTE AO CMT (n=311) (91,47%) Staphylococcus coagulase negativa (SCN) - - 40 (12,9%) Staphylococcus aureus - 1 (5,26%) 7 (2,25%) Staphylococcus intermedius - 1 (5,26%) 12 (3,90%) Streptococcus spp. 1 (16,67%) 3 (15,79%) 4 (1,30%) Streptococcus agalactiae - - 7 (2,25%) SCN / Streptococcus spp. - - 2 (0,60%) SCN / S. agalactiae - - 1 (0,30%) SCN (associação de duas cepas com características distintas) - - 4 (1,30%) Não houve crescimento bacteriano 5 (83,33%) 14 (73,69%) 234 (75,20%) Como pode ser observado na Tabela 1, das glândulas diagnosticadas com MC, não houve crescimento bacteriano em cinco amostras, quatro não possuíam secreção láctea e somente um agente (Streptococcus spp.) foi isolado. Nas amostras reagentes ao CMT (n=19), Streptococcus spp. foi isolado em maior percentual (15,79%), seguido por S. aureus (5,26%) e S. intermedius (5,26%); em 14 (73,69%) amostras não houve crescimento bacteriano. Observou-se ainda crescimento bacteriano em 24,8% (77/311) nas amostras não reagentes ao CMT. Dessas, Staphylococcus spp. coagulase negativa (SCN) foi isolado em 51,9% (40/77) das amostras, S. intermedius em 15,6% (12/77), S. aureus em 9,1% (7/77), S. agalactiae em 9,1% (7/77) e Streptococcus spp. em 5,2% (4/77); verificou-se associação entre duas cepas de SCN com características distintas em 5,2% (4/77) ; associação de SCN/Streptococcus spp. em 2,6% (2/77) e em 1,3% (1/77), SCN/S. agalactiae. Observou-se que em 75,2% (234/311) das amostras não reagentes ao CMT não houve crescimento bacteriano. Considerando os resultados do CMT com o exame bacteriológico, observou-se que a concordância entre os testes foi pobre (<0,20). A sensibilidade foi de 27,8%, a especificidade de 75,6%, o valor preditivo positivo de 6,1%, o valor preditivo negativo de 94,8% e a acurácia de 73,1%. No antibiograma, 94,1% dos isolados de SCN foram sensíveis à gentamicina, 92,2% à cefalotina e 90,2% à cefoxitina; 47,1% apresentaram resistência à penicilina G (Tabela 2). 842 Ocorrência de mastite... SILVA, N. S. et al Biosci. J., Uberlandia, v. 30, supplement 2, p. 839-846, Oct./14 Tabela 2. Antibiograma dos isolados do leite de búfalas do Estado do Pará. Antimicrobianos Staphylococcus spp. coagulase negativa (%) Staphylococcus spp. coagulase positiva (%) Streptococcus spp. (%) S. agalactiae (%) Sa I Ib Rc S I R S I R S I R Amoxicilina (10µ g) 80,4 0 19,6 100 0 0 90 0 10 100 0 0 Ampicilina (10µ g) 68,6 0 31,4 85,7 0 14,3 90 0 10 87,5 0 12,5 Cefalotina (30 µ g) 92,2 0 7,8 100 0 0 80 10 10 87,5 0 12,5 Cefoxitina (30 µ g) 90,2 0 9,8 95,2 0 4,8 70 0 30 62,5 0 37,5 Eritromicina (15µ g) 41,2 47 11,8 33,3 61,9 4,8 80 10 10 75 25 0 Estreptomicina (10µ g) 31,4 35,3 33,3 28,6 47,6 23,8 0 20 80 0 100 0 Gentamicina (10µ g) 94,1 3,9 2 90,5 9,5 0 70 20 10 62,5 12,5 25 Kanamicina (30µ g) 58,8 29,4 11,8 71,4 28,6 0 20 30 50 25 25 50 Neomicina (30µ g) 82,4 13,7 3,9 85,7 14,3 0 30 20 50 50 25 25 Oxacilina (1µ g) 68,6 7,8 23,5 95,2 4,8 0 40 0 60 12,5 0 87,5 Penicilina G (10 UI) 52,9 0 47,1 85,7 0 14,3 80 10 10 25 62,5 12,5 Sulfazotrim (25µ g) 84,3 3,9 11,8 95,2 0 4,8 90 0 10 87,5 0 12,5 Tetraciclina (30µ g) 76,5 5,9 17,6 85,7 4,8 9,5 80 20 0 100 0 0 aS = sensibilidade; bI = sensibilidade intermediária; cR = resistência Dos isolados de Staphylococcus spp. coagulase positiva (S. aureus e S. intermedius), 100% foram sensíveis à amoxicilina e cefalotina, e 95,2% à cefoxitina, oxacilina e sulfazotrim; 61,9% e 47,6% dos isolados apresentaram sensibilidade intermediária à eritromicina e estreptomicina, respectivamente. Os isolados de Streptococcus spp. foram 90% sensíveis à amoxicilina, ampicilina e sulfazotrim; 80% sensíveis à cefalotina, eritromicina, penicilina G e tetraciclina. Oitenta por cento dos isolados apresentaram resistência à estreptomicina. Em relação aos isolados de S. agalactiae, 100% foram sensíveis à amoxicilina e tetraciclina; 87,5% à ampicilina, cefalotina e sulfazotrim. Todos os isolados apresentaram sensibilidade intermediária à estreptomicina e 87,5% resistência à oxacilina. DISCUSSÃO A inexistência de trabalhos dessa natureza no Estado do Pará motivou a realização do presente estudo, uma vez que esse Estado detém o maior rebanho bubalino do Brasil e verifica-se um consumo crescente dos subprodutos lácteos da búfala. A maior ocorrência dos casos de mastite foi verificada na fase intermediária da lactação, provavelmente, devido ao pico de produção de leite que ocorre nesse período. De acordo com Ranucci et al. (1988), o aumento dos casos clínicos de mastite é proporcional ao avanço do período de lactação. Apesar das práticas de manejo não serem adequadas na maioria das propriedades, tais como a falta de higiene por parte dos ordenhadores antes, durante e após a ordenha, acredita-se que a baixa ocorrência de mastite deva-se às características anatômicas do úbere e tetos, imunologia da glândula mamária e composição específica do leite das búfalas; fato esse ressaltado por outros autores (SHUKLA et al., 2005). A baixa ocorrência de MC e MSC observada pode estar relacionada também à baixa produção leiteira das búfalas, com média de 4,4 L/animal/dia. Outro fator importante para essa baixa ocorrência é o fato dos bezerros permanecerem com as mães após a ordenha até às 14 horas do dia. De acordo com Brandão et al. (2008), o bezerro contribui para uma menor incidência de MSC, pois há maior eficiência na ejeção do leite em decorrência da maior liberação de ocitocina. Para Combellas e Tesorero (2003), a redução da MSC em vacas que permanecem com o bezerro após a ordenha também se deve ao maior esgotamento da glândula mamária após a mamada, retirando o leite residual. De acordo com Kaartinen (1995), pelo fato dos componentes que ativam a lactoperoxidase estarem presentes também na cavidade oral dos lactentes, acredita-se que essa enzima desempenhe um papel importante como “desinfetante” dos tetos 843 Ocorrência de mastite... SILVA, N. S. et al Biosci. J., Uberlandia, v. 30, supplement 2, p. 839-846, Oct./14 submetidos ao repasse por bezerros após o término da ordenha. Baixos índices de MC e MSC também foram verificados por Cunha et al. (2006). Costa et al. (2000) observaram a ocorrência de MC em apenas 0,44%. Os resultados positivos ao CMT (5,46%) foram inferiores aos relatados por autores brasileiros como Costa et al. (2000), Oliveira (2003) e Jorge et al. (2005), cujas frequências foram de 7,15%, 16,8% e 17,65%, respectivamente. Kapronezai et al. (2005) no Estado de São Paulo observaram reações positivas ao CMT em 3,4% das amostras analisadas, resultados inferiores aos observados no presente estudo. Considerando a distribuição das reações positivas ao CMT entre as fases de lactação, verificou-se maior ocorrência na fase intermediária. Essas observações são semelhantes às de Costa et al. (1997), mas diferem dos achados de Bastos (2005) e Pardo (2007) que relataram maior ocorrência de positividade na fase final da lactação, devido o aumento fisiológico do número de células somáticas do leite. Na presente pesquisa não foram submetidas ao CMT búfalas que se encontravam próximas ao período seco. Das 340 amostras submetidas ao exame bacteriológico, 24,4% apresentaram crescimento bacteriano. Resultados superiores foram encontrados por Pardo (2007) que verificou crescimento bacteriano em 60,59% das amostras analisadas e inferiores foram obtidos por Carvalho (2005), o qual isolou microrganismos em 18,71% do total. Em 75,6% das amostras submetidas ao exame bacteriológico, não houve crescimento. Carvalho (2005) trabalhando com leite de búfalas relatou que 77,91% das amostras analisadas foram negativas no exame microbiológico. A bactéria prevalente nos casos de MC e MSC foi Streptococcus spp. De acordo com Carvalho (2005), bactérias do gênero Staphylococcus, Streptococcus e Corynebacterium, estão entre as mais frequentes causadoras de mastite em búfalas, seja em culturas puras, seja em associações. Devido às características da infecção por S. agalactiae e S. aureus entre os animais, vacas com quartos mamários infectados sem evidência de reação inflamatória podem constituir-se em importante fonte de infecção para o rebanho (BRAMLEY et al., 1996). De todos os microrganismos isolados, os contagiosos apresentaram maior frequência. Esse fato revela a presença consideravelmente mais acentuada de microrganismos contagiosos em sistemas de produção precários de higiene, como os observados na presente pesquisa. Staphylococcus spp. coagulase negativa foi o microrganismo isolado em maior percentual nas amostras não reagentes ao CMT. Isso pode estar relacionado à sua presença na microbiota normal da pele e mucosa, assim como na colonização do esfíncter e canal do teto das búfalas. De acordo com Radostits et al. (2009), esse agente pode causar infecções intra-mamárias crônicas e de baixa intensidade e podem dificultar a infecção por outros agentes mais patogênicos por competição. Embora alguns autores (VIANNI et al., 1990; JORGE et al., 2005) acreditem que o CMT possa ser empregado como método indireto de auxílio no diagnóstico de MSC em búfalas, pôde-se observar, com os dados coletados e analisados no presente estudo, que existem sérias restrições quanto à adoção dessa prática em função dos consideráveis percentuais de amostras não reagentes ao CMT, no entanto, com exame bacteriológico positivo. É preocupante o isolamento de bactérias em 24,8% das amostras não reagentes ao CMT. Esse dado reforça o fato de que existem animais que, mesmo sendo submetidos a métodos de diagnóstico utilizados rotineiramente como meios de triagem nas propriedades de produção leiteira, podem albergar agentes, facilitando a disseminação entre animais e a contaminação do leite. Outro fator é que o isolamento pode não ser acompanhado por um aumento na celularidade, pois em muitos casos o processo infeccioso progride lentamente sem expressar um estágio agudo ou tem uma fase aguda de curta duração, não sendo detectado indiretamente no CMT. No presente estudo observou-se que não houve crescimento bacteriano em 50% das amostras de MC e 73,7% das amostras reagentes ao CMT. É descrito na literatura que 15% a 40% das amostras de leite de casos de MC podem resultar negativos após cultivo microbiológico, mesmo quando a coleta e os métodos de isolamento são aplicados de maneira correta (OLDE REIKERINK et al., 2008). O não isolamento do agente da mastite nesses casos pode ser por diversos motivos, entre esses, a eliminação espontânea da infecção; a baixa concentração dos patógenos no leite; o padrão de eliminação dos microrganismos, que pode alternar entre números elevados e mais baixos; o não isolamento nos meios de cultura convencionais de microrganismos mais exigentes; a localização intracelular de determinados patógenos e o emprego prévio de antimicrobianos. Os resultados negativos são reduzidos, mas não eliminados quando se empregam técnicas que procuram aumentar as chances de isolamento (BRITO, 2009). 844 Ocorrência de mastite... SILVA, N. S. et al Biosci. J., Uberlandia, v. 30, supplement 2, p. 839-846, Oct./14 Na avaliação do perfil de sensibilidade in vitro com diferentes antimicrobianos frente às amostras de SCN isoladas, a gentamicina foi o que demonstrou o maior percentual de eficácia (94,1%), provavelmente, devido não ser utilizada com frequência nas propriedades estudadas. Essa observação corrobora com Cunha et al. (2006) que relataram a efetiva ação da gentamicina frente aos agentes causadores de mastite nessa espécie. Por outro lado, 47,1% dos isolados de SCN foram resistentes à penicilina. Isso pode ser justificado pelo uso indiscriminado desse antimicrobiano nas propriedades, independentemente da enfermidade, prática comum na região. Observou-se que 100% das amostras de Staphylococcus coagulase positiva (S. aureus e S. intermedius) foram sensíveis aos antimicrobianos amoxicilina e cefalotina e 90% dos Streptococcus spp. a amoxicilina, ampicilina e sulfazotrim. Isso se deve, provavelmente, ao fato dessas bases não serem usadas nas propriedades estudadas. CONCLUSÕES A ocorrência de mastite clínica e subclínica foi baixa nos rebanhos estudados. Os agentes etiológicos isolados nas amostras de leite foram Streptococcus spp., Staphylococcus aureus, S. intermedius, Staphylococcus spp. coagulase negativo e Streptococcus agalactiae. O CMT não se mostrou eficiente como método auxiliar de diagnóstico da infecção intra- mamária das búfalas estudadas, devendo sempre ser associado ao exame microbiológico. Observou-se baixa resistência dos agentes isolados aos antimicrobianos testados, exceto em relação à penicilina, na qual se observou uma maior resistência por parte de alguns agentes. AGRADECIMENTOS À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela concessão de bolsa de mestrado. ABSTRACT: It was described the occurrence of mastitis in 87 buffaloes from the state of Para at different stages of lactation and kept in extensive farming system. The clinical examination of the mammary gland, California Mastitis Test, bacteriological examination of milk and the antimicrobial susceptibility profile were performed. Milk samples were taken aseptically from all mammary quarters, except in the absence of milk secretion. Among the 348 mammary quarters examined 89.37% did not react to the California Mastitis Test and 5.46% reacted, 2.87% presented clinical mastitis and 2.3% did not show milk secretion. Streptococcus spp. was isolated from mammary glands with clinical mastitis. In California Mastitis Test-reagent samples Streptococcus spp. was isolated with a high percentual, followed by Staphylococcus aureus and Staphylococcus intermedius. There was bacterial growth in 24.8% of California Mastitis Test-non-reagent samples, mainly coagulase-negative Staphylococcus, followed by Staphylococcus intermedius, Staphylococcus aureus, Streptococcus agalactiae and Streptococcus spp. The antibiogram revealed effectiveness of gentamicin against coagulase-negative Staphylococcus isolates and low effectiveness of penicillin. Amoxicillin and cephalotin were the antimicrobials agents of choice for coagulase-positive Staphylococcus. Streptococcus spp. revealed sensitivity to amoxicillin and sulfazotrim and all S. agalactiae isolated were sensitive to amoxicillin and tetraciclin. It was concluded that there was a low occurrence of mastitis among the herds studied, the California Mastitis Test was not efficient to diagnose intramammary infection, thus it should ever be associated with microbiological exam and that there was low levels of resistence to all antimicrobials tested except penicillin. KEYWORDS: Bubalus bubalis. California Mastitis Test. Etiology. Antibiogram. REFERÊNCIAS BASTOS, P. A. S. Constituição físico-química, celular e microbiológica do leite de búfalas (Bubalus bubalis) criadas no Estado de São Paulo. Boletim do búfalo, São Paulo, v. 2, p. 38, 2005. BAUER, A.W. Antibiotic susceptibility testing by a standardized single disk method. American Journal of Clinical Pathology, Philadelphia, v. 45, n. 4, p. 493-496,1966. BRAMLEY, A. J; CULLOR, R. J; ERSKINE, L. K.; FOX, R. J.; HARMON, J. 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