Microsoft Word - 42-Agra_19503 847 Original Article Biosci. J., Uberlandia, v. 30, supplement 2, p. 847-855, Oct./14 DINÂMICA DA INVOLUÇÃO UTERINA NO PÓS-PARTO DE VACAS DA RAÇA GUZERÁ DYNAMICS OF THE UTERINE INVOLUTION IN POSTPARTUM GUZERÁ COWS Álvaro Carneiro Matoso Nunes CANABRAVA1; Patricia Magalhães de OLIVEIRA2; Nayara Resende NASCIUTTI2; Mariana Ferreira Silva PÁDUA1; Raphael Soares de Barros Ramos OLIVEIRA2; Danilo de OLIVEIRA1; Suzana Akemi TSURUTA3; Ricarda Maria dos SANTOS4; João Paulo Elsen SAUT4 1. Médico Veterinário Autônomo, Uberlândia, MG, Brasil; 2. Mestre em Ciências Veterinárias, Faculdade de Medicina Veterinária – FAMEV, Universidade Federal de Uberlândia – UFU, Uberlândia, MG, Brasil; 3. Doutoranda em Ciências Veterinárias, Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil; 4. Professor Adjunto 2, FAMEV – UFU, Uberlândia, MG, Brasil. jpsaut.vet@gmail.com RESUMO: Com o objetivo de avaliar o processo fisiológico da dinâmica de involução uterina em vacas da raça Guzerá, foram acompanhadas 19 vacas adultas no puerpério fisiológico em seis momentos, no parto e 7, 14, 21, 28 e 42 dias pós-parto (dpp), avaliando os parâmetros vitais, escore de condição corporal, exame ginecológico, avaliação ultrassonográfica e características e odor da secreção vaginal. Aos 42 dpp realizou-se a citologia endometrial pela técnica de cytobrush. Observou-se que aos 21 dpp, 100% das vacas apresentavam o útero na cavidade pélvica e tamanho compatível ao do órgão normal. Aos 42 dpp as vacas apresentaram 42,1% de taxa de ciclicidade e não apresentavam endometrite citológica, o menor resultado encontrado na literatura para raças de bovinos de corte. PALAVRAS-CHAVE: Bos taurus indicus. Bovino. Citologia endometrial. Puerpério. Ultrassonografia. INTRODUÇÃO No Brasil a raça Guzerá sempre foi usada para produzir carne e secundariamente leite, sendo que foi aproveitada, no início, para cruzamentos com o gado comum ou crioulo para o abate. A participação da raça também foi decisiva na formação do gado Indubrasil, Pitangueiras e Guzolando devido principalmente às qualidades de constituição robusta, ossatura forte e porte elevado (PEIXOTO, 2010). Um dos principais pontos econômicos nas propriedades de leite e de corte é a fertilidade pós- parto. Logo, qualquer distúrbio desta fase gera perdas econômicas relevantes e tem grande importância na vida reprodutiva subsequente da vaca (PATEL et al., 2006). O período do puerpério é um processo fisiológico e envolve modificações que ocorrem no sistema reprodutivo feminino após o parto, levando o útero à recuperação das transformações ocorridas durante o período de gestação, para finalmente atingir volume, tamanho, posição e adquirir novamente a capacidade reprodutiva para a futura gestação (KOZICKI, 1998). Em um período de aproximadamente 40 dias pós-parto devem ocorrer quatro eventos: involução uterina, regeneração do endométrio, retorno da ciclicidade ovariana e eliminação bacteriana (SHELDON, 2004; SHELDON et al., 2008) e, em geral, os animais Bos taurus taurus apresentam a involução uterina mais lenta que os animais Bos taurus indicus (NOGUEIRA et al., 1993). Neste contexto, devido à escassez de literatura sobre involução uterina, principalmente, nesta raça, e a importância de se conhecer esta fase do puerpério, objetivou-se avaliar o processo fisiológico da involução uterina em vacas da raça Guzerá. MATERIAL E MÉTODOS Local, instalação, alimentação e animais O experimento foi realizado em fazenda comercial, no município de Lassance, localizada no centro-norte do Estado de Minas Gerais, Brasil, com a sede na intersecção da latitude 17°59’22.44’’ Sul com a longitude 44°44’42.81” Oeste de Greenwich. O clima local é classificado como Aw (KOEPPEN, 1948). Foram avaliadas 19 vacas da raça Guzerá, pluríparas, com parição no intervalo de 30 dias, sob o mesmo manejo nutricional e sanitário e que, obrigatoriamente, apresentaram eutocia, puerpério fisiológico e nenhum tratamento clínico ou cirúrgico durante o período avaliado. Os animais foram mantidos durante todo o experimento em sistema extensivo em pastagens de Brachiaria brizantha cultivar Marandu (Braquiarão) e Hyparrhenia rufa (Jaraguá), com água e sal mineral (fósforo 8.15%) ad libitum. Foram avaliados no dia do parto, 6 a 8 (7); 12 a 16 (14); 19 Received: 04/10/12 Accepted: 20/02/14 848 Dinâmica da involução... CANABRAVA, A. C. M. N et al Biosci. J., Uberlandia, v. 30, supplement 2, p. 847-855, Oct./14 a 23 (21); 26 a 30 (28) e, 40 a 44 (42) dias pós-parto (dpp). Em cada momento foram realizados o exame físico geral, exame ginecológico e a citologia endometrial. Exame físico geral O exame físico geral foi procedido de acordo com o recomendado por Feitosa (2008), no qual se avaliaram: temperatura retal (T ºC); frequência cardíaca (FC); frequência respiratória (FR), frequência ruminal (FRum) e escore de condição corporal (ECC). Classificou-se com escore de 1 a 5 a condição corporal (ECC), segundo Ferreira (1990). Exame ginecológico No exame ginecológico foi feito a inspeção de vulva, palpação retal, ultrassonografia, vaginoscopia e coleta de muco vaginal. Realizou-se a inspeção da vulva em relação à coloração e presença ou não de lesão. No exame de palpação retal foi observada a localização do útero, classificado de acordo com sua presença na cavidade abdominal, transição ou pélvica. No exame ultrassonográfico, com o aparelho de ultrassom (DP-2200VET®, Mindray, Shenzhen, China) equipado com transdutor retal linear de 5-10 MHz, foram avaliados: ecogenicidade e diâmetro de corpo uterino (aferido imediatamente após a cérvix), cornos uterinos e presença ou não de corpo lúteo no ovário. A taxa de ciclicidade foi definida como o percentual de vacas que em algum período (D14, D21, D28 ou D42) apresentaram corpo lúteo no ovário. Após a avaliação ultrassonográfica, procedeu-se a vaginoscopia com auxílio de espéculo tubular para bovinos, previamente esterilizado, avaliando a coloração (rósea clara, rósea, hiperêmica e vermelho patológica) e presença de lesões na vagina e óstio cervical externo. Por último, colheu-se secreção vaginal conforme técnica descrita por Williams et al. (2005), com prévia limpeza da vulva com papel toalha, em seguida, introduziu-se a mão enluvada no interior da vagina, removendo o conteúdo presente no assoalho desta. A classificação foi feita em relação ao odor (inodoro ou fétido) e coloração e proporção do conteúdo: (1) secreção limpa e translúcida; (2) secreção sanguinolenta; (3) secreção achocolatada; (4) secreção limpa com flocos de pus; (5) secreção mucopurulenta, conteúdo de <50 mL de secreção com <50% de pus; (6) secreção purulenta, conteúdo de >50 mL de secreção com >50% de pus. Citologia endometrial As amostras para a citologia endometrial (CE) foram colhidas pela técnica de escova endometrial (cytobrush) (KAUFMANN et al., 2009). A escova cervical humana foi adaptada e inserida em aplicador universal de sêmen para a passagem através da cérvix. A vulva foi higienizada com papel-toalha. Após a passagem do aplicador pela cérvix, chegou-se até a base do corpo uterino, onde o aplicador foi retraído expondo a escova, que entrou em contato com o endométrio, rotacionou-a em sentido horário, protegeu novamente dentro do aplicador e removeu. Após, com a secreção presente na escova, foi confeccionado o esfregação em lâmina previamente identificada e transportado para o laboratório de Análises Clínicas do Hospital Veterinário da Universidade Federal de Uberlândia, onde foi corado pelo método de May-Grunwald Giemsa (VALLADA, 1999). Depois das lâminas secas, estas foram submetidas à avaliação microscópica. A análise da CE foi realizada pela avaliação do percentual de polimorfonucleares, a partir da contagem de 200 células, no aumento de 1000x, em microscópio óptico. A leitura foi feita por dois observadores e considerado a presença de mais de 5% de neutrófilos (GILBERT et al. 2005) para o diagnóstico de endometrite citológica aos 42 dpp. Análise estatística A análise estatística foi realizada com o programa estatístico Minitab 16 (Minitab Inc, Pensylvania, USA) e GraphPad InStat - versão 5.00 (GraphPad Software), utilizando a média, desvio- padrão e porcentagem para apresentação da estatística descritiva. A avaliação das variáveis com distribuição normal (temperatura, frequência cardíaca, frequência respiratória, frequência ruminal, diâmetro de corpo uterino, diâmetro de corno direito e esquerdo) foi submetido à Análise de Variância (ANOVA), sendo o contraste das médias analisadas pelo teste de Comparação de Tukey- Kramer. As variáveis que não obedeceram à distribuição normal (coloração e lesão da vulva, óstio externo do útero e vagina; ecogenicidade e localização do útero e, odor da secreção uterina,) foram analisadas pelo teste de Kruskal-Wallis (Anova não-paramétrica) e o ECC pelo teste de Friedman, com o pós-teste de Comparação Múltipla de Dunn’s. Todos os testes com níveis de significância menor ou igual a 5% (P<0,05). 849 Dinâmica da involução... CANABRAVA, A. C. M. N et al Biosci. J., Uberlandia, v. 30, supplement 2, p. 847-855, Oct./14 RESULTADOS E DISCUSSÃO No presente estudo não houve variação da FC e, a TºC e FR permaneceram no limite superior descrito por Feitosa (2008), variando entre 72,3 ± 9,3 e 80,8 ± 11,1 batimentos por minuto (bpm), 39,1 ± 0,7 e 39,7 ± 0,4 °C e 25,9 ± 5,3 e 31,9± 6,3 movimentos por minuto (mpm), respectivamente (Tabela 1), sendo a FC e T°C mais elevadas no dia do parto devido, provavelmente, ao estresse e ao manejo de contenção dos animais para avaliação, já que esses eram criados em sistema extensivo. A frequência ruminal variou no puerpério entre 3,1 ± 0,9 a 4,0 ± 1,0 movimentos avaliados durante três minutos (mov/3’) (Tabela 1). Feitosa (2008) e Dirkisen, Grunder e Stöber (1993) descrevem como normal para bovinos de sete a 12 movimentos ruminais no período de cinco minutos. No momento do parto não houve atonia ruminal em nenhum animal, porém os valores estavam próximos ao limite inferior. Em todos os ruminantes há redução fisiológica da FRum no parto devido à ingestão de alimentos que diminui nas últimas 3 semanas da gestação e se acentua no parto (DIRKSEN; GRUNDER; STOBER, 1993; SANTOS, 2006). Esta redução da motilidade ruminal tem efeito negativo no pH, microflora e fermentação do rúmen, principalmente, em animais confinados e de alta produção leiteira (RADOSTITIS et al., 2002; SANTOS, 2006). Tabela 1. Escore de condição corporal, frequência cardíaca (FC), frequência ruminal (Frum), temperatura corporal (TºC) e frequência respiratória (FR) no dia do parto e nos dias 7, 14, 21, 28 e 42 pós-parto em vacas da raça Guzerá. Lassance - MG. Características parto Dias pós-parto 6 a 8 (7) 12 a 16(14) 19 a 23 (21) 26 a 30 (28) 40 a 44 (42) ECC 2,8 ± 0,3a 2,8 ± 0,35a 2,8 ± 0,4a 2,8 ± 0,3a 2,8 ± 0,4a 2,7 ± 0,4a FC (bpm) 80,8 ± 11,1a 80,7 ± 7,9a 80,2 ± 11,5a 76,6 ± 12,1a 78,4 ± 8,5a 72,3 ± 9,3a Frum (mov/3’) 3,4 ± 0,9ab 3,5 ± 1,2ab 3,1 ± 0,9a 3,7 ± 0,9ab 4,0 ± 0,8b 4,0 ± 1,0b TºC 39,7 ± 0,4a 39,4± 0,4ab 39,1 ± 0,7b 39,1± 0,7ab 39,2 ± 0,7b 39,3 ± 0,9b FR (mpm) 25,9 ± 5,3a 27,6± 5,5ab 31,6 ± 5,4b 30,5 ± 4,2b 30,8± 5,0ab 31,9± 6,3ab Nota: Letras minúsculas diferentes nas linhas indicam diferença estatística (p<0,05) O ECC não variou na evolução do puerpério, com vacas apresentando médias entre 2,7 ± 0,4 a 2,8 ± 0,4 e classificadas como escore bom (FERREIRA, 1990). Vieira et al. (2005) descreveram que a condição corporal para vacas da raça Nelore pluríparas deve ser acima de 3,0 e para primíparas igual ou superior a 3,5 para apresentarem taxas elevadas de prenhez. Os animais mantiveram a média de ECC do parto, provavelmente devido à adequada disponibilidade de pastagem na época de condução do experimento e suplementação com sal mineral, além de vacas de corte não apresentarem significativo balanço energético negativo como ocorre nos rebanhos leiteiros. Pela avaliação ultrassonográfica observou- se a redução gradativa do diâmetro do corpo e cornos uterinos no pós-parto, sendo marcante a involução ocorrida entre os dias 14 e 21 pós-parto. E a partir do dia 21 pós-parto não houve mais variação no diâmetro, sugerindo que a partir da terceira semana ocorreu a involução uterina macroscópica (Tabela 2). Matheus et al. (2002) relataram que a avaliação do corpo uterino é um método confiável no diagnóstico de distúrbios da involução uterina. Tabela 2. Diâmetro de corpo uterino, corno esquerdo e corno direito nos dias 14, 21, 28 e 42 pós-parto, em vacas da raça Guzerá. Lassance – MG. Dias pós-parto 12-16 (14) 19-23 (21) 26-30 (28) 40-44 (42) Corpo 23,1 ± 6,6a 19,1 ± 5,3b 17,7 ± 3,9b 19,7 ± 2,7b Corno Esq. 18,2 ± 5,1a 15,1 ± 2,7ab 14,5 ± 3,5b 12,6 ± 3,1b Corno Dir. 18,2 ± 3,6a 15,2 ± 2,1b 13,2 ± 1,9b 13,2 ± 2,6b Nota: Letras minúsculas diferentes nas linhas indicam diferença estatística (p<0,05) 850 Dinâmica da involução... CANABRAVA, A. C. M. N et al Biosci. J., Uberlandia, v. 30, supplement 2, p. 847-855, Oct./14 Foi observado na primeira semana pós-parto que 15,4% das vacas apresentaram o útero na cavidade pélvica, 38,5% na transição entre cavidade pélvica e abdominal e 46,2% na cavidade abdominal; na 2º semana 91,4% dos úteros estavam posicionados na cavidade pélvica e a partir da 3° semana a totalidade dos animais já apresentavam o útero em posição pélvica (Gráfico 1-A). No presente estudo as vacas Guzerá apresentaram involução uterina mais precoce do que o observado por González Sánchez, Bianchini Sobrinho e Gonçalves (1999), na raça Gir Leiteiro, onde o útero das vacas permaneceu na cavidade abdominal em 95% dos animais na 1º semana pós-parto, 91,85% na segunda semana pós-parto e 17,1% aos 43 dpp. Não houve diferença no aspecto ultrassonográfico do fluido intra-uterino a partir dos 14 dpp (Gráfico 1-B), sendo encontrado conteúdo hipoecóico na maior parte das vacas pós-parto e em menor porcentagem o conteúdo hiperecóico. Vários fatores podem interferir fisiologicamente no tempo de involução uterina como o número de partos (GONZÁLEZ SÁNCHES; BIANCHINI SOBRINHO; GONÇALVES, 1999; VASCONCELOS et al., 1993; EDUVIE 1985; MORROW et al., 1969), interferência de fatores hormonais (MORROW et al., 1969) e situações patológicas como distocias, retenção de placenta e distúrbios metabólicos (GEIR; MARION, 1968; MARION et al., 1968; MORROW et al., 1966). No presente experimento, nenhum animal apresentou alteração sistêmica e problemas uterinos como retenção de placenta, metrite e endometrite clínica no período avaliado. Sabe-se que a involução uterina total ou completa consiste, além da redução do tamanho físico, a necrose e eliminação das carúnculas, que normalmente ocorrem até os 12 dpp e leva a grande involução do útero nas primeiras três semanas pós- parto. A partir deste período inicia-se a regeneração do endométrio, que se completa após a 6º e 8º semanas pós-parto (SHELDON et al., 2008). Gier e Marion (1968); Marion et al. (1968); Morrow et al. (1966) descrevem a involução uterina fisiológica completa acontecendo entre os 30 e 40 dpp. Gráfico 1. Involução uterina em vacas da raça Guzerá: localização uterina, características do fluido intra- uterino (FIU), odor e características da secreção vaginal – Lassance – MG. Nota: Letras minúsculas diferentes nas colunas indicam diferença estatística (p<0,05). Os métodos mais comuns do diagnóstico de infecções uterinas a campo são a palpação retal, vaginoscopia e ultrassonografia (LEWIS, 1997). A vaginoscopia pode predizer infecções uterinas em 59-82% dos casos (WILLIAMS et al., 2005), por meio da avaliação da presença de pus e odor na secreção vaginal, podendo assim constatar a severidade destas infecções (WILLIAMS et al., 851 Dinâmica da involução... CANABRAVA, A. C. M. N et al Biosci. J., Uberlandia, v. 30, supplement 2, p. 847-855, Oct./14 2005; LeBLANC et al., 2002; SHELDON et al., 2002). Os resultados obtidos no gráfico 1-D mostram padrão de secreção similar ao relatado por Prestes e Landim-Alvarenga (2006) que descrevem que o lóquio apresenta coloração sanguinolenta até o 3º dpp e entre o 7º e 14º dpp é misturado a uma quantidade crescente de sangue, proveniente de hemorragias. Aos 30 dpp o lóquio desaparece totalmente, ocorrendo restabelecimento total do tecido caruncular materno. Na presente pesquisa, registrou-se uma queda linear na porcentagem de animais com secreções muco-sanguinolentas a partir do 7º dpp, já a secreção muco-achocolatada aumentou até o 14º e apresentou queda até o final do 42º dpp. Os autores entendem que este aspecto de secreção muco-achocolatada seja uma mistura de sangue, secreções placentárias e pus, sendo uma das variações de colorações possíveis e frequente do lóquio. Aos 7 dpp, 15,4% das vacas apresentaram secreção vaginal com menos de 50% de pus e 23,1% de vacas com secreção apresentando flocos de pus, e que desapareceram aos 28 e 42 dpp, respectivamente. Estes resultados estão de acordo com Sheldon et al. (2006); Griffin, Hartigan e Nunn (1974) e Elliot et al. (1968) que descrevem a contaminação bacteriana uterina em todas as vacas no pós-parto como natural e, a qual é eliminada gradativamente no decorrer do puerpério. O odor fétido esteve presente somente no 7º dpp (30,8%), enquanto nos outros dias de avaliação 100% das vacas apresentaram muco inodoro (Gráfico 1-C). Prestes e Landim-Alvarenga (2006) relataram que no momento da passagem do feto há três pontos críticos: a vulva, o anel himenal e a cérvix, que juntamente com a vagina, vestíbulo vaginal e ligamentos sacro-isquiáticos constituem a via fetal mole; portanto, as lesões e colorações de mucosas alteradas no pós-parto se justificam devido ao próprio trauma na parição. No presente estudo, no dia do parto, verificou-se apenas a presença de lesões na região de vulva e vestíbulo vaginal, com 100% dos animais apresentando lesões na região dorsal do vestíbulo vaginal. Esta lesão é bem característica e também presente no parto de outras raças bovinas (Figura 1-A, 1-B), nas observações de campo dos autores. A partir do 7º dpp, com o auxílio de espéculo vaginal constatou-se a presença das lesões na mucosa vaginal e óstio externo do útero (Gráfico 2-A, 2-B, 2-C) que com a evolução do puerpério foram cicatrizando. Figura 1. Imagens de vulva e vestíbulo vaginal de vacas da raça Guzerá no dia do parto (A, B) e aos 42 dias pós-parto (C). As colorações da mucosa vulvar, vestíbulo vaginal, vaginal e do óstio externo da cérvix apresentaram rápido retorno à normalidade, acompanhando o processo cicatricial, assumindo a coloração rósea já predominante no 7º dpp. Foram observadas vacas com coloração rósea clara de vagina e óstio externo da cérvix, porém consideradas dentro do padrão fisiológico (Gráfico 2-D, 2-E, 2F). O processo cicatricial ocorreu de acordo com Griffin, Hartign e Nunn (1974) que observaram que a cicatrização destas estruturas acontece no decorrer do puerpério, até os 15º dpp, dependendo da infecção uterina bacteriana que pode acometer até 95% dos animais nesta fase. 852 Dinâmica da involução... CANABRAVA, A. C. M. N et al Biosci. J., Uberlandia, v. 30, supplement 2, p. 847-855, Oct./14 Gráfico 3. Involução uterina em vacas da raça Guzerá: presença de lacerações e coloração de vulva, vestíbulo vaginal, vagina e óstio cervical externo – Lassance - MG. Nota: Letras minúsculas diferentes nas colunas indicam diferença estatística (p<0,05) No exame de citologia endometrial, de amostras coletadas aos 42 dpp, todas as vacas apresentaram contagem de neutrófilos inferior a 5%, determinando a ausência de endometrite citológica (GILBERT et al., 2005). Este resultado foi bem inferior aos reportados por outras pesquisas com gado de corte por Mendes et al. (2010) que encontraram incidência de endometrite citológica, considerando a contagem de neutrófilos maior que 10%, de 18% em vacas primíparas da raça Nelore (42 ± 6 dpp) e 10% em vacas multíparas (44 ± 8 dpp) e concluíram que a presença de endometrite citológica não afetava a taxa de prenhez. Santos et al. (2008) trabalharam com 137 vacas paridas de corte, da raça Angus, entre 2 e 87 dpp, e encontraram 40% de endometrite citológica, ao considerar a contagem de neutrófilos maior que 5%, sendo a prevalência de 34% nas vacas entre 24- 57dpp. A ovulação precoce pode ter contribuído para a inexistência da endometrite citológica ocorrida nas vacas deste experimento, pois, segundo Sheldon et al. (2008) as bactérias e seus subprodutos, afetam não só a capacidade do útero em suportar um embrião, mas também a função ovariana, ou seja, está relacionada com aumento da fase lútea e falha de ovulação do animal. No presente estudo entre o 14º e 21º dpp, 26,3% das vacas apresentavam corpo lúteo em um dos ovários, entre o 28º e 42º dpp o número foi ampliado para 31,6% e verificou-se aos 42 dpp uma taxa de ciclicidade de 42,1%. CONCLUSÃO As vacas da raça Guzerá, neste experimento, apresentaram involução uterina macroscópica aos 21 dias pós-parto, taxa de ciclicidade de 42,1% e ausência de endometrite citológica aos 42 dias pós- parto. ABSTRACT: The objective was to characterize the dynamic of physiological process of uterine involution in Guzerá cows. Nineteen cows were accompanied in physiological postpartum period, in six moments, partum and 7, 14, 21, 28 and 42 days in milk (DIM), which were evaluated the vital parameters, body condition score, gynecological examination, ultrasound assessment and evaluation of characteristics and odor of vaginal discharge. It was also collected samples for endometrial cytology by a cytobrush technique at 42 DIM. It was observed that at 21 DIM, showed 100% of the uterine up in the pelvic cavity, with a size compatible to the normal body. Cows didn’t have cytological endometritis at 853 Dinâmica da involução... CANABRAVA, A. C. M. N et al Biosci. J., Uberlandia, v. 30, supplement 2, p. 847-855, Oct./14 42 DIM, this data is the smallest found in the literature for breeds of beef cattle, and cows had a rate cyclicality of 42.1% at 42 DIM. KEYWORDS: Bos taurus indicus. Bovine. Endometrial cytology. Puerperium. Ultrasonography. REFERÊNCIAS DIRKSEN, G.; GRÜNDER, H-D.; STÖBER, M. Rosenberger - Exame clínico dos bovinos. 3.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S. A., 1993. 419p. EDUVIE, L. O. Factors affecting postpartum ovarian activity and uterine involution in Zebu cattle indigenous to Nigeria. Animal Reproduction Science, Amsterdam, NL, v. 8, n. 1, p. 123-128, fev.1985. ELLIOT, L.; MCMAHON, K. J.; GIER, H. T.; MARION, G. B. Uterus of the cow after parturition: bacterial content. 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