Microsoft Word - 34-Bio_21914 1241 Original Article Biosci. J., Uberlandia, v. 30, n. 4, p. 1241-1251, July/Aug. 2014 ONTOGÊNESE FOLIAR EM Lavoisiera mucorifera MART. & SCHRANK EX DC. (Melastomataceae) LEAF ONTOGENESIS IN Lavoisiera mucorifera MART. & SCHRANK EX DC. (Melastomataceae) Kleber Resende SILVA1; Denis Coelho de OLIVEIRA2 1. Pós-graduando, Programa de Pós Graduação em Biologia Vegetal, Universidade Federal de Uberlândia - UFU, Uberlândia, MG, Brasil; 2. Professor Adjunto, Instituto de Biologia – UFU, Uberlândia, MG, Brasil. denisoliveira@inbio.ufu.br RESUMO: A ontogênese foliar associada a análises histométricas podem fornecer respostas conclusivas sobre a obtenção da forma da folha, assim como detalhes estruturais que podem ser usados como subsídio taxonômico para Melastomataceae. Assim, o objetivo deste estudo foi descrever a ontogenia foliar de Lavoisiera mucorifera, elucidando os processos de origem e desenvolvimento dos tecidos e formato das folhas. Folhas de diferentes estágios de desenvolvimento foram coletadas e processadas conforme técnicas usuais em anatomia vegetal. No primeiro nó nota-se a origem da lâmina a partir dos meristemas marginais e submarginais, bem como diferenças nos processos de divisão e expansão celular nas regiões mediana e apical, que proporcionam o formato lanceolado da folha. A partir do segundo nó observa-se que o sistema fundamental origina-se a partir das camadas adaxial, mediana e abaxial do mesofilo. Nos terceiro e quarto nós observa-se principalmente a formação de nervuras de terceira e quarta ordens. A partir do quinto nó, os tecidos estão completamente diferenciados sendo observados os caracteres: folhas isolaterais, cutícula espessa, epiderme unisseriada, estômatos anomocíticos, além de drusas e células esclerênquimáticas no mesofilo. Nossos resultados complementam os poucos estudos anatômicos na família, especialmente ao descrever a morfologia e desenvolvimento das emergências e tricomas. PALAVRAS-CHAVE: Anatomia foliar. Emergências. Histogênese. Tricomas. INTRODUÇÃO O processo de desenvolvimento vegetal envolve uma série de eventos entre divisões ordenadas e aumento de volume que culminam na forma do tecido e consequentemente do órgão (OBROUCHEVA, 2008). Em geral, o sentido das divisões e alongamento celulares determina a forma do órgão vegetal (STEEVES; SUSSEX, 1989; OBROUCHEVA, 2008). A ontogênese foliar associada a análises histométricas podem fornecer tanto respostas conclusivas sobre a obtenção da forma da folha, assim como detalhes estruturais que podem ser usados como subsídio taxonômico para Melastomataceae. Desta forma, é importante destacar que as folhas desta família são opostas ou opostas cruzadas, com lâminas geralmente pilosas, inteiras, lanceoladas, ovadas ou oblongas, com margem inteira ou serreada e três a nove nervuras acródomas (METCALFE; CHALK, 1950; BARROSO, 1984; DAHLGREN; THORNE, 1984). As folhas são, em geral, dorsiventrais, sendo que, na região da nervura central, a face adaxial é plana, sulcada ou arredondada, enquanto que a face abaxial é geralmente arredondada, como observado também para a maioria dos representantes de Myrtales, ordem a qual a família pertence (KEATING, 1984). Melastomataceae apresenta cerca de 5.000 espécies distribuídas em 200 gêneros com distribuição predominatemente pantropical (SOUZA; LORENZI, 2012). Esta família é uma das principais da flora brasileira, com 67 gêneros e 1.337 espécies (BAUMGRATZ et al., 2013). Seus representantes ocorrem em diversas formações vegetacionais, desde a Amazônia até o Rio Grande do Sul (ROMERO; MARTINS, 2002). Nos estudos anatômicos de Melastomataceae destaca-se a presença de tricomas e emergências foliares (REIS et al., 2004; REIS et al., 2005; MILANEZ; MACHADO, 2008; CASSIANO et al., 2010; MILANEZ; MACHADO, 2011; SOMAVILLA; GRACIANO-RIBEIRO, 2011). Estas estruturas, que compõem o indumento de muitas espécies da família, são caracterizadas pela sua origem. Enquanto os tricomas se originam a partir da protoderme, as emergências possuem uma origem mista entre protoderme e sistema fundamental (THEOBALD et al., 1979; MILANEZ; MACHADO, 2008). A folha constitui um órgão de grande importância funcional para a planta (TSUKAYA, 2006; TAIZ; ZEIGER, 2009), sendo que seu formato e constituição tecidual contribuem à capacidade adaptativa das espécies. Desta forma, a distribuição dos tecidos e o padrão de divisão e alongamento celular estabelecem o formato e extensão da lâmina foliar (LIJSEBETTENS; CLARKE, 1998; SINHA, 1999; TSUKAYA, 2006). Received: 07/03/13 Accepted: 05/02/14 1242 Ontogênese foliar em Lavoisiera mucorifera... SILVA, K. R.; OLIVEIRA, D. C. Biosci. J., Uberlandia, v. 30, n. 4, p. 1241-1251, July/Aug. 2014 Embora a literatura já mostre em um contexto mais amplo as características anatômicas foliares na família (DAHLGREN; THORNE, 1984; KEATING, 1984), importantes aspectos do desenvolvimento são ainda pouco explorados, por exemplo: como ocorre a histogênese dos tecidos na lâmina foliar? Quais são os padrões de divisão e expansão celular durante este precesso? Quais os processos anatômicos que determinam a forma da folha? Com base no contexto apresentado e somado ao fato de serem poucos os estudos que abordam o processo de histogênese em Melastomataceae, o presente estudo teve como objetivo descrever a ontogenia foliar de Lavoisiera mucorifera Mart. & Schrank ex DC., espécie que apresenta ampla diversidade de indumento, relacionando os processos de origem e desenvolvimento dos tecidos ao estabelecimento da forma das folhas. MATERIAL E MÉTODOS Área de coleta Ramos de L. mucorifera (Figura 1A e B) foram coletados nas coordenadas 18º 11ʼ 15.1” S e 43º 37ʼ 11.1” W em áreas de campo rupestre no Parque Estadual do Biribiri, município de Diamantina, Minas Gerais, Cadeia do Espinhaço e depositados no Herbarium Uberlandense (HUFU), da Universidade Federal de Uberlândia sob número de registro 63670. A espécie, pertencente à tribo Microlicieae, apresenta ramos frondosos, recobertos por pequenas folhas sésseis de filotaxia oposta e formato lanceolado ou oblongo-lanceolado (COGNIAUX, 1883-1885). Figura 1. Lavoisiera mucorifera. A) Ramo em estágio reprodutivo. B) Ramo em estágio vegetativo. C) Seção longitudinal do ápice caulinar evidenciando a disposição das folhas. D) Seção longitudinal mostrando os primeiros primórdios foliares. (a = primórdio em estágio de iniciação; b = formação de um eixo axial – filopódio; setas = indumento). Barras: 500 µ m = C; 100 µ m = D. Análises anatômicas Ramos em estágio vegetativo, portando folhas de diferentes estágios de desenvolvimento, incluindo o ápice caulinar da planta até folhas adultas e completamente expandidas, foram fixados em FAA 50 (JOHANSEN, 1940) e conservados em álcool etílico 70%. Folhas dispostas do primeiro ao décimo nós foram desidratadas em série etílica e posteriormente transferidas para uma solução de pré-infiltração e infiltração em historesina, seguindo-se as normas do fabricante (Leica®). Foram feitos cortes transversais, longitudinais e paradérmicos em micrótomo rotativo, nas regiões medianas da lâmina. Os cortes foram corados com azul de toluidina (O´BRIEN et al., 1964) e montados em lâminas histológicas permanentes com Verniz vitral incolor 500® (PAIVA et al., 2006). As 1243 Ontogênese foliar em Lavoisiera mucorifera... SILVA, K. R.; OLIVEIRA, D. C. Biosci. J., Uberlandia, v. 30, n. 4, p. 1241-1251, July/Aug. 2014 imagens foram obtidas em fotomicroscópio Zeiss® e programa DPController. Para a caracterização da morfologia e da distribuição do indumento foliar, folhas totalmente expandidas foram diafanizadas conforme a técnica de Bersier e Bocquet (1960, apud Kraus; Arduim, 1997) sem uso de hidróxido de amônio. Análises histométricas As análises da área celular, comprimento e largura das células: da protoderme e epiderme e do parênquima (camadas adaxial, mediana e abaxial e parênquima paliçádico e lacunoso) foram quantificadas em secção transversal (n = 50). Os valores para média e desvio padrão foram obtidos de folhas de cada nó analisado para a construção de gráficos referentes aos diferentes tecidos. No primeiro nó foi quantificada a região mediana e apical da folha. As medidas foram realizadas usando o software ImageJ® e os dados submetidos a ANOVA, seguida pelo teste de Tukey (p ≤ 0,05). RESULTADOS E DISCUSSÃO Desenvolvimento foliar No primeiro nó observa-se o primórdio foliar em estágio de iniciação (Figura 1C, D), onde ocorrem as divisões periclinais, seguidas por divisões anticlinais (FAHN, 1990; BECK, 2005). Segundo Fahn (1990), com contínuas divisões celulares, os primórdios passam ao estágio de diferenciação inicial, formando uma protuberância no ápice caulinar. Posteriormente, estas divisões formariam um eixo axial (Figura 1D), denominado filopódio por Beck (2005) e que corresponderia ao estágio 3 descrito por Fahn (1990). No primeiro nó, em secção transversal, observa-se que o ápice foliar é estreito (Figura 2A e B) quando comparado à região mediana (Figura 2C), proporcionando o formato lanceolado da folha, comum entre muitos representantes da família (METCALFE; CHALK, 1950; BARROSO, 1984). Nesta região mediana, as iniciais marginais e submarginais começam a se dividir e formar a lâmina foliar (Figura 2C). Este processo é menos intenso no ápice, onde as células alongam menos. No sistema fundamental, a expansão celular é maior na região mediana e as células possuem formato isodiamétrico com expansão mais uniforme. Figura 2. Esquema representando a expansão diferencial na lâmina foliar de Lavoisiera mucorifera. A) Lâmina foliar, de formato lanceolado, recoberta por tricomas e emergências. B) Secção transversal do ápice foliar. C) Secção transversal da região mediana. (Fv = feixe vascular; MAb = meristema abaxial; MM = meristema marginal; Círculo tracejado = procâmbio). Barras: 1mm = A; 50 µ m = B, C. Os valores de expansão celular estão expressos na Tabela 1 e são marcantes no quarto estágio de desenvolvimento foliar, definido por Fahn (1990) como o início do desenvolvimento da lâmina. Ainda de acordo com Beck (2005), este estágio é marcado pela ação da blastozona (meristemas marginais), promovendo a divisão e alongamento das células. 1244 Ontogênese foliar em Lavoisiera mucorifera... SILVA, K. R.; OLIVEIRA, D. C. Biosci. J., Uberlandia, v. 30, n. 4, p. 1241-1251, July/Aug. 2014 Tabela 1. Análise histométrica em diferentes regiões da lâmina foliar do 1º nó em Lavoisiera mucorifera (média em µ m ± desvio padrão; Ab = face abaxial; Ad = face adaxial; Ep = epiderme; PL = parênquima lacunoso; PP = parênquima paliçádico). Região Medidas Ep (Ab) Ep (Ad) PP (Ab) PP (Ad) PL Ápice Área 94,1±33,7 82,3±33,2 33,4±11,7 38,0±11,9 55,6±17,9 Comprimento 10,1±2,1 10,0±1,3 7,6±1,4 10,5±2,1 8,3±1,9 Largura 9,7±2,8 9,7±2,9 5,7±1,7 4,0±1,4 6,9±1,7 Região mediana Área 127,3±45,2 135,7±42,0 77,8±22,2 72,1±18,2 104,8±26,5 Comprimento 10,0±1,8 10,8±2,0 10,3±2,3 13,3±2,3 10,2±2,0 Largura 10,7±3,1 12,2±2,9 5,4±1,3 4,7±1,3 9,7±2,4 As folhas de L. mucorifera, em secção transversal, se sobrepõem e vão expandindo sucessivamente ao longo dos nós (Figura 3A), formando a filotaxia oposta, característica da espécie (COGNIAUX, 1883-1885) e de muitas outras Melastomataceae (METCALFE; CHALK, 1950; BARROSO, 1984; DAHLGREN; THORNE, 1984). No primeiro nó, os tecidos estão em formação, assim, podemos observar que as células estão se diferenciando, como mostrado na Figura 3B. Ainda neste nó, na região mediana, observam-se as células iniciais de procâmbio (Figura 2C) que formarão as nervuras de segunda ordem. No segundo nó, nota-se que as nervuras de segunda ordem já se formaram e a nervura central, proeminente na face abaxial, apresenta colênquima angular (Figura 3C e E). A formação deste tecido se dá em decorrência da atividade do meristema fundamental da camada abaxial, proporcionando o formato arredondado da nervura, como observado em diversos representantes de Melastomataceae e nas Myrtales de modo geral (KEATING, 1984). Nota-se também que a folha apresenta-se sulcada na face adaxial na região da nervura central (Figura 3A e C), o que é comum na família (KEATING, 1984). Figura 3. Desenvolvimento foliar nos quatro primeiros nós de Lavoisiera mucorifera em secções transversais. A) Aspecto geral. B) Detalhe de estômato em diferenciação. C – E) Segundo nó. C) Aspecto geral evidenciando a folha em expansão e formação de nervuras de segunda ordem. D) Detalhe na região da lâmina mostrando as camadas que constituem o mesofilo em diferenciação. E) Detalhe na região da nervura central. F – G) Detalhe na região da lâmina em folhas de terceiro e quarto nós, respectivamente. (Ab = camada abaxial; Ad = camada adaxial; C = colênquima; F = floema; Fv = feixe vascular; Me = Camada mediana; X = Xilema; Círculo tracejado = procâmbio; Ponta de seta = nervuras secundárias; Seta = estômatos). Barras: 200 µm = A; 50 µ m = C – G; 25 µ m = B. 1245 Ontogênese foliar em Lavoisiera mucorifera... SILVA, K. R.; OLIVEIRA, D. C. Biosci. J., Uberlandia, v. 30, n. 4, p. 1241-1251, July/Aug. 2014 A partir do segundo nó (Figura 3D) percebe-se que os estômatos já estão diferenciados, porém, com câmaras subestomáticas pouco desenvolvidas. O mesofilo apresenta camada adaxial unisseriada com células alongadas anticlinalmente (Figuras 3D e 4K), camada mediana formada por três a quatro camadas de células (Figura 3D), além de células do procâmbio de nervuras de terceira e quarta ordens (Figura 3E) e camada abaxial unisseriada com células ligeiramente alongadas anticlinalmente (Figuras 3D e 4H). Os feixes vasculares formados são do tipo colateral (Figura 3E), assim como observado para Lavoisiera bergii Cogn. (SOMAVILLA; GRACIANO-RIBEIRO, 2011). Segundo Keating (1984), em Melastomataceae os feixes vasculares, geralmente, são colaterais ou bicolaterais. Figura 4. Crescimento tecidual e diferenciação celular em Lavoisiera mucorifera em nós de diferentes estágios de desenvolvimento. A – C) Célula epidérmica na face abaxial. D – F) Célula epidérmica na face adaxial. G – I) Célula no parênquima paliçádico na face abaxial. J – K) Célula no parênquima paliçádico na face adaxial. M – O) Célula no parênquima lacunoso. A, D, G, J e M) Área. B, E, H, K e N) Comprimento e largura. C, F, I, L e O) Esquema de diferenciação celular. (Eixo X representa os nós analisados; Eixo Y em µ m; Média = valor médio para cada nó; Desvio = desvio padrão). Nos terceiro e quarto nós, observa-se principalmente a formação das nervuras de terceira (Figura 3F) e quarta ordens (Figura 3G). A partir do quinto nó as câmaras subestomáticas e idioblastos, contendo cristais de oxalato de cálcio do tipo drusa, se tornam conspícuos (Figura 5A e B). Os cristais, frequentes nos representantes de Melastomataceae (DAHLGREN; THORNE, 1984; KEATING, 1984), 1246 Ontogênese foliar em Lavoisiera mucorifera... SILVA, K. R.; OLIVEIRA, D. C. Biosci. J., Uberlandia, v. 30, n. 4, p. 1241-1251, July/Aug. 2014 podem apresentar diversas funções à planta, como, osmorregulação e balanço iônico, armazenamento de cálcio ou oxalato, suporte mecânico e proteção contra herbivoria (FRANCESCHI; NAKATA, 2005). Os estômatos observados em L. mucorifera são do tipo anomocítico (Figura 5C) estando de acordo com o padrão observado para muitos representantes de Melastomataceae e de Myrtales (DAHLGREN; THORNE, 1984; KEATING, 1984). Entretanto, outros tipos de estômatos podem ocorrer na família, como em L. bergii que apresenta estômatos dos tipos diacítico e anisocítico (SOMAVILLA; GRACIANO-RIBEIRO, 2011). Figura 5. Desenvolvimento foliar de Lavoisiera mucorifera do quinto ao décimo nós em seccões transversais. A – C) Quinto nó. D) Sexto ao oitavo nós. E) Nono e décimo nós. A, D e E). Detalhe na região da lâmina. B) Detalhe do idioblasto. C) Secção paradérmica evidenciando os estômatos anomocíticos. (D = drusa; Es = células esclerenquimáticas; Fv = feixe vascular; P = células parenquimáticas; PL = parênquima lacunoso; PP = parênquima paliçádico; Asterisco = Câmaras subestomáticas; Setas = estômatos). Barras: 50 µ m = A, C – E; 25 µ m = B. Observa-se ainda, a partir do quinto nó (Figura 5A, D e E), que o mesofilo apresenta parênquima paliçádico voltado às faces adaxial e abaxial caracterizando suas folhas como isolaterais, assim como em Microlicia hatschbachii Wurdack (CASSIANO et al., 2010), M. polystemma Naudin (REIS et al., 2005) e L. bergii (SOMAVILLA; GRACIANO-RIBEIRO, 2011), espécies pertencentes a mesma tribo, Microlicieae. Contudo, o parênquima paliçádico da camada abaxial vai se tornando mais frouxo e interrompido pelas câmaras subestomáticas (Figura 5A, D e E). Observa-se também, grupos de células parenquimáticas (Figura 5A) próximos às faces abaxial e adaxial, se diferenciando em esclerênquima (Figura 5E). Este tecido contribui na sustentação (SCATENA; SCREMIN-DIAS, 2012) das folhas expandidas. As folhas isolaterais e a presença de tecido de sustentação observados em L. mucorifera são comuns em plantas adaptadas a ambientes com escassez de água (MENEZES et al., 2012), contribuindo para seu estabelecimento nos campos rupestres. Após o desenvolvimento completo das folhas (Figura 5E) nota-se que a epiderme é unisseriada e recoberta por cutícula espessada, sendo que na face adaxial as células epidérmicas comuns são levemente maiores do que aquelas na face abaxial (Figura 4A e D). Estas características são normalmente encontradas em representantes da família (KEATING, 1984). Observa-se ainda que as folhas são anfiestomáticas (Figura 5E). Nossos resultados para as características da epiderme, como presença de cutícula e folhas anfiestomáticas corroboram os trabalhos de Reis et al. (2005), Cassiano et al. (2010) e Somavilla e Graciano- Ribeiro (2011) para indivíduos da tribo Microlicieae. Com a diferenciação foliar, observamos um aumento da área que cada um dos tecidos ocupa (Figura 4A, D, G, J e M), bem como no comprimento e largura de suas células (Figura 4B, 1247 Ontogênese foliar em Lavoisiera mucorifera... SILVA, K. R.; OLIVEIRA, D. C. Biosci. J., Uberlandia, v. 30, n. 4, p. 1241-1251, July/Aug. 2014 E, H, K e N), correspondendo ao crescimento total da folha. Além disto, percebe-se que os tecidos formados possuem diferentes padrões de expansão e diferenciação. As células epidérmicas e do parênquima paliçádico apresentam formatos retangulares (Figura 4C, F, I e L), contudo a diferenciação ocorre nos sentidos periclinal, devido ao aumento em largura (Figura 4B e E), e anticlinal, devido ao aumento em comprimento (Figura 4H e K), respectivamente. Já no parênquima lacunoso, as células alongam-se de forma semelhante tanto em largura quanto em comprimento (Figura 4N), proporcionando o formato arredondado (Figura 4O). Assim, na folha adulta observamos o último estágio do desenvolvimento foliar, chamado por Fahn (1990) de histogênese dos tecidos laminares. Este estágio pode ser resumido pelo esquema apresentado na Figura 6. Figura 6. Esquema do desenvolvimento dos tecidos foliares em Lavoisiera mucorifera. (IM = Iniciais marginais; IS = iniciais submarginais). Ontogenia do indumento foliar O indumento foliar de L. mucorifera é formado por emergências e tricomas glandulares (Figuras 7A – G e 8A – E). Tanto os tricomas, quanto as emergências são formados nos primeiros nós, enquanto as demais células estão se alongando e expandindo (Figuras 1C e 2A). Figura 7. Desenvolvimento das emergências em Lavoisiera mucorifera. A – D, F) Secções longitudinais. E, G) Secções transversais. A) Fase inicial. B Crescimento da emergência. C) Formação da cabeça glandular. D) Emergência com cabeça glandular formada (seta). E) Células parenquimáticas circundadas por células epidérmicas. F – G) Formação das células esclerenquimáticas. (Ep = epiderme; Es = células esclerenquimáticas; P = células parenquimáticas; Círculo tracejado = células epidérmicas que formarão a cabeça). Barras: 50 µ m = C, D, F; 25 µ m = A, B, E, G. 1248 Ontogênese foliar em Lavoisiera mucorifera... SILVA, K. R.; OLIVEIRA, D. C. Biosci. J., Uberlandia, v. 30, n. 4, p. 1241-1251, July/Aug. 2014 Figura 8. Desenvolvimento dos tricomas em Lavoisiera mucorifera em secções longitudinais. A) Fase inicial. B) Formação do pedúnculo. C) Tricoma com pedúnculo multicelular. D) Formação da cabeça. E) Fase final. (Seta = célula apical). Barras: 25 µ m. As emergências são formadas a partir do alongamento de duas células epidérmicas e uma célula parenquimática que formam uma pequena proeminência na superfície foliar (Figura 7A). Com as sucessivas divisões anticlinais da protoderme e em vários sentidos do meristema fundamental, associado ao alongamento celular ocorre o crescimento da emergência (Figura 7B). No ápice da emergência em desenvolvimento (Figura 7C), células epidérmicas continuam a se dividir, periclinal e anticlinalmente, formando a cabeça glandular (Figura 7D). Nota-se, em secção transversal que as células no interior da emergência apresentam aspecto parenquimático (Figura 7E). Nas folhas já expandidas, por volta do sétimo nó, percebe-se que as células parenquimáticas apresentam paredes espessadas e lignificadas (Figura 7F e G). Em meio ao grande número de emergências, os tricomas também são observados (Figura 8A – E). Seu desenvolvimento ocorre inicialmente com a expansão de uma célula epidérmica basal (Figura 8A), que se divide periclinalmente, dando início à formação de um pedúnculo (Figura 8B). Esta célula peduncular, por sua vez, se divide sucessivamente, formando um pedúnculo multicelular (Figura 8C). Nota-se que a porção apical deste pedúnculo é formada por uma célula (Figura 8D), que após divisões periclinais e anticlinais, forma uma cabeça glandular e o tricoma chega ao final de seu desenvolvimento (Figura 8E). As emergências e os tricomas foram distinguidos nos estudos anatômicos ontogenéticos, confirmando a origem dos mesmos: mista, nas emergências, a partir da protoderme e do sistema fundamental (Figuras 6 e 7A – G); ou apenas protodérmica, no caso dos tricomas (Figuras 6 e 8A – E). Nossos resultados de desenvolvimento foliar e do indumento corroboram os trabalhos de Theobald et al. (1979); Reis et al. (2004); Reis et al. (2005); Milanez e Machado (2008); Cassiano et al. (2010); Milanez e Machado (2011); Somavilla e Graciano-Ribeiro (2011). Estas estruturas representam valor adaptativo ao vegetal, sendo investigadas quanto aos aspectos morfológico, sistemático, evolucionista e ecológico em diversas angiospermas (METCALFE; CHALK, 1950; RADFORD et al., 1974; PAYNE, 1978; THEOBALD et al., 1979; WURDACK, 1986; GUIMARÃES et al., 1999; MILANEZ; MACHADO, 2011). Apesar de Wurdack (1986) ter apresentado a morfologia do indumento para cerca de 10 % das espécies de Melastomataceae neotropicais, não detalhou sua origem. Assim, segundo este autor, não há distinção entre emergências e tricomas, sendo os “pelos” de L. mucorifera classificados como “Long-stalked glands with thin-walled heads” (glândulas de pedúnculo longo e cabeças de paredes finas).Melastomataceae apresenta uma grande diversidade de estruturas compondo o indumento de suas espécies 1249 Ontogênese foliar em Lavoisiera mucorifera... SILVA, K. R.; OLIVEIRA, D. C. Biosci. J., Uberlandia, v. 30, n. 4, p. 1241-1251, July/Aug. 2014 (METCALFE; CHALK, 1950; WURDACK, 1986; GUIMARÃES et al., 1999), sendo atribuídas diferentes funções a estas estruturas, inclusive fisiológicas, como por exemplo na absorção e eliminação de água pelas emergências de Microlepis oleaefolia (DC.) Triana (MILANEZ; MACHADO, 2008). Assim, tricomas e emergências podem ser compreendidas como importantes estruturas relacionadas à percepção de estímulos ambientais (PAYNE, 1978), o que justificaria a variedade morfológica nesta família. AGRADECIMENTOS À CAPES e ao Programa de Pós-Graduação em Biologia Vegetal da Universidade Federal de Uberlândia pelo apoio financeiro concedido ao primeiro autor. À FAPEMIG (APQ-00908-11) pelo auxílio financeiro. Aos Mestres Inara Montini Araújo, Danilo Marques e Izabela Moreira Franco pelo auxílio em campo e coleta de material de estudo. ABSTRACT: The leaf ontogenesis associated to histometric analyzes can provide conclusive answers about the leaf shape formation, as well structural details that could be used as taxonomic subsidy in Melastomataceae. Our purpose was to describe the leaf ontogenesis of Lavoisiera mucorifera, and the processes cell elongation in leaf shape formation. Leaves of different developmental stages were collected and processed according to usual techniques in plant anatomy. At first nodethe origin of the leaf lamina from the sub-marginal and marginal meristems as well as differences in the processes of cell division and expansion in the middle and apical providing the format lanceolate leaf shape. At second node is observed that the ground system develops from adaxial, abaxial and median layers. At third and fourth nodes is observed mainly the vein ramification. From the fifth node the tissues are completely differentiated being observed characters like isobilateral leaves, thick cuticle, uniseriate epidermis, anomocytic stomata and druse e sclerenchymatic cells in the mesophyll. Our results also complement the few anatomical studies the family to describe the morphology and development of trichomes and emergences. KEYWORDS: Leaf anatomy. Emergences. Histogenesis. Trichomes. REFERÊNCIAS BARROSO, G. M. Sistemática de Angiospermas do Brasil. Viçosa: Imprensa da Universidade Federal de Viçosa. 1984. v. 2, 377 p. BAUMGRATZ, J. F .A.; BERNARDO, K. F. 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