BIOSCIENCE V.22 N.2 2006 Original Article 49 VALOR NUTRICIONAL DA FORRAGEM HIDROPÔNICA DE TRIGO SOB DIFERENTES SOLUÇÕES NUTRITIVAS NUTRITIONAL VALUE IN HYDROPONIC WHEAT FORAGE UNDER DIFFERENT NUTRIENTS SOLUTIONS Liziany MÜLLER1; Paulo Augusto MANFRON2; Sandro Luís Petter MEDEIROS²; Osmar Souza dos SANTOS²; Tânia B. G. A. MORSELLI3; Durval DOURADO NETO4; Evandro Binotto FAGAN5; Andrieli Hedlund BANDEIRA6; Cleber José TONETTO7 RESUMO: O objetivo do trabalho foi avaliar o valor nutricional da forragem hidropônica de trigo cultivada em ambiente protegido (túnel alto) com diferentes soluções nutritivas e identificando a idade ideal de colheita. O experimento foi realizado no Departamento de Fitotecnia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) – RS. Adotou-se delineamento experimental, blocos ao acaso, distribuído em esquema fatorial 2x4, constituído por duas soluções nutritivas: SNN- solução nutritiva proposta por Neves (2001) com 105,9 mg L-1 de nitrogênio (N); e SNS- solução nutritiva proposta por Santos et al. (2004) com 190,6 mg L-1 N; e quatro idades de colheita (4, 8, 12 e 16 dias após a semeadura). A interação soluções nutritivas e idades de colheitas não foi significativa para todas as variáveis analisadas. A forragem hidropônica de trigo cultivada com a solução nutritiva com maior dose de nitrogênio (SNS) apresentou maior produção de fitomassa seca e menor teor de fibra em detergente neutro. O avanço da idade de colheita da forragem hidropônica de trigo proporcionou redução na produção de fitomassa seca e na digestibilidade in vitro da fitomassa seca. Pode-se sugerir que a colheita seja realizada entre 8-12 dias, principalmente devido aos bons teores protéicos sem o comprometimento do menor teor de fitomassa seca e de sua digestibilidade. A solução nutritiva com maior aporte de N deve ser adotada, pois proporciona maiores teores de fitomassa seca. PALAVRAS-CHAVE: Ambiente protegido. Hidroponia. Triticum aestivum. INTRODUÇÃO O cultivo de forragem hidropônica é uma tecnologia de produção de biomassa vegetal obtida por meio da germinação e crescimento inicial de plantas a partir de sementes viáveis (Organización de las Naciones Unidas para la Agricultura y la Alimentacion - FAO, 2001). Tem como objetivo suprir as necessidades nutricionais dos animais, principalmente durante épocas secas ou frias do ano, em que a produção e a qualidade da forragem das espécies nativas ficam aquém das exigências nutricionais. A forragem hidropônica destaca-se pelo crescimento acelerado das plantas, com ciclo curto de produção, alto teor protéico e boa digestibilidade (FAO, 2001; SANDIA, 2003; SANTOS et al. 2004). De acordo com Flores et al. (2004), a produção de forragem hidropô- nica é um grande avanço tecnológico na alimentação animal, pois pode ser produzida durante todo o ano e ofertada a todos os animais em qualquer fase de desenvol- vimento (gestação, lactação, desmame, terminação). Em vários países a forragem hidropônica vem sendo utilizada para suplementação animal (FAO, 2001). Flores et al. (2004) relatam que na Venezuela o uso de forragem hidropônica se apresenta como uma alternativa viável, econômica, segura e palatável que pode ser utilizada na nutrição de ruminantes e não ruminantes. 1 Zootecnista, Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Agronomia, UFSM. Bolsista CNPq. E-mail: lizianym@yahoo.com.br 2 Professor, Doutor, Departamento de Fitotecnia da Universidade Federal Santa Maria, RS. E-mail: manfronp@smail.ufsm.br 3 Professor, Doutor, Departamento de Ciência dos Solos, Universidade Federal de Pelotas, RS. 4 Professor Associado, Doutor, Departamento de Produção Vegetal, ESALQ-USP, Piracicaba, SP. 5 Eng. Agrônomo, Doutorando do Programa de Pós Graduação em Agronomia. ESALQ-USP, Piracicaba, SP. 6 Aluna do Curso de Agronomia da UFSM-Santa Maria, RS. Bolsista FAPERGS. 7 Médico Veterinário, Doutorando do Programa de Pós Graduação em Agronomia, UFSM. Received: 02/12/05 Accept: 10/05/06 Biosci. J., Uberlândia, v. 22, n. 3, p. 49-56, Sept./Dec. 2006 50 Biosci. J., Uberlândia, v. 22, n. 3, p. 49-56, Sept./Dec. 2006 Valor nutricional da forragem hidropônica de... MÜLLER, L. et al. Em vacas leiteiras o uso suplementar de forragem hidropônica permitiu incremento de 18% na produção leiteira (FAO, 2001). Espinoza et al. (2004) observaram maior ganho de peso em bovinos alimentados com pastagem (70%) mais forragem hidropônica de milho (30%), 1,1 kg animal-1 dia-1, em relação aos alimentados apenas com pastagem, 0,7 kg animal-1 dia-1. As soluções nutritivas constituem-se no ponto principal do cultivo hidropônico, uma vez que elas determinam o crescimento das plantas e a qualidade do produto final. Uma solução nutritiva bem equilibrada, e fornecida adequadamente, é o fundamento maior da hidroponia. Composições diversas de soluções nutritivas têm sido formuladas, em função da cultura e da técnica hidropônica. No Brasil, uma solução utilizada para produção de forragem hidropônica foi descrita por Neves (2001), em que a concentração de nitrogênio (N) é 105,9 mg L-¹. Entretanto, estudos relatados pela FAO (2001) demonstram que a nutrição da forragem hidropônica deve ser realizada utilizando-se solução nutritiva contendo cerca de 200 mg L-¹ de N obtendo-se, assim, bons resultados no processo de crescimento e alto teor de proteína bruta. Desta forma, Santos et al. (2004) propuseram uma solução nutritiva mais concentrada em N visando suprir tais exigências. Além da escolha da solução nutritiva, a determinação do momento mais adequado para a colheita também é um fator a ser considerado, já que o estádio da planta influencia o valor nutritivo da forragem. À medida que a planta cresce e se desenvolve, aumentam as porções fibrosas, enquanto diminuem o teor protéico e a digestibilidade da fitomassa seca (VAN SOEST, 1994). De acordo com Henriques (2000), na produção de forragem hidropônica, colheitas precoces podem resultar em baixo rendimento por área; entretanto colheitas tardias podem acarretar grande competição entre plantas e perda de qualidade nutricional. Conforme Sandia (2003) e FAO (2001), o período de crescimento da forragem hidropônica deve compreender entre 8 a 12 dias, pois a partir desse período se inicia intenso processo de perda de qualidade nutricional. Nesse sentido, o trabalho teve por objetivo avaliar a produção e a qualidade nutricional da forragem hidropônica de trigo, cultivada com duas soluções nutritivas, em quatro idades de colheita. MATERIAL E MÉTODOS O experimento foi conduzido em agosto de 2004, na área experimental do Núcleo de Pesquisa em Ecofisiologia e Hidroponia (NUPECH) no Departamento de Fitotecnia da Universidade Federal de Santa Maria (RS), com coordenadas geográficas: latitude 29º43’S, longitude 53º43’W e altitude 95 m. O clima do local segundo a classificação de Köeppen pertencente ao tipo “Cfa” – clima subtropical úmido com verões quentes (MORENO, 1961). A forragem de trigo (Triticum aestivum L.) foi cultivada em túnel alto tipo “Hermano” com 6 metros de largura e 27 metros de comprimento (162 m²), disposto no sentido norte-sul, coberto com polietileno de baixa densidade (PEBD) com espessura de 150 µ, aditivado contra raios ultravioleta. No interior do túnel foram confeccionados canteiros de 1 m² (unidade experimental) com filme plástico (lona preta de 100µ de espessura), estendido sobre o solo nivelado, sendo as bordas limitadas por guias de madeira com 6,0 cm de altura, estaqueadas no solo. A semeadura foi realizada manualmente, a lanço, sobre o filme plástico, sem o uso de substrato, com sementes de trigo, na densidade de 2,0 kg m-2. As sementes utilizadas foram provenientes de lavouras da região de Santa Maria (RS), sem tratamento químico. A fim de analisar a qualidade das sementes foram enviadas amostras para o Laboratório de Análise de Sementes do Núcleo de Sementes/UFSM, onde foi determinado o grau da pureza (98%) e germinação (92%). As sementes foram pesadas e colocadas em baldes plásticos, onde foi realizada a técnica de pré-germinação que consistiu na embebição das sementes em água por 12h associada a 24h de incubação. Foi adotado o sistema hidropônico aberto, sem reaproveitamento da solução aplicada. As soluções foram estocadas em dois tanques de fibra de vidro com capacidade de 500 L cada, que são repostas conforme a necessidade da cultura. Sua aplicação foi efetuada por meio de irrigação manual, com o auxílio de regadores, sendo aplicadas quatro regas diárias em intervalos regulares, distribuindo, em média, 3,5 L m-² dia. Nos três primeiros dias, a irrigação foi realizada apenas com água e, a partir deste, com solução nutritiva. Adotou-se o delineamento experimental em blocos ao acaso com quatro repetições para fitomassa seca e três repetições, com duas amostragens, para as variáveis da composição bromatológica, distribuídas em esquema fatorial 2x4, sendo duas soluções nutritivas: SNN- solução nutritiva segundo recomendação de Neves (2001), SNS- solução nutritiva segundo recomendação de Santos et al. (2004) e quatro idades de colheita (4, 8, 12 e 16 dias após a semeadura). Os nutrientes que compuseram as soluções nutritivas foram (mg L-1): 51 Biosci. J., Uberlândia, v. 22, n. 3, p. 49-56, Sept./Dec. 2006 Valor nutricional da forragem hidropônica de... MÜLLER, L. et al. SNN: N=105,9; P=18,9; K=129,6; Ca=69,7; Mg=15,0; S=24,31; B=0,97; Zn=1,71; Cl=1,98; Mn=0,55; Cu=0,38; Mo=0,23. SNS: N=190,6; P=34,0; K=233,3; Ca=125,0; Mg=27,0; S=43,76; B=1,74; Zn=3,08; Cl=3,56; Mn=0,99; Cu=0,69; Mo=0,42. O nutriente ferro não diferiu para as duas soluções adotadas. Ele foi quelatizado com EDTA e utilizado na dose de 5 mg mL-1 (FURLANI; FURLANI, 1988). As análises de fitomassa seca, proteína bruta, proteína solúvel, fibra em detergente neutro, fibra em detergente ácido, lignina e digestibilidade in vitro da fitomassa seca foram realizadas no Laboratório de Nutrição Animal (LNA) do Departamento de Zootecnia da UFSM, segundo metodologia descrita por Silva (1991), a partir de amostras do conjunto (folhas+colmo+raízes+sementes não germinadas+ plântulas anormais) colhidas em cada unidade experimental (0,4 m x 0,4 m). Os dados obtidos foram submetidos à análise da variância, sendo as idades de colheita avaliadas por meio da análise de regressão e as médias das soluções nutritivas comparadas entre si pelo teste F. RESULTADOS E DISCUSSÃO A interação soluções nutritivas e idades de colheita não foi significativa (Pe”0,05) para as variáveis fitomassa seca (FS), proteína bruta (PB), proteína solúvel (PS), fibra em detergente neutro (FDN), fibra em detergente ácido (FDA), lignina (LIG) e digestibilidade in vitro da fitomassa seca (DIVFS). Na Tabela 1, observa-se que a produção de fitomassa seca da forragem hidropônica de trigo com solução SNS (2,07 kg m-²) foi superior (P<0,01) em relação à solução SNN (1,76 kg m-²). Este resultado corrobora com FAO (2001) que cita maiores teores de FS em forragem hidropônica de aveia cultivada com solução nutritiva contendo concentração de nitrogênio (N) de 200 mg L-1 (3,25 kg m-² FS) em relação à solução com 100 mg L-1 (2,83 kg m-²). Os teores de proteínas bruta e solúvel da forragem hidropônica de trigo cultivada com solução SNS não diferiram significativamente da SNN (Tabela 1). Entretanto, os valores de PB em forragem hidropônica de aveia encontrados pela FAO (2001) foram menores do que os observados neste trabalho, tanto para forragem cultivada com solução nutritiva com 200 mg L-1 N (11,93%) ou com 100 mg L-1 N (10,73%). Santos et al. (2004), no cultivo de forragem hidropônica de cevada, com solução nutritiva contendo 190,6 mg L-1 N, obtiveram 20,26% PB, valor similar aos obtidos neste estudo. Apesar de não haver diferença significativa para os teores de PB e PS na forragem cultivada com as duas soluções, a forragem produzida com solução SNS possui vantagem quando se considera os teores protéicos por unidade de área. Tal vantagem é decorrente da maior produção de FS da forragem oriunda da solução SNS (Tabela 1), tendo-se assim, maiores teores protéicos por unidade de área para a forragem cultivada com esta solução. Tabela 1. Fitomassa seca (FS), proteína bruta (PB) e solúvel (PS) para (SNN): solução nutritiva segundo recomendação de Neves (2001) e (SNS): solução nutritiva segundo recomendação de Santos et al. (2004) no cultivo de forragem hidropônica de trigo. UFSM, Santa Maria (RS), 2005. Soluções nutritivas FS(kg m-²) PB(%) PS(%) SNN 1,76 22,71 11,74 SNS 2,07 22,96 12,22 Pr>F 0,0142 0,4549 0,1365 CV (%) 17,18 1,79 5,41 Menores valores de fibra em detergente neutro (FDN) (P<0,05) foram encontrados na SNS (40,17%) em relação à SNN (41,90%), (Tabela 2). Desempenho similar foi relatado pela FAO (2001) em forragem hidropônica de aveia, aos 15 dias, com 58,0% e 59,0% de FDN, quando produzida em solução nutritiva de 200 e 100 mg mL-1 N, respectivamente. Embora seja significativa à diferença nos teores de FDN nas forragens, os mesmos encontram-se abaixo do nível de FDN máximo recomendado por Conrad et al. (1966) e Van Soest (1994), que citam níveis de FDN acima de 55-65% não seriam indicados em dietas de ruminantes, pois limitariam o espaço no trato gastrointestinal e, portanto, o consumo. Não houve diferença significativa (P>0,05) para fibra em detergente ácido, lignina e digestibilidade in vitro da fitomassa seca entre as soluções (Tabela 2). Os teores 52 Biosci. J., Uberlândia, v. 22, n. 3, p. 49-56, Sept./Dec. 2006 Valor nutricional da forragem hidropônica de... MÜLLER, L. et al. médios de FDA (23,30%) e LIG (4,16%) são inferiores aos observados em pastagem nativa do RS, que possui em torno de 46,95 e 7,26%, respectivamente, e em silagem de sorgo 37,66 e 9,10%, respectivamente, enquanto a DIVFS (66,46%) apresenta teores superiores a pastagem nativa do RS (41,68%) e a silagem de sorgo (43,25%), respectivamente (VARGAS JÚNIOR, 2000; SOARES, 2002; TONETTO et al., 2004). Tabela 2. Fibra em detergente neutro (FDN), fibra em detergente ácido (FDA), lignina (LIG) e digestibilidade “in vitro” da fitomassa seca (DIVFS) para (SNN): solução nutritiva segundo recomendação de Neves (2001) e (SNS): solução nutritiva segundo recomendação de Santos et al. (2004) no cultivo de forragem hidropônica de trigo. UFSM, Santa Maria – RS, 2005. Soluções nutritivas FDN(%) FDA(%) LIG(%) DIVFS(%) SNN 41,90 23,69 4,18 66,44 SNS 40,17 22,92 4,15 66,49 Pr 0,0001 0,2612 0,9102 0,9708 CV (%) 2,08 2,57 3,15 5,40 Na produção de forragem hidropônica de trigo a fitomassa seca, proteína bruta, proteína solúvel, fibra em detergente neutro, fibra em detergente ácido, lignina e digestibilidade “in vitro” da fitomassa seca foram influenciadas (P<0,05) pela idade de colheita (Figura 1). A produção de fitomassa seca apresentou resposta quadrática ao avanço da idade de colheita, com menor rendimento na última colheita, aos 16 dias. Resultado semelhante ao verificado por FAO (2001), que cita valores decrescentes 3,26, 2,95 e 2,27 kg m-² FS, em forragem hidropônica de aveia, aos 7, 11 e 15 dias, respectivamente. Espinoza et al. (2004) verificaram no cultivo de forragem hidropônica de milho rendimento de 1,87 kg FS m-² aos 9 dias de colheita, valor semelhante ao observado aos 12 dias neste estudo. A diminuição da fitomassa seca na última colheita pode ser atribuída, em parte, à presença de sementes não germinadas nas amostras. As sementes ficaram mais predipostas a deterioração por apresentarem elevado teor de FS com o avanço do experimento, o que provavelmente ocasionou o decréscimo na FS das amostras. Além disso, a elevada densidade populacional (em torno de 44.200 plântulas m-2) pode ter proporcionado competição por nutrientes e luz, ocasionando estiolamento e posterior acamamento, e senescência das folhas inferiores das plântulas de menor estatura que permaneceram sombreadas. O teor de proteína bruta (PB) apresentou resposta quadrática com relação ao aumento da idade de colheita (Figura 1). O ponto de máxima produtividade situou-se próximo aos 13 dias, com 26,09% PB. Sandia (2003) observou na forragem hidropônica de trigo aos 10, 14 e 16 dias teores crescentes de PB, 20,33, 22,90 e 24,08%, respectivamente, desempenho com valores próximos aos verificados neste estudo. Espinoza et al. (2004) comentam que a forragem hidropônica de milho possui alto teor protéico nas folhas (33,54% PB) e nas raízes (13,76% PB) e que, devido esta característica, pode ser alternativa eficiente para suprir a exigência protéica na dieta de animais ruminantes (bovinos, ovinos, caprinos, búfalos) e não ruminantes (aves, coelhos, eqüinos). Portanto, a suplementação protéica com forragem hidropônica de trigo também pode ser considerada excelente opção de complementação alimentar para animais, contribuindo para aumentar a produtividade do rebanho, pois de acordo com Van Soest (1994) dietas com teor de PB inferior a 7% promovem redução na digestão das mesmas devido a inadequados níveis de nitrogênio para os microorganismos do rúmen, diminuindo sua população e, conseqüentemente, reduzindo a digestibilidade e o consumo da FS. 53 Biosci. J., Uberlândia, v. 22, n. 3, p. 49-56, Sept./Dec. 2006 Valor nutricional da forragem hidropônica de... MÜLLER, L. et al. Figura 1. Fitomassa seca (FS), proteína bruta (PB) e solúvel (PS), fibra em detergente neutro (FDN) e ácido (FDA), lignina (LIG) e digestibilidade “in vitro” da fitomassa seca (DIVFS) em forragem hidropônica de trigo em diferentes idades de colheita (4, 8, 12 e 16 dias). UFSM, Santa Maria (RS), 2005. 10 15 20 25 30 0 4 8 12 16 Colheita (dias) PB (% ) Y= 6,95 + 2,90X - 0,11X² R²= 0,94 5,0 7,5 10,0 12,5 15,0 0 4 8 12 16 Colheita (dias) PS (% ) Y= 2,79 + 1,71X - 0,06X² R²= 0,83 10 20 30 40 50 60 0 4 8 12 16 Colheita (dias) FD N (% ) Y= -2,24 + 7,08X - 0,23X² R²= 0,97 5 10 15 20 25 30 35 0 4 8 12 16 Colheita (dias) F D A (% ) Y= -1,71 + 3,83X - 0,11X² R²= 0,95 0 1 2 3 4 5 6 7 0 4 8 12 16 Colheita (dias) L IG ( % ) Y= 0,07 + 0,55X - 0,01X² R²= 0,86 40 50 60 70 80 90 100 0 4 8 12 16 Colheita (dias) D IV FS (% ) Y= 100,24 - 5,61X + 0,16X² R²= 0,88 0,0 1,0 2,0 3,0 0 4 8 12 16 Colheita (dias) FS (k g m -² ) Y= 2,76- 0,14X + 0,004X² R²= 0,62 54 Biosci. J., Uberlândia, v. 22, n. 3, p. 49-56, Sept./Dec. 2006 Valor nutricional da forragem hidropônica de... MÜLLER, L. et al. O teor de proteína solúvel (PS) apresentou resposta quadrática com relação ao aumento da idade de colheita (Figura 1). O ponto de máxima produtividade da PS sitou-se próximo aos 14 dias, com 14,16% na FS. Sandia (2003) relata que a forragem hidropônica de cevada possui teor de PS de 15,63% na FS, teor superior ao deste estudo. A solubilidade da proteína é um dos fatores que mais influi na degradação protéica à nível de rúmen, pois a proteína solúvel tende a ser mais rapidamente e completamente degradada (CHALUPA, 1975; TAMMINGA, 1979). De acordo com Hutjens (1999), as vacas leiteiras em diferentes fases de lactação necessitam de teores de PS entre 4,8-5,7% na FS. Assim, verifica-se que a forragem hidropônica de trigo possui valores superiores de PS (Figura 1), confirmando-a como excelente opção suplementar. A fibra em detergente neutro (FDN) apresentou resposta quadrática em relação ao avanço da idade de colheita, tendo incremento do teor com a idade de colheita (Figura 1). FAO (2001) verificou aos 7, 11 e 15 dias, valores de 56,0, 63,0 e 58,0% FDN em forragem hidropônica de aveia, respectivamente. Esses valores são superiores aos observados neste estudo. Já Espinoza et al. (2004) observaram, em forragem hidropônica de milho, aos 9 dias, teor de FDN (41,46%) similar ao deste trabalho. Ainda, de acordo com National Research Council - NRC (1989), as dietas de vacas em lactação devem conter, no mínimo, 25 a 28% de FDN, com 75% deste total sendo suprido por forragens. Considerando que os concentrados mais utilizados na alimentação animal, como milho, trigo e soja possuem 11,40, 11,49 e 14,20% de FDN (ROSTAGNO, 2000), estes não atenderiam às necessidades desta categoria. Portanto, a utilização da forragem hidropônica de trigo seria adequada para a complementação da dieta alimentar e justificaria também, em parte, a importância e o uso do sistema hidropônico na produção de forragens, ao invés da utilização de alta quantidade de grãos nas dietas dos animais. A fibra em detergente ácido (FDA) apresentou resposta quadrática no seu teor em relação ao aumento da idade de colheita, com menor teor aos 4 dias (Figura 1). De acordo com Mertens (1994), a FDA indica a quantidade de fibra que não é digestível e seu teor deve ser em torno de 30% ou menos, por favorecer o aumento no consumo de fitomassa seca pelo animal. Neste sentido, os valores observados apresentam-se adequados ao consumo animal. Teores semelhantes ao deste estudo foram verificados por Espinoza et al. (2004), aos 9 dias, 20,94 % FDA, em forragem hidropônica de milho. FAO (2001) cita que o teor de FDA da forragem hidropônica de aveia, aos 15 dias, foi de 27,97%, valor similar ao encontrado neste trabalho. A lignina (LIG) apresentou resposta quadrática a este experimento, sendo que o menor teor foi verificado na colheita aos quatro dias. FAO (2001) relata desempenho similar na forragem hidropônica de aveia, sendo que esta possui aos 7, 11 e 15 dias, 5,0, 7,4 e 7,0% LIG, respectivamente. De acordo com Van Soest (1994), a lignina é considerada indigerível e inibidora da digestibilidade das plantas forrageiras, logo seu valor deve ser o menor possível. A digestibilidade in vitro da fitomassa seca (DIVFS) ajustou-se a uma equação quadrática com o avanço da idade de colheita, sendo que o maior valor foi observado na colheita aos 4 dias (Figura 1). Pode se observar ainda, que o valor da DIVFS da forragem hidropônica de trigo aos 4 e 8 dias foi superior ao valor citado para as forrageiras tropicais, que se situa entre 55 e 60% (MOORE; MOTT, 1973). A decrescente digestibilidade da forragem pode estar negativamente correlacionado com os teores FDN e FDA e, conseqüentemente, ao valor energético, pois com a maturidade da planta, a concentração dos componentes digestíveis, como os carboidratos solúveis, proteínas, minerais e outros conteúdos celulares reduzem, e a proporção de lignina, celulose, hemicelulose e outras frações indigestíveis aumentam (VAN SOEST, 1994). De acordo com Santos (2000) e FAO (2001), a forragem hidropônica de cevada apresentou DIVFS 74,90 e 81,60%, respectivamente, valores próximos aos obtidos no 4º e 8º dias de colheita. CONCLUSÕES Visando um maior valor nutricional da forragem hidropônica de trigo, a colheita deve ser realizada entre o 8º e 12º dias após a semeadura. Para uma maior produção de fitomassa seca a solução nutritiva SNS com 190,6 mg L-1 de nitrogênio pode ser recomendada. ABSTRACT: The objective of this study was to evaluate the effect of different nutrient solutions and harvest date on dry weight and bromatological composition in hydroponic wheat forage. The experiment was carried out inside a protected environment (tunnel) at the Ecophysiology and Hydroponic Research Center of the Crop Science 55 Biosci. J., Uberlândia, v. 22, n. 3, p. 49-56, Sept./Dec. 2006 Valor nutricional da forragem hidropônica de... MÜLLER, L. et al. Department of the Federal University of Santa Maria, Brazil. The experimental design was randomized complete block. The treatments consisted of two nutrient solutions SNN- Neves (2001) solution, with 105.9 mg.L-1 of nitrogen (N) and SNS- Santos et al. (2004) solution, with 190.6 mg.L-1 of N) and four harvesting dates (4, 8, 12 and 16 days after emergence), in a 2x4 factorial scheme. It was not observed interaction between nutrients solutions and harvest date for all variables analyzed. The hydroponic wheat forage cultivated with the SNS solution presented higher dry mass production and lower neutral detergent fiber content. Decrease in dry matter production and digestibility “in vitro” when delaying the harvesting dates was observed. The best bromatolical characteristics of hydroponic wheat forage were verified with harvest at 8-12 days after emergence, and the SNS nutritional solution provides higher dry mass production. KEYWORDS: Protected environment. Hydroponics system. Triticum aestivum. REFERÊNCIAS CHALUPA, W. Rumen bypass protection of amino acids. Journal of Dairy Science, Lancaster, v. 58, n. 8, p.1198- 1218, aug. 1975. CONRAD, H. R. PRATT, A. D.; HIBBS, J. W. Regulation of feed intake in dairy cows. I. Change in importance of physical and physiological factors with increasing digestibility. Journal of Dairy Science, Champaign, v. 47, n. 1, p. 54-62, feb. 1966. ESPINOZA, F.; ARGENTI, P.; URDENATA, G.; ARAQUE, C.; FUENTES, A.; PALMA, J.; BELLO, C. 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