BIOSCIENCE V.22 N.2 2006 Original Article 127 MORFOLOGIA MICROSCÓPICA DO NERVO RADIAL DO GATO DOMÉSTICO (Felis catus domesticus LINNAEUS, 1758) MICROSCOPIC MORPHOLOGY OF THE RADIAL NERVE IN DOMESTIC CAT (Felis catus domesticus LINNAEUS, 1758) Gregório Corrêa GUIMARÃES1; Márcia Rita Fernandes MACHADO2; Claudinei da CRUZ3; André Luiz Quagliatto SANTOS4; Maria Angélica MIGLINO5; José Wanderley CATTELAN6 RESUMO: No presente estudo investigou-se a estrutura histológica do nervo radial do gato doméstico. Foram utilizados cinco gatos, três fêmeas e dois machos, sem raça definida, provenientes do CCZ de Jaboticabal, SP. Dividiu-se o nervo em três regiões e foram coletados três segmentos: proximal, médio e distal. Após procedimentos de rotina histológica convencional, observou-se três tecidos de sustentação: o epineuro, o perineuro e o endoneuro. O epineuro é formado por tecido conjuntivo denso modelado e não modelado, e também por conjuntivo frouxo. Do epineuro partem septos, constituídos por conjuntivo denso não modelado e frouxo, rico em células adiposas. O perineuro, que reveste grupo de feixes nervosos, formando os fascículos, possui de duas a quinze camadas de células justapostas concêntricas com núcleo fusiforme, citoplasma delgado e alongado, diferenciando duas camadas, uma externa e outra interna. O espaço interlaminar da camada externa é preenchido por fibras colágenas e o da camada interna por fibras colágenas e reticulares. O endoneuro é constituído por tecido conjuntivo frouxo que circunda axônios predominantemente mielinizados, apresentando fibras colágenas e reticulares. Analisou-se, também, no presente estudo, o arranjo dos fascículos nervosos, notando-se no segmento proximal média de 11,50 ± 5,40 pequenos fascículos de diâmetros variados. O segmento médio apresentou média de 10,20 ± 2,94 fascículos com diâmetros maiores que os do segmento proximal. O segmento distal apresentou média de 15,30 ± 3,89 fascículos exibindo várias dimensões e menores que os observados no segmento médio. A análise estatística dos resultados demonstra diferença significativa (p<0,05) para as comparações das médias efetuadas entre as regiões estudadas. Os tecidos de revestimento do nervo radial do gato se apresentaram de modo semelhante aos descritos nos animais domésticos. PALAVRAS-CHAVE: Histologia. Nervo radial. Gato doméstico. 1 Pós-graduando em Cirurgia Veterinária, FCAV/Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinária, Universidade Estadual Paulista - FCAV - UNESP - SP. 2 Professor Adjunto da FCAV/J/UNESP - SP. 3 Setor de Técnicas Morfológicas/Laboratório de Anatomia da FCAV/J/UNESP - SP. 4 Professor Titular da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Uberlândia - MG. 5 Professor Titular da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo - SP. 6 Professor Adjunto da - FCAV - UNESP - SP. Receive: 26/09/05 Accept: 18/04/06 INTRODUÇÃO Ao longo dos tempos, os cães e os gatos passaram a compor o ambiente doméstico humano, especificamente o gato, que se tornou uma companhia apreciada por sua lealdade, independência e hábitos de higiene individual. Estas duas espécies animais passaram a fazer parte da rotina diária de famílias, sendo incontestável sua importância para a sociedade, seja como companhia, guarda ou outras formas de convivência (REICHMANN et al., 2000). Assim, o cão e o gato estão sujeitos a sofrerem traumatismos nos órgãos locomotores, decorrentes de atropelamentos, acidentes com projéteis etc., provocando luxações ou fraturas. Essas são as causas mais comuns das lesões ocorridas nos nervos espinhais. Estes acontecimentos podem provocar compressão, esmagamento, estiramento, laceração, transsecção completa de um ou mais nervos e, até mesmo, a avulsão das raízes nervosas espinhais (CHANDLER, HILBERY e GASKELL, 1988; CHRISMAN, 1985; DENNY, 1993; FENNER, 1994; RODKEY, 1998). Biosci. J., Uberlândia, v. 22, n. 3, p. 127-137, Sept./Dec. 2006 128 Biosci. J., Uberlândia, v. 22, n. 3, p. 127-137, Sept./Dec. 2006 Morfologia microscópica do nervo radial do ... GUIMARÃES, G. C. et al. As lesões nervosas, se consideradas isoladamente, não representam risco de morte, mas suas seqüelas podem levar à incapacidade permanente ou à morte (RODKEY, 1998). Desse modo, a intervenção cirúrgica torna-se necessá-ria para reparar tanto a fratura quanto as estruturas lesionadas. Tais procedimentos são delicados, uma vez que a morfologia e a fisiologia dos nervos espinhais, constituintes do sistema nervoso periférico, são complexas (BROWN, 1972). A regeneração inadequada de um nervo espinhal após trauma representa um dos maiores problemas no tratamento de pacientes lesionados. Nesses casos, dá-se preferência ao tratamento cirúrgico (RODKEY, 1998). O presente estudo foi realizado com intuito de oferecer embasamentos seguros para possíveis intervenções cirúrgicas e procedimentos de reparação neste nervo, usando-se, para tanto, técnicas morfológicas microscópicas, tendo-se em vista a importância do referido nervo na movimentação do membro torácico. Diante do exposto, objetivou-se, neste estudo, analisar as características histológicas do nervo radial do gato doméstico. MATERIAL E MÉTODOS Para realização deste trabalho foram utilizados cinco gatos domésticos adultos, sem raça definida, três fêmeas e dois machos, provenientes do Centro de Controle de Zoonoses do Município de Jaboticabal, SP. A coleta do material foi realizada no Laboratório de Anatomia da FCAV/UNESP e o processamento e análise do mesmo no Setor de Técnicas Morfológicas deste Laboratório. Os animais deste estudo foram sacrificados após aplicação de solução de acepromazina 0,2 % (Acepran®), na dose de 0,2 mg/kg, por via intramuscular profunda, seguida de aplicação rápida de solução de pentobarbital sódico a 3 % (Tiopental®), na dose de 60 mg/kg, por via intravenosa. Em seguida à dissecação dos membros torácicos direito e esquerdo, individualizou-se o nervo radial, e dele coletou-se fragmentos denominados de proximal, médio e distal, além de fragmentos dos ramos superficial e profundo do nervo radial. O fragmento proximal foi retirado da região de união dos ramos ventrais dos nervos espinhais cervicais e torácicos que formam o nervo; o fragmento médio foi retirado da porção intermediária do nervo e o fragmento distal coletado próximo à bifurcação do referido nervo em ramos profundo e superficial (Figura 1). Os nervos radiais de dois animais foram incluídos em Histosec® (Merck) e dos outros animais três em Historesin® (Leica-Germany). Para inclusão em Histosec®, fixou-se o material em solução Bouin por 24 horas. Após esse tempo, o material foi lavado em álcool a 70% para retirar o excesso de fixador. Em seguida, os fragmentos foram submetidos à desidratação, em concentrações crescentes de álcool (70 a 100 %), aproximadamente durante quatro horas. A seguir, realizou-se a diafanização com xilol por aproximadamente 90 minutos. Após este procedimento, realizou-se a embebição do material em Histosec® por 90 minutos, na faixa de 60 a 70 oC de temperatura, na qual se procedeu a inclusão. A microtomia do material foi realizada em micrótomo automático (Leica, RM 2155), obtendo-se cortes de 5 µm com auxílio de navalhas descartáveis. Para inclusão em Historesin® usaram-se os seguintes fixadores: Mc Dowell e Glutaraldeído 2,5 % (0,1 M; pH 7,3), por 24 horas. O material foi lavado em tampão fosfato (0,1 M; pH 7,3), por oito dias, para se retirar o excesso de fixador. Em seguida, conservou-se o mesmo em álcool a 80 %, em geladeira. A seguir, realizou- se a infiltração do material em historesina e álcool a 80 %, por aproximadamente quatro horas. Posteriormente, o material foi incluído em histomold para a polimerização inicial em temperatura ambiente durante 15 a 30 minutos e polimerização final em estufa 37,5 oC, por uma semana. Realizou-se a microtomia desse material em micrótomo automático (Leica, RM 2155), obtendo-se cortes de 1 a 3 µm com auxílio de navalhas de vidro. Os cortes foram fixados em lâminas e submetidos às seguintes colorações: hematoxilina e eosina (HE), reação do ácido periódico de schiff (P.A.S.), tricrômio de masson, herdenhain schleicher (H.S.), tricrômio de gomori, azul de toluidina/fucsina, hematoxilina fucsina (HF) de acordo com as técnicas descritas por Behmer, Tolosa e Freitas Neto (1976), além da reação em picrossírius, segundo Junqueira, Cossermelli e Brentani (1978). As preparações foram fotodocumentadas em microscópio de luz BX-50 (Olympus®). Na análise estatística foram calculadas as freqüências absoluta e relativa, e realizou-se no programa S.A.S.® (Software Analysis System) o teste de Tukey, considerando-se o nível de significância de 5%. 129 Biosci. J., Uberlândia, v. 22, n. 3, p. 127-137, Sept./Dec. 2006 Morfologia microscópica do nervo radial do ... GUIMARÃES, G. C. et al. Figura 1. Esquema demonstrando as regiões de coleta dos segmentos proximal, médio e distal do nervo radial do gato doméstico. Legenda: ANC - músculo ancôneo; CAT - cabeça acessória do músculo tríceps braquial; CLO - cabeça longa do músculo tríceps braquial; CLT - cabeça lateral do músculo tríceps braquial; CMT - cabeça medial do músculo tríceps braquial; C5 - ramo ventral do quinto nervo espinhal cervical; C6 - ramo ventral do sexto nervo espinhal cervical; C7 - ramo ventral do sétimo nervo espinhal cervical; C8 - ramo ventral do oitavo nervo espinhal cervical; MD - membro torácico direito; ME - membro torácico esquerdo; RLS - ramo lateral do ramo superficial do nervo radial; RMS - ramo medial do ramo superficial do nervo radial; RPR - ramo profundo do nervo radial; RSR - ramo superficial do nervo radial; TFA - músculo tensor da fáscia antebraquial; T1 - ramo ventral do primeiro nervo espinhal torácico. RESULTADOS O nervo radial do gato mostrou-se constituído por três tecidos conjuntivos de sustentação: o epineuro, o perineuro e o endoneuro. O tecido conjuntivo epineural que reveste externamente o nervo radial do gato apresentou duas camadas distintas: uma externa e outra interna. A camada externa apresentou-se constituída por tecido conjuntivo denso modelado ou não modelado, ocorrendo em alguns casos associação de conjuntivo denso com frouxo e, em alguns casos, predomínio de conjuntivo frouxo. A camada interna mostrou-se formada por tecido conjuntivo denso exibindo poucas variações em sua constituição (Figura 2). CLO CLO C7 C7 C8 C8 T1 T1 C6 C6 CLO CLO CLT CLT ANC ANC RLS RLS RPR RPR RSR RSR RMS RMS CMT CMT CAT CAT TFA TFA MD ME Segmento Proximal Segmento Distal Segmento Médio 130 Biosci. J., Uberlândia, v. 22, n. 3, p. 127-137, Sept./Dec. 2006 Morfologia microscópica do nervo radial do ... GUIMARÃES, G. C. et al. Figura 2. Fotomicrografia do segmento médio do nervo radial de um gato doméstico, evidenciando o epineuro constituído por tecido conjuntivo frouxo (cf) e por conjuntivo denso não modelado (cd), próximo a um fascículo nervoso (f). Observa-se ainda uma arteríola (a) e uma vênula (v), além de fibroblastos (setas), H.S., 200x. Os fascículos nervosos individuais foram encontrados envolvidos por tecido conjuntivo denso modelado ou não modelado. Já o espaço preenchido entre os fascículos nervosos, denominado de septo epineural, apresentou tecido conjuntivo frouxo rico em adipócitos. Na reação do pricrossírius, observou-se uma coloração intensa em vermelho, com tons de amarelo e alaranjado, caracterizando a presença do colágeno tipo I, além de pequenos pontos dispersos corados em verde, evidenciando a presença do colágeno tipo III. Destacou-se, ainda no epineuro, a reação negativa ao P.A.S., indicando a ausência de glicosaminoglicanas neutras na sua constituição (Figura 3). Verificou-se fibroblastos, em grande quantidade, dispersos no epineuro, indicando intensa síntese de colágeno. O epineuro também apresentou fibrócitos que diferem dos fibroblastos pela forma do núcleo, que se apresenta mais arredondado nos fibroblastos do que nos fibrócitos. Os vasos sangüíneos presentes no epineuro foram os mais calibrosos dos encontrados no nervo radial do gato doméstico (Figura 2). O perineuro apareceu envolvendo os fascículos nervosos individualmente, assemelhando-se a uma cápsula protetora, composta por um número variável de células superpostas, arranjadas em camadas monocelulares concêntricas intercaladas com camadas de fibras colágenas. Esta região mostrou-se constituída por tecido conjuntivo denso modelado e P.A.S.-positiva, sugerindo a existência de glicosaminoglicanas neutras na sua constituição. Apresentou, ainda, tecido conjuntivo frouxo preenchi- mento dos espaços entre os fibroblastos (Figura 3). Figura 3. Fotomicrografia do segmento proximal do nervo radial de um gato doméstico, evidenciando três pequenos vasos sangüíneos (setas), epineuro P.A.S.-negativo (ep) e perineuro P.A.S.-positivo (pe), PAS/H., 200x. 131 Biosci. J., Uberlândia, v. 22, n. 3, p. 127-137, Sept./Dec. 2006 Morfologia microscópica do nervo radial do ... GUIMARÃES, G. C. et al. Os fibroblastos do perineuro são células pavimentosas, com núcleo fusiforme, citoplasma fino e alongado. Pode-se observar que os núcleos das células da camada externa do perineuro apresentaram-se mais claros e espessos do que o das células da camada interna, os quais se apresentaram mais afilados e com cromatina mais condensada. Em certos locais, notou-se a continuidade entre fibroblastos adjacentes (Figura 4). Figura 4. Fotomicrografia do segmento proximal do nervo radial de um gato doméstico, evidenciando as camadas externa (e) e interna (i) do perineuro, constituídas por células com núcleos fusiformes, citoplasma alongado, dispostas em camadas adjacentes. No interior do fascículo nota-se um fibrócito (seta), além de fibras nervosas mielinizadas (*), Historesin. AT./FUC., 1000x. O colágeno tipo I é o que predominou no perineuro, principalmente, na sua camada externa, onde se apresentou com uma coloração vermelha bem intensa. Na camada interna do perineuro, o vermelho ocorre de forma menos intensa do que a observada na camada externa, além de exibir pequena quantidade de colágeno tipo III, corado em verde claro, comprovando a presença de fibras reticulares em sua constituição. Pode-se notar de duas a 15 camadas celulares constituindo o perineuro, além de vasos sangüíneos de difícil visualização (Figura 5). O número dessas camadas variou de acordo com o diâmetro dos fascículos, apresentando-se em maior número nos maiores fascículos. Porém, não se observou que o número de células do perineuro diminuiu à medida que o nervo emite ramos nervosos. Figura 5. Fotomicrografia do segmento médio do nervo radial de um gato doméstico, evidenciando vaso sangüíneo no perineuro (seta), T. Gomori, 100x. 132 Biosci. J., Uberlândia, v. 22, n. 3, p. 127-137, Sept./Dec. 2006 Morfologia microscópica do nervo radial do ... GUIMARÃES, G. C. et al. Septos foram notados partindo da camada interna do perineuro para se interpor entre as fibras nervosas no interior dos fascículos nervosos, preenchendo-os e formando no seu conjunto o endoneuro. O tecido conjuntivo presente no endoneuro é o frouxo, que se mostrou envolvendo axônios individuais. Nele se observaram núcleos de fibroblastos com formas que variaram de esférica a triangular. Observou-se facilmente os axônios constituintes do nervo radial, com seus raios de neuroqueratina, demonstrando que os mesmos são, predominantemente, mielinizados. Os axônios apresentaram-se bem irregulares quanto à dimensão. Células de Schwann são observadas circundando os axônios, apresentando núcleos alongados, semelhantes a uma meia lua. Na reação do picrossírius, o endoneuro apresentou-se constituído por fibras de colágeno tipo I em maior quantidade que as do tipo III. Apresentou, ainda, reação negativa ao P.A.S. como o epineuro, indicando a ausência de glicosaminoglicanas neutras na sua constituição. Em cortes longitudinais, evidenciou-se fibras nervosas seguindo um percurso ondulado (Figura 6). Encontrou-se, também, no endoneuro, vasos sangüíneos em quantidade considerável, sendo de fácil visualização vênulas e capilares. Figura 6. Fotomicrografia de um corte longitudinal do segmento distal do nervo radial de um gato doméstico, evidenciando organização ondulada das fibras nervosas no endoneuro (setas), T. Masson, 400x. Os fascículos nervosos do nervo radial foram encontrados em número variado, apresentando valores distintos em cada região analisada. Assim, o segmento proximal apresentou média de 11,50 ± 5,40 fascículos, pequenos e com diâmetros variados. No segmento médio, observou-se média de 10,20 ± 2,94 fascículos com diâmetros mais uniformes que o segmento proximal, porém, maiores que os fascículos encontrados no segmento anterior. O segmento distal exibiu média de 15,30 ± 3,89 fascículos nervosos, com diâmetros de várias dimensões e menores que os observados no segmento médio. Notou- se, ainda, neste segmento, dois grandes fascículos, o ramo superficial e o profundo do nervo radial (Figura 7). A análise estatística dos resultados demonstrou diferença significativa (p<0,05) para as comparações das médias efetuadas entre as regiões estudadas. 133 Biosci. J., Uberlândia, v. 22, n. 3, p. 127-137, Sept./Dec. 2006 Morfologia microscópica do nervo radial do ... GUIMARÃES, G. C. et al. Figura 7. Fotomicrografia do nervo radial de um gato doméstico evidenciando-se: em A) segmento proximal com 8 fascículos (*), P.A.S./H., 40x. Em B) segmento médio com 7 fascículos (*), H.S., 40x. Em C) segmento distal com 12 fascículos (*), P.A.S./H., 40x. Em D) ramo superficial com 6 fascículos (*), T. Masson, 40x. DISCUSSÃO Histologicamente, os resultados desta investigação mostraram que é possível identificar três camadas de tecido conjuntivo, estruturalmente distintos, constituindo os tecidos de sustentação do nervo radial do gato doméstico. Assim, a camada externa ou epineuro envolve todo o nervo, o perineuro, reveste grupo de feixes nervosos formando os fascículos, e o endoneuro é o tecido conjuntivo presente no interior dos fascículos revestindo cada fibra nervosa. Tal estruturação coincide, de forma generalizada, com as observações feitas para nervos espinhais segundo Bailey et al. (1973), Cattelan et al. (1996), Cormack (1991), Dellmann e Carithers (1996), Gamble e Eames (1964), Gartner e Hiatt (2002), Jones e Cowan (1977), Junqueira e Carneiro (2004), Leeson e Leeson (1966), Stevens e Lowe (1995), Sunderland (1978) e Young e Heath (2001). O epineuro do nervo radial do gato mostrou-se constituído por duas camadas distintas de tecido conjuntivo, uma externa e outra interna. A camada externa apresenta-se formada por tecido conjuntivo denso conforme os relatos de Jones e Cowan (1977), Junqueira e Carneiro (2004), Leeson e Leeson (1966) e Ross, Reith e Romrell (1993). Este tecido apresenta-se modelado (CATTELAN et al., 1996) ou não modelado (BANKS, 1992), ocorrendo ainda casos em que os dois aparecem associados. O conjuntivo frouxo também pode estar presente nesta região, corroborando com as observações de Dellmann e Carithers (1996), Gartner e Hiatt (2002), Stevens e Lowe (1995) e Young e Heath (2001), que pode se apresentar condensado perifericamente (SUNDERLAND, 1978; YOUNG; HEATH, 2001). Os fascículos nervosos individuais são envolvidos por septos epineurais formados por conjuntivo denso modelado ou não modelado e ainda por conjuntivo frouxo, rico em adipócitos, assemelhando-se às descrições de Sunderland (1978), para nervos espinhais em humanos e de Cattelan et al. (1996), para o nervo radial do cão. A presença destas células, nesta região, indica função protetora para o nervo, ou seja, quando eventuais choques mecânicos ocorrem próximos ao nervo, o impacto sofrido é absorvido ou atenuado (SUNDERLAND, 1978; CATTELAN et al., 1996). Outras funções que poderiam ser atribuídas às células adiposas, presentes nos septos epineurais, é o de funcionar como isolante dos estímulos elétricos e também da temperatura, fatores funcionais não avaliados nesta oportunidade. O conjuntivo epineural dispõe-se de maneira que os fascículos fiquem amarrados em conjunto, unindo-os perifericamente, formando uma forte bainha cilíndrica, situação coincidente com as observações de Ross, Reith e Romrell (1993), Sunderland (1978) e Young e Heath (2001). Esta disposição paralela da bainha, ao longo do nervo, fornece sustentação estrutural (DELLMANN; 134 Biosci. J., Uberlândia, v. 22, n. 3, p. 127-137, Sept./Dec. 2006 Morfologia microscópica do nervo radial do ... GUIMARÃES, G. C. et al. CARITHERS, 1996) e certa mobilidade durante a realização dos movimentos (SUNDERLAND, 1978), fatores estes não avaliados neste estudo. As colorações, realizadas neste estudo, revelam que o epineuro do nervo radial do gato apresenta uma matriz onde há predomínio de colágeno, confirmando as observações de Bailey et al. (1973), Cattelan et al. (1996), Junqueira e Carneiro (2004), Leeson e Leeson (1966) e Sunderland (1978). Nota-se, na reação do pricrossírius, predominância do colágeno tipo I no epineuro e, também, pequena quantidade do colágeno tipo III, demonstrando a associação destes dois tipos de colágeno, reiterando as descrições de Junqueira, Cossermelli e Brentani (1978) para nervos espinhais. Verificou-se fibroblastos e fibrócitos dispersos em grande quantidade no epineuro, coincidindo com os relatos de Bailey et al. (1973), Cattelan et al. (1996), Junqueira e Carneiro (2004) e Leeson e Leeson (1966). Os vasos sangüíneos notados no epineuro são os mais calibrosos dos presentes no nervo radial do gato, observados em grande quantidade nesta região, assemelhando-se às descrições de Cattelan et al. (1996), Cormack (1991), Jones e Cowan (1977), Leeson e Leeson (1966), Stevens e Lowe (1995), Sunderland (1978) e Young e Heath (2001). Não foram observados vasos linfáticos no epineuro do nervo radial do gato conforme descreveram Dellmann e Carithers (1996), Leeson e Leeson (1966) e Sunderland (1978), em nervos espinhais de humanos, nem mesmo a presença de histiócitos (BAILEY et al., 1973). O perineuro do nervo radial do gato exibiu células arranjadas em camadas monocelulares concêntricas e superpostas, dispostas ao redor de cada fascículo nervoso, conforme as descrições de Bailey et al. (1973), Cattelan et al. (1996), Dellmann e Carithers (1996), Gamble e Eames (1964), Junqueira e Carneiro (2004), Leeson e Leeson (1966), Ross, Reith e Romrell (1993), Stevens e Lowe (1995) e Young e Heath (2001). Fibras colágenas foram encontradas intercaladas entre os fibroblastos perineurais, formando um tecido conjuntivo denso, conforme as descrições em camundon- gos (ROSS; REITH, 1969), em cães (CATTELAN et al., 1996), em humanos (SUNDERLAND, 1978) e em nervos espinhais de modo geral (BANKS, 1992; JUNQUEIRA; CARNEIRO, 2004; LEESON; LEESON, 1966; STEVENS; LOWE, 1995; YOUNG; HEATH, 2001). O conjuntivo perineural do nervo radial do gato mostrou-se formado por duas a quinze camadas celulares, com variações ocorrendo de acordo com o diâmetro dos fascículos, apresentando maior número de células nos maiores fascículos. Esta estruturação assemelha-se em parte aos relatos de Thomas (1963), que descreveu para o coelho dez camadas de células perineurais; aos de Gamble e Eames (1964) para o homem, que notaram de sete a nove camadas e, também, de Stevens e Lowe (1995) e Young e Heath (2001), que observaram de sete a oito camadas; aos de Banks (1992) para os animais domésticos, que descreveu de sete a quinze camadas; aos de Ross, Reith e Romrell (1993) para camundongos, que relataram de cinco a seis camadas; e aos de Cattelan et al. (1996) para o cão, que observaram de duas a treze camadas celulares. No entanto, não foi observada a ocorrência na diminuição do número de células do perineuro à medida que o nervo radial emite seus ramos nervosos, diferente das descrições de Banks (1992) e Dellmann e Carithers (1996), para os nervos espinhais dos animais domésticos e de Cattelan et al. (1996) para o cão. Pode-se distinguir duas camadas celulares constituindo o perineuro, uma externa, formada por células pavimentosas com núcleo fusiforme e claro, citoplasma fino e alongado, intercaladas por colágeno, da mesma forma que Cattelan et al. (1996) observaram no perineuro do cão. As células da camada interna exibem um núcleo mais afilado e com cromatina mais condensada do que as da camada externa, além de se apresentarem mais justapostas, reafirmando os relatos de Cattelan et al. (1996) para cães. Na reação ao P.A.S., notou-se a presença de gilocosaminoglicanas neutras na constituição do perineuro, conferindo certa resistência estrutural à mesma, o que reforça as descrições de Bailey et al. (1973), Dellmann e Carithers (1996), Gartner e Hiatt (2002), Junqueira e Carneiro (2004), Ross, Reith e Romrell (1993) e Stevens e Lowe (1995), que descrevem o conjuntivo perineural como uma barreira protetora para os feixes nervosos. Outro fato notado no perineuro do nervo radial do gato diz respeito ao momento em que um fascículo se divide, pois somente sua camada interna penetra o interior do fascículo, formando os septos que o dividem. Esta situação coincide com as descrições de Cattelan et al. (1996) para o cão. Neste estudo, observou-se, ainda, variações quanto à distribuição dos tipos de colágeno no perineuro, que exibiu em sua camada externa o tipo I e, na interna, o tipo III, demonstrando a presença de fibras reticulares em sua constituição, conforme as descrições de Banks (1992), para os animais domésticos e de Cattelan et al. (1996), para o cão. Vasos sangüíneos também foram observados no perineuro do nervo radial do gato, porém difíceis de serem notados, reforçando os relatos de Gartner e Hiatt (2002), 135 Biosci. J., Uberlândia, v. 22, n. 3, p. 127-137, Sept./Dec. 2006 Morfologia microscópica do nervo radial do ... GUIMARÃES, G. C. et al. que descreveram estes vasos como sendo ramificações dos vasos maiores, os quais cruzaram o epineuro. No interior dos fascículos do nervo radial do gato foi observado predomínio de fibras nervosas mielínicas bem irregulares quanto à sua dimensão, conforme descreveram Cattelan et al. (1996) para o cão. Estas estão circundadas pelo endoneuro, constituído por tecido conjuntivo frouxo, assemelhando-se aos relatos de Bailey et al. (1973), Dellmann e Carithers (1996), Ross, Reith e Romrell (1993) e Young e Heath (2001), para nervos espinhais de modo geral. O tecido conjuntivo do endoneuro aparece envolvendo axônios individuais, podendo-se distinguir núcleos de fibroblastos, de células de Schwann e de células endoteliais, corroborando com as descrições de Bailey et al. (1973), Banks (1992), Cattelan et al. (1996), Dellmann e Carithers (1996), Gamble e Eames (1964), Gartner e Hiatt (2002), Junqueira e Carneiro (2004), Stevens e Lowe (1995), Sunderland (1978) e Young e Heath (2001). No endoneuro, pode-se notar a presença do colágeno tipo I em maior quantidade que o do tipo III, demonstrando a presença, nesta região, de fibras colágenas, conforme descreveram Banks (1992), Cattelan et al. (1996) e Sunderland (1978), e de fibras reticulares, segundo as descrições de Cattelan et al. (1996), Gartner e Hiatt (2002), Junqueira e Carneiro (2004), Leeson e Leeson (1966) e Stevens e Lowe (1995). O endoneuro apresenta reação negativa ao P.A.S., indicando ausência de glicosaminoglicanas neutras em sua constituição, o que difere dos achados de Stevens e Lowe (1995), que descreveram uma matriz extracelular rica em glicosaminoglicanas no endoneuro de nervos espinhais em humanos. Foram observados, em grande quantidade, vasos sangüíneos no endoneuro, confirmando as descrições de Cormack (1991), Ross, Reith e Romrell (1993), Stevens e Lowe (1995) e Young e Heath (2001). Cortes longitudinais do nervo radial do gato demonstraram que as fibras nervosas apresentam-se onduladas em seu percurso, permitindo certa capacidade de distensão durante a realização dos movimentos, corroborando com os relatos de Young; Heath, (2001), embora nesta oportunidade, não se tenha avaliado sua funcionalidade. O exame dos fascículos nervosos do nervo radial do gato demonstra que logo após sua origem, ele está constituído por aproximadamente 12 ± 5,40 fascículos, provenientes das raízes espinhais, que se agrupam, formando um tronco nervoso polifasciculado. Em seguida, o número de fascículos diminui, exibindo média de 10 ± 2,94. Porém, estes apresentam diâmetros maiores que os anteriores. A partir deste ponto, o nervo radial começa a se ramificar, passando a apresentar cerca de 15 ± 3,89 fascículos nervosos, com diâmetros de várias dimensões, situação esta concordante com as descrições de Cormack (1991), que atribuem esta diferença ao grande número de ramificações emitidas pelos nervos espinhais durante seus percursos. Destaca-se aqui a importância do conhecimento detalhado da morfologia histológica dos nervos espinhais, estruturas funcionalmente relevantes, como no caso o nervo radial do gato, responsável pela inervação motora dos músculos extensores na região do braço, propiciando, assim, subsídios morfológicos referentes ao sistema nervoso periférico da espécie felina. CONCLUSÃO Histologicamente, os tecidos de revestimento do nervo radial do gato doméstico apresentaram-se de modo convencional, assemelhando-se aos já descritos nos animais domésticos, oferecendo sustentação às estruturas dele constituintes. ABSTRACT: The aim of this study was to describe the histological structure of the domestic cat´s radial nerve, which has three conjunctive tissues for sustentation. The epineurium is formed by dense modeled and non modeled conjunctive tissue, and loose conjunctive tissue. Of epineurium they break septum for perineurium. They are rich in adipose cells and are formed by dense non-modeled conjunctive tissue and by loose conjunctive tissue. The perineurium revests a group of nervous bundles and has from two to fifteen juxtaposed cells. These cells are concentric and they have a fusiform nucleus, a thin and prolonged cytoplasm that is divided in two layers – one external and other internal. The external layer´s interlaminar space is filled by collagen fibers and the internal layer´s by collagen and reticular fibers. The endoneurium is formed by loose conjunctive tissue that embraces predominantly myelinated axons, and also has collagen and reticular fibers. It was also analyzed in the present study the arrangement of the nervous fascicles, noticing in the proximal segment the average from 11.5 to 5.4 small fascicles of varied diameters. The medium segment presented the average from 10.2 to 2.94 fascicles with bigger diameters than the proximal segment. The distal segment presented the average from 15.3 to 3.89 fascicles showing a lot of dimensions 136 Biosci. J., Uberlândia, v. 22, n. 3, p. 127-137, Sept./Dec. 2006 Morfologia microscópica do nervo radial do ... GUIMARÃES, G. C. et al. and smaller than the observed ones in the medium segment. The statistic analysis of the results demonstrated significant difference (p<0.05) to the comparisons of the averages effected between the studied regions. The revestiment tissues of the radial nerve had been presented in a similar way to the described ones in the domestic animals. KEYWORDS: Histology. Radial nerve. Domestic cat. REFERÊNCIAS BAILEY, F. R.; COPENHAVER, W. M.; BUNGE, R. P.; BUNGE, M. B. Tecido nervoso. In: ______. Histologia. 6. ed. São Paulo: Edgard Blücher, 1973, p. 203-246. BANKS, W. J. Tecido nervoso. In: ______. Histologia veterinária aplicada. 2. ed. São Paulo: Manole, 1992, p. 237-261. BEHMER, A. O.; TOLOSA, E. M. C.; FREITAS NETO, A. G. Manual de técnicas para histologia normal e patológica. São Paulo: Edart, 1976. 239 p. BROWN, P. W. Factors influencing the success of the surgical repair of peripheral nerves. Surgical Clinics of North America, Philadelphia, v. 52, n. 5, p. 1137-1155, Aug. 1972. CATTELAN, J. W.; BLAZQUEZ, F. J. H.; FERREIRA, N.; SOARES, M. A. M. Aspectos histológicos do nervo radial no braço de cão (Canis familiaris, Linnaeus, 1758). Ars Veterinária, Jaboticabal, v. 12, n. 2, p. 154-162, dez. 1996. CHANDLER, E. A.; HILBERY, A. D. R.; GASKELL, C. J. Medicina e terapêutica de felinos. 2. ed. São Paulo: Manole, 1988. 449 p. CHRISMAN, C. L. Neurologia dos pequenos animais. São Paulo: Roca, 1985. 432 p. DELLMANN, H.; CARITHERS, J. R. Cytology and microscopic anatomy. Baltimore: Williams & Wilkins, 1996. 406 p. DENNY, H. R. A guide to canine and feline orthopedic surgery. 3. ed. Oxford: Blackwell Scientific Publications, 1993. 402 p. FENNER, W. R. Diseases of the brain, spinal cord and peripheral nerves. In: SHERDING, G. R. (Ed.). The cat diseases and clinical management. 2. ed. Philadelphia: W. B. Saunders, 1994, p. 1507-1568. GAMBLE, H. J.; EAMES, R. A. An electron microscope study of the connective tissues of human peripheral nerve. Journal of Anatomy, London, v. 98, n. 4, p. 655-663, jul. 1964. GARTNER, L. P.; HIATT, J. L. Atlas colorido de histologia. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002. 413 p. CORMACK, D. H. O tecido nervoso e o sistema nervoso. In: ______. Ham histologia. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1991, p. 267-303. JONES, E. G.; COWAN, W. M. Nervous tissue. In: WEISS, L.; GREEP, R. O. (Ed.). Histology. 4. ed. New York: Mc Graw Hill, 1977, p. 333. JUNQUEIRA, L. C.; CARNEIRO, J. Tecido nervoso. In: ______. Histologia básica: texto e atlas. 10. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004, p. 154-183. 137 Biosci. J., Uberlândia, v. 22, n. 3, p. 127-137, Sept./Dec. 2006 Morfologia microscópica do nervo radial do ... GUIMARÃES, G. C. et al. JUNQUEIRA, L. C. U.; COSSERMELLI, W.; BRENTANI, R. Differential staining of collagens type I, II and III by sirius red and polarization microscopy. Archivum Histologicum Japonicum, Niigata, v. 41, n. 3, p. 267-274, Aug. 1978. LEESON, C. R.; LEESON, T. S. Nervous tissue. In: ______. Histology. Philadelphia: W. B. Saunders, 1966, p. 177- 212. REICHMANN, M. L. A. B.; FIGUEIREDO, A. C. C.; PINTO, H. B. F.; NUNES, V. F. P. Controle de animais de estimação. São Paulo: Instituto Pasteur, 2000. 44 p. (Manuais, 6). RODKEY, W. G. Cirurgia dos nervos periféricos. In: SLATTER, D. (Ed.). Manual de cirurgia de pequenos animais. 2. ed. São Paulo: Manole, 1998, p. 1360-1368. ROSS, M. H.; REITH, E. J. Perineurium: evidence for contractile elements. Science Journal, London, v. 165, n. 3893, p. 604-606, Aug. 1969. ROSS, M. H.; REITH, E. J.; ROMRELL, L. J. Histologia: texto e atlas. 2. ed. São Paulo: Panamericana, 1993. 779 p. STEVENS, A.; LOWE, J. S. Sistema nervoso. In: ______. Histologia. São Paulo: Manole, 1995, p. 206-225. SUNDERLAND, S. Nerves and nerve injuries. 2. ed. Edinburgh: Churchill Livingstone, 1978. 1046 p. THOMAS, P. K. The connective tissue of peripheral nerve: an electron microscope study. Journal of Anatomy, London, v. 97, n. 1, p. 35-44, jan. 1963. YOUNG, B.; HEATH, J. W. Wheater/Histologia funcional: texto e atlas em cores. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001. 415 p.