Microsoft Word - 3_505.doc Original Article Biosci. J., Uberlândia, v. 23, n. 1, p. 14-21, Jan./Mar. 2007 14 DIGESTIBILIDADE PROTÉICA E CARACTERIZAÇÃO BROMATOLÓGICA DE LINHAGENS DE SOJA COM AUSÊNCIA OU PRESENÇA DO INIBIDOR DE TRIPSINA KUNITZ E DAS ISOZIMAS LIPOXIGENASES PROTEIN DIGESTIBILITY AND BROMATOLOGICAL CHARACTERIZATION OF SOYBEAN GENOTYPES WITH ABSENCE OR PRESENCE OF THE TRYPSIN INHIBITOR KUNITZ AND LIPOXYGENASES Fabrícia Queiroz MENDES1; Maria Goreti de Almeida OLIVEIRA2; Luciana Resende CARDOSO3; Neuza Maria Brunoro COSTA4; Rita de Cássia Oliveira SANT’ANA5 1. Doutoranda em Bioquímica Agrícola , Universidade Federal de Viçosa-UFV.fabriciaqm@yahoo.com.br; 2. Professora Adjunta, Departamento de Bioquímica e Biologia molecular-UFV; 3. Mestre em Bioquímica Bioquímica Agrícola-UFV; 4. Professora Adjunta Departamento de Nutrição-UFV; 5. Estudante de Nutrição- UFV RESUMO: O presente estudo objetivou caracterizar a composição centesimal e determinar a qualidade protéica de quatro variedades de soja, com ausência e/ou presença de inibidor de tripsina Kunitz (KTI) e de lipoxigenases (LOX), quando in natura e processadas à temperatura de 120 oC por 9, 12, 15 e 18 minutos. Os resultados obtidos quanto a análise bromatológica para as quatro linhagens foram: cinzas variaram de 5,86 a 5,95%; proteínas de 42,49 a 44,07%; lipídeos de 23,53 a 25,30% e carboidratos de 14,65 a 17,33%. A atividade inibitória de tripsina, em mg/g de proteína, variou de 900 a 1300. A 120 oC, a completa inativação dos inibidores nas variedades sem KTI foi conseguida em 9 minutos. Porém, para as linhagens com KTI, a completa inativação só foi conseguida com o tempo de 18 minutos. No ensaio biológico, os valores de digestibilidade in vivo variaram de 79,02 a 83,17, os valores de PER (Relação da Eficiência Proteica) de 1,83 a 2,75 e NPR (Razão proteica Líquida) de 3,03 a 4,08 para as farinhas de soja processadas. Não foi verificada diferença na digestibilidade entre as farinhas com KTI processadas por 18 minutos daquelas sem KTI processadas por 12 minutos. Isto sugere que a farinha isenta de KTI necessita de um tempo menor de exposição ao calor, reduzindo custos durante o processamento. PALAVRAS-CHAVE: Qualidade nutricional. Composição centesimal. Inibidores de proteases. INTRODUÇÃO A soja é uma leguminosa que teve sua origem na China, se expandindo por todo o oriente, sendo utilizada sobretudo na alimentação humana. Por volta de 1908, a primeira carga de soja chegou ao ocidente, na Inglaterra, e foi processada para obtenção de óleo e farinha, sendo esta utilizada para ração animal. Nos Estados Unidos, a produção de soja em grande quantidade começou em 1924 (CADWELL, 1981). O valor nutritivo de uma proteína depende não somente do seu valor quantitativo, mas também da qualidade de seus aminoácidos, da disponibilidade destes aminoácidos e, portanto, de sua digestibilidade. A digestibilidade pode ser entendida como sendo a hidrólise das proteínas pelas enzimas digestivas até aminoácidos e a absorção dos mesmos pelo organismo, os quais estariam biologicamente disponíveis, desde que não houvesse interferência na absorção dos mesmos pelo organismo. É avaliada pelo quociente entre nitrogênio absorvido e o nitrogênio ingerido da dieta, expresso em percentagem. Porém, o valor nutritivo dos alimentos é comumente afetado pelos vários tipos de tratamentos a que a fração protéica é submetida durante o preparo e armazenamento (SGARBIERI, 1996). Este mesmo autor cita que apesar de a soja ser rica em vários nutrientes, possui também em sua composição compostos biologicamente ativos que comprometem sua qualidade e que são denominados de fatores antinutricionais. Alguns destes fatores interferem na utilização dos nutrientes, como é o caso dos inibidores de proteases e das lectinas. A fim de combater os problemas relacionados com os fatores antinutricionais da soja sobretudo a presença de inibidores de tripsina, Roebuck (1987) salientou que vários processos vêm sendo desenvolvidos, porém muitos deles são de elevado custo e acabam por inviabilizar o uso da soja na alimentação. O autor argumenta que destes processos, o mais utilizado é o tratamento térmico, que consiste na inativação ou destruição dos fatores antinutricionais, de forma a melhorar a digestibilidade da proteína de soja. Porém, se seu uso for inadequado proporcionará a perda da qualidade nutritiva da soja, pois o uso de Received: 25/04/06 Accepted: 23/10/06 Digestibilidade protéica… MENDES, F. Q. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 23, n. 1, p. 14-21, Jan./Mar. 2007 15 temperaturas elevadas pode diminuir o valor nutritivo de uma proteína devido a reações químicas com alguns aminoácidos, indisponibilizando-os para absorção e afetar sua solubilidade. Desta forma, a fim de se conseguir uma melhora na qualidade nutricional do grão de soja, sem afetar suas propriedades nutricionais, muitas pesquisas de melhoramento genético têm sido desenvolvidas, de forma a se obter variedades com alto teor de proteína, atividade reduzida ou ausência completa de inibidores de tripsina e da enzima lipoxigenase. Assim, as linhagens desenvolvidas de soja têm sido investigadas para uma possível substituição da soja convencional pela agroindústria. Neste trabalho analisou-se alguns constituintes químicos e o valor nutricional de diferentes linhagens de soja, que diferem quanto à presença de inibidor de tripsina Kunitz (KTI) e/ou lipoxigenases (LOX), submetidas ou não ao tratamento térmico. MATERIAL E MÉTODOS Este trabalho foi desenvolvido no laboratório de Enzimologia do Instituto de Biotecnologia Aplicada à Agropecuária (BIOAGRO) e no laboratório de Nutrição Experimental do Departamento de Nutrição e Saúde da Universidade Federal de Viçosa (UFV) – MG. Material genético As sementes de linhagens de soja (Glycine max (L.) Merril) foram obtidas do programa de melhoramento genético da soja – BIOAGRO, com as seguintes características genotípicas: a) (CAC-1 TN KTI-) Linhagens com ausência completa de LOX e KTI (LOX- e KTI-); b) (CAC-1 TN) Linhagens com ausência completa de LOX e presença de KTI (LOX- e KTI+); c) (CAC-1 KTI-) Linhagens com presença de LOX e ausência de KTI (LOX+ e KTI-); d) (CAC-1) Linhagens com presença de LOX e KTI (LOX+ e KTI+); Obtenção da farinha de soja integral Os grãos selecionados foram lavados e aquecidos a 55 0C por 3 minutos para ligeira perda de água do cotilédone, encolhendo-o, facilitando o desprendimento da casca. Em seguida, os grãos foram quebrados em pedaços grandes, em moinho de martelo, promovendo a separação das cascas secas, em peneira de abanar. As cascas foram descartadas e os pedaços de grãos foram novamente levados ao moinho de martelo. As farinhas obtidas foram embaladas em sacos plásticos e mantidas a - 20 0C. Determinação da composição centesimal Todas as análises da composição centesimal foram realizadas em triplicata. As determinações de proteína, nas farinhas de soja integral e nas dietas, foram realizadas pelo método semimicro-Kjeldahl (ASSOCIATION OF OFFICIAL ANALYTICAL CHEMISTS - AOAC, 1984). O teor de nitrogênio foi convertido em proteína usando-se o fator 6,25. O teor de lipídeos foi determinado pelo método intermitente de Soxhlet (AOAC, 1984). Baseia-se na extração da fração lipídica com éter de petróleo. Após a extração e remoção do solvente, determinou-se gravimetricamente a quantidade de lipídeos presentes. Para a determinação do teor de umidade utilizou-se o método da secagem em estufa a 105 0C, até peso constante (AOAC, 1984). O teor de cinzas foi determinado por meio de calcinação da amostra em mufla entre 550 e 600 0C (AOAC, 1984). A concentração de carboidratos foi determinada por diferença em relação aos demais componentes. Tratamento térmico As farinhas de soja integrais foram tratadas termicamente como descrito por Herkelman et al. (1992) com algumas modificações. Foram autoclavadas a temperatura de 120 0C por 9, 12, 15 e 18 minutos. As amostras foram introduzidas na autoclave e o tempo de aquecimento iniciou quando o interior da mesma atingiu 120 0C. Ao atingir o tempo definido, a autoclave foi desligada, as amostras deixadas esfriar a temperatura ambiente e armazenadas a -20 0C. Determinação da atividade de inibidores de tripsina A atividade de inibidores de tripsina foi determinada nas farinhas de soja integrais e que receberam tratamento térmico. Para isto, determinou-se a atividade de tripsina pela hidrólise do substrato D,L-BApNA, conforme descrito por Erlanger, Kokowsky e Cohen (1961). A atividade de tripsina foi determinada quantificando espectrofotometricamente o produto p-nitroanilida liberado, a 410 nm. O coeficiente de extinção molar utilizado foi 8.800 M-1.cm-1 Digestibilidade protéica… MENDES, F. Q. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 23, n. 1, p. 14-21, Jan./Mar. 2007 16 (ERLANGER; KOKOWSKY; COHEN, 1961). Os resultados foram convertidos em mg de tripsina inibida por g de proteína (KAKADE et al., 1974). Ensaios Biológicos Determinação da digestibilidade protéica in vivo As farinhas de soja com KTI (KTI+ e LOX+ e KTI+ e LOX-) e tratamento térmico de 18 minutos e as sem KTI (KTI- e LOX+ e KTI- e LOX-) e tratamento térmico de 12 minutos foram selecionadas para o ensaio biológico, por não terem apresentado atividade inibitória de tripsina (Tabela 3). O ensaio biológico foi conduzido durante 14 dias com 36 ratos machos, raça Wistar, recém desmamados, com média de 23 dias de idade. A composição das dietas foi baseada na AIN-93G, segundo Reves, Nielsen e Fahey (1993), com o teor de proteínas alterado para 9 a 10%, conforme Tabela 1. Após o preparo, determinou-se o teor de proteína de cada dieta. Tabela 1. Composição das dietas experimentais utilizadas (g/100 g de mistura) Dietas Ingredientes Aprotéica Caseína D1 D2 D3 D4 Caseína - 10,74 - - - - Farinha de soja - - 21,39 25,46 22,38 23,50 Amido dextrinizado 13,2 13,2 13,2 13,2 13,2 13,2 Sacarose 10,0 10,0 10,0 10,0 10,0 10,0 Óleo de soja 7,0 7,0 2,0 2,0 2,0 2,0 Fibra (celulose microcistalina) 5,0 5,0 - - - - Mistura salínica 3,5 3,5 3,5 3,5 3,5 3,5 Mistura vitamínica 1,0 1,0 1,0 1,0 1,0 1,0 L-cisteína 0,3 0,3 0,3 0,3 0,3 0,3 Bitartarato de colina 0,25 0,25 0,25 0,25 0,25 0,25 Amido de milho 59,75 40,5 39,93 34,73 38,84 37,00 % de proteina Nd* 8,51 8,43 9,56 8,53 9,25 Fonte: Reeves et al. (1993); D1: dieta de farinha de soja integral com KTI e com LOX, processada a 120 0C/18 min; D2: dieta de farinha de soja integral com KTI e sem LOX, processada a 120 0C/18 min; D3: dieta de farinha de soja integral sem KTI e sem LOX, processada a 120 0C/12 min; D4: dieta de farinha de soja integral sem KTI e com LOX, processada a 120 0C/12 min; * Não determinado Os animais foram divididos em grupos de seis, de modo que a média dos pesos entre os grupos não excedesse 10 g. Foram distribuídos em gaiolas individuais, onde receberam água e suas dietas experimentais ad libitum, por 14 dias. Para a determinação da digestibilidade, as dietas foram marcadas com indigocarmin (100 mg/100g de dieta) e oferecidas aos animais no 7o e 13o dias. As fezes foram colhidas do 8o ao 14o, dias em recipientes individuais para cada animal e mantidas sob refrigeração. Ao término do período de colhidas, foram secas em estufa com circulação de ar, a 105ºC por 24 horas. Em seguida foram resfriadas, pesadas e trituradas em multiprocessador para determinação da concentração de nitrogênio, pelo método semimicro-Kjeldahl, com amostras em triplicata (AOAC, 1984). A digestibilidade verdadeira foi calculada medindo a quantidade de nitrogênio ingerido na dieta, a quantidade excretada nas fezes e a perda metabólica nas fezes, que corresponde ao nitrogênio fecal do grupo com dieta aprotéica (quantidade de nitrogênio excretada pelos ratos alimentados com a dieta livre de nitrogênio). O valor da digestibilidade foi expresso em percentagem, utilizando-se da seguinte equação: Na qual: I = Nitrogênio ingerido pelo grupo teste. F = Nitrogênio fecal do grupo teste. FK = Nitrogênio fecal do grupo com dieta aprotéica. Determinação do valor de PER (Relação da Eficiência Protéica) O valor de PER foi determinado pelo do método de Osborne, Mendel e Ferry, de acordo com a AOAC (1975). Este método relaciona o ganho de peso dos animais com o consumo de proteína. O valor de PER foi calculado pela seguinte equação: (g) consumida proteína (g) peso de ganho PER = Digestibilidade protéica… MENDES, F. Q. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 23, n. 1, p. 14-21, Jan./Mar. 2007 17 Determinação do valor de NPR (Razão Protéica Líquida) O valor de NPR foi determinado, de acordo com Bender e Doell (1957), no 14o dia do experimento, levando-se em consideração o ganho de peso do grupo teste, mais a perda de peso do grupo com dieta aprotéica, em relação ao consumo de proteína do grupo teste. O valor de NPR foi calculado de acordo com a seguinte equação (SGARBIERI, 1996): (g) consumida proteína (g) nitrogênio de livre grupo do peso de perda(g) peso de ganho NPR + = Análise Estatística Procedeu-se à análise de variância para determinação do valor de F (Fisher). Para determinação das diferenças entre médias, utilizou- se o teste de Tukey, a 5% de probabilidade. RESULTADOS Composição centesimal das farinhas A Tabela 2 apresenta a composição centesimal das farinhas de soja integrais. Tabela 2. Composição centesimal (g/100 g) das farinhas de soja integrais* Amostras** Proteínas Lipídeos Umidade Cinzas Carboidratos FS1 43,56ab 23,69c 9,56d 5,86a 17,33a FS2 42,49b 25,30a 11,64a 5,95a 14,65c FS3 43,04ab 24,48b 11,47b 5,88a 15,13bc FS4 44,07a 23,53c 10,69c 5,86a 15,85b * Médias seguidas de mesma letra, não diferem entre si pelo teste Tukey em nível de 5% de probabilidade; **FS1: farinha de soja KTI + e LOX+; FS2: farinha de soja KTI + e LOX-; FS3: farinha de soja; KTI - e LOX-; FS4: farinha de soja KTI - e LOX+ Inibidor de tripsina nas farinhas de soja integrais e submetidas ao tratamento térmico Na Tabela 3 são mostrados os teores de inibidores de tripsina das farinhas de soja integrais e submetidas aos diferentes tratamentos térmicos. Tabela 3. Inibidor de tripsina nas farinhas de soja integrais e submetidas ao tratamento térmico (mg de tripsina inibida/ g de proteína no extrato)* Tempo de tratamento térmico a 120 0C (min) Amostras** 0 9 12 15 18 FS1 1229,17a 191,07a 92,33a 72,45a 0,00a FS2 1302,60a 108,32b 82,08a 58,53a 0,00a FS3 928,72c 4,64c 0,00b 0,00b 0,00a FS4 1128,02b 0,00c 0,00b 0,00b 0,00a * Médias seguidas de mesma letra, não diferem entre si pelo teste Tukey em nível de 5% de probabilidade; **FS1: farinha de soja KTI+ e LOX+; FS2: farinha de soja KTI + e LOX-; FS3: farinha de soja KTI - e LOX-; FS4: farinha de soja KTI - e LOX+ Já a Tabela 4 mostra a porcentagem de redução da atividade inibitória da tripsina em todas as variedades de soja analisadas, em comparação com as mesmas farinhas em seu estado in natura. Tabela 4. Porcentagem de redução da atividade inibitória de tripsina nos diferentes tempos de processamento Tempo de tratamento térmico a 120 0C (min) Amostras* 9 12 15 18 FS1 84,45 92,48 94,10 100 FS2 91,68 93,69 95,50 100 FS3 99,50 100 100 100 FS4 100 100 100 100 *FS1: farinha de soja KTI + e LOX+; FS2: farinha de soja KTI + e LOX-; FS3: farinha de soja KTI - e LOX-; FS4: farinha de soja KTI - e LOX+ Ensaios Biológicos Digestibilidade Protéica in vivo Na Tabela 5 estão os valores encontrados para digestibilidade in vivo das dietas com caseína e farinha de soja. Verifica-se que a digestibilidade da dieta à base de caseína foi superior e estatisticamente diferente das demais dietas. Digestibilidade protéica… MENDES, F. Q. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 23, n. 1, p. 14-21, Jan./Mar. 2007 18 Tabela 5. Valores de digestibilidade das dietas de caseína e das farinhas de soja determinados em experimentos com ratos* Dietas** Digestibilidade R Digestibilidade (%)*** Caseína 95,01a 100,00 D1 83,17b 87,54 D2 82,50b 86,83 D3 79,02b 83,17 D4 81,09b 85,35 * Médias seguidas de mesma letra, não diferem entre si pelo teste Tukey em nível de 5% de probabilidade; **D1: dieta de farinha de soja integral com KTI e com LOX, processada a 120 0C/18 min; D2: dieta de farinha de soja integral com KTI e sem LOX, processada a 120 0C/18 min; D3: dieta de farinha de soja integral sem KTI e sem LOX, processada a 120 0C/12 min; D4: dieta de farinha de soja integral sem KTI e com LOX, processada a 120 0C/12 min;***R Digestibilidade = Digestibilidade relativa (%) Análise dos valores de PER e NPR Na Tabela 6 são mostrados os dados de qualidade proteica, avaliada pelos dados de PER (Relação da Eficiência Protéica) e NPR (Razão Protéica Líquida). Tabela 6. Valores de NPR e PER das dietas de caseína e das farinhas de soja determinados em experimentos com ratos* Dietas** PER R PER(%)*** NPR R NPR(%)*** Caseína 4,12 a 100,00 4,96a 100,00 D1 2,75b 66,84 4,08ab 82,14 D2 1,83b 44,54 3,03b 61,14 D3 2,21b 53,59 3,45b 69,46 D4 2,44b 59,20 3,51b 70,80 * Médias seguidas de mesma letra, não diferem entre si pelo teste Tukey em nível de 5% de probabilidade; **D1: dieta de farinha de soja integral com KTI e com LOX, processada a 120 0C/18 min; D2: dieta de farinha de soja integral com KTI e sem LOX, processada a 120 0C/18 min; D3: dieta de farinha de soja integral sem KTI e sem LOX, processada a 120 0C/12 min; D4: dieta de farinha de soja integral sem KTI e com LOX, processada a 120 0C/12 min; ***R PER= PER relativo; R NPR= NPR relativo (%) DISCUSSÃO Composição centesimal das farinhas Os valores mostrados na Tabela 2 caracterizam pela farinha de soja integral. Os teores de proteínas variou de 42,49 a 44,07 g/100g; lipídios de 23,53 a 25,30; cinzas de 5,86 a 5,95 g/100g; carboidratos de 14,65 a 17,33 g/100g e umidade de 9,56 a 11,64 g/100g. Estes dados estão de acordo com os valores encontrados por Monteiro et al. (2003) e demonstram que as linhagens de soja modificadas geneticamente possuem sua composição centesimal equivalente ao grão de soja convencional, se, contudo, apresentar os efeitos negativos da presença de KTI e LOX. Inibidor de tripsina nas farinhas de soja integrais e submetidas ao tratamento térmico A soja crua contém cerca de 6 % de inibidores, que atuam sobre as proteases ao nível do trato gastrintestinal, indisponibilizando o fornecimento de aminoácidos para o organismo, prejudicando a qualidade protéica (WHITAKER, 1994). Em geral, a inativação do inibidor de tripsina pelo calor é função do binômio tempo x temperatura, o que pode ser observado neste trabalho (Tabela 3), pois à medida que o tempo de exposição ao calor aumentou, uma diminuição da atividade inibitória foi verificada. Com aquecimento, a atividade inibitória reduz bruscamente nos primeiros minutos e com o aumento do tempo de exposição ao calor a queda é mais lenta (LEI; BASSETTE; REECK, 1981). Segundo alguns autores, os produtos de soja destinados ao consumo humano devem passar por tratamento térmico suficiente para inativar pelo menos 80% da atividade dos inibidores de tripsina (LIENER, 1994; BURNS, 1987). De acordo com os resultados encontrados, verifica-se que a temperatura de 120 0C foi suficiente para a inativação dos inibidores de tripsina a níveis aceitáveis (Tabela 4). Na Tabela 3 observa-se que o tempo de 9 minutos de autoclave foi suficiente para a completa inativação dos inibidores nas variedades isentas de KTI (FS3 e FS4). Entre estas, não foi verificada diferença significativa. Porém, para as variedades com KTI (FS1 e FS2) a completa inativação só foi conseguida aos 18 minutos de exposição ao calor. Desta forma, verifica-se que, mesmo nas variedades isentas de KTI, a aplicação do Digestibilidade protéica… MENDES, F. Q. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 23, n. 1, p. 14-21, Jan./Mar. 2007 19 tratamento térmico torna-se necessário para obtenção de uma melhor inativação dos inibidores, devido, possivelmente, a presença de inibidores inespecíficos e também aos inibidores da classe Bowman-Burk (BBI). Porém, a duração do tempo de aquecimento necessário para minimizar a atividade inibitória de tripsina foi cerca de 50% menos pra as farinhas derivadas das linhagens de soja sem KTI (FS3 e FS4) que a farinha de soja com KTI (FS1 e FS2). Ensaios Biológicos Digestibilidade Protéica in vivo A digestibilidade é um condicionante da qualidade protéica dos alimentos, pois indica o quanto das proteínas são hidrolisadas pelas enzimas digestivas e absorvias pelo organismo. Quando certas ligações peptídicas não são hidrolisadas no processo digestivo, parte da proteína é excretada nas fezes ou metabolizada pelos microrganismos do intestino grosso. Monteiro et al. (2003), avaliando a digestibilidade in vivo de linhagens de soja, verificou que as dietas à base de farinha de soja cruas derivadas de linhagens de soja sem KTI apresentaram valores de digestibilidade superiores (em média 92,94%) às dietas de farinhas de soja contendo KTI (em média 88,98%), mostrando que a eliminação genética do inibidor de tripsina “Kunitz” dos grãos de soja promove melhoria significativa na digestibilidade de sua proteína. Porém, os valores encontrados neste trabalho foram inferiores. Isto pode estar relacionado à indisponibilidade de alguns aminoácidos provocada por reações sofridas devido à ação do calor (FRIEDMAN; BRANDON, 2001). Os resultados da Tabela 5 mostram uma digestibilidade relativa, para as dietas à base de farinha de soja, superior à encontrada por Friedman e Gumbmann (1986), que, avaliando a qualidade nutricional de farinha de soja aquecida a 75 0C, obtiveram digestibilidade in vivo de 81,9%. Já para a farinha crua encontraram um valor de digestibilidade de 78,3%. Isto demonstra que através do tratamento térmico se consegue uma melhoria na digestibilidade protéica, principalmente de produtos de origem vegetal. No trabalho realizado por Sarwar (1997), em experimentos com ratos, encontrou-se um valor de digestibilidade para o farelo de soja aquecido de 83%, próximo aos valores relatados neste trabalho, que variaram de 79 a 83%. Análise dos valores de PER e NPR De acordo com os resultados apresentados na Tabela 6, observa-se que quanto ao valor de NPR a dieta à base de farinha de soja com KTI e LOX processada a 120 oC por 18 minutos (D1) não diferiu estatisticamente da dieta controle à base de caseína. Isto demonstra a alta qualidade protéica desta farinha para a manutenção dos pesos dos ratos. Porém, o valor de NPR para dieta com caseína foi significativamente superior aos encontrados para as demais dietas à base de proteínas de soja. E entre estas não foi verificada diferença significativa a 5 % de probabilidade. Os valores de NPR para as dietas à base de proteínas de soja variaram de 3,03 a 4,08. Estes resultados foram similares aos encontrados por Sarwar (1997), em experimento com ratos, utilizando farinha de soja aquecida a 121ºC/20 minutos tendo encontrado valores de NPR de 4,00, sendo superior à farinha de soja crua, que foi de 2,51. Quanto ao valor de PER (Tabela 6), houve diferença significativa entre os valores obtidos da dieta com caseína das demais à base de proteína de soja e entre estas não houve diferença significativa ao nível de 5 % de probabilidade. Isto demonstra que a qualidade protéica das dietas à base de farinha de soja é inferior à caseína para promoção do crescimento dos animais. Os valores de PER para as dietas à base de farinha de soja variaram de 1,83 a 2,75 (Tabela 6). Estes resultados foram inferiores aos encontrados por Sarwar (1997), em experimento com ratos, utilizando farinha de soja aquecida a 121ºC/20 minutos tendo encontrado valores de PER de 3,04. Porém foi superior ao encontrado para a farinha de soja crua, que foi de 1,30. De acordo com os resultados apresentados, observa-se que os valores de PER relativo foram inferiores aos valores de NPR relativo (Tabela 6). Isto demonstra que a proteína de soja presta-se melhor para a manutenção do peso dos ratos que para promover o crescimento dos mesmos. CONCLUSÃO Os resultados obtidos demonstram que as variações genéticas das linhagens de soja não afetaram a composição centesimal das farinhas, que foram semelhantes à variedade convencional, com KTI e LOX. Não foi verificada diferença significativa nos valores digestibilidade in vivo entre os grupos que receberam dieta à base de farinha de soja derivadas de linhagens de soja com KTI processadas em autoclave pelo tempo de 18 minutos, daquelas derivadas de linhagens de soja Digestibilidade protéica… MENDES, F. Q. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 23, n. 1, p. 14-21, Jan./Mar. 2007 20 sem KTI processadas no tempo de 12 minutos. Assim, estas variedades podem substituir as variedades convencionais, visando a redução de custos no processamento, uma vez que grãos de soja isentos de KTI necessitam de um menor tempo de exposição ao calor. ABSTRACT: The present study aim was the characterization of the centesimal composition and protein quality determination of four varieties, with absence and/or presence of the trypsin inhibitor Kunitz (KTI) and lipoxygenases (LOX), when in natura and whem processed in temperature of 120oC for 9, 12, 15 e 18 minutes. The results obtained for as the bromatological analysis for the four varieties were: ashes vary from 5.86 to 5.95%; proteins from 42.49 to 44.07%; lipids from 23.53 to 25.30% and carbohydrates from 14.65 to 17.33%. The trypsin inhibitor activity, in mg/g of protein, varies from 900 to 1300. At 120 oC, the trypsin inhibitor activity reduced roughly, the time of 9 minutes was enough for the complete inactivation of the inhibitors in the variets free from KTI. However, for the lineages with KTI, the complete inactivation of the inhibitors was only taken with the time of 18 minutes. In the biological rehearsals, the values of digestibility in vivo vary from 79.02 to 83.17%. The values of PER from 1.83 to 2.75 and NPR from 3.03 to 4.08 for the processed soy flour. It wasn’t verified significant difference in the digestibility between the flours with KTI processed for 18 minutes and the ones without KTI processed for 12 minutes. These suggest that the soy flour without KTI needs less time of heat exposition, reducing costs during the processing. KEYWORDS: Nutritional quality. Centesimal composition. Proteases inhibitors. REFERÊNCIAS ASSOCIATION OF OFFICIAL ANALYTICAL CHEMISTS. Official methods of analysis o f the Association of Official Analytical chemists. 14. ed. Washington, 1984.1141 p. BENDER, A. E.; DOEL, B. H. Note on the determination of net protein utilization on by carcass analysis. British Journal Nutrition, London, v. 11, n. 2, p. 138-143, feb. 1957. BURNS, R. A. Protease inhibitors in processed plant foods. Journal of Food Protection, Des Moines, v. 50, n. 2, p. 161-166, feb. 1987. CADWELL, J. O livro da soja. São Paulo: Ground, 1981. 79 p. ERLANGER, B .F.; KOKOWSKY, N.; COHEN, W. The preparation and properties of two new chromogenic substrates of trypsin. Archives of Biochemistry and Biophysics, Orlando, n. 95, v.2, p. 271-278, nov. 1961. FRIEDMAN, M.; BRANDON, D. L. Nutritional and health benefits of soy proteins. Journal of Agricultural and Food Chemistry, Columbus, v. 49, n. 3, p. 1069-1086, mar. 2001. FRIEDMAN, M.; GUMBMANN, R. M. Nutritional improvement of soy flour through inactivation of trypsin by sodium sulfite. Journal of Food Science, Chicago, v. 51, n. 5, p. 1239-1241, sep.-oct. 2001. HERKELMAN, K. L., CROMWELL, G. L., PFEIFFER, T. W., KNABE, D. A. Apparent Digestibility of Amino Acids in Raw and Heated Conventional and low Trypsin Inhibitor Soybeans for Pigs. Journal of Animal Science, Champaign, v. 70, n. 3, p. 818-826, mar. 1992. KAKADE, M. L.; RACIS, J. J.; MCGHEE, J. E.; PUSKI, G. Determination of trypsin inhibitor activity of soy products: a collaborative analysis of an improved procedure. Cereal Chemistry, St. Paul, v. 51, n. 3, p. 376- 382, may-jun. 1974. LEI, M-G.; BASSETTE, R.; REECK, G. R. Effect of cysteine on heat inactivation of soybean trypsin inhibitors. Journal of Agricultural and Food Chemistry, Columbus, v.29, n. 5, p. 1196-1199, sep.-oct. 1981. LIENER, I. E. Implications of antinutritional components in soybean foods. Critical Reviews in Food Science and Nutrition, Amherst, n. 34, v. 1, p. 31-67, jan. 1994. Digestibilidade protéica… MENDES, F. Q. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 23, n. 1, p. 14-21, Jan./Mar. 2007 21 MONTEIRO, M. R. P.; MOREIRA, M. A.; COSTA, N. M. B.; OLIVEIRA, M. G. A.; PIRES, C. V. Avaliação da digestibilidade protéica de genótipos de soja com ausência e presença do inibidor de tripsina Kunitz e lipoxigenases. Brazilian Journal of Food Technology, Campinas, v. 6, n. 1, p. 99-107, jun. 2003. REEVES, P. G., NIELSEN, F. H., FAHEY, G. C. AIN-93 purified diets for laboratory rodents: final report of the american institute of nutrition ad hoc writing committee on the reformulation of the AIN-76A rodent diet. Journal of Nutrition, Bethesda, v. 123, n. 11, p. 1939-1951, nov. 1993. ROEBUCK, B. D. Trypsin inhibitors: potential concern for humans? Journal of Nutrition, Bethesda, v. 117, n. 2, p. 398-400, feb. 1987. SARWAR, G. The protein digestibility-corrected amino acid score method overestimates quality of proteins containing antinutritional factors and of poorly digestible proteins supplemented with aimiting amino acids in rats. Journal of Nutrition, Bethesda, v. 127, n.5, p. 758-764, may 1997. SGARBIERI, V. C. Proteínas em alimentos protéicos. São Paulo: Varela, 1996. 517 p. WHITAKER, J. R. Principles of enzimology for the food sciences. New York: M. Dekker, 1994. 625 p.