Microsoft Word - revisado-13-VF.rtf Original Article Biosci. J., Uberlândia, v. 23, Supplement 1, p.82-88, Nov. 2007 82 ABELHAS PARA A MELHOR IDADE: CURSO DE MELIPONÍNEOS, ALFABETIZAÇÃO TÉCNICA PARA A CONSERVAÇÃO BEES FOR THE BEST AGE: STINGLESS BEES COURSE, TECHNICAL TEACHING FOR CONSERVATION Geusa Simone de FREITAS1, Weyder Cristiano SANTANA1, Ivan Paulo AKATSU1, Ademilson Espencer Egea SOARES2 1. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto/USP; 2. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/USP RESUMO: O presente trabalho é resultado de uma experiência inédita desenvolvida por alunos do Programa de Pós-graduação em Entomologia da FFCLRP-USP, apresentando as abelhas sociais a grupos de pessoas da terceira idade, ministrando dois cursos de difusão cultural. Os objetivos, nestes cursos, foram despertar e desenvolver a consciência para a preservação dos recursos naturais, da diversidade da flora e fauna, redimensionar a prática pedagógica, com a universidade indo diretamente à comunidade unindo teoria e prática, utilizando como pano de fundo o estudo e o manejo de meliponíneos - abelhas sociais sem ferrão. Os resultados obtidos foram analisados pelo método qualitativo, considerando que as pessoas na terceira idade estão em uma fase de transição na qual deixam a obrigatoriedade das atividades escolhidas na juventude e têm a possibilidade de escolher outra atividade à qual queiram se dedicar só por prazer ou como atividade produtiva. A experiência com os grupos mostrou que a maneira como os conceitos foram trabalhados durante as aulas tornou muito fácil a compreensão e a prática, independentemente do nível de escolaridade dos alunos, visto que nos grupos havia desde pessoas com pós-graduação até pessoas que eram somente alfabetizadas. Outro aspecto educacional relevante é que se iniciou, a partir destes cursos, um grupo de discussões permanente com reuniões periódicas para aperfeiçoar e discutir propostas de preservação ambiental, caracterizando uma formação continuada. UNITERMOS: Terceira idade. Alfabetização técnica. Biologia e manejo de meliponíneos. INTRODUÇÃO Os dados do IBGE (2001) sobre a tabela de vida da população brasileira revelam que a esperança de vida ao nascer, vem sofrendo ao longo dos anos, incrementos paulatinos. Particularmente, entre 1980 e 2001, na população de ambos os sexos, esse indicador da mortalidade (considerando mortes naturais e por causas acidentais) passou de 62,7 anos para 68,9, correspondendo, a um incremento de 6,2 anos ou, a 78,4 meses. Observou-se que os diferenciais entre os sexos também apresentaram aumentos ao longo dos 21 anos de estudo. Em 1980, enquanto as mulheres possuíam uma esperança de vida ao nascer de 66,0 anos, os homens detinham uma vida média de 59,6 anos, representando uma diferença de 6,4 anos. Vinte e um anos mais tarde, as mulheres brasileiras, já estariam vivendo, em média, 7,8 anos a mais que os homens (72,9 anos, para o sexo feminino e 65,1 anos, para o sexo masculino). Este fato, desconsiderando as mortes por causas acidentais que são inevitáveis, é conseqüência das melhorias na qualidade de vida, resultante de avanços tecnológicos que possibilitaram a criação de vacinas e medicamentos, por exemplo, que beneficiam a população. Em virtude disto, as pessoas entram na idade adulta e posteriormente na terceira idade com grande vigor físico diferentemente de nossas bisavós que, quando chegavam à terceira idade ficavam fazendo tricô, lendo jornal e achavam que não precisavam mais desempenhar nenhuma atividade produtiva. Hoje, quando as pessoas entram na terceira idade e se aposentam, elas estão propensas a iniciarem novas atividades e estão cheias de disposição. Estas mudanças comportamentais e na estrutura etária da população brasileira tem levado muitos pesquisadores a estudar e desenvolver atividades de lazer e físicas, próprias para esta faixa etária, promovendo melhoria na qualidade de vida. E, ainda considerando esta pesquisa do IBGE existe uma tendência de que a idade média das pessoas tende a aumentar no mundo inteiro. Dentro desta perspectiva é que foi pensado um curso envolvendo abelhas/meio ambiente e terceira idade, pois estas pessoas seriam formadores subseqüentes de opinião e influenciariam a mudança no quadro social, além de serem divulgadores dentro dos seus respectivos círculos familiares e sociais, pois importantíssimo no processo de transformação da realidade é o papel desempenhado pela prática dos sujeitos. Prática que não deve ser confundida com ativismo, mas que deve servir de guia para o conhecimento e possível transformação da realidade (GRABAUSKA; DE BASTOS, 2001). Contudo, no primeiro momento, quando pensamos em direcionar uma atividade deste tipo Received: 14/06/07 Accepted: 10/10/07 Abelhas para a melhor... FREITAS, G. S. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 23, Supplement 1, p.82-88, Nov. 2007 83 para a terceira idade não tínhamos, ainda, a percepção se este seria aceito e acatado por este público-alvo e se o assunto "abelha" poderia suscitar interesse e motivação. Um aspecto muito discutido na preparação do curso foi como adequar as aulas a estes grupos considerando que teríamos dentro de sala pessoas com diferentes idades e que dentre estas poderíamos encontrar pessoas com os mais variados problemas de saúde (hipertensos, diabéticos, obesos, deficientes visuais, auditivos) que poderiam exigir cuidados especiais e uma atenção redobrada dos professores. E ainda, como trabalhar a parte audiovisual das aulas teóricas para que houvesse interesse por parte dos alunos e conseqüente participação durante as aulas; e, por último como tornar as aulas descontraídas, sem perder a legitimidade, e deixar os participantes à vontade para questionar e interagirem entre si e com os professores. Segundo Cajas (2001), as Ciências, naquilo que têm de mais relevante como a possibilidade de exploração e compreensão do meio social e natural à luz de conhecimentos advindos das vivências e informações teóricas dos sujeitos, poderão contribuir, na sua inserção escolar, para a introdução da criança à cultura científica. Paradoxalmente, há, no Brasil, grande número de adultos que precisam, e têm o direito como cidadãos, de ter acesso à cultura científica, e com um agravante, visto que muitas vezes as oportunidades de adultos terem acesso a essas informações de forma sistematizada são mais difíceis. Baseado nestas observações da realidade, reforça-se a necessidade de cursos para esta faixa etária, visando ensino-aprendizagem da alfabetização científica. Considerando todas as constatações expostas e ainda a necessidade de promover cursos direcionados à terceira idade visando o ensino de novos conceitos e técnicas, e também, a possibilidade de aumentar o número de defensores da natureza é que foi proposto um curso sobre "Biologia e manejo de meliponíneos", abelhas nativas sem ferrão, cujo objetivo foi conscientizar sobre a importância de conservar e criar abelhas, e despertar nas pessoas da terceira idade o interesse por uma atividade alternativa, lucrativa e que contribuísse para a manutenção da biodiversidade. E, em contrapartida realizar durante o curso um processo investigativo da prática pedagógica. MATERIAL E MÉTODOS Foram realizados inicialmente dois cursos: 1 - "Abelha na melhor idade", ministrado no Departamento de Genética da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, USP, no período de 04/09 a 23/10/2003. 2 - "O mundo das abelhas", realizado em parceria com o SESC-RP (Serviço Social do Comércio de Ribeirão Preto), dentro do programa Trabalho Social com Idosos, durante o mês de novembro de 2003. Os cursos foram divididos em aulas práticas e teóricas, atividades em grupo, visitas técnicas e passeios no Campus da USP para conhecer e identificar ninhos naturais, alojados em edificações e árvores, além de outras atividades extraclasse. As aulas teóricas tinham duração de 4 horas, sendo duas horas de aula expositiva, seguido de um intervalo de aproximadamente 30 minutos, após o qual se retornava a aula, onde eram desenvolvidas diferentes atividades de dinâmicas em grupos como: caça-palavras, reconhecimento das diferentes ordens de insetos em coleções entomológicas, palavras cruzadas, perguntas e respostas, questões de múltipla escolha e tira-dúvidas. Como atividade extraclasse, os alunos foram divididos em grupos que eram responsáveis pela pintura e decoração de uma cobertura para caixa racional de meliponíneos, oferecida pelos organizadores, cujo modelo era uma "casa de boneca" confeccionada em madeira. Os alunos foram incentivados a realizar, fora da sala de aula, atividades artísticas que envolvessem de alguma forma o tema abelha e/ou seus produtos, isto para que eles exercessem a criatividade, buscando novas propostas para a aplicação do conhecimento adquirido aliado às suas experiências individuais e coletivas. As aulas práticas eram realizadas preferencialmente aos sábados, quando era possível explorar as caminhadas com mais liberdade, visto que durante o final de semana o número de pessoas circulando dentro do campus era menor. Nestes dias sugeria-se aos alunos que viessem com roupas confortáveis, que usassem chapéus, protetores solares, calçados adequados e que trouxessem garrafas com água. Nestas aulas, eles tinham a oportunidade de vivenciar toda a bagagem de conhecimentos adquiridos, exercitando os novos conceitos e evidentemente modificando aqueles antigos que faziam parte da sabedoria individual e que em alguns casos eram equivocados. Era interessante a alegria deles ao realizar as atividades e a rapidez com que assimilavam as experiências corretas e modificavam as atitudes. Durante as aulas práticas eles puderam fazer divisões e transferências de colônias de meliponíneos. E com freqüência, nas Abelhas para a melhor... FREITAS, G. S. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 23, Supplement 1, p.82-88, Nov. 2007 84 semanas posteriores às aulas práticas, eles chegavam contando que haviam começado a trabalhar com abelhas que estavam localizadas em muros ou paredes próximas às suas casas, colocando caixas- iscas ou fazendo captura quando era possível. Foi realizada uma visita a um meliponicultor (pessoa que se dedica a criação racional de abelhas sem ferrão), quando puderam conhecer a estrutura utilizada por ele para criar as suas abelhas, trocar experiências e esclarecer dúvidas. Esta atividade foi extremamente importante porque puderam observar in loco uma criação de abelhas fora do âmbito da universidade e desmistificar alguns conceitos sobre conservação ambiental, compreendendo, por exemplo, que para preservar não se precisa necessariamente de uma grande extensão de terra, pois este meliponicultor mora em um bairro na zona urbana e cultiva em sua casa muitas espécies vegetais, em vasos e em um pequeno jardim, as quais são visitadas pelas abelhas. A relevância desta visita foi maior porque se trata de um meliponicultor preservacionista e que tem várias espécies de abelhas das quais cuida com esmero e tem descoberto formas alternativas de manejá-las, experiências, estas que ele compartilha com a universidade. Ele também se dedica ao plantio sistematizado de árvores em praças e ruas circunvizinhas para produzir alimento para as abelhas (néctar e pólen) e frutos, atraindo gradativamente os pássaros. Isto tem contribuído para melhorar a qualidade de vida dos moradores da região. Uma visita a uma indústria local que processa mel, pólen, própolis e geléia real, também estava incluída na programação do curso para que os alunos pudessem interagir com as tecnologias utilizadas no processamento dos produtos que entram em nosso cotidiano e muitas vezes sequer temos a curiosidade de saber como ocorre a sua elaboração. Foram convidadas duas professoras para proferirem palestras sobre polinização por meliponíneos e plantas medicinais, que enfatizaram a estrita relação entre a importância de se preservar estas abelhas e o aumento da produção e da qualidade dos frutos decorrentes do processo de polinização executado por essas abelhas com base em dados experimentais. Este foi um dos pontos alto do curso porque nestas palestras foi mostrado a importância de se preservar e o porquê, baseado em fatos concretos, como por exemplo, a maior produção de frutos e a melhor qualidade dos frutos polinizados por abelhas. Outra atividade realizada dentro do campus da USP-RP, denominada "Procurando Irá", (irá do tupi-guarani = abelha) consistia em uma caminhada com intuito de encontrar ninhos previamente marcados (placas numeradas em preto num fundo amarelo), identificá-los e situá-los no mapa da área em uma rota delimitada. A surpresa nesta caminhada foi que, tão logo eles se sentiram à vontade para investigar a área, começaram a descobrir ninhos ainda não marcados e rapidamente tentaram determinar qual era a abelha, usando como critério as informações sobre a arquitetura dos ninhos e os registros fotográficos veiculado nas aulas teóricas. No início do curso foi proposto que, a cada semana, três pessoas trouxessem iguarias que contivessem mel em sua receita para serem saboreadas nos intervalos das aulas e para resgatar o gosto pelas receitas caseiras e muitas vezes conhecidas apenas pelo núcleo familiar. Esta proposta resultou em momentos agradabilíssimos e em uma coletânea de novas receitas, as quais foram compartilhadas com todos, sem falar das delícias que foram degustadas e das várias histórias que ouvimos nestes momentos. Cabe-se ressaltar, entretanto, que o emprego do mel na culinária brasileira, está intimamente relacionado ao mel de abelhas Apis mellifera (antigamente denominadas "oropas" e atualmente africanizadas) que apresentam ferrão. As "casas de bonecas" pintadas pelos alunos resultaram em belas obras de arte e tinham como principal propósito revestir as caixas racionais, para que elas se tornassem mais atrativas para o público e que pudessem ser eventualmente inseridas no paisagismo urbano, como decoração de jardins. No último dia do curso, foram apresentados vários trabalhos artísticos produzidos por eles tendo como motivo central a abelha, incluindo uma encenação teatral, bordados, pinturas, desenhos, sabonetes com mel, pães de mel, velas, caixas, crônicas e poemas. RESULTADOS E DISCUSSÃO Formação inicial e continuada Durante os cursos, podemos considerar que foi realizada a formação inicial dos dois grupos, com a introdução em seu saber de novos conhecimentos, tornando-os aptos a fazer auto- reflexões sobre a situação social, convertendo-os em agentes modificadores responsáveis pelas transformações sociais com embasamento técnico- científico, o que os capacita a fazer críticas fundamentadas, pois, do conhecimento Abelhas para a melhor... FREITAS, G. S. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 23, Supplement 1, p.82-88, Nov. 2007 85 interpretativo dos professores resultará o investigador, que deve pautar-se no diálogo da sua própria “percepção da realidade” construída, adquirida, percebida no todo. Isto implica neste trabalho/prática/processo, a necessidade de refletir sobre seus princípios, suas posturas às diferentes visões que surjam no grupo de trabalho, vivendo e educando-se junto a ele (ABIP et al, 2001). A formação continuada, termo aplicado, geralmente, à formação de professores pode ser ampliada e ser empregada na formação de grupos que tenham objetivos comuns e estejam engajados numa proposta real, palpável, como é o caso neste trabalho. Um dos resultados desta experiência com a terceira idade foi a criação de um grupo de discussões e trabalhos com abelhas e meio ambiente. Este grupo passou a ter reuniões periódicas, conseqüência de uma participação ativa dos alunos e do interesse destes na preservação do meio ambiente. Esta proposta culminava com os anseios que motivaram a criação do curso e foi amplamente aceita. Segundo Schnetzler (1996), a formação continuada de professores é justificada por três razões: necessidade de contínuo aprimoramento profissional e de reflexões críticas sobre a própria prática pedagógica; necessidade de se superar o distanciamento entre contribuições da pesquisa educacional e a sua utilização para a melhoria da sala de aula, implicando que o professor seja também pesquisador de sua própria prática; em geral, os professores têm uma visão simplista da atividade docente, ao conceberem que para ensinar basta conhecer o conteúdo e utilizar algumas técnicas pedagógicas. Baseando-se nestas razões podemos traçar um paralelismo, guardadas as devidas proporções, onde os grupos formados podem ser considerados como os professores sendo ao mesmo tempo agentes da sua própria prática e descobridores de novas formas de trabalho. No entanto, algumas diferenças são relevantes, já que estas pessoas não estão em uma sala de aula e são transmissoras do conhecimento a partir do momento em que elas convencem outras pessoas da importância, por exemplo, de manter fragmentos florestais por serem ambientes necessários para a manutenção de polinizadores. Nestes momentos estão sendo os próprios pesquisadores de sua prática pedagógica, pois, têm de criar soluções para os problemas que surgem inesperadamente e se prepararem para atender a diversidade de pessoas e grupos. Outro fator que nos leva a traçar este paralelismo é com relação à realização das reuniões periódicas, as quais servem para aperfeiçoar o conhecimento e para a discussão de práticas que foram desenvolvidas com sucesso e aquelas que tiveram falhas. Neste processo os professores do curso participam das atividades dos grupos, das reuniões e os benefícios são mútuos. Os professores desempenham um papel primordial nos sistemas educativos nos quais atuam, desfrutando de uma maior ou menor liberdade de ação segundo os contextos escolares nos quais estão inseridos. Durante toda a sua vida constroem um saber docente mais amplo que o próprio domínio das disciplinas. Com o passar dos anos vão construindo um verdadeiro repertório de representações pedagógicas oriundas da experiência não só da aula, como também, ampliada pela busca de um melhor desempenho profissional (QUEIROZ; FRANCO, 2003). Todo processo ensino- aprendizagem apresenta imprevistos e neste trabalho os imprevistos poderiam ser de várias ordens, pois não se tinha conhecimento de como poderia ser o trabalho com a terceira idade. Desse modo, os professores discutiram sobre o desempenho que teriam durante as aulas, tentaram adequar as aulas às necessidades surgidas no seu desenvolvimento e após cada aula reuniam-se e discutiam sobre tudo o que havia sido ministrado, refletindo sobre as práticas pedagógicas utilizadas. Considerando que a construção do conhecimento se faz a partir do aproveitamento das diversas concepções educacionais e assim, mostrando como a partir da construção e vivência da espiral de fases de planejamento, ação, observação e reflexão, para um replanejamento, construímos o conhecimento colaborativamente – o conhecimento crítico. O planejamento é a elaboração das nossas atividades educacionais (ação prospectiva); a ação, a aula propriamente dita; a observação, os registros do que ocorre na aula em relação à prática e ao planejamento; a reflexão é o retorno aos registros, uma maneira de distanciar-se da prática para pensá- la e também apontar caminhos para reinventá-la. Trabalhando dessa maneira, procuramos dentre outras coisas incorporar a capacidade de refletir e agir, buscando o conhecimento através da investigação-ação educacional acoplada à alfabetização técnica (MION, 2001). Foram adotadas várias analogias para explicar os conceitos das aulas e estas analogias ligavam uma aula à outra, por exemplo: Quando o professor explicou como uma abelha campeira reconhece a entrada de sua colônia em meio a tantas iguais que podem existir em um meliponário, um aluno perguntou: Como uma abelha reconhece a sua colônia e não a colônia vizinha? Abelhas para a melhor... FREITAS, G. S. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 23, Supplement 1, p.82-88, Nov. 2007 86 Professor: Consideremos um conjunto habitacional, onde as casas são padronizadas, todas têm o mesmo muro na frente e a mesma cor, ou seja, são iguais. Algum morador entra na casa do vizinho quando chega do trabalho, pensando ser a sua casa? E se ele entra? Qual a reação do vizinho? Partindo daí o professor introduz as diversas facetas do comportamento que levam uma abelha a identificar a sua colônia. Outra atitude que foi tomada durante as aulas foi com relação à condução do raciocínio dos alunos até a descoberta por eles mesmos de como e por que ocorria, por exemplo, determinado comportamento das abelhas, evitando entregar aos alunos os conceitos prontos, direcionando exemplos e situações até chegar ao conceito que se queria passar. O desempenho dos professores durante as aulas também merece ser destacado, pois estes se desdobraram e lançaram mão de muita expressão corporal para deixar os alunos atentos todo o tempo. O professor com mais experiência em sala de aula, então, deixou vir à tona todo o seu potencial teatral para enriquecer as aulas, fato este que gerou, durante a reflexão em torno da prática, questionamentos e descobertas individuais sobre a forma como cada professor trabalha a sua performance e o seu desempenho, entendendo que a auto-reflexão em torno da prática é o caminho para o esclarecimento e este só pode ocorrer de fato se não se realizar apenas como uso privado da razão. Além disso, também, deve ser realizado compartilhando saberes com os demais e utilizando- se da própria razão (MION, 2001). Neste trabalho os professores desenvolveram as suas capacidades de refletir, construir conhecimento e compreender que conhecimento crítico é o tipo de conhecimento proveniente da vivência de um processo de reflexão crítica em torno da própria prática e que agrega conhecimento técnico, prático e emancipatório. É o conhecimento provindo do saber, aquele que vamos produzindo, re-elaborando e adquirindo, alargando nossa bagagem cultural, nossos entendimentos e, com isso, nos libertando (MION, 2001). Algumas estratégias para melhor trabalhar com a terceira idade Embora o grupo de professores não tivessem tido ainda nenhuma experiência prévia com este público alvo, houve uma preocupação grande em buscar informações de como se trabalhar para que os objetivos fossem alcançados. Desta forma mantivemos contato com a Dra. Rosalina A. Partezani Rodrigues, chefe do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada (DEGE) da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto-USP, que é especialista em Enfermagem Gerontológica e Geriátrica, e que desenvolve há anos oficinas e cursos com esse público. Consultamos também a Animadora Sócio- cultural Goreti Maria Costa Dias, responsável pelo Trabalho Social com Idoso, do SESC/RP e participamos de um Simpósio sobre Encontro técnico: Trabalho Social com Idosos. Recebemos ótimas sugestões e tivemos a oportunidade de esclarecer alguns pontos relevantes. A primeira dúvida foi com relação sobre qual seria o melhor horário para se trabalhar com pessoas da terceira idade, pois em princípio o curso havia sido programado para ser ministrado em dois períodos se estendendo das 08h00min às 17h00min, o que foi alterado após uma observação da Dra. Rosalina, quem, informou que por uma questão pragmática o período vespertino era o mais adequado, porque no período matutino estas pessoas geralmente estão envolvidas em afazeres domésticos. Medida esta que foi adotada pelos organizadores do curso e discutida posteriormente com os participantes do grupo, os quais concordaram que este horário era realmente o mais adequado. Outro aspecto a ser considerado é o de se trabalhar com muita imagem, deixando as aulas bastante ilustradas e com atividades que estimulem o raciocínio e que enfatizem e sedimentem as informações dadas anteriormente. Usamos caça- palavras, palavras cruzadas, atividades que resultaram em estímulo para encontrar respostas aos problemas apresentados. Elaboramos, também, algumas questões de múltipla escolha que eram respondidas em grupos e se transformaram em um jogo. Todas as atividades foram desenvolvidas sem o peso de ser uma avaliação, em um clima bem relaxado, para não inibir as pessoas que tinham uma leitura mais lenta. O trabalho em grupo para o desenvolvimento destas atividades foi uma excelente experiência porque houve colaboração entre os membros dos grupos e eles realmente formaram uma equipe. Atividade social resultante dos cursos: Efeito multiplicador Depois do encerramento dos dois cursos houve interação entre os participantes e a mobilização entre eles para a multiplicação do conhecimento – “efeito cascata”. A primeira decisão foi a formação de grupos para proferir palestras em associações de bairros. As palestras são organizadas Abelhas para a melhor... FREITAS, G. S. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 23, Supplement 1, p.82-88, Nov. 2007 87 e ministradas por eles mesmos e os coordenadores dos cursos disponibilizam o material visual para auxiliar nas exposições orais. O objetivo é alcançar o maior número possível de pessoas e mobilizá-las para as mudanças de hábitos cotidianos visando uma melhoria da qualidade de vida e do meio ambiente. Uma das pessoas que fez o curso possui uma fazenda e a disponibilizou para a execução de trabalhos com meliponíneos, onde se poderia instalar um meliponário coletivo no qual os membros dos cursos poderiam depositar as suas colônias. Para a obtenção de colônias foi acordado com o Departamento de Parques e Jardins da Secretaria de Infra-Estrutura de Ribeirão Preto que disponibilizava periodicamente à Universidade uma lista de árvores a serem extraídas na via urbana. De posse desta lista percorremos as ruas e localizamos os ninhos nas árvores condenadas, os quais foram transferidos para caixas racionais e levados para a fazenda. Esta medida não entra em choque com a legislação vigente, pois se estes ninhos não fossem retirados das árvores eles seriam destruídos. Decorrente deste movimento de preservação foi proposto um projeto de Lei, que tramita na Câmara Municipal de Ribeirão Preto, SP, dispondo sobre o aproveitamento de enxames de abelhas silvestres habitando próprios municipais no perímetro urbano de Ribeirão Preto quando da sua remoção ou extração. A área do meliponário, na fazenda Santa Rita, está sendo melhorada com o plantio de espécies vegetais visitadas por abelhas dentro de um projeto de turismo rural direcionado à valorização de espécies nativas. Esta área também receberá visitas programadas de escolas e poderá se constituir em uma área de lazer para a comunidade. Ao término do curso foi elaborado como material didático um CD - Meliponicultura: Biologia e manejo de abelhas sem ferrão, e um livreto - Procurando Irá: Um passeio ecológico, o qual apresenta a descrição dos ninhos naturais de meliponíneos no Campus da USP-RP, permitindo a sua identificação em uma trilha. Os alunos responderam a todas as atividades propostas, constituindo ao final do curso um grupo para estudar, discutir e desenvolver benefícios em prol do meio ambiente. Desta forma temos atualmente em Ribeirão Preto, um grupo trabalhando na defesa e conservação dos meliponíneos, unindo teoria à prática. A repercussão do curso regionalmente foi bastante expressiva e ele foi incluído oficialmente no programa Universidade Aberta à Terceira Idade, promovido pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão da USP e já está em sua sexta versão. Durante o curso foi feito um vídeo educativo sobre abelhas pela Rede Cidadã de Televisão (RCTV), intitulado “A vida das abelhas indígenas sem ferrão”, o qual é apresentado em salas de espera do SUS. O grande interesse que este curso despertou nas pessoas, mobilizando-as para a inserção social em defesa do meio ambiente, corrobora a concepção de educação participativa, que propõe que “cidadania é a abertura de vias de participação nas diversas instâncias sociais”, que permite a emancipação de indivíduos e grupos, desenvolvendo-se através do processo de investigação-ação, explicada por Saito et al (2000) como ação coletiva de transformação da realidade a partir da busca do conhecimento sobre a mesma. Por fim, podemos dizer que o desenvolver deste trabalho permitiu a aplicação de diversos conceitos usados na prática pedagógica e educacional, articulando teoria /prática, desenvolvendo o conhecimento crítico de professores e alunos. Além de ter sido uma conexão entre estudantes de pós-graduação e a comunidade, exercitando nos primeiros a interação entre conhecimento acadêmico e a extensão universitária. AGRADECIMENTOS Esta realização é em reconhecimento ao grande trabalho, empenho e exemplos demonstrados pelo Prof. Dr. Warwick Estevam Kerr na difusão do conhecimento científico, preocupado, sobretudo, com o cidadão brasileiro. Agradecemos a Amanda Freire de Assis pela leitura e correção do resumo em língua inglesa bem como às agências de fomento CAPES, CNPq e FAEPA da FMRP pelo suporte na realização deste. ABSTRACT: The present work is the result of an unpublished experience developed by students of the Pos- Graduation Program in Entomology from FFCLRP-USP, presenting the social bees to senior citizen groups, carrying out two courses of cultural diffusion. The objectives, in these courses, were to arouse and develop the conscientious to preservation of natural resources, diversity of flora and fauna, resize the pedagogical practice, with the University acting directly in the community life joining theory and practice, having as a base the study and handling of stingless bees. The results were analyzed by the qualitative method, considering that senior citizen are in a transitory stage, on which they have already left the duties chosen at youth and have the possibility of choose another activity where they want to Abelhas para a melhor... FREITAS, G. S. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 23, Supplement 1, p.82-88, Nov. 2007 88 dedicate as a hobby or as a lucrative activity. The experience with the groups shown that the manner how the professors deal with some concepts during the classes made much easier the comprehension and practice, independently of the students scholar level, whereas in the groups there were pos graduated people until those that were just literate. Another important educational aspect is the initiation of a permanent discussion group with periodic meetings to improve and discuss proposal of environmental conservation characterizing a progressive learning. KEYWORDS: 3rd aged. Technical teaching. Stingless bees biology and handling. REFERÊNCIAS ABIP, M. A; OLIVEIRA, E. F.; GRABAUSKA, C. J; TAUCHEN, G; GUANDET, E. C. A investigação-ação educacional no contexto da escola pública e movimentos sociais. In: MION, R. A; SAITO, C. H (eds). Investigação-ação: Mudando o trabalho de formar professores. Ponta Grossa, PR. Gráfica Planeta. 2001. 148 pg. CAJAS, F. 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