Microsoft Word - revisado-18-VF-comunication.doc Short Comunication Biosci. J., Uberlândia, v. 23, Supplement 1, p.107-110, Nov. 2007 107 CONHECENDO AS ABELHAS: UM PROJETO DE ENSINO KNOWING BEES: AN EDUCATION PROJECT � Natália de Paula SÁ1; Mauro PRATO1 Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo RESUMO: O Brasil, devido às proporções continentais e à riqueza de ecossistemas, abriga grande parte da diversidade de abelhas do mundo, porém a população humana tem pouco ou nenhum conhecimento sobre este fato. Nesse ínterim, o curso “Conhecendo as abelhas”, oferecido aos alunos do terceiro ano do Ensino Médio da rede pública de ensino da cidade de Ribeirão Preto no ano de 2006, objetivou conhecimento e contato com a diversidade de abelhas, principalmente as nativas (abelhas sem ferrão). O curso teve uma carga horária de 15 horas e foi oferecido a duas turmas de 25 alunos cada, sendo realizado na FFCLRP-USP. Como método, foi preponderante o ensino de técnicas de manejo dos meliponíneos, incentivando, assim, a produção de produtos apícolas de maneira sustentável e artesanal. Por meio da análise comparativa entre avaliação diagnóstica e apreciação final do curso, constatou-se a ampliação do conhecimento dos alunos acerca das abelhas, indicando assim, bons resultados em atividades educativas semelhantes a esta. PALAVRAS-CHAVE: Apidae. Conservação. Ensino. INTRODUÇÃO Estima-se que no mundo existam mais de 20 mil espécies de abelhas sendo que, o Brasil abriga cerca de ¼ destas espécies (NOGUEIRA-NETO, 1997). Contudo, a maior parte da população humana não possui conhecimento sobre esta grande diversidade. O papel ecológico das abelhas é fundamental na manutenção da diversidade de espécies vegetais. As 20 mil espécies de abelhas que se estima existirem no globo são essenciais para a reprodução sexual das plantas. Durante suas visitas às flores, as abelhas transferem o pólen de uma flor para outra, promovendo o que chamamos de polinização cruzada, ou seja, neste momento ocorre a troca de gametas entre as plantas. Uma boa polinização garante a variabilidade genética dos vegetais e a produção de bons frutos. Deste modo, as abelhas também são importantes para as plantas cultivadas que dependem de agentes polinizadores. Portanto, as abelhas são indiretamente responsáveis pela produção de alimentos: frutas, legumes e grãos (ROUBIK, 1995). Segundo ROUBIK (1979) a eficácia no ciclo reprodutivo da maioria das espécies vegetais nativas das regiões tropicais, tem como motivo a grande variabilidade no tamanho dos indivíduos das diferentes espécies de abelhas. O processo de polinização realizado pelas abelhas diminui o isolamento reprodutivo vegetal, resultando num aumento da biodiversidade (MICHENER, 1974; ROUBIK, 1979). De acordo com KERR et al. (1996), nas florestas brasileiras as abelhas indígenas constituem-se nos principais agentes polinizadores de 40% a 90% das espécies vegetais, enquanto outros animais como aves, borboletas e alguns mamíferos desempenham o papel polinizador restante. Estudos referentes à associação inseto-planta, especificamente entre meliponíneos e vegetais nativos da região de Manaus-AM, verificaram que a extinção de espécies nativas de abelhas acelera o processo de extinção de espécies vegetais desequilibrando os ecossistemas (ABSY; KERR, 1977). As abelhas podem ainda ser vistas sob o ponto de vista econômico, como produtoras de mel e outros produtos com valor alimentício, farmacêutico etc. Inclusive podem ser criadas e manejadas muito facilmente no Brasil, tornando-se uma fonte de renda. Assim sendo, toda e qualquer possibilidade de desenvolver projetos destinados à divulgação do conhecimento sobre os meliponíneos, contribuirá para o entendimento sobre a interação desses grupos com as comunidades naturais, estimulando a idéia de preservação e conservação. Com o objetivo de divulgar a importância das abelhas sem ferrão na comunidade escolar, foi promovido um curso sobre a biodiversidade de abelhas, principalmente com os grupos nativos (abelhas sem ferrão). Além disso, os alunos conheceram procedimentos de utilização e manejo destas abelhas, o que pôde incentivar na fabricação de produtos apícolas de maneira sustentável e artesanal Received: 14/06/07 Accepted: 10/10/07 Conhecendo as abelhas... SÁ, N. P; PRATO, M. Biosci. J., Uberlândia, v. 23, Supplement 1, p. 107- 110, Nov. 2007 108 como fonte de renda alternativa. A atividade recebeu o apoio do centro de estudo das abelhas no país, constituído por pesquisadores do Departamento de Biologia da Faculdade de Filosofia e Letras de Ribeirão Preto – USP (FFCLRP-USP) e Departamento de Genética da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP (FMRP-USP), que contribuíram com o conhecimento produzido e também do material disponível para realização de aulas práticas e demonstração. RELATO DE EXPERIÊNCIA O curso “Conhecendo as abelhas” foi realizado como parte dos requisitos para conclusão da Licenciatura em Ciências Biológicas pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP, por meio da Disciplina Prática de Ensino de Biologia II, sob a orientação dos docentes supervisores da disciplina. O curso foi oferecido a cinqüenta alunos do terceiro ano do Ensino Médio de uma Escola da rede Estadual de Ensino do município de Ribeirão Preto-SP, os quais foram selecionados por ordem de realização da inscrição, sendo esta gratuita. Os responsáveis e colaboradores por parte da escola foram a professora de Biologia e o diretor da escola. O curso foi ministrado em cinco sábados consecutivos, iniciando em 30 de setembro e terminando em 28 de outubro de 2006. Foi dividido em dois módulos de 15 horas cada, com a duração de 3 horas cada aula. Por isso, houve a formação de duas turmas, uma matutina (9:00h às 12:00h) e outra vespertina (15:00h às 18:00h) de vinte e cinco alunos cada, de acordo com a escolha dos cinquenta primeiro inscritos. Os participantes se deslocavam por conta própria até ao Departamento de Biologia da FFCLRP- USP, onde era realizado o curso. Principais objetivos e conteúdos conceituais das aulas Reconhecer o grupo de abelhas dentre outros insetos da ordem Hymenoptera por meio de caracteres morfoanatômicos; entender o processo de reprodutivo do grupo e utilizar a nomenclatura taxonômica. Ampliar o constructo pessoal do aluno sobre as abelhas, desmitificando o grupo mais conhecido (Apini) e permitindo o contato com as abelhas nativas (Meliponini). Retomar e dar novos significados aos conceitos aprendidos no Ensino Médio como: partenogênese, meiose, fecundação, ploidia e ontogênese dos grupos animais que apresentam transformação completa (holometábolos) e sociedade. Entender a estruturação dos grupos de abelhas eussociais (Apini e Meliponini) por meio do conhecimento do mecanismo de diferenciação das castas e divisão de trabalho nos ninhos. Diferenciar os apíneos (Apis) dos meliponíneos (abelhas nativas sem ferrão) segundo sistema proposto por MICHENER (2000). Re-significar conceitos, incorporando elementos ecológicos (populacionais, interações interespecíficas e de parasitismo). Discutir agressividade de Apini e Meliponini, enfocando a questão de defesa. Entender polinização e a relação intrínseca que há entre determinados grupos de Angiospermas e Apinae. Compreender a origem e produção dos produtos das abelhas, a importância destes produtos para as abelhas e o seu aproveitamento pelo homem. Propiciar o entendimento sobre técnicas de criação, manejo, manutenção, construção e transferência dos ninhos e extração de produtos da colméia. Outro ponto será a escolha das abelhas economicamente mais favoráveis para criação, enfim, permitir ao aluno ter um conhecimento básico sobre a criação de abelhas economicamente rentáveis e incentivá-los quanto à criação dessas abelhas. Principais conteúdos procedimentais Estimular a capacidade de observação em campo. Aprender a utilizar estereomicroscópio; manusear material de dissecção; desenhar um esquema morfoanatômico identificando caracteres diagnósticos das abelhas. Manusear e entender como coleções biológicas são construídas, por meio dos caracteres morfoanatômico estudados anteriormente. Entender como está estruturada atividade de observação em campo, montar tabelas comparativas entre os grupos. Observar material in vivo (abelhas) no seu ambiente natural e transcrever os dados sob forma de anotação. Proporcionar contato com vivências na área de apicultura e meliponicultura, principalmente com pessoas da região que desenvolvem essa atividade como fonte de renda. Mostrar que o conhecimento produzido nas Universidades também é fonte para novas tecnologias na área econômica. Identificar espécies de abelhas da tribo Meliponini por meio da entrada do ninho. Principais conteúdos atitudinais Incorporar elementos do cotidiano do aluno, estimulando-o a repensar no que aprendeu, Conhecendo as abelhas... SÁ, N. P; PRATO, M. Biosci. J., Uberlândia, v. 23, Supplement 1, p. 107- 110, Nov. 2007 109 incrementando assim seu conhecimento acerca das abelhas. Identificar os conteúdos trabalhados nas aulas, provocando a revalidação dos mesmos e incentivando a mudança de atitude na sociedade, principalmente em questões ambientais e ecológicas. Incutir uma postura investigativa por meio de questionamentos sobre fenômenos biológicos visíveis no seu cotidiano, mas que passam despercebidos. Metodologia Aulas teórico-práticas com os conteúdos conceituais sendo abordados sob a forma de aulas expositivas e trabalhados por meio de recursos áudio- visuais (data show) e palestra com um reconhecido apicultor e meliponicultor da cidade de Ribeirão Preto, contando sua experiência com as abelhas. Os conteúdos procedimentais e atitudinais foram trabalhados por meio de práticas, as quais incluíam atividades demonstrativas sobre comportamento (vídeo), estrutura do ninho e divisão de castas por meio da observação de ninhos em caixas racionais no meliponário, manuseio de coleções científicas, assim como observação de exemplares fixados de abelhas. Foi realizada uma trilha no campus da USP de Ribeirão Preto, utilizando um passeio já conhecido, chamado “Procurando Irá”, desenvolvido por Freitas e Soares (2004); na qual o aluno aprendeu a reconhecer algumas espécies de meliponíneos pelas entradas dos ninhos. Métodos de Avaliação Observação e relato do desempenho dos alunos nas atividades práticas propostas: observação e desenho em estereomicroscópio de exemplares diversos de meliponíneos; discussão do vídeo de comportamento; observação de campo das abelhas visitantes das flores e manuseio de coleção científica. Análise da produção dos alunos no decorrer das aulas e envolvimento na discussão da aula final, assim como da palestra. Apreciação final do curso O resultado foi extremamente satisfatório, visto que apenas três pessoas não concluíram o curso, e aqueles que o concluíram estão passando o que aprenderam durante o curso para terceiros. De fato, grande parte do sucesso do curso foi devido a concretização do vínculo entre escola e universidade. Os alunos se aproximaram da ampla diversidade de abelhas que possuímos, se engajando no desenvolvimento de pequenos trabalhos no sentido de criação e manejo de meliponíneos, como nos foi relatado posteriormente por ex-alunos do curso, os quais engajaram-se na produção de caixas-iscas a fim de coletar enxames de áreas urbanas. Além disso, o curso ampliou a percepção dos alunos sobre temas atuais como a conservação do meio ambiente através do conhecimento da biologia de diversos organismos (abelhas e plantas). Esse aspecto pode ser inferido por meio da comparação da avaliação diagnóstica (prévia) e a avaliação final do curso, evidenciando um ganho considerável dos conteúdos. A incorporação dos conteúdos trabalhados permite aos cursistas interferirem no processo de destruição dos ecossistemas, tornando-os possíveis agentes modificadores da situação ambiental na qual vivemos, seja esta de âmbito local e até regional. ABSTRACT: Brazil owns a large portion of the world bee diversity due to its continental size and ecosystem richness, however, its humam population has a scarce knowledge about this fact. Therefore, the course "Knowing bees", offered to State High School students from Ribeirão Preto in 2006, had as purpose, knowledge and contact with bee diversity, mainly the natives one (stingless bees). The course had 15 hours as total time and was offered for two groups with 25 pupils each, at FFCLRP-USP .This course had as methodology, teaching of stingless bees handling techniques and use, stimulating production of apicultural products by sustainable and artisan way. By means of the comparative analysis between disgnostic evaluation and the final course evaluation, it was evidenced an improve of the pupils’ knowledge concerning the bees, indicating good results in similar educative activities like this. KEYWORDS: Apidae. Conservation. Education. REFERÊNCIAS ABSY, M. L.; KERR, W. E. Algumas plantas visitadas para obtenção de pólen por operárias de Melipona seminigra merrillae em Manaus. Acta Amazonica, Manaus, v. 7, n. 3, p. 309-315, 1977. Conhecendo as abelhas... SÁ, N. P; PRATO, M. Biosci. J., Uberlândia, v. 23, Supplement 1, p. 107- 110, Nov. 2007 110 FREITAS, G. S.; SOARES, A. E. E. Procurando Irá: Um passeio ecológico. Ribeirão Preto, 2004. 35 p. KERR, W. E.; CARVALHO, G. A.; NASCIMENTO, V. A. Abelha uruçu: biologia, manejo e conservação. Paracatu: Ed. Fundação Acangau, 1996. 144 p. MICHENER, C. D. The social behavior of the bees. Cambridge: Harvard University Press, 1974. 404 p. MICHENER, C. D. The bees of the world. Baltimore: John Hopkins University Press, 2000. 913 p. NOGUEIRA-NETO, P. Vida e criação de abelhas indígenas sem ferrão. São Paulo: Nogueirapis, 1997. 446 p. ROUBIK, D. W. Nest and colony characteristics of stingless bees from French Guiana. Journal of the Kansas Entomological Society, Lawrence, v. 52, n. 3, p. 443-470, 1979. ROUBIK, D. W. Ecology and natural history of tropical bees. Cambridge: Cambridge University Press, 1989. 528 p.