Microsoft Word - 14-revisado-674.doc Original Article Biosci. J., Uberlândia, v. 24, n. 3, p. 86-95, July/Sept.. 2008 86 ANATOMIA DO TUBO DIGESTÓRIO DE Leporinus macrocephalus GARAVELLO & BRITSKI, 1988 (Characiformes, Anostomidae) EM RELAÇÃO AO SEU HABITA ALIMENTAR ANATOMY OF THE DIGESTIVE TRACT OF Leporinus macrocephalus GARAVELLO & BRITSKI, 1988 (Characiformes, Anostomidae) IN RELATION TO ITS ALIMENTARY HABIT Sirlene Souza RODRIGUES1; Rodrigo Diana NAVARRO2; Eliane MENIN3 1. Professor, Universidade Federal de Viçosa, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Departamento de Veterinária, Viçosa, MG, Brasil. rodrigues.sirlene@gmail.com; 2. Professor, Doutor, Escola de Veterinária, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil. 3. Professora, Doutora, Universidade Federal de Viçosa, Departamento de Biologia Animal, Viçosa, MG, Brasil. RESUMO: Visando relacionar características anatômicas do tubo digestório de Leporinus macrocephalus com seu hábito alimentar onívoro, foram analisados 20 exemplares desta espécie, com 22 a 28cm de comprimento-padrão. A anatomia do tubo digestório de L. macrocephalus é, em geral, semelhante a dos demais Anostomidae. O esôfago é curto e cilíndrico; o estômago é do tipo cecal em “Y”; o intestino médio apresenta arranjo em “N”; e o intestino posterior é retilíneo e longo, sem valva e esfíncter íleorretais. O padrão de pregas da mucosa dos órgãos digestórios favorece as suas respectivas funções: no esôfago permite a distensibilidade e facilitando a passagem do alimento; no estômago, permite a distensibilidade da parede para recepção e armazenamento do alimento nas regiões cárdica e cecal, além do esvaziamento gástrico pela região pilórica; nas alças intestinais resulta em aumento da superfície, maior distensibilidade da parede intestinal, retardo no tempo de passagem do bolo alimentar e, conseqüentemente, maior exposição às enzimas digestivas e maior taxa de absorção dos nutrientes; e no intestino posterior, anteriormente ao ânus, permite a condução do bolo fecal e a sua expulsão do tubo digestório. PALAVRAS-CHAVE: Leporinus macrocephalus. Piauçu. Anatomia. Tubo digestório. Pregas da mucosa. INTRODUÇÃO A diversidade das espécies nativas de peixes, e principalmente a diferença morfofisiológica entre elas, apresentam-se como uma vasta área de estudo, uma vez que estes animais possuem hábitos e comportamentos alimentares diversos. O aparelho digestório dos peixes teleósteos de água doce vem sendo amplamente estudado e descrito morfologicamente, para determinar a função das estruturas especializadas, em relação a diferentes hábitos alimentares desse grupo. O aparelho digestório dos peixes é dividido em: intestino cefálico, que compreende a cavidade bucofaringeana; intestino anterior, que compreende o esôfago e o estômago; o intestino médio, que compreende o intestino propriamente dito; e intestino posterior, que é o último segmento do tubo nos peixes que não possuem valva ileorretal, ou reto, que a denominação dada ao último segmento nos peixes que possuem valva ileorretal (PREJS, 1981). A estrutura, a forma e o tamanho dos segmentos constituintes do tubo digestório variam amplamente nos Teleostei, segundo as espécies e os hábitos alimentares (BÉRTIN, 1958). As adaptações do intestino, desde o comprimento e o arranjo na cavidade peritoneal até a estrutura da mucosa, são um dos aspectos mais estudados, anatomicamente, quanto às interações entre o ambiente, o regime alimentar e o aparelho digestório dos peixes (ANGELESCU; GNERI, 1949; MENIN, 1988). Embora exista uma grande variação na dieta dos peixes tropicais, ela não vai além de um limite pré-estabelecido pela forma do aparelho digestório, e os peixes estão adaptados para se alimentarem de certo item alimentar ou de um conjunto de itens alimentares (NIKOLSKY, 1963). Em relação aos peixes nativos, grandes esforços de pesquisa vêm sendo direcionados para algumas espécies da família Anostomidae. Dentre os trabalhos relativos ao aparelho digestório das espécies dessa família, em particular as do gênero Leporinus, podem ser destacados OCCHI; OLIVEROS (1974), que trabalharam com L. obtusidens, MENIN (1988), que trabalhou com L. reinhardti, SEIXAS FILHO (1998), com L. friderici e ALBRECHT et al. (2001), com L. friderici e L. taeniofasciatus. A espécie L. macrocephalus, vulgarmente conhecida como piauçu, de hábito alimentar onívoro, apresenta corpo alongado e fusiforme; Received: 18/09/07 Accepted: 19/12/07 Anatomia do tubo digestório... RODRIGUES, S. S.; NAVARRO, R. D.; MENIN, E. Biosci. J., Uberlândia, v. 24, n. 3, p. 86-95, July/Sept.. 2008 87 dentes incisivos e boca terminal, podendo utilizar ampla gama de alimentos, sendo que vegetais e sementes são itens freqüentes em sua dieta (ADRIAN et al., 1994; CARVALHO et al., 2000; PERUCA et al., 2000; NAVARRO et al., 2006). Esta espécie engole suas presas por inteiro, não havendo preparação pré-digestiva quando se trata de alimento de origem animal, ao contrário do que acontece com os alimentos de origem vegetal, que são triturados e macerados, por meio da dentição oral e faríngea, antes de serem deglutidos (RODRIGUES et al., 2003, RODRIGUES et al., 2006). Dentre as espécies do gênero Leporinus que vêm sendo utilizadas na piscicultura (GARAVELLO, 1979), L. macrocephalus apresenta maior porte e possui importância econômica para pesca em algumas regiões, em particular na área do Pantanal Mato-grossense, onde é conhecida como “piavussu” (GARAVELLO; BRITSKI, 1988, NAVARRO, et al, 2007). As características anatômicas do aparelho digestório dos peixes acham-se em estreita dependência com a natureza dos alimentos, as características do habitat, o estado nutricional e o estádio de desenvolvimento do indivíduo, manifestados, especialmente nesse aparelho, por adaptações e modificações (SEIXAS FILHO et al., 2000). Portanto, é de fundamental importância o conhecimento da biologia das espécies e, em particular, o conhecimento da interligação desses fatores, o que fornece subsídios para melhor compreensão do seu desempenho em seus ecossistemas naturais ou em piscigranjas. Assim, o objetivo desse trabalho foi descrever a anatomia do tubo digestório de L. macrocephalus e relacioná-la com o seu hábito alimentar onívoro. MATERIAL E MÉTODOS Foram utilizados 20 exemplares de L. macrocephalus (Figura 1), entre 12 e 28 cm de comprimento-padrão, provenientes da Estação de Hidrobiologia e Piscicultura da Universidade Federal de Viçosa. Os estudos anatômicos foram desenvolvidos no laboratório de Morfofisiologia Animal Comparada do Departamento de Biologia Animal da UFV. Figura 1. Exemplar de L. macrocephalus em vista lateral. Os exemplares foram acondicionados em aquários com capacidade para 2.000 litros e submetidos a 72 horas de jejum, para esvaziamento do tubo digestório e contração de sua parede. Após o jejum, foram contidos, identificados e fixados, conforme CHAUDRY; KHANDELWAL (1961), em solução aquosa de formol a 4%. O procedimento consistiu em: contenção fisiológica, por meio de secção transversal da medula espinhal imediatamente após a região occipital (MENIN, 1994); identificação do exemplar, por meio de uma etiqueta plástica presa ao pedúnculo caudal; fixação da mucosa do aparelho digestório, por meio de injeções da solução fixadora, por via oral e anal; fixação da musculatura, por meio de injeções intramusculares da solução fixadora; e imersão do exemplar na solução fixadora, na qual permaneceu durante o período de estudo. O comprimento-padrão foi tomado conforme RICKER (1968), medindo-se da extremidade rostral à base da nadadeira caudal com o auxílio de um ictiômetro. O tubo digestório foi considerado conforme BÉRTIN (1958). Em relação ao intestino médio, cada circunvolução foi designada como alça. Os seguintes aspectos estruturais do tubo digestório foram enfatizados: a topografia dos órgãos digestórios na cavidade peritonial; o padrão da mucosa, ou seja, a orientação, a largura e a espessura das pregas da mucosa: a presença de anastomoses entre as pregas; a distância entre pregas adjacentes, e a presença de valvas e/ou esfíncteres. Anatomia do tubo digestório... RODRIGUES, S. S.; NAVARRO, R. D.; MENIN, E. Biosci. J., Uberlândia, v. 24, n. 3, p. 86-95, July/Sept.. 2008 88 Para a descrição topográfica do tubo digestório, alguns exemplares foram seccionados conforme AMLACHER (1964), sendo feita uma incisão longitudinal ao longo da região ventral e rebatida a parede da cavidade peritoneal para exposição do tubo digestório. Para o estudo do padrão da mucosa, o tubo digestório foi isolado e incisado longitudinalmente, conforme SUYEHIRO (1942). Após a incisão, as bordas do tubo digestório foram rebatidas e fixadas, por meio de alfinetes, sobre uma placa de Petri preenchida com cera. O tubo digestório foi, então, imerso em água por 24 horas, para evidenciar as pregas da mucosa (MENIN, 1988). Posteriormente, a água foi escoada e o tubo digestório foi secado com papel absorvente para a execução das análises. Além do padrão da mucosa foi verificada também a existência ou não de valvas e/ou esfíncteres ao longo do tubo digestório. As análises foram realizadas com auxílio de microscópio estereoscópico e as fotografias foram realizadas com o auxílio de microscópio estereoscópico Olympus, modelo LZH, com filme T-MAX-100 ASA. RESULTADOS O tubo digestório de L. macrocephalus, apesar de se estender ao longo da cavidade peritoneal, não a preenche totalmente, sendo que em estádio de maturação gonadal avançado nas fêmeas, os órgãos digestórios são comprimidos pelas gônadas, ficando toda a cavidade peritoneal preenchida. O esôfago de L. macrocephalus é um órgão tubular, curto, disposto ao longo do plano sagital mediano, acima da cavidade pericárdica. A parede do esôfago é espessa e distensível, com a face dorsal ligeiramente mais aplanada que a ventral. Esse órgão pode ser anatomicamente dividido em duas porções: a primeira, que tem início logo após a extremidade caudal da faringe e chega até o septo transverso; e a segunda, que se inicia logo após o referido septo e chega até a região cárdica, primeira região do estômago, na cavidade peritonial. A região de transição do esôfago para o estômago é demarcada externamente pela ligação do ducto pneumático com a face esofágica dorsal. O estômago de L. macrocephalus é do tipo cecal em “Y” e apresenta as três regiões gástricas bem definidas; A região cárdica é cônica, a cecal é saculiforme, e a pilórica é tubular, curta e com parede espessa. Entre o estômago e o intestino médio de L. macrocephalus há uma forte constrição, o esfíncter pilórico. O intestino médio de L. macrocephalus apresenta-se em forma de “N”, possuindo quatro alças intestinais (Figura 2). Na primeira alça evaginam-se os cecos pilóricos, porção na qual o diâmetro do intestino médio é maior. Os cecos pilóricos, ou apêndices intestinais, são evaginações digitiformes da parede intestinal, projetando-se a partir porção cranial do intestino médio. Na espécie estudada evaginam-se individualmente cerca de 12 cecos pilóricos, cilíndricos e de comprimento aproximadamente constante. Figura 2. Esquema do tubo digestório de L. macrocephalus em vista lateral esquerda. a-ânus; cc-região cecal do estômago; cp-cecos pilóricos; e-esôfago; int1-primeira alça intestinal; int2-segunda alça intestinal; int3-terceira alça intestinal; int4-quarta alça intestinal; intp-intestino posterior; lhd-parte do lobo hepático direito; lhe-lobo hepático esquerdo; vb-vesícula biliar. Anatomia do tubo digestório... RODRIGUES, S. S.; NAVARRO, R. D.; MENIN, E. Biosci. J., Uberlândia, v. 24, n. 3, p. 86-95, July/Sept.. 2008 89 O intestino posterior de L. macrocephalus é retilíneo e longo, havendo redução gradativa de diâmetro até o ânus, que apresenta parede espessa. Não há esfíncter íleorretal entre o intestino médio e o posterior. O padrão de pregas da mucosa de L. macrocephalus varia ao longo do tubo digestório, sendo mais complexo no intestino médio. O esôfago apresenta pregas longitudinais, espessas, com borda lisa, havendo pregas secundárias entre elas, longitudinais ou oblíquas (Figura 3). Na transição do esôfago para o estômago cada duas pregas esofágicas se unem para formar uma prega maior na região cárdica do estômago (Figura 4). As pregas gástricas são predominantemente longitudinais, sendo maiores na região fúndica (Figura 5). Figura 3. Fotografia mostrando o padrão de pregas da mucosa esofágica. p-prega; s- sulco. Figura 4. Fotografia mostrando o padrão de pregas da mucosa na região de transição esôfago-estômago. p- prega; s- sulco. ES- esôfago; RC- região cárdica do estômago. Figura 5. Fotografia mostrando o padrão de pregas da mucosa gástrica (região cecal). p-prega; s- sulco. Anatomia do tubo digestório... RODRIGUES, S. S.; NAVARRO, R. D.; MENIN, E. Biosci. J., Uberlândia, v. 24, n. 3, p. 86-95, July/Sept.. 2008 90 Na primeira alça do intestino médio as pregas são numerosas, delgadas, estreitas, longitudinais e onduladas (Figura 6). A partir da segunda alça, as pregas tornam-se transversais, delgadas, estreitas e onduladas (Figura 7). Na terceira alça, as pregas também são transversais, delgadas e estreitas, porém, sinuosas (Figura 8). Na quarta alça, as pregas são mais espessas e menos sinuosas (Figura 9), em relação às pregas anteriormente descritas. A mucosa dos cecos pilóricos de L. macrocephalus apresenta pregas longitudinais e onduladas, assim como observado na primeira alça do intestino médio. No intestino posterior as pregas são oblíquas, espessas e com borda irregular. Anteriormente ao ânus, há pregas longitudinais e espessas (Figura 9). Figura 6. Fotografia mostrando o padrão de pregas da mucosa na região de transição estômago-intestino. p- prega; s- sulco. AI- alça intestinal (primeira alça); RP- região pilórica do estômago. Figura 7. Fotografia mostrando o padrão de pregas da mucosa intestinal (segunda alça). p- prega; s- sulco. Figura 8. Fotografia mostrando o padrão de pregas da mucosa intestinal (terceira alça). p- prega; s- sulco. Anatomia do tubo digestório... RODRIGUES, S. S.; NAVARRO, R. D.; MENIN, E. Biosci. J., Uberlândia, v. 24, n. 3, p. 86-95, July/Sept.. 2008 91 Figura 9. Fotografia mostrando o padrão de pregas da mucosa intestinal (quarta alça). p-prega; s- sulco. Figura 10. Fotografia mostrando o padrão de pregas da mucosa no intestino posterior. p-prega; s- sulco. DISCUSSÃO O intestino dos Teleostei apresenta numerosas variações específicas, em especial no que se refere à estrutura anatômica e ao comprimento (REIFEL, 1978). O arranjo dos órgãos digestórios de L. macrocephalus está diretamente relacionado com a forma da sua cavidade peritonial, que, por sua vez, está relacionada com a forma do seu corpo, fusiforme. Este arranjo é, em geral, semelhante ao dos demais Anostomidae, sendo também encontrado em muitos outros Teleostei (MENIN, 1988; LOGATO, 1995; GOMIDE, 1996; SEIXAS FILHO, 1998; RODRIGUES et al., 2002). O esôfago de L. macrocephalus é semelhante ao da maioria dos Teleostei (ROMER; PARSONS, 1985; MENIN, 1988) e o padrão de pregas da mucosa que o reveste facilita a passagem do alimento, como visto em outras espécies (MENIN, 1988; SEIXAS FILHO, 1998; RODRIGUES et al., 2002). O estômago do tipo cecal, observado na espécie estudada, permite a ingestão de presas inteiras, mesmo as de maior porte, em decorrência da distensibilidade das paredes, em especial as das regiões cárdica e cecal, conforme verificado em outras espécies (SUYEHIRO, 1942; ZIHLER, 1982; MORAES; BARBOLA, 1997). Levando-se em consideração as características anatômicas, como o padrão de pregas da mucosa, as regiões cárdica e cecal são responsáveis pela recepção e armazenamento do alimento, enquanto a região pilórica é responsável pelo esvaziamento gástrico, conforme relatado também por MENIN; MIMURA (1993) em outras espécies. A presença do esfíncter pilórico em L. macrocephalus impede o refluxo do alimento do intestino para o estômago, conforme relatado em muitas espécies (MENIN, 1988; MENIN; MIMURA, 1993; RODRIGUES et al., 2002) O padrão de enrolamento das alças intestinais aumenta de complexidade a partir de um arranjo aproximadamente retilíneo nos carnívoros, até assumir configuração altamente enovelada, como nos comedores de lodo (MORAES; BARBOLA, 1997). O padrão de enrolamento apresentado por L. macrocephalus representa adaptação a uma alimentação com valores nutricionais intermediários entre o dos carnívoros ictiófagos, o dos herbívoros e o dos iliófagos. O complexo padrão de pregas da mucosa no intestino médio de L. macrocephalus resulta em ampliação da superfície de absorção, como observado em L. friderici e Brycon orbignyanus (SEIXAS FILHO, 1998). Anatomia do tubo digestório... RODRIGUES, S. S.; NAVARRO, R. D.; MENIN, E. Biosci. J., Uberlândia, v. 24, n. 3, p. 86-95, July/Sept.. 2008 92 Vários autores tentaram relacionar os cecos pilóricos com o regime alimentar. Os cecos pilóricos são, geralmente, mais desenvolvidos nos carnívoros que nos herbívoros (GOOT, 1969, BUDDINGTON; DIAMOND, 1986). No entanto, MOHSIN, (1962) argumentou que não há possibilidade de se estabelecer correlação definida entre a presença de cecos pilóricos e a natureza da dieta nos peixes, uma vez que eles podem estar presentes em espécies herbívoras, carnívoras e onívoras ou ausentes nas três categorias. Baseado nas estruturas anatômicas e histológicas, foram atribuídas aos cecos pilóricos as funções de secreção de muco e de ampliação da superfície de absorção de nutrientes (MENIN, 1988). O estudo anatômico dos cecos pilóricos de L. macrocephalus permite concluir que eles contribuem com a ampliação da superfície de absorção dos nutrientes. Na espécie estudada, a ausência do esfíncter ou valva íleorretais entre os intestinos médio e posterior implica em funções digestivas similares desses segmentos. O padrão de pregas encontrado anteriormente ao ânus auxilia na defecação, conforme relatado por LOGATO (1995) em Piaractus mesopotamicus. Muitos autores tentaram relacionar o comprimento do intestino com o hábito alimentar dos peixes, relatando que o intestino mais curto é freqüentemente encontrado nos carnívoros e o mais longo nos herbívoros e iliófagos, sendo intermediário nos onívoros (SASTRY, 1973; KAPOOR et al., 1975; MENIN, 1988). No entanto, outros autores mencionaram que, apesar dos inúmeros trabalhos em que foi possível estabelecer relação entre comprimento do intestino e hábito alimentar, não é possível generalizar essa relação (LOGATO, 1995; GOMIDE, 1996). As variações no comprimento do intestino são compensadas por variações na área da mucosa intestinal, o que explica a ocorrência de alguns peixes herbívoros com intestino curto e carnívoros com intestino longo (AL-HUSSAINI, 1949a, 1949b). A espécie estudada apresenta, aparentemente, intestino com comprimento intermediário em relação ao comprimento da maioria das espécies carnívoras e herbívoras, podendo ser compensado pela existência dos cecos pilóricos e pelo padrão de pregas da mucosa intestinal. Alguns autores procuraram estabelecer relação entre o grau de complexidade das pregas mucosas e os hábitos alimentares. Menin (1988) observou pregas intestinais complexas e desenvolvidas nos Prochilodontidae, iliófagos, e pregas menos desenvolvidas do que as destes, mas com arranjo ainda bastante elaborado, em Hoplias malabaricus, ictiófago, e Pimelodus sp., onívoro, predominantemente carnívoro. A autora relatou também que, para Brycon lundii e L. reinhardti, ambos onívoros, as pregas intestinais, menos complexas do que as das espécies anteriores, apresentam-se mais elaboradas em L. reinhardti, em cuja alimentação predomina o material de origem vegetal. Da mesma forma, L. macrocephalus possui padrão de pregas relativamente complexo, em particular nas alças intestinais, cujo padrão de pregas amplia a área superficial e retarda o avanço do alimento em direção aboral, o que possibilita maior período digestivo e, conseqüentemente, maior aproveitamento dos nutrientes. Assim, a morfologia do tubo digestório de Leporinus macrocephalus condiz com o seu hábito alimentar, uma vez que a deglutição e o trânsito do alimento, particularmente aqueles de origem animal, de maior porte, são facilitados pela distensibilidade da parede esofágica, conferida pela presença de pregas longitudinais. Da mesma forma, o armazenamento de tais alimentos nas regiões cárdica e cecal é possível em virtude da capacidade de distensão da parede destas regiões gástricas. As pregas da mucosa nas alças intestinais, por sua vez, conferem aumento da superfície e retardo no tempo de passagem do bolo alimentar, de modo que haja maior taxa de digestão e maior aproveitamento dos nutrientes, em particular daqueles alimentos de origem vegetal. ABSTRACT: Aiming to relate the anatomical characteristics of the alimentary tract of Leporinus macrocephalus with its omnivorous alimentary habit, 20 specimens were analyzed, with 12 to 28cm of Standard-length. The anatomy of the alimentary tract of L. macrocephalus is similar to the of other Anostomidae. The esophagus is short and cylindrical; the stomach is like cecal shape in "Y"; the medium intestine presents arrangement in "N"; and the posterior intestine is rectilinial and long, without ileorectals valve. The pattern of folds of the mucous membrane of the digestive organs favors the its respective functions: in the esophagus allows distention and facilitates the passage of the food; in the stomach allows the distensibility of the wall for reception and storage of the food in the cardic and caecal areas, besides the gastric emptying in the piloric area; in the intestinal loops results in increase of the surface, larger distensibility of the intestinal wall, delay in the time of passage of the digesta and, consequently, larger exhibition to the digestive enzymes and larger rate of absorption of the nutrients; and in the posterior intestine, previously to the anus, allows the conduction of the feces and its expulsion of the alimentary tract. Anatomia do tubo digestório... RODRIGUES, S. S.; NAVARRO, R. D.; MENIN, E. Biosci. J., Uberlândia, v. 24, n. 3, p. 86-95, July/Sept.. 2008 93 KEYWORDS: Leporinus macrocephalus. Piauçu. Digestive tube. Anatomy. Mucous membrane folds. 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