ISOLAMENTO DE UMA FRAO ENRIQUECIDA EM SINAPTOSOMAS DE CREBRO DA ABELHA APIS MELLIFERA UTILIZANDO GRADIENTE DESCONTNUO DE PERCOLL E IDENTIFICAO DE MIOSINAS V E VI Original Article 124 OCUPAÇÃO DE NINHOS-ARMADILHA POR Centris (Hemisiella) tarsata SMITH, 1874 E Centris (Hemisiella) vittata LEPELETIER, 1841 (Hymenoptera: Apidae: Centridini) EM ÁREAS DE CERRADO TRAP-NESTS OCCUPATION BY Centris (Hemisiella) tarsata SMITH, 1874 E Centris (Hemisiella) vittata LEPELETIER, 1841 (Hymenoptera: Apidae: Centridini) IN CERRADO AREAS Thatiana Martins dos Santos MESQUITA1; Alice Maria Guimarães Fernandes VILHENA1; Solange Cristina AUGUSTO2 1. Mestre em Ecologia e Conservação de Recursos Naturais, Instituto de Biologia - IB, Universidade Federal de Uberlândia - UFU, Uberlândia, MG, Brasil; 2. Professora Adjunto IV, IB-UFU, Uberlândia, MG, Brasil. scaugusto@umuarama.ufu.br RESUMO: Dentre as abelhas solitárias brasileiras que nidificam em ninhos-armadilha, as espécies de Centris são as mais freqüentes. Essas abelhas são importantes polinizadoras de plantas nativas e cultivadas. Estudos sobre a nidificação desses polinizadores são fundamentais para traçar alternativas de manejo dessas abelhas. O presente trabalho teve como objetivos verificar a porcentagem de ocupação e as dimensões dos ninhos-armadilha utilizados por Centris (Hemisiella) tarsata e Centris (Hemisiella) vittata. O estudo foi conduzido em duas áreas do Triângulo Mineiro onde foram utilizados gomos de bambu como ninhos-armadilha, inspecionados mensalmente, de janeiro a outubro de 2006. Foram registradas 35 fundações de C. tarsata e 12 de C. vittata. As medidas de comprimento e diâmetro dos ninhos ocupados por C. tarsata, variaram de 1,5 a 11,4 cm e de 0,54 a 1,69 cm, respectivamente, e o número de células de um a dez. Para C. vittata, as mesmas medidas variaram de 4,7 a 20,5 cm e de 1,06 a 1,87 cm, e o número de células de dois a nove. Ambas as espécies construíram suas células com uma mistura de areia e óleo e dispostas linearmente. Essas espécies são polinizadoras da aceroleira (Malpighia emarginata, Malpighiaceae), e a introdução de ninhos-armadilha próximos às áreas de cultivo pode incrementar as populações dessas abelhas e aumentar as taxas de polinização natural. PALAVRAS-CHAVE: Abelhas solitárias. Aceroleira. Manejo. Polinização aplicada. INTRODUÇÃO Acredita-se que existam de 20 a 30 mil espécies de abelhas no mundo (MICHENER, 2000). Esses animais possuem enorme importância ecológica e econômica, já que se configuram como principais polinizadores de várias espécies vegetais nativas e cultivadas. Estima-se que 75% das plantas cultivadas no mundo sejam polinizadas principalmente por abelhas (NABHAN; BUCHMANN, 1997), evidenciando a necessidade de esforços na preservação de suas espécies e a utilização de seus serviços em programas de polinização aplicada. Aproximadamente 85% das espécies de abelhas são solitárias ou facultativamente sociais (BATRA, 1984) e apresentam diferentes locais de nidificação, a maioria no solo, podendo também ocupar ninhos abandonados de outros insetos, como termiteiros (SILVEIRA et al. 2002). Apenas 5% constroem seus ninhos em cavidades preexistentes (KROMBEIN, 1967) podendo, inclusive, ocupar ninhos artificiais disponibilizados pelo homem, denominados ninhos-armadilha, os quais facilitam estudos sobre os hábitos de nidificação. Esses consistem em gomos de bambu, tubos confeccionados com cartolina preta, caixas de madeira recobertas com tampa de vidro ou troncos de madeira morta, sendo esses últimos utilizados por abelhas que escavam seus ninhos na madeira. O uso de ninhos-armadilha tem proporcionado um aumento significativo no conhecimento da biologia, riqueza e abundância dessas espécies, além dos materiais de construção utilizados, arquitetura dos ninhos, recursos fornecidos para as larvas e inimigos naturais (GARÓFALO, 2000). Essas espécies também podem ser manejadas para aumentar suas populações para uso na polinização (FREITAS et al., 2006) e utilizadas como bioindicadores ambientais (TSCHARNTKE et al. 1998). O Triângulo Mineiro apresenta uma grande riqueza de abelhas do gênero Centris, com aproximadamente 30 espécies (CARVALHO; BEGO, 1996; VILHENA; AUGUSTO, 2007). Essas são importantes polinizadoras de plantas nativas (FRANKIE et al. 1983; SCHLINDWEIN, 2000) e cultivadas, como a aceroleira (Malpighia emarginata, Malpighiaceae) (FREITAS et al. 1999; VILHENA; AUGUSTO, 2007) e o caju selvagem (Anacardium occidentale, Anacardiaceae) (FREITAS; PAXTON, 1998). Das espécies de Biosci. J., Uberlândia, v. 25, n. 5, p. 124-132, Sept./Oct. 2009 Received: 24/06/08 Accepted: 30/10/08 Ocupação de ninhos-armadilha… MESQUITA, T. M. C. et al. 125 polinizadores verificadas em uma área de plantio de aceroleira próximo à Uberlândia-MG, Centris (Hemisiella) tarsata Smith e Centris (Hemisiella) vittata Lepeletier (VILHENA; AUGUSTO, 2007) são atraídas a nidificarem em ninhos-armadilha (AGUIAR; GARÓFALO, 2004; SILVA et al. 2001; PEREIRA et al., 1999). Centris tarsata é uma espécie mais conhecida quanto aos hábitos de nidificação (SILVA et al., 2001; AGUIAR; GARÓFALO, 2004; BUSCHINI; WOLFF, 2006; MENDES; RÊGO, 2007) quando comparada com C. vittata (PEREIRA et al., 1999; RAMOS et al., 2007). Dados sobre abundância e arquitetura de ninho, sazonalidade e inimigos naturais, informações importantes para o manejo, são conhecidos. Contudo, outra informação útil para o uso de ninhos-armadilha em programas de conservação e monitoramento de apifauna e utilização dessas abelhas em polinização de culturas é a porcentagem de ocupação, baseada no número de substratos disponibilizados. Nesse sentido, o presente trabalho teve como objetivo verificar a porcentagem de ocupação de ninhos-armadilha por C. tarsata e C. vittata em áreas de Cerrado, bem como o número de células produzidas de acordo com as dimensões dos ninhos e a época do ano em que as nidificações são mais abundantes. Essas informações poderão ser utilizadas para trabalhos futuros de manejo dessas abelhas em áreas de cultivo de aceroleira. MATERIAL E MÉTODOS O trabalho foi realizado em duas áreas na região do Triângulo Mineiro, a Estação Ecológica do Panga (EEP) e a Fazenda Experimental Água Limpa (FEAL), distantes 11 km uma da outra. A EEP (19º09’20”S/48º23’20”W) está localizada ao sul do município de Uberlândia-MG, na margem direita da estrada para Campo Florido, a cerca de 30 km do centro da cidade. Abrange uma área de 409,5 ha, onde encontram-se representados tipos florestais como mata mesofítica (de galeria e de encosta) e mata xeromórfica (cerradão), diversos tipos savânicos, como cerrado sentido restrito, campo cerrado, campo sujo, campos úmidos e veredas (SCHIAVINI; ARAÚJO, 1989). A FEAL (19º05’48’’S/48º21’05’’W) pertence à Universidade Federal de Uberlândia e está localizada a 19 km da cidade Uberlândia. A fazenda apresenta 60 ha de área preservada, onde ocorre um complexo de vegetação que inclui cerrado sentido restrito, cerrado denso, vereda e mata de galeria. A fazenda possui ainda 17 ha de área com culturas, como manga, acerola, maracujá-amarelo, abacaxi, soja, milho, entre outros, sendo 1,1 ha de aceroleira. O clima da região é do tipo Aw megatérmico, seguindo sistema de classificação de Köppen (1948), com uma estação quente e úmida (outubro a março) e outra mais fria e seca (abril a setembro). O trabalho foi realizado de janeiro a outubro de 2006, abrangendo quatro meses da estação úmida e seis meses da estação seca. Foi instalado um rancho entomológico experimental na EEP, próximo à vegetação nativa. Na FEAL, foram instalados dois ranchos semelhantes próximos a uma cultura de aceroleira. Esses ranchos foram confeccionados com caibros de madeira e uma cobertura de lona plástica amarela, onde foram introduzidos os substratos de nidificação. Os substratos consistiam em gomos de bambu secos, abertos em uma extremidade e fechada na outra pelo próprio nó (CAMILLO et al., 1995), apresentando comprimentos variáveis. Esses bambus foram distribuídos em tijolos de construção civil do tipo “baiano” separados por oito classes de diâmetro (em cm): <1,00; 1,00-1,20; 1,21-1,40; 1,41-1,60; 1,61-1,80; 1,81-2,00; 2,01-2,20; 2,21- 2,40, totalizando 56 gomos de bambu disponibilizados inicialmente, por rancho. A porcentagem de ocupação foi calculada para cada classe de diâmetro. Foram realizadas inspeções mensais nos gomos de bambu em cada área no período determinado para o registro da fundação de ninhos. Os bambus foram inspecionados com o auxílio de um otoscópio para a visualização no interior dos mesmos. Os substratos ocupados por vespas ou formigas foram retirados e substituídos por substratos novos. A maioria dos ninhos ocupados, após a emergência da prole, foi levada ao laboratório para análise da estrutura. Somente aqueles cujas espécies não foram identificadas durante o período de atividade na área de estudo, foram levados ao laboratório, quando ainda estavam fechados, e mantidos em tubos plásticos transparentes fechados até a emergência dos adultos. Todos os ninhos retirados da área de estudo foram substituídos por novos ninhos-armadilha. Os adultos que emergiram dos ninhos mantidos no laboratório foram identificados, etiquetados e depositados na Coleção Entomológica da Universidade Federal de Uberlândia, enquanto seus respectivos ninhos foram utilizados para mensurações com auxílio de um paquímetro e de uma régua de 30 cm. Os dados climatológicos foram obtidos na Estação Climatológica da Universidade Federal de Uberlândia, em Uberlândia, MG. As análises Biosci. J., Uberlândia, v. 25, n. 5, p. 124-132, Sept./Oct. 2009 Ocupação de ninhos-armadilha… MESQUITA, T. M. C. et al. 126 estatísticas foram feitas com o auxílio do Programa Systat 10.2. RESULTADOS Foram registradas 35 fundações de C. tarsata, das quais dez na EEP e 25 na FEAL, e 12 fundações de C. vittata, todas na FEAL. A maior porcentagem de fundação de ninhos foi nos meses de abril e outubro (62,86%) para Centris tarsata e no mês de abril para Centris vittata (66,67%) (Figura 1). De uma maneira geral, as espécies estudadas apresentaram uma variação na porcentagem de ocupação, de acordo com o diâmetro dos bambus disponibilizados (Tabela 1). 0 2 4 6 8 10 12 14 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Meses N úm er o de fu nd aç õe s 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 Centris tarsata Centris vittata Umidade % Temperatura ºC Figura 1. Fundação de ninhos de Centris tarsata e Centris vittata e variações de umidade relativa (%) e temperatura média (ºC) no período de janeiro a outubro de 2006, na Fazenda Experimental Água Limpa (FEAL) e na Estação Ecológica do Panga (EEP), no município de Uberlândia, MG. Tabela 1. Porcentagem de ocupação de Centris tarsata e Centris vittata em bambus disponibilizados por categorias de diâmetro na Estação Ecológica do Panga (EEP) e na Fazenda Experimental Água Limpa (FEAL), no município de Uberlândia, MG. Ninhos EEP diâmetro Centris tarsata Centris tarsata Centris vittata < 1,0 0,00 2,90 0, 00 1, 01-1,20 7,14 5,80 2, 90 1, 21-1,40 4,29 0,97 0, 48 1, 41-1,60 1,43 0,97 1, 45 1, 61-1,80 0,00 1,45 0, 48 1,81-2, 0 1,43 0,00 0, 48 2, 01-2,20 0,00 0,00 0, 00 2, 21-2,40 0,00 0,00 0, 00 Total 14,29 12,08 5, 80 FEAL % de ocupação Não houve diferença significativa entre os diâmetros dos ninhos utilizados por C. tarsata e C. vittata (U=74; n1=10; n2=19; p>0,05) (Figura 2), e para ambas as espécies a maior porcentagem de ocupação se deu nos ninhos-armadilha que apresentavam diâmetros entre 1,01 e 1,20, com 15 ninhos ocupados no total. Não houve correlação entre o comprimento do bambu e o espaço utilizado para construção do ninho tanto para C. vittata (r= -0,072; n=10; p>0,05) quanto para C. tarsata (r= -0,16; n= 19; p>0,05). Os ninhos de C. tarsata apresentaram de 1 a 10 células (x= 4,53 ± 3,29; n=19) e considerando todos os ninhos fundados, aproximadamente 31,5% apresentaram somente uma célula. Todos os ninhos de C. vittata apresentaram de duas (20%) a nove células (x= 4,9 ± 2,18; n=10) (Figura 3). O comprimento das células de C. tarsata variou de 0,4 a 1,5 cm (x= 1,08 ± 0,39; n=16) e de C. vittata de 0,9 a 1,9 cm (x= 1,39 ± 0,21; n=10). Em todos os Biosci. J., Uberlândia, v. 25, n. 5, p. 124-132, Sept./Oct. 2009 Ocupação de ninhos-armadilha… MESQUITA, T. M. C. et al. 127 0 1 2 3 4 5 6 7 8 casos, a primeira célula foi construída perto do nó do bambu Centris tarsata Centris vittata 0.5 1.0 1.5 2.0 D iâ m et ro Centris tarsata Centris vittata 0.5 1.0 1.5 2.0 D iâ m et ro Centris tarsata Centris vittata 0.5 1.0 1.5 2.0 D iâ m et ro Centris tarsata Centris vittata 0.5 1.0 1.5 2.0 D iâ m et ro Figura 2. Variação dos diâmetros (média e amplitude) ocupados por Centris tarsata (n=19) e Centris vittata (n=10), de janeiro a outubro de 2006, na Estação Ecológica do Panga (EEP) e na Fazenda Experimental Água Limpa (FEAL), em Uberlândia, MG. 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 nº de células nº d e ni nh os Centris tarsata Centris vittata Figura 3. Número de células construídas por Centris tarsata e Centris vittata em ninhos-armadilha, disponibilizados na Estação Ecológica do Panga (EEP) e na Fazenda Experimental Água Limpa (FEAL), em Uberlândia, MG, no período de janeiro a outubro de 2006. Ambas as espécies construíram suas células com uma mistura de areia e óleo e dispostas linearmente (Figura 4A, B e C) ou, no caso de C. tarsata, em duas fileiras paralelas de células (Figura 4D). Apesar disso, não houve correlação entre o número de células e o diâmetro dos ninhos utilizados por C. tarsata (r=0,027; n=19; p>0,1). As células apresentaram uma textura áspera e irregular na parte externa, enquanto que a parte interna era lisa com uma fina camada de óleo. Biosci. J., Uberlândia, v. 25, n. 5, p. 124-132, Sept./Oct. 2009 Ocupação de ninhos-armadilha… MESQUITA, T. M. C. et al. 128 Figura 4. Ninhos de Centris tarsata e Centris vittata. A. Ninho de C. tarsata contendo apenas uma célula. B. Ninho de C. tarsata com disposição linear de células. C. Ninho de C. vittata com disposição linear de células. D. Ninho de C. tarsata com duas fileiras paralelas de células. DISCUSSÃO Considerando o período de amostragem do presente estudo (10 meses), o número de ninhos– armadilha ocupado pelas duas espécies de Centris foi alto quando comparado a outros estudos desenvolvidos no Brasil (SILVA et al., 2001; BUSCHINI, 2006; LOYOLA; MARTINS, 2006). Como a maioria das classes de diâmetro não foi ocupada pelas espécies, é possível inferir que poderíamos aumentar a porcentagem de ocupação disponibilizando apenas bambus pertencentes às categorias mais freqüentemente ocupadas por C. tarsata e C. vittata. Ambas as espécies fundaram ninhos na FEAL e apenas C. tarsata nidificou na EEP. Carvalho e Bego (1996) também não amostraram C. vittata quando realizaram o levantamento de espécies de abelhas nessa área. Com exceção do trabalho de Pereira et al. (1999), outros estudos realizados com espécies de abelhas que nidificam em cavidades em diversas regiões do Brasil também não obtiveram ninhos de C. vittata (Floresta Estacional Semidecídua (AGUIAR et al., 2005); Floresta de Araucária (BUSCHINI, 2006); Fragmentos de Mata Urbana (LOYOLA; MARTINS, 2006)). Em ambas as áreas, as atividades de nidificação de C. tarsata ocorreram com maior intensidade durante o período quente e úmido, corroborando os dados obtidos por Buschini e Wolff (2006) e Aguiar e Garófalo (2004). Centris vittata apresentou uma maior freqüência de nidificação no período frio e seco, como verificado por Aguiar e Martins (2002) na Paraíba e diferente do encontrado por Pereira et al. (1999) no Estado de São Paulo, que observaram que essa espécie nidifica principalmente em fevereiro, na estação quente e úmida. Frankie et al. (1998) sugeriram que as variações na freqüência de nidificação são características das espécies de abelhas que nidificam em cavidades, podendo ser influenciada por fatores como padrões climáticos e distúrbios no habitat. Além disso, a maior nidificação de C. tarsata no período quente e úmido pode estar relacionada com a disponibilidade de recursos tróficos, uma vez que em áreas de Cerrado, a maioria das espécies floresce nessa estação (OLIVEIRA; GIBBS, 2000). Frankie et al. (1988, 1993), estudando os hábitos de nidificação de espécies de Centris que utilizam cavidades pré-existentes, reportaram que cada espécie apresentou preferência por um tamanho de entrada específico e que C. vittata nidificou nos maiores diâmetros. Pereira et al. (1999) verificaram que mais de 84,4% dos ninhos dessa espécie foram estabelecidos em diâmetros maiores que 1,1 cm, como verificado também no presente estudo. Para C. tarsata, o diâmetro de nidificação apresentou uma amplitude maior que daqueles encontrados por outros autores (SILVA et al., 2001; PÉREZ-MALUF, 1993; AGUIAR; GARÓFALO, 2004). A classe de diâmetro utilizada preferencialmente pelas duas espécies foi a mesma e, provavelmente, está relacionado ao tamanho corporal dessas abelhas. Esse fato é um facilitador quando se pretende manejar essas duas espécies simultaneamente. Além disso, para incrementar as ocupações dos ninhos-armadilha é necessário aumentar o número de ninhos com os valores preferenciais de diâmetro, já que a utilização de cavidades com variados diâmetros pode estar relacionada à baixa disponibilidade de cavidades com diâmetros preferenciais. Biosci. J., Uberlândia, v. 25, n. 5, p. 124-132, Sept./Oct. 2009 Ocupação de ninhos-armadilha… MESQUITA, T. M. C. et al. 129 O número de células construídas pelas duas espécies estudadas variou muito, como também observado por Vinson et al. (1996) e Silva et al. (2001), o que para alguns autores, pode estar relacionado com a limitação espacial da cavidade utilizada (PEREIRA et al., 1999; AGUIAR; GARÓFALO, 2004). Porém, acredita-se que a variação no número de células construídas por C. tarsata não está diretamente relacionada com as dimensões do substrato, uma vez que vários bambus utilizados apresentaram espaço superior para a construção de um número maior de células. Uma possibilidade para tal variação seria o fato de uma fêmea poder construir mais de um ninho em substratos próximos, como ocorre em C. analis (JESUS; GARÓFALO, 2000). Na maioria dos ninhos de C. tarsata, as células estavam dispostas horizontalmente e construídas numa única série linear, como observado por Silva et al. (2001) e Aguiar e Garófalo (2004). Contudo, uma vez que a arquitetura do ninho e o arranjo das células dependem do tamanho e da forma do espaço da cavidade disponibilizada (MICHENER; LANGE, 1958; JESUS; GARÓFALO, 2000), alguns ninhos apresentaram uma disposição variando da horizontal à oblíqua e fileiras paralelas de células, como verificado também por Aguiar e Garófalo (2004) e Mendes e Rêgo (2006). A utilização de areia e óleo para construção do ninho das duas espécies é uma característica do subgênero Hemisiella (COVILLE et al., 1983; VINSON et al., 1993, 1996; PEREIRA et al., 1999). Na FEAL, as espécies coletavam óleo das aceroleiras (Malpighia emarginata, Malpighiaceae) (VILHENA; AUGUSTO, 2007) e, dos polinizadores identificados para tal cultura nessa área, apenas C. tarsata, C. vittata e C. analis, são espécies que nidificam em cavidades preexistentes, sendo mais fáceis de serem manejadas para polinização aplicada. Assim visando aumentar as taxas de polinização natural em culturas de aceroleira, uma das estratégias seria disponibilizar ninhos artificiais confeccionados com bambu, entre outubro e março (estação chuvosa), quando houve a maior porcentagem de ocupação dos ninhos- armadilha e ocorre a floração da espécie (VILHENA; AUGUSTO, 2007). As abelhas têm uma função muito importante em ecossistemas terrestres principalmente pelo serviço ecológico da polinização (MORATO; MARTINS, 2006). O uso de ninhos-armadilha confeccionados com bambu é uma alternativa viável para criar e manejar importantes populações de polinizadores, se mostrando eficaz tanto para a preservação das espécies de abelhas, como das espécies vegetais. Além disso, essas abelhas podem ser manejadas, visando o incremento do número de ninhos, a fim de aumentar as taxas de polinização natural em diversas culturas. AGRADECIMENTOS À Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG), pelo apoio financeiro e ao Prof. Dr. Paulo Eugênio A. M. Oliveira pela leitura do manuscrito e valiosas sugestões. ABSTRACT: Centris species are the most frequent Brazilian solitary bees that nesting in trap-nests. These ones are important pollinators of wild and cultivated plants. Studies about the nesting biology of these pollinators are essential in order to trace management alternatives of these bees. The present work aimed to verify the percentage of occupation and structure of the trap-nests used by Centris (Hemisiella) tarsata and Centris (Hemisiella) vittata. The study was carried out in two areas of the Triângulo Mineiro, where bamboo canes had been used as trap-nests. They were inspected monthly, from January to October 2006. It was verified 35 nests of C. tarsata and 12 of C. vittata. The length and diameter measurements of trap-nest occupied by C. tarsata varied from 1.5 to 11.4 cm and 0.54 to 1.69 cm, respectively and the number of cells constructed ranged from one to ten. For C. vittata, the length and diameter measurements ranged from 4.7 to 20.5 cm and 1.06 to 1.87 cm, respectively, and the number of cells ranged from two to nine. These species construct their cells linearly with a mixture of sand and oil. Therefore, C. tarsata can also constructed their nests with two parallel rows of cells. Since these two species are the West Indian Cherry’s pollinators, the introduction of trap-nests near to the culture areas, could increase these pollinators populations and the natural pollination rates. KEYWORDS: Solitary bees. West Indian Cherry. Management. Applied pollination. Biosci. J., Uberlândia, v. 25, n. 5, p. 124-132, Sept./Oct. 2009 Ocupação de ninhos-armadilha… MESQUITA, T. M. C. et al. 130 REFERÊNCIAS AGUIAR, A. J. C.; MARTINS, C. F. 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