ANLISE DA OFERTA E DISTRIBUIO DE ESTGIO SUPERVISIONADO EM CURSOS DE ODONTOLOGIA Original Article 152 OFERTA E DISTRIBUIÇÃO DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM CURSOS DE ODONTOLOGIA DO ESTADO DE MINAS GERAIS, BRASIL SUPPLY AND DISTRIBUTION OF SUPERVISED IN DENTISTRY COURSES FROM STATE OF MINAS GERAIS, BRAZIL Kléryson Martins Soares FRANCISCO1; Suzely Adas Saliba MOIMAZ2; Diego Garcia DINIZ1; Nemre Adas SALIBA2 1. Cirurgião-dentista, aluno do curso de mestrado do Programa de Pós-graduação em Odontologia Preventiva e Social, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP. Araçatuba, SP, Brasil. klerysonalfenas@yahoo.com.br. 2. Professora, Doutora, Programa de Pós-graduação em Odontologia Preventiva e Social – UNESP. Araçatuba, SP, Brasil. RESUMO: Desde 2002 encontram-se em vigência as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Odontologia. A adequação do ensino às necessidades do Sistema Único de Saúde representa um dos seus principais objetivos. Conforme orientação, uma das formas de atingir essa meta é através dos Estágios Supervisionados, os quais se apresentam como instrumento para o aperfeiçoamento científico e técnico do acadêmico, proporcionando-o conhecer a realidade da saúde e da sociedade na qual irá trabalhar. Este estudo tem como objetivo analisar a oferta e distribuição do Estágio Supervisionado nos cursos de graduação em Odontologia do estado de Minas Gerais - Brasil. O material para análise foi obtido através do envio de ofícios aos cursos e da consulta aos seus sítios na internet. Fizeram parte do estudo, 15 dos 23 cursos do estado. Constatou-se que as cargas- horárias dos Estágios Supervisionados apresentaram variações entre 315 e 975 horas, sendo que apenas 20% dos cursos dedicam 20% da carga horária total aos Estágios Supervisionados. . Não foi encontrada correlação entre a carga horária total do curso e a carga horária do Estágio Supervisionado. Os cursos nos quais os Estágios Supervisionados eram representados somente por atividades extramurais apresentaram menor porcentagem de carga horária com relação à carga horária total do curso. PALAVRAS-CHAVE: Escolas de Odontologia. Educação em Odontologia. Odontologia. INTRODUÇÃO A fragmentação do ensino odontológico observada ao longo do século XX foi caracterizada pelo excesso das especializações, concentração de esforços no desenvolvimento e no aprimoramento das práticas operatórias, refletindo diretamente no conhecimento produzido (ARAÚJO, 2006; LAZERIS et al, 2007). A discussão do papel dos cursos de graduação nas áreas da saúde vem sendo realizada há vários anos. Em 1988, o projeto Educação Médica nas Américas discutido na Conferência Mundial de Educação Médica em Edimburgo, no Reino Unido, já alertava que o curso de graduação não poderia corresponder ao preparo para a especialização, devendo capacitar para diagnosticar e tratar com eficiência as doenças prevalentes e encaminhar oportunamente os pacientes, cujos problemas ultrapassem sua competência profissional. O profissional deveria estar apto para as ações de assistência primária, entretanto, não se desconsiderando a existência de problemas de saúde mais complexos, para cuja solução os futuros profissionais deveriam ser também preparados, com base em dados epidemiológicos. As escolas deveriam proporcionar uma formação integral aos alunos, assegurando-lhes, também, sólida base ética, atitude humanitária e de serviço à comunidade além de gerar atitudes e valores que cercam o ato do profissional de saúde da dimensão humana e ética que o deve caracterizar (CHAVES; ROSA, 1990; MATTOS, 1997). Ainda é uma realidade que a formação dos profissionais de Odontologia encontra-se baseada na organização disciplinar e nas especialidades, sendo conduzida ao estudo fragmentado dos problemas de saúde dos pacientes, levando ao aumento do número de especialistas que geralmente são restritos a um trabalho individualista e egocêntrico, não sendo capazes de lidarem com as totalidades e/ou com as realidades complexas da Odontologia. O desafio a ser enfrentado passa pelo impasse da “formação geral versus formação específica”, face uma nova diretriz capaz de incorporar as mudanças, as contradições e as adversidades que envolvem a rotina das Instituições de Ensino Superior (MARCOS, 2003; SECCO, PEREIRA, 2004; ZILBOVÍCIUS, ARAÚJO, 2007). Desde 2002 encontram-se em vigência as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Odontologia do (DCN), com o propósito de firmar o planejamento dos cursos de graduação em Odontologia brasileiros, objetivando contribuir para a adequação do ensino odontológico às atuais necessidades do Sistema Único de Saúde Biosci. J., Uberlândia, v. 26, n. 1, p. 152-160, Jan./Feb. 2010 Received: 21/11/08 Accepted: 08/03/09 mailto:klerysonalfenas@yahoo.com.br Análise da oferta… FRANCISCO, K. M. S. et al. 153 (SUS), buscando mudar o perfil do profissional, até então voltado a uma formação mercantilista e tecnicista, para uma concepção generalista, humanista, crítica e reflexiva, atuando em todos os níveis de atenção à saúde, com base em rigores técnicos e científicos (BRASIL, 2002; PÈRET, LIMA, 2003; SILVA et al, 2004). As DCN propõem que o conteúdo dos cursos de Odontologia seja ampliado e que incluam não só as ciências odontológicas, mas também as biológicas, as humanas e sociais. Tal proposta visa estimular os alunos a participarem do processo e da interação dos conhecimentos, onde a preocupação e o interesse do processo ensino/aprendizagem não estão voltados somente para o conhecimento científico, mas também para o comportamento ético, para as práticas sociais e atividades em grupo, dirigindo o acadêmico a uma postura do saber e do fazer como atitude de conhecimento (AMORIN, 2002; ARAÚJO, 2006; MASETTO, 2006). Uma das formas de atingir essas metas, conforme orientação das diretrizes atuais é através Estágio Supervisionado, considerado pela Associação Brasileira de Ensino Odontológico (ABENO), como um “instrumento de integração e conhecimento do aluno com a realidade social e econômica de sua região e do trabalho de sua área. Ele deve, também, ser entendido como o atendimento integral ao paciente que o aluno de Odontologia presta à comunidade, intra e extramuros. O aluno pode cumpri-lo em atendimen- tos multidisciplinares e em serviços assistenciais públicos e privados” (ABENO, 2003). O Estágio Supervisionado tem se apresentado como instrumento para o aperfeiçoamento científico e técnico do acadêmico de Odontologia, já que proporcionam os conhecimentos básicos sobre a realidade de saúde da sociedade em que vivem, na qual e para a qual irão trabalhar (WERNECK; LUCAS, 1996; CARVALHO, 2004). Desta forma, a análise dos Estágios Supervisionados torna-se uma ferramenta importante a fim de verificar se os mesmos estão sendo ofertados aos alunos de Odontologia. Diante dessa importância, o presente estudo tem como objetivo analisar a oferta e distribuição do Estágio Supervisionado nos cursos de graduação em Odontologia do estado de Minas Gerais - Brasil. MATERIAL E MÉTODOS Inicialmente, realizou-se uma consulta junto aos bancos de dados do Conselho Federal de Odontologia, disponibilizados no sítio da internet, a fim de verificar o número de cursos de Odontologia em atividade, que possuem turmas formadas, no estado de Minas Gerais – Brasil. Em seguida, com o intuito de conhecer a carga horária mínima de cada curso, foram consultados os sítios na internet de todos os cursos de Odontologia do Estado de Minas Gerais. Posteriormente, foi enviado pelo correio um ofício a todos os cursos, solicitando a disponibilização dos conteúdos referentes aos Estágios Supervisionados vigentes no ano de 2008, e esses ofícios também foram enviados por correio eletrônico – e-mail. Após a obtenção do material, foram analisadas as seguintes variáveis: carga horária total do curso, carga horária referente aos Estágios Supervisionados, assim como as nomenclaturas recebidas e o momento do curso no qual eram oferecidos. Para efeito de análise estatística, foi utilizado o programa Bio Stat v. 5.0 e aplicado o teste de correlação de Pearson. O material obtido recebeu tratamento estatístico descritivo, e os resultados foram apresentados em Figuras e tabelas. RESULTADOS Atualmente, 23 cursos de Odontologia estão em atividade no estado de Minas Gerais, sendo 17 (73,91%) em instituições privadas e 6 (26,09%) em públicas. Do total de cursos existentes, 10 (43,48%) responderam à solicitação e enviaram o material. Além de outros 5 cursos (21,74%), cujo material encontrava-se disponível em seus sítios na internet, totalizando quinze cursos analisados (65,22%). A carga horária média dos cursos pesquisados foi de 4418,13 horas. Entre os cursos de natureza pública a média foi de 4696 horas, enquanto a média entre os de natureza privada foi de 4279,30 horas. Dois cursos apresentaram carga horária abaixo de 4000 horas, e outros 2 com carga horária superior a 5000 horas (Figura 1). Com relação à duração, em semestres, dos cursos de Odontologia de Minas Gerais, constatou- se que 06 cursos (40,00%) possuem duração de 8 semestres, 06 (40,00%) duração de 9 semestres e 03 cursos (20,00%) com 10 semestres. As cargas- horárias dos Estágios Supervisionados dos cursos de Odontologia de Minas Gerais apresentaram grandes variações, como demonstrado na Figura 2. Com relação à distribuição dos Estágios Supervisionados na grade curricular, observa-se que há uma maior inserção nos últimos períodos dos cursos. (Quadro 1) Biosci. J., Uberlândia, v. 26, n. 1, p. 152-160, Jan./Feb. 2010 Análise da oferta… FRANCISCO, K. M. S. et al. 154 0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 Cursos de Odontologia de MG H or as Cursos de Odontologia – Minas Gerais - Brasil Figura 1. Carga horária média dos cursos de Odontologia do Estado de Minas Gerais – Brasil, 2008. (n = 15) 0 200 400 600 800 1 000 1 2 H or as Cursos de Odont ologi a de M G 3 4 5 6 7 8 9 10 11 1 2 1 3 14Cursos de Odontologia – Minas Gerais - Brasil 15 Figura 2. Cargas horárias referente aos Estágios Supervisionados dos cursos de Odontologia do Estado de Minas Gerais – Brasil, 2008. (n = 15) Quadro 1. Inserção dos Estágios Supervisionados durante os cursos de Odontologia do Estado de Minas Gerais – Brasil, 2008. (n = 18) 1º 2 º 3 º 4º 5º 6º 7º 8º 9º 10º 01 X X X X 02 X X 03 X X X 04 X X X X X X X X X 05 X X X 06 X X 07 X X X 08 X X X X X 09 X 10 X X X X X X 11 X X X X X X 12 X X X X X X 13 X 14 X X X X 15 X X X X X X CURSO PERÍODO Biosci. J., Uberlândia, v. 26, n. 1, p. 152-160, Jan./Feb. 2010 Análise da oferta… FRANCISCO, K. M. S. et al. 155 Os Estágios Supervisionados apresentaram diversas nomenclaturas (Estágio, Estágios Supervisionados, Estágios Curriculares, Estágio Saúde da Família/ Internato Rural), além disso, foi constatado que alguns cursos adotaram critérios diferentes para designar o que era Estágio Supervisionado. Do total, apenas 07 cursos (46,67%) consideravam como Estágios Supervisionados, somente atividades desenvolvidas em ambiente extramural, e estes apresentaram menor porcentagem de carga horária com relação à carga horária total do curso. Já 08 cursos (53,33%) adotaram como Estágios Supervisionados, atividades realizadas em ambientes intra e extramurais. (Figura 3) 0, 00% 5, 00% 10, 00% 15, 00% 20, 00% 25, 00% 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 Estágios Supervisionados extramural Estágios Supervisionados intra e extramural Figura 3. Porcentagem da carga horária dos Estágios Supervisionados em relação à carga horária total dos cursos de Odontologia do Estado de Minas Gerais – Brasil, 2008. (n = 15) Na análise da carga horária destinada aos Estágios Supervisionados e da carga horária total do curso, observou-se que não houve correlação (r = 0,1781 e p = 0,5254), ou seja, os cursos que oferecem maior carga horária não oferecem carga horária proporcional aos Estágios Supervisionados (Figura 4). 3000 3500 4000 4500 5000 5500 300 400 500 600 700 800 900 1000 1100 Carga Horária do Curso C . H .d e E st . S up er vi si on Figura 4. Correlação entre a carga horária total e a dispensada ao Estágios Supervisionados nos cursos de Odontologia do Estado de Minas Gerais – Brasil, 2008 (n=15). (p > 0,05) DISCUSSÃO A educação na área de saúde no Brasil ao longo do século XX foi fortemente influenciada pelo modelo flexineriano, o qual preconizava a segmentação do ensino em ciclos básico e profissional, baseado em disciplinas ou especialidades e realizado predominantemente dentro das instituições. A crise da Saúde Pública brasileira no final da década de 70 estimulou movimentos de reforma pautados na proposição de universalização da saúde através da implementação das ações básicas a qual exigia a necessidade de adaptação da formação profissional dentro desta nova realidade (SANTANA et al., 1999). Nesse contexto, a resolução CFE 04/82 determinou uma reestruturação do currículo mínimo para os cursos de Odontologia tendo como princípios formar cirurgião-dentista “com habilidade para aplicar princípios biológicos, técnicos e éticos para resolver os problemas de doenças buco-dentais mais prevalentes na região geo-educacional da Instituição e em programas estratégicos de interesse nacional” (CFE, 1982). Biosci. J., Uberlândia, v. 26, n. 1, p. 152-160, Jan./Feb. 2010 Análise da oferta… FRANCISCO, K. M. S. et al. 156 Essas estratégias de mudança foram consolidadas com o surgimento das DCN que se pautam em dois pontos: incentivar a implementação e estimular as universidades a implantarem iniciativas inovadoras e articuladoras em quatro campos: produção de conhecimento, educação permanente, mudanças na graduação e prestação de serviços a comunidade (BRASIL, 2006). Conforme o Art. 8º das DCN, “O projeto pedagógico do Curso de Graduação em Odontologia deverá contemplar atividades complementares e as Instituições de Ensino Superior deverão criar mecanismos de aproveitamento de conhecimentos, adquiridos pelo estudante, através de estudos e práticas independentes presenciais e/ou a distância, a saber: monitorias e estágios.” Nesse sentido o artigo 7º resolve que “ a formação do Cirurgião Dentista deve garantir o desenvolvimento de estágios curriculares, sob supervisão docente. Este estágio deverá ser desenvolvido de forma articulada e com complexidade crescente ao longo do processo de formação. A carga horária mínima do estágio curricular supervisionado deverá atingir 20% da carga horária total do Curso de Graduação em Odontologia proposto” (BRASIL, 2002). O principal objetivo do Estágio Supervisionado é a qualificação prática dos alunos, oferecendo aos mesmos a oportunidade de terem uma visão real de seu futuro ambiente de trabalho, onde colocarão em prática os conhecimentos adquiridos nas disciplinas anteriormente cursadas, além de desenvolverem suas capacidades de diagnóstico, planejamento de tratamento e execução de trabalhos, através de uma visão integralizada, a fim de atender todas as necessidades do paciente, não menosprezando a sua realidade socioeconômica e cultural (MENDES et al, 2006). O presente estudo mostra que apenas 3 dos cursos analisados (20,00%) apresentaram 20% ou mais da carga horária total destinada aos Estágios Supervisionados. Diante disso, cabe às coordenações dos cursos de Odontologia agir com cautela para que não sejam causados vieses com o entendimento de que a carga horária de determinadas disciplinas clínicas possam ser computadas no somatório da carga horária de Estágios Supervisionados, para fins de cumprimento do que está estabelecido pelas DCN. Sendo assim, é importante que os Estágios Supervisionados sejam realizados em serviços de saúde, em cenários de aprendizagem diferentes dos apresentados nas clínicas de ensino de especialidades. Visando contemplar essa nova realidade exigida dentro da prática odontológica com cunho social, Mendes et al (2006) defende o desenvolvimento das atividades junto ao paciente logo no início do curso de Odontologia, acentuando a necessidade de atividades extra-murais a serem desenvolvidas sob a forma de estágio supervisionado, preferencialmente em Instituições Públicas de Saúde. A autora cita ainda que deveria se assegurar uma sólida formação aos profissionais adequada à realidade de saúde bucal da população brasileira, imprimindo ao curso, uma orientação voltada para a Odontologia Social, buscando preparar o aluno para atuar em equipes multiprofissionais de saúde. Já Uriarte (2003), defende que o Estágio Supervisionado aconteça nos períodos mais avançados do curso, pois o aluno precisa aprender a enxergar alternativas ao ponto de fazer uma análise das situações por ele vividas no local de estágio. A mesma situação foi observada em Minas Gerais, onde 80% dos cursos de Odontologia ofertam os Estágios Supervisionados nos períodos mais avançados. A criação de Estágios Supervisionados, Serviços Extras-muros e da Clínica Integrada foram propostas com a intenção de preencher algumas lacunas na formação profissional dos acadêmicos, fazendo com que eles conhecessem a realidade social na qual estão inseridos. Embora a Clínica Integrada seja importante durante a formação acadêmica suprindo as necessidades individuais com qualidade técnica reconhecida, os Estágios Supervisionados possibilitam ao aluno, enfrentar situações adversas de trabalho e ser consciente que poderá fazer a diferença entre o atendimento odontológico humanizado, voltado para a Promoção da Saúde e aquele meramente restaurador e quase sempre mutilador. Além de estimular a consciência de ser um agente de transformação das atitudes de outros profissionais (SECCO; PEREIRA, 2004; MOIMAZ et al, 2004; MEDEIROS JÚNIOR et al, 2005; MENDES et al, 2006; RODRIGUES et al, 2006). A estratégia de diversificação de cenários de ensino-aprendizagem à realidade social foi apresentada por Moysés et al (2003) ao relatarem a experiência desenvolvida na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, sobre as adequações do Projeto Pedagógico às Diretrizes Curriculares Nacionais. Moimaz (2003) ao analisar o perfil do profissional formado na Faculdade de Odontologia de Araçatuba – UNESP, no período de 1989 a 1999, observou que apenas 20,10% tinham como intuito trabalhar para melhoria da saúde da população, e a grande maioria apontou como a principal sugestão para o curso, ampliar a carga horária prática/clínica e as atividades extramuros. Isso deixa clara a Biosci. J., Uberlândia, v. 26, n. 1, p. 152-160, Jan./Feb. 2010 Análise da oferta… FRANCISCO, K. M. S. et al. 157 importância das atividades extramurais na formação do profissional. Atualmente observa-se um crescente interesse dos cirurgiões dentistas por uma vaga no Sistema Único de Saúde (SUS). De acordo com as DCN no seu Art. 5º Parágrafo único: “A formação do Cirurgião Dentista deverá contemplar o sistema de saúde vigente no país.” Diante disso, as universidades estão sendo exigidas a oferecer em seus cursos de graduação, uma formação capaz de desenvolver no aluno a valorização do setor público e sensibilidade social, sem abrir mão da qualificação técnica, possibilitando o engajamento para que esses profissionais possam desenvolver atitudes para o desenvolvimento do SUS, não reproduzindo a prática tradicional de ingressar no serviço público com intenção de complementar renda, esperando dedicar-se o mínimo possível para oferecer um atendimento de pouca qualidade, justificado pela baixa remuneração salarial. Dessa forma o interesse na qualificação profissional para atuar no SUS partirá do próprio aluno de graduação (BRASIL, 2002; ALMEIDA; MARANHÃO, 2003). As políticas de saúde como a Estratégia de Saúde da Família apresentam-se como uma fonte de emprego em expansão para o cirurgião-dentista no Brasil. Em pesquisa realizada pelas entidades odontológicas brasileiras em 2002 foram entrevistados 614 cirurgiões-dentistas em relação ao mercado de trabalho. Apesar de a grande maioria trabalhar de forma autônoma, 26,2% exerce suas atividades no setor público, sendo que destes, 48,5% trabalham no Programa Saúde da Família (BRASIL, 2006). O estudo realizado por Araújo e Dimenstein (2006) relata que o cirurgião-dentista que trabalha no PSF vê-se freqüentemente diante de muitos desafios, sentindo-se, em alguns momentos, inseguro e despreparado para exercer as suas atividades. Os autores afirmam que tal situação pode ser devido ao fato dos alunos terem recebido uma educação voltada para as questões biológicas, ações curativas e técnicas, com pouca ênfase para os fatores socioeconômicos e psicológicos do processo saúde-doença e para o desenvolvimento de atividades de promoção, manutenção e recuperação da saúde. Sanchez et al (2008), ao analisarem o potencial de duas faculdades de Odontologia em formar os acadêmicos para atuarem no PSF, mostraram que prevaleceu entre os acadêmicos, o desejo de trabalhar no PSF por razões ligadas às dificuldades do mercado de trabalho. Além disso, Estágio Supervisionado foi apontando como uma provável influência sobre a formação do acadêmico, habilitando-o melhor atuar no PSF. Neste mesmo estudo, ficou claro que a convivência com cenários sociais chocantes causa nos estudantes um impacto que pode superar o aprendizado pelas vias tradicionais da formação acadêmica clássica, demonstrando que a incorporação da realidade à experiência acadêmica leva à formação de profissionais que respondem mais satisfatoriamente às necessidades da população. As mudanças propostas pelas DCN levaram muitos cursos a reestruturarem as suas grades curriculares, no entanto a maioria tem se mostrado hesitante e até mesmo resistente em alterar os seus obsoletos currículos, para incorporar novos referenciais. Estas mudanças são lentas e durante esse processo de formação é necessário construir e preservar os espaços coletivos para debates e reflexões críticas, sobretudo porque os desafios são muitos e as áreas de desconhecimento também são freqüentes (WEYNE, 2003; FEUERWERKER; ALMEIDA, 2004). Assim, todo e qualquer processo de mudança cabe ao corpo docente o papel de analisar as referências, avaliar as experiências e discutir a respeito da elaboração de possíveis propostas, onde as modificações pretendidas exigirão um maior esforço das Instituições de Ensino envolvidas, dadas às particularidades específicas do mercado de trabalho dos cirurgiões-dentistas, que sem sombra de dúvida interferem na formação profissional (URIARTE, 2003). CONCLUSÕES A carga horária referente ao Estágio Supervisionado variou entre 315 e 975 horas sendo que apenas 20,00% dos cursos cumprem a exigência de dedicar 20% da carga horária total destinada a esse fim. Há variação com relação à nomenclatura usada para os Estágios Supervisionados e estes são ofertados na maioria dos cursos, nos últimos anos. Os cursos que consideravam como Estágios Supervisionados, somente atividades desenvolvidas em ambiente extramural apresentaram menor porcentagem de carga horária com relação à carga horária total do curso. Não foi encontrada correlação entre a carga horária total dos cursos e a carga horária dispensada aos conteúdos de Estagio Supervisionado, ou seja, o fato do curso possuir uma maior carga horária total não indicou que possuiu uma maior carga horária destinada aos Estágios Supervisionados. Biosci. J., Uberlândia, v. 26, n. 1, p. 152-160, Jan./Feb. 2010 Análise da oferta… FRANCISCO, K. M. S. et al. 158 ABSTRACT: Since 2002, which are in effect the Curriculum Guidelines for National Graduate courses in dentistry. The adequacy of the education needs of the Unified Health System is one of its main goals. As guidance, a way of achieving this goal is through supervised, which are presented as a tool for improving the academic scientific and technical, providing you know the reality of health and society in which to work. This study aims to examine the supply and distribution of supervised in graduate programs in dentistry in the state of Minas Gerais - Brazil. The material for analysis was obtained by sending letters to courses and consulting to its sites on the Internet. Were part of the study, 15 of the 23 courses in the state. It appeared that the load-hours of supervised showed variations between 315 and 975 hours, with only 20% of courses devoted 20% of the total working hours of supervised practice. There was no correlation between the total working hours of the course and working hours of supervised practice. The courses in which the supervised activities were represented only by extra muros showed a lower percentage of working hours in relation to total working hours of the course. KEYWORDS: Schools. Dental. Education. Dental. Dentistry. REFERÊNCIAS ABENO - Associação Brasileira de Ensino Odontológico. Estágios supervisionados. Reunião Paralela da ABENO. São Paulo, 2003. Acesso em 20 Ago. 2008. Disponível em: http://www.abeno.org.br. ALMEIDA, M.; MARANHÃO, E. Diretrizes curriculares nacionais para os cursos universitários da área da saúde. Londrina: Rede UNIDA, p. 16-22, 2003. AMORIM, K. P. C. Nos labirintos da vida: A (bio)ética na formação de odontólogos (a visão de docente). Dissertação (Mestrado) – Departamento de Odontologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2002. ARAÚJO, M. E. Words and silence in the dentistry education. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, p. 179 -182, jan./mar. 2006. ARAÚJO, Y. P.; DIMENSTEIN, M. Structure and organization of the work of dentists in the Family Health Program of some Municipal Districts of Rio Grande do Norte (Brazil). Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1 p. 219-227, jan./mar. 2006. BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Odontologia. Resolução CNE/CES 3/2002. Diário Oficial da União, Brasília, 4 de março de 2002, Seção 1, p. 10. BRASIL. Ministério da Saúde. Fundação Oswaldo Cruz. Dinâmica das graduações em saúde no Brasil: subsídios para uma política de recursos humanos. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. p. 409 – (Série G. Estatística e Informação em Saúde). CARVALHO A. C. P. Planejamento do Curso de Graduação em Odontologia. É importante planejar os cursos de graduação considerando-se as Diretrizes Nacionais Curriculares. Revista da ABENO, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 7-13, jan/dez, 2004. CFE (Conselho Federal de Educação), 1982. Resolução CFE 04/82. 03/09. Brasília: CFE. CHAVES, Mário; ROSA, Alice Reis. Educação Médica nas Américas – O Desafio dos anos 90. São Paulo: Cortez, 1990. 209 p. FEUERWERKER, L.; ALMEIDA, M. Diretrizes Curriculares e projetos pedagógicos: é tempo de ação! Revista da ABENO, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 14-16, jan/dez, 2004. Biosci. J., Uberlândia, v. 26, n. 1, p. 152-160, Jan./Feb. 2010 http://www.abeno.org.br/ Análise da oferta… FRANCISCO, K. M. S. et al. 159 LAZERIS, A. M.; CALVO, M. C. M.; REGIS FILHO, G. I. A formação de recursos humanos em Odontologia e as exigências do Setor Público – Uma contribuição para serviços de saúde pública e de qualidade. Revista Odonto Ciência, Porto Alegre, v. 22, n. 56, p. 166 – 176. abr./jun. 2007. MARCOS, B. O ensino odontológico e a realidade social. Odontologia, ciência e saúde. Revista do CROMG, Belo Horizonte, v. 9, n. 2, p. 109 – 114, 2003. MASETTO, M. T.; Um Paradigma Interdisciplinar para a Formação do Cirurgião-Dentista. In: CARVALHO. A. C. P.; KRIGER. L. Educação Odontológica, São Paulo: Artes Médicas, p.31 – 49, 2006. MATTOS, M. C. I. Ensino médico: o que sabemos? Interface - Comunicação, Saúde e Educação, Botucatu, v. 1, n. 1, p. 193-195, ago 1997. MEDEIROS JÚNIOR. A.; ALVES, M. S. C. F.; NUNES, J. P.; COSTA, I. C. C. Experiência extramural em hospital público e a promoção da saúde bucal coletiva. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 39, n. 2, p. 305 – 310, abr, 2005. MENDES, R. F.; MOURA, M. S.; PRADO JÚNIOR, R. R.; MOURA, L. F. A. D.; LAGES, G. P.; GONÇALVES, M. P. R. Contribuição do Estágio Supervisionado da UFPI para formação humanística, social e integrada. Revista da ABENO, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 61 – 65, jan/jun, 2006. MOIMAZ, S. A. S. Estudo sobre o perfil profissional dos cirurgiões-dentistas formados pela Faculdade de Odontologia de Araçatuba - UNESP, no período de 1989 a 1999. 2003. 162 f. Tese (Livre-docência) – Curso de Pós-Graduação em Odontologia Preventiva e Social, Universidade Estadual Paulista, Araçatuba, 2003. MOIMAZ, S. A. S.; SALIBA, N. A.; GARBIN, C. A. S.; ZINA, L. G.; FURTADO, J. F.; AMORIN, J. A. Serviço extra muro odontológico: impacto na formação profissional. Pesquisa Brasileira em Odontopediatria e Clínica Integrada, João Pessoa, v. 4, n. 1, p. 53-57, jan.-abr, 2004. MOYSÉS, S. J. Políticas de saúde e formação de recursos humanos em Odontologia. Revista da ABENO, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 30-37, jan/dez, 2004. PÉRET, A. C. A. LIMA, M. L. R. A pesquisa e a formação do professor de Odontologia nas políticas internacionais e nacionais de educação. Revista da ABENO, São Paulo, v. 3, n. 1, p. 65-69,Jan/dez, 2003. RODRIGUES, R. P. C. B.; SALIBA, N. A.; MOIMAZ, S. A. S. Saúde coletiva nas estruturas curriculares dos cursos de Odontologia do Brasil. Revista da ABENO, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 81-87, jan.-jun. 2006. SANCHEZ, H. F.; DRUMOND, M. M.; VILAÇA, E. L. The Family Health Program (FHP) and human resources: perceptions of students from two different dentistry schools. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, n. 13, v. 2, p. 523-531, mar/abr, 2008. SANTANA, J. P.; CAMPOS, F. E.; SENA, R. R. Formação profissional em saúde: desafios para a universidade. In: SANTANA, J. P.; CASTRO, J. L. Capacitação em desenvolvimento de recursos humanos de saúde – CADRHU. Brasília: Ministério da Saúde; Organização Pan-Americana da Saúde; Universidade Federal do Rio Grande do Norte. p. 233-244. 1999. SECCO, L. G.; PEREIRA, M. L. T. Formadores em Odontologia: profissionalização docente e desafios político-estruturais. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p. 113 – 120, jan/mar, 2004. SILVA. A. M.; VARGAS, A. M. D.; FERREIRA, E. F. Integralidade da Atenção e o Ensino Superior. Arquivos em Odontologia, Belo Horizonte, v. 40, n. 3, p. 207-286, jul./set. 2004. Biosci. J., Uberlândia, v. 26, n. 1, p. 152-160, Jan./Feb. 2010 http://search.bvsalud.org/regional/resources/bbo-23165 http://search.bvsalud.org/regional/resources/bbo-23165 http://portal.revistas.bvs.br/transf.php?xsl=xsl/titles.xsl&xml=http://catserver.bireme.br/cgi-bin/wxis1660.exe/?IsisScript=../cgi-bin/catrevistas/catrevistas.xis%7Cdatabase_name=TITLES%7Clist_type=title%7Ccat_name=ALL%7Cfrom=1%7Ccount=50&lang=pt&comefrom=home&home=false&task=show_magazines&request_made_adv_search=false&lang=pt&show_adv_search=false&help_file=/help_pt.htm&connector=ET&search_exp=Rev.%20ABENO Análise da oferta… FRANCISCO, K. M. S. et al. 160 URIARTE, N. M. Estágio supervisionado – papel da coordenação e do corpo docente na aplicação das Diretrizes Curriculares Nacionais. Revista da ABENO, São Paulo, v. 3, n. 1, p. 41 – 44, Jan/dez, 2003. WERNECK, M. A. F.; LUCAS, S.D. Estágio supervisionado em Odontologia: uma experiência da integração ensino/serviço de saúde bucal. Arquivos Centro Estudos Faculdade de Odontologia de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 2, n. 32, p. 95 – 108, 1996. WEYNE, S. C. A construção do paradigma de promoção de saúde: um desafio para as novas gerações. In: KRIGER L. Promoção de saúde bucal. 3a ed. São Paulo: Artes Médicas; 2003. ZILBOVÍCIUS, C.; ARAÚJO, M. E. Diretrizes Curriculares Nacionais: Elementos e dados para uma reflexão crítica. In: MORITA, M. C.; KRIGER, L.; CARVALHO, A. C. P; HADDAD, A. E. Implantação das diretrizes curriculares nacionais em Odontologia. Maringá: Dental Press Editora, p. 61 – 80. 2007. Biosci. J., Uberlândia, v. 26, n. 1, p. 152-160, Jan./Feb. 2010