Microsoft Word - 23-Sau_revisado_7350.doc Case Report Biosci. J., Uberlândia, v. 27, n. 1, p. 178-181, Jan./Feb. 2011 178 VARIAÇÃO DOS RAMOS DO ARCO AÓRTICO EM UM OVINO DA RAÇA SANTA INÊS: RELATO DE CASO VARIATION OF BRANCHES OF THE AORTIC ARCH IN A SANTA INES SHEEP: CASE REPORT Matheus Camargos de Britto ROSA1; Osório José da SILVA NETO1; Arlei José BIRCK2; Patrícia Orlandini GONÇALEZ3; Gregório Corrêa GUIMARÃES4 1. Graduando de Medicina Veterinária, Universidade Federal de Lavras - UFLA, Lavras, MG, Brasil; 2. Professor, Doutor, Universidade Federal do Paraná - UFPR, Palotina, PR, Brasil; 3. Professor, Doutor, Centro Universitário Barão de Mauá, Ribeirão Preto, SP, Brasil; 4. Professor, Doutor, DMV - UFLA, Lavras, MG, Brasil. gregorio@dmv.ufla.br RESUMO: Este relato descreve a variação dos ramos do arco aórtico em um ovino da raça Santa Inês, encontrada durante aula prática de dissecação. Após a retirada do pulmão esquerdo, o coração e o arco aórtico foram dissecados, constatando-se que a artéria subclávia esquerda originava-se diretamente deste arco. Proximalmente a ela emergia o tronco braquiocefálico, que após certo trajeto emitia a artéria subclávia direita e o tronco bicarótico. O tronco bicarótico bifurcava-se em artérias carótidas comuns direita e esquerda. PALAVRAS-CHAVE: Coração. Aorta torácica. Variação anatômica. Ovis Aries. INTRODUÇÃO No estudo anatômico dos órgãos e sistemas são descritos seus aspectos normais, ou seja, as características que ocorrem com alta frequência. Assim, quando um evento ocorre na maioria dos indivíduos de uma espécie, ele é considerado como padrão ou normal. Nesse contexto também são observadas as variações anatômicas, caracterizadas pela alteração no padrão comum. Em anatomia, defini-se variação como sendo um pequeno desvio do aspecto morfológico normal de um órgão ou ainda o desvio do plano geral de organização de um indivíduo, podendo ser positivo, negativo ou indiferente para o funcionamento do mesmo (DIDIO, 1998). De maneira geral, todos os indivíduos estão sujeitos a fatores de variação como idade, sexo, raça, biótipo, meio ambiente e genética individual. Nesse contexto, vários estudos têm sido realizados, tanto em ruminantes quanto em animais com estômago unicavitário, com objetivo de descrever a distribuição padrão dos ramos do arco aórtico, bem como suas variações. A aorta origina-se a partir do ventrículo esquerdo curvando-se cranial, dorsal e caudalmente, atingindo o nível da sétima vértebra torácica, exibindo a forma de um arco (DYCE; SACK; WENSING, 2004). À esquerda do arco aórtico localiza-se o pulmão esquerdo e à direita situa-se a traquéia. Deste arco origina-se o tronco braquiocefálico, responsável pela irrigação da cabeça, pescoço, membros torácicos e de parte do tórax (GODINHO; CARDOSO; CASTRO, 2001). Nos ruminantes, se observa um tronco braquiocefálico originando-se do arco aórtico, a partir do qual emergem na sequência a artéria subclávia esquerda, a artéria subclávia direita e o tronco bicarótico, como ramos terminais. As artérias subclávias diferem em origem e comprimento, sendo a direita mais curta (GHOSHAL, 1986). Na avaliação de 20 fetos de búfalos (Syncerus caffer) foi observado em 80% o tronco braquiocefálico emitindo as artérias subclávia esquerda, em origem comum ao tronco costocervical esquerdo, carótida comum direita e comum esquerda, sem caracterizar o tronco bicarótico e a artéria subclávia direita. Nos 20% restantes, observou-se o tronco braquiocefálico emitindo a artéria subclávia esquerda, originando, em sequência, o tronco bicarótico, terminando por emitir a artéria subclávia direita (CORTELLINI et al., 2000). Nos equinos, assim como ocorre nos ruminantes, o arco aórtico emite somente o tronco braquiocefálico, sendo este a origem comum para as artérias subclávias direita e esquerda e o tronco bicarótico (GHOSHAL, 1986; KRAHMER; SCHRÖDER, 1988; DYCE; SACK; WENSING, 2004). Foi possível observar que capivaras (Hydrochoerus hydrochaeris) exibem a mesma arquitetura vascular observada para o arco aórtico de ruminantes (CULAU et al., 2007). O hidropotes coreano (Hydropotes inermis argyropus), uma espécie de cervídeo, teve seu arco aórtico descrito a partir de 23 exemplares. Observou-se em todos os espécimes apenas a Received: 20/04/10 Accepted: 10/10/10 Variação dos ramos ROSA, M. C. B. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 27, n. 1, p. 178-181, Jan./Feb. 2011 179 origem do tronco braquiocefálico a partir da aorta, porém, foram relatadas algumas variações quanto aos ramos originados deste tronco. Normalmente, o primeiro e segundo ramos do tronco braquiocefálico são as artérias subclávia esquerda e carótida comum esquerda, respectivamente. Em seguida, o tronco braquiocefálico se ramifica em três artérias: carótida comum direita, tronco costocervical direito e subclávia direita, o que ocorreu em 82,6% dos casos. Em 17,4%, o tronco costocervical direito se originou da artéria subclávia direita e não do tronco braquiocefálico, e as artérias carótida comum esquerda e direita, se originaram do tronco bicarótico (DONG-CHOON et al., 2008). Variações a partir do arco aórtico de cães também foram observadas. Assim, em oito exemplares, notou-se que a artéria subclávia direita originava-se a partir do arco aórtico logo após o tronco braquiocefálico e a artéria subclávia esquerda (CULAU et al., 2004). No estudo do arco aórtico de gambás (Didelphis albiventris), cerca de 83% exibiram ramos colaterais da mesma forma que cães, ou seja, um tronco braquiocefálico seguido pela artéria subclávia esquerda. Entretanto, em 14% dos espécimes foram observados a artéria subclávia direita, o tronco bicarótico e a artéria subclávia esquerda e em 3,5% o tronco braquiocefálico, a artéria carótida comum esquerda e a artéria subclávia esquerda, originando-se respectivamente, a partir da aorta (RECKZIEGEL; LINDEMANN; CULAU, 2003). Essas variações observadas em cães e gambás sugerem que, apesar de não ser o padrão de ramificação, o maior número de espécimes investigados permitiu verificar arranjos distintos em alguns exemplares. RELATO DO CASO Um cadáver de ovino da raça Santa Inês proveniente do Setor de Ovinocultura do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de Lavras, foi encaminhado ao Laboratório de Anatomia Veterinária dessa Instituição para ser utilizado em aula prática de dissecação. Após fixação em solução aquosa de formol a 10%, procedeu-se a dissecação da cavidade torácica por meio da abertura de toda a parede lateral esquerda com auxílio de costótomo e retirada do pulmão esquerdo, sendo o coração dissecado e a aorta torácica isolada. Durante a dissecação do arco aórtico observou-se que a artéria subclávia esquerda tinha origem diretamente deste arco. Proximalmente a ela emergia o tronco braquiocefálico, que após certo trajeto emitia a artéria subclávia direita e o tronco bicarótico, que bifurcava-se em seguida nas artérias carótidas comuns direita e esquerda (Figura 1). Figura 1. Vista lateral esquerda da cavidade torácica de um ovino adulto da raça Santa Inês. Evidencia-se: arco aórtico (1), tronco braquiocefálico (2), artéria subclávia esquerda (3), tronco pulmonar (4), artéria carótida comum esquerda (5), coração (6), parte cranial do lobo cranial do pulmão direito (7) e esôfago (8). Variação dos ramos ROSA, M. C. B. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 27, n. 1, p. 178-181, Jan./Feb. 2011 180 DISCUSSÃO Os animais domésticos possuem padrões morfológicos bem explorados, porém modificações poderão ser observadas nestes. Portanto, para uma boa análise de indivíduos de espécies variadas ou iguais é importante que se conheçam as características consideradas como padrão anatômico e suas possíveis variações, patológicas ou não. Uma variação pode causar alteração ou depreciação da função (anomalia) ou ser incompatível com a vida (monstruosidade), bem como aparecer em apenas 1 ou 2 % da população (raridade) (DIDIO, 1998). No caso relatado, a distribuição anormal dos ramos do arco aórtico, semelhante ao padrão descrito para cães e suínos, foge do padrão clássico descrito para ruminantes (SCHWARZE; SCHRÖDER, 1972; SCHUMMER et al., 1981; GHOSHAL, 1986; CORTELLINI et al., 2000; GODINHO; CARDOSO; CASTRO, 2001; DYCE; SACK; WENSING, 2004), equinos (GHOSHAL, 1986; KRAHMER; SCHRÖDER, 1988; DYCE; SACK; WENSING, 2004) e capivaras (CULAU et al., 2007). A distribuição encontrada no presente relato é diferente da descrita por estes autores, que relataram, a partir do arco aórtico, apenas a formação do tronco braquiocefálico, o qual vai originar a artéria subclávia esquerda, subclávia direita e o tronco bicarótico. A variação do arco aórtico de um ovino da raça Santa Inês observada nesta oportunidade caracterizou-se pelo fato de que a artéria subclávia esquerda originava-se diretamente do arco aórtico, e à sua direita emergia o tronco braquiocefálico, ramificando-se em artéria subclávia direita e tronco bicarótico. Esta variação se assemelha em parte ao relatado por Borges et al. (2001), que descreveram o mesmo arranjo vascular a partir do arco aórtico em um ovino da raça Ideal, porém, com origem da artéria subclávia direita a partir da artéria carótida comum direita. Por conceito, variação anatômica não resulta em prejuízo funcional. No caso das anomalias, a variação do padrão anatômico ocorre de modo a interferir na função (DIDIO, 198; DÂNGELO; FATTINI, 2002). A alteração descrita nesta oportunidade não pode ser diferenciada como uma variação anatômica ou anomalia, pois apesar de inicialmente o animal não manifestar nenhuma alteração clínica, não foi realizada uma análise mais aprofundada para se determinar alterações funcionais associadas à variação encontrada. De qualquer maneira, é de suma importância o reconhecimento de tais variações, pois quando clinicamente diagnosticadas, podem ser corrigidas cirurgicamente (PETERS et al., 2002). Comparando as variações encontradas no presente relato com aquelas descritas por Reckziegel, Lindemann e Culau (2003) e Culau et al. (2004) em gambás e cães respectivamente, não se estabeleceram semelhanças entre as mesmas, pois os autores supracitados descreveram a origem da artéria subclávia direita a partir do arco aórtico, tanto em gambás quanto em cães, além da formação da artéria carótida comum esquerda diretamente do arco aórtico no gambá. No ovino deste relato, a artéria subclávia direita se originou diretamente do tronco braquiocefálico e as artérias carótidas comuns esquerda e direita, do tronco bicarótico, assemelhando-se ao padrão descrito para ruminantes (SCHWARZE; SCHRÖDER, 1972; SCHUMMER et al., 1981; GHOSHAL, 1986; CORTELLINI et al., 2000; GODINHO; CARDOSO; CASTRO, 2001; DYCE; SACK; WENSING, 2004). Os achados de Peters et al. (2002), diferem dos observados neste relato, pois os autores descreveram a persistência do arco aórtico direito em bisão, o que não mantém relação com os achados em questão e também por se caracterizar como uma monstruosidade. De acordo com esses dados, percebe-se que as variações anatômicas existem entre as diferentes espécies, e numa mesma espécie, elas também podem ocorrer, o que não necessariamente significa prejuízo da função. A variação anatômica do arco aórtico observada neste ovino da raça Santa Inês não é comum. Dessa forma, o presente relato fornece informações úteis que enriquecem a descrição anatômica do sistema circulatório nesses animais, assim como sugere que alterações morfológicas são fatores presentes como ferramenta de evolução de uma espécie. ABSTRACT: This case report describes the variation of the aortic arch branches in a Santa Ines sheep, found during classroom practice of dissection. After removal of the left lung, heart and aortic arch were dissected, noting that the left subclavian artery was originated directly from this arc. Proximally to it emerged the brachiocephalic trunk, which after originated the right subclavian artery and the bicaroticus trunk. The bicaroticus trunk bifurcated itself on right and left common carotid arteries. KEYWORDS: Heart. Thoracic aorta. Anatomic variation. Ovis Aries. Variação dos ramos ROSA, M. C. B. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 27, n. 1, p. 178-181, Jan./Feb. 2011 181 REFERÊNCIAS BORGES, E. M.; MACHADO, M. R. F.; OLIVEIRA, F. S.; OLIVEIRA, D. Variação dos ramos do arco aórtico em um ovino da raça Ideal: relato de caso. ARS Veterinária, Jaboticabal, v. 17, n. 3, p. 162-164, 2001. CORTELLINI, L. M. F.; MACHADO, M. R. F.; OLIVEIRA, F. S.; MIGLINO, M. A.; ARTONI, S. M. B. Ramos do arco aórtico de Bubalinos. Ciência Rural, Santa Maria, v. 30, n. 3, p. 445-448, mai./jun. 2000. CULAU, P. O. V.; OLIVEIRA, J. C. D.; RECKZIEGEL, S. H.; LINDEMANN, T. Origem ectópica da artéria subclávia direita e do tronco bicarotídeo no cão. Ciência Rural, Santa Maria, v. 34, n. 5, p. 1615-1618, set./out. 2004. CULAU, P. O. V.; RECKZIEGEL, S. H.; LINDEMANN, T.; ARAÚJO, A. C. P.; BALZARETTI, F. Colaterais do arco aórtico da capivara (Hydrochoerus hydrochaeris). Acta Scientiae Veterinariae, Porto Alegre, v. 35, n. 1, p. 89-92, 2007. DÂNGELO, J. G.; FATTINI, C. A. Anatomia básica dos sistemas orgânicos. São Paulo: Atheneu, 2002. p. 01-03. DIDIO, L. J. A. Tratado de anatomia aplicada I. São Paulo: Pólus, 1998. p. 103-110. DONG-CHOON, A. H. N.; KIM, H. C.; TAE, H. J.; KANG, H. S.; KIM, N. S.; PARK, S. Y.; KIM, I. S. Branching pattern of aortic in the korean water deer. The Journal of Veterinary Medical Science, Tokyo, v. 70, n. 10, p. 1051-1055, 2008. DYCE, K. M.; SACK, W. O.; WENSING, C. J. G. A. Tratado de anatomia veterinária. 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 145-174. GHOSHAL, N. G. Coração e Artérias. In: GETTY, R. (Ed.). Sisson/Grossman. Anatomia dos animais domésticos. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1986, cap. 33, p. 900-959. GODINHO, H. P.; CARDOSO, F. M.; CASTRO, A. C. S. Anatomia dos ruminantes domésticos. Belo Horizonte, 2001. p. 221-239. KRAHMER, R.; SCHRÖDER, L. Atlas de anatomía de los animales domésticos. 2. ed. Zaragoza: Acribia, 1988. p. 177-234. PETERS, M.; KOCH, R.; KAMMERLINHG, J.; WOHLSEIN, P. Persistent right aortic arch a yearling captive wood bison (Bison bison athabascae). Journal of Zoo and Wildlife Medicine, Lawrence, v. 33, n. 4, p. 386- 388, 2002. RECKZIEGEL, S. H.; LINDEMANN, T.; CULAU, P. O. V. Colaterais do arco aórtico do gambá (Didelphis albiventris). Ciência Rural, Santa Maria, v. 33, n. 3, p. 507-511, 2003. SCHUMMER, A.; WILKENS, H.; VOLLMERHAUS, B.; HABERMEHL, K. The circulatory system, the skin, and the cutaneous organs of the domestic mammals. In: NICKEL, R., SCHUMMER, A., SEIFERLE, E. The viscera of the domestic mammals. Berlin: Verlag Paul Parey, 1981. p. 72-77. SCHWARZE, E.; SCHRÖDER, L. Compendio de anatomia veterinária. Zaragoza: Acribia, 1972. p. 100- 103.