Microsoft Word - 15-Agra_revisado_7407.doc Case Studies Biosci. J., Uberlândia, v. 27, n. 1, p. 112-115, Jan./Feb. 2011 112 CORPÚSCULOS DE LENTZ EM UM CÃO COM 10 DIAS DE IDADE LENTZ BODY INCLUSIONS IN 10-DAY-OLD DOG Pablo Gomes NOLETO1, Christina Siqueira MENDONÇA2, Carla Cristiane FERNANDES1, Matheus Matioli MANTOVANI3, Suzana Akemi TSURUTA5, Marília Cristina SOLA4, Antonio Vicente MUNDIM6 1. Mestrando em Ciências Veterinárias, Faculdade de Medicina Veterinária - FAMEV, Universidade Federal Uberlândia - UFU, Uberlândia, MG, Brasil. pablo_noleto@hotmail.com; 2. Médica Veterinária, Hospital Veterinário – HV, UFU, Uberlândia, MG, Brasil; 3. Residente em Clínica dos Animais Domésticos, HV-UFU, Uberlândia, MG, Brasil; 4. Mestranda em Ciência Animal, Escola de Veterinária – EV, Universidade Federal de Goiás – UFG, Goiânia, GO, Brasil; 5. Doutoranda em Ciência Animal, EV – UFG, Goiânia, GO, Brasil; 6. Professor, Doutor, FAMEV-UFU, Uberlândia, MG, Brasil. RESUMO: A cinomose canina é uma doença sistêmica contagiosa com alta taxa de morbidade e mortalidade em cães, causada por um Morbillivírus, da família Paramyxoviridae. Animais infectados frequentemente desenvolvem manifestações neurológicas. O principal meio de transmissão é por aerossolização do exsudato respiratório contendo o microrganismo, porém a infecção transplacentária tem sido documentada em cães domésticos. A presença de corpúsculos de Lentz intracitoplasmático em leucócitos é encontrada na fase de viremia da doença. Esta inclusão é considerada uma ferramenta de diagnóstico precoce da cinomose. Foi encaminhado ao Hospital Veterinário da Universidade Federal de Uberlândia um cão com 10 dias de idade, macho, branco, sem raça definida e pesando 500 gramas. O cão apresentava convulsões de 20 em 20 minutos. No hemograma, ao realizar a contagem diferencial de leucócitos, constatou-se a inclusão de Lentz. A presença do corpúsculo intracitoplasmático caracteriza uma alta viremia para um animal de dez dias de idade. Pode-se afirmar também que houve infecção transplacentária devido ao período de incubação do vírus da cinomose canina ser de sete dias, e o animal apresentar pouca idade. PALAVRAS-CHAVE: Vírus da Cinomose Canina. Inclusões de Sinegaglia-Lentz. Transmissão transplacentária. INTRODUÇÃO A cinomose canina é uma doença sistêmica contagiosa com alta taxa de mortalidade em cães, causada por um Morbillivírus, da família Paramyxoviridae. É uma doença infecciosa mundialmente importante para os cães domésticos e apresenta alta morbidade (MARTINS et al., 2009). O principal meio de transmissão é por meio de aerossolização do exsudato respiratório contendo o microrganismo, embora outras excreções e secreções corporais possam resultar infecção em hospedeiros suscetíveis se aerossolizado (DEEM et al., 2000). A excreção viral ocorre sete dias pós- infecção (GREENE, 2006). Considerada como a doença viral mais prevalente nos cães, a cinomose é a causa comum de convulsões em cães com menos de seis meses de idade (ETTINGER; FELDMAN, 1997). Animais infectados frequentemente desenvolvem manifestações neurológicas (APPEL, 1987), e geralmente vem a óbito, e aqueles que sobrevivem apresentam sinais clínicos residuais, como mioclonias persistentes (BEINEKE et al., 2009). Infecção transplacentária tem sido documentada em cães domésticos (DEEM et al., 2000), apesar de ser uma fonte rara de cinomose em cães jovens (BIRCHARD; SHERDING, 2003). Filhotes infectados por via transplacentária podem desenvolver sinais neurológicos durante as primeiras quatro a seis semanas de vida. Enquanto que aqueles infectados no útero sobreviventes a infecção podem sofrer permanentemente uma imunodeficiência relacionada a danos em órgãos linfóides (GREENE, 2006). Para o diagnóstico de cinomose podem ser empregadas técnicas de ELISA, imunofluorescência, RT-PCR (SILVA et al., 2005). Em virtude do custo, essas técnicas são pouco utilizadas. A maioria dos diagnósticos é feita baseando-se no histórico do animal, sinais clínicos e achados hematológicos (MENDONÇA et al., 2000). Outros recursos possíveis de serem utilizados são as pesquisas sobre a inclusão viral e a eletroforese de proteínas séricas (LOPES JUNIOR, 2006). Corpúsculos intranucleares e intracitoplasmáticos podem ser encontrados em vários órgãos e tecidos (BEINEKE et al., 2009). A presença de corpúsculo de Lentz em leucócitos, observados no esfregaço sangüíneo, são encontrados na fase de viremia da doença, representando o efeito citopático do vírus sobre a célula. Esta inclusão é considerada uma ferramenta de diagnóstico precoce (SILVA et al., 2005). Nesse contexto, relatamos a presença de corpúsculos de Lentz Received: 11/05/10 Accepted: 10/10/10 Corpúsculos de Lentz... NOLETO, P. G. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 27, n. 1, p. 112-115, Jan./Feb. 2011 113 intracitoplasmático em leucócitos em um cão de 10 dias de idade. RELATO DE CASO Foi encaminhado ao Hospital Veterinário da Universidade Federal de Uberlândia um cão com 10 dias de idade, macho, branco, sem raça definida e pesando 500 gramas. Apresentava convulsões regularmente. Foram realizados exames complementares como hemograma completo e glicemia do animal. O hemograma foi processado em analisador automático ABC VetTM e a contagem diferencial de leucócitos realizada em esfregaço sanguíneo corado pelo método de May-Grünwald- Giemsa. A glicose sanguínea foi dosada em analisador automático multicanal ChemWell®, utilizando kits comerciais da Labtest Diagnósticos®. O animal apresentava convulsões periodicamente. Segundo Grundy et al. (2009), diagnósticos diferenciais para convulsão em filhotes incluem hipoglicemia, encefalopatia, hidrocefalia, toxoplasmose, cinomose, parasitismo, trauma entre outros. A princípio, como o filhote não estava se alimentando, suspeitou-se de hipoglicemia neonatal, descartada logo após a constatação de normoglicemia. Alterações foram observadas no hemograma: anemia macrocítica normocrômica regenerativa e trombocitopenia. O leucograma apresentou contagem leucocitária de 17700/mm3 sendo 13806/mm3 de neutrófilos segmentados e 1770/mm3 de bastonetes, demonstrando um desvio para esquerda degenerativo. Ao realizar a contagem diferencial de leucócitos pela leitura do esfregaço sanguíneo, constatou-se a presença de corpúsculo de Lentz intracitoplasmático em monócitos e neutrófilos (Figura 1). Figura 1. Corpúsculos de Lentz intracitoplasmáticos (setas) em leucócitos de um cão com 10 dias de idade. De acordo com Silva et al. (2005), a presença do corpúsculo de Lentz no esfregaço sanguíneo finaliza o diagnóstico de cinomose canina. As inclusões intracitoplasmáticas encontradas nesse relato subsidiam o diagnóstico final de cinomose ao cão em questão, salientado ainda pelas convulsões, sinais neurológicos pertinentes a doença, como demonstra Appel (1987). Observando alterações hematológicas no cão relatado, os mesmos exames foram realizados no irmão e na mãe do animal em questão. Foram achados corpúsculos de Lentz no esfregaço sanguíneo apenas do irmão, apesar de não apresentar sinais clínicos semelhantes ao filhote relatado, entretanto apresentando achados hematológicos similares. A mãe apresentava-se com anemia normocítica normocrômica e ligeira trombocitopenia, aparentemente normal ao exame clínico. Assim, a ausência de corpúsculos de Lentz não exclui a possibilidade da doença. Uma transmissão mãe-filho pode ser atribuída pela pouca idade do filhote. A infecção transplacentária mostrada por Greene (2006) indica que os sinais neurológicos em filhotes aparecem durante a quarta e sexta semana de vida, não evidenciado pelo presente relato, visto que o filhote em estudo apresentava afecção neurológica anterior à quarta semana, tendo o animal apenas 10 dias de idade. Reiterando a transmissão vertical, o irmão do cão relatado também apresentava inclusões de Lentz, conferindo aos dois o diagnóstico final de cinomose. Após a constatação da cinomose pelo hemograma, instituiu-se tratamento para o cão relatado com sulfametoxazol associada a trimetoprima na dose de 15mg/kg/q 12hs via oral, prednisona 1mg/kg/q 12hs via oral por três dias, e após 0,5mg/kg/q 12hs por mais três dias e diazepam 0,5mg/kg/q 12hs via oral por seis dias. No sexto dia após o tratamento, o animal veio a óbito. Corpúsculos de Lentz... NOLETO, P. G. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 27, n. 1, p. 112-115, Jan./Feb. 2011 114 Conclui-se que o cão relatado foi infectado pelo vírus da cinomose canina por via transplacentária, apresentando corpúsculos de Lentz intracitoplasmático em monócitos e neutrófilos, caracterizando uma alta viremia em menos de duas semanas de vida. Portanto, esta inclusão pode ser considerada para cinomose canina uma ferramenta de diagnóstico precoce, rápida e de baixo custo, entretanto, a exclusão desta não descarta a doença. ABSTRACT: The canine distemper is a systemic infectious disease with high mortality rate in dogs caused by a Morbillivirus. Affected animals often develop nervous manifestations. The main of transmission is by aerosolization of respiratory exudate containing the microorganism, but transplacental infection has been documented in domestic dogs. The presence of intracytoplasmic Lentz bodies in leukocytes is found in the viremia phase of the disease. This inclusion is considered a tool for early diagnosis of distemper. It was routed at the Veterinary Hospital, Federal University of Uberlândia a 10-day-old puppy, male, mixed breed and weighed 500 grams. It presented seizures of 20 to 20 minutes. At the hemogram, it was found intracytoplasmic Lentz body. The animal with only 10-day-old, reports a high viremia by the presence of intracytoplasmic corpuscle. Therefore, occurred a transplacental infection due to the incubation period of canine distemper virus is seven days, and the animal presents a young age. KEYWORDS: Distemper canine virus. Lentz body. Transplacental transmission. REFERÊNCIAS APPEL, M. J. Virus infections of carnivores. Amsterdam: Elsevier Science, 1987. 500p. BEINEKE, A.; PUFF, C.; SEEHUSEN, F.; BAUMGARTNER, W. Pathogenesis and immunopathology of systemic and nervous canine distemper. Veterinary Immunology and Immunopathology. Amsterdam, v. 127, n.1/2, p. 1-18, jan. 2009. 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