Microsoft Word - 19-Bio_revisado_7509.doc Original Article Biosci. J., Uberlândia, v. 27, n. 1, p. 148-155, Jan./Feb. 2011 148 DIVERSIDADE DE UM CERRADO SENSU STRICTO COM BASE EM MODELOS DE ABUNDÂNCIA DE ESPÉCIES DIVERSITY OF A CERRADO SENSU STRICTO BASED ON SPECIES ABUNDANCE MODELS Fabrício Alvim CARVALHO1 1. Professor, Doutor, Departamento de Botânica, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF, Juiz de Fora, MG, Brasil. fabricioalvim@yahoo.com.br RESUMO: Este estudo teve como objetivo avaliar a diversidade de uma comunidade lenhosa de cerrado sensu stricto no sudeste de Goiás, a partir de modelos de distribuição de abundância de espécies. Foram alocadas aleatoriamente 10 parcelas de 20 x 20 m em um trecho de 4 km2 de cerrado sensu stricto preservado, onde todos os indivíduos com DB ≥ 5 cm (diâmetro a altura da base = 30 cm do nível do solo) foram amostrados e identificados. A comunidade apresentou ajuste aos modelos de vara-quebrada (χ2 = 37,62, P = 0,99) e normal-logarítmico (χ2 = 2,61, P = 0,63), que refletem equilíbrio ecológico. O modelo normal-logarítmico foi o de melhor ajuste, mostrando que as espécies se distribuem ao longo de mosaicos de recursos, fato corroborado pela diferenciação na distribuição das espécies a partir de uma análise de gradientes (análise de correspondência segmentada - DCA). PALAVRAS-CHAVE: Modelo normal-logarítmico. Modelo de vara-quebrada. Análise multivariada. Comunidade lenhosa. INTRODUÇÃO A diversidade de espécies de uma comunidade pode ser analisada através de índices de similaridade, índices de diversidade (baseados na abundância proporcional entre as espécies) e modelos de distribuição da abundância das espécies (MAGURRAN, 1988). A distribuição da abundância de espécies em uma comunidade heterogênea pode ser analisada a partir de quatro modelos clássicos: o geométrico, o logarítmico, o de vara-quebrada (‘broken-stick’) e o normal-logarítmico. Tais modelos possuem propriedades e premissas peculiares, sendo capazes de detectar padrões de dominância, raridade e uniformidade da vegetação, possibilitando inferir sobre aspectos de repartição de recursos e testar hipóteses sobre a organização das espécies na comunidade, constituindo boas ferramentas para análises quantitativas (SUGIHARA, 1980; MAY, 1986; MAGURRAN, 1988; HILL; HAMER, 1998; OLIVEIRA; BATALHA, 2005). Estudos vêm demonstrando que os cerrados do Brasil Central possuem elevada diversidade de espécies lenhosas, relacionado à elevada heterogeneidade local e baixa dominância ecológica resultante das grandes variações nas condições ambientais (FELFILI; FELFILI, 2001; FELFILI et al., 2004). As informações sobre a diversidade provêm de análises de similaridade ou de índices de diversidade de espécies, existindo poucos estudos que utilizam modelos de distribuição de abundâncias de espécies para analisar padrões de diversidade (OLIVEIRA; BATALHA 2005). Em estudo recente, Carvalho et al. (2008) analisaram a diversidade da comunidade lenhosa de um cerrado sensu stricto no Parque Estadual da Serra de Caldas Novas (PESCAN), sudeste do estado de Goiás, a partir de análises de similaridade e índices de diversidade. Os referidos autores encontraram uma elevada diversidade local (diversidade alfa: índice de Shannon) determinada pela grande heterogeneidade na distribuição das espécies (diversidade beta: análise de agrupamento). A partir destes resultados, esta área foi incluída dentre as de maior riqueza e diversidade de espécies lenhosas no bioma Cerrado, ocorrendo em uma região ainda pouco estudada e com grande pressão de desmatamento para conversão em áreas agropastoris. Dando continuidade ao estudo de Carvalho et al. (2008) e considerando que as comunidades de cerrado sensu stricto são influenciadas por diversos fatores ecológicos, partiu-se da hipótese que a comunidade apresentaria ajustes apenas aos modelos que refletem, comunidades ecológicas heterogêneas em equilíbrio, este estudo teve como objetivo avaliar a diversidade de uma comunidade lenhosa do cerrado sensu stricto no PESCAN, sudeste de Goiás, a partir de modelos de distribuição de abundância de espécies. Received: 03/06/10 Accepted: 05/11/10 Diversidade de um cerrado... CARVALHO, F. A. Biosci. J., Uberlândia, v. 27, n. 1, p. 148-155, Jan./Feb. 2011 149 MATERIAL E MÉTODOS Amostragem O estudo foi realizado no Parque Estadual da Serra de Caldas Novas (PESCAN), localizado entre os municípios de Caldas Novas e Rio Quente, no sudeste do estado de Goiás (17º46’ a 17º50’S; 48º39’ a 48º44’O). O parque possui área de 123 km², sendo o topo formado por um grande platô, onde predomina a vegetação de cerrado sensu stricto. O clima do local, segundo a classificação de Köppen, é do tipo Aw, apresentando duas estações bem definidas, uma seca no inverno e uma úmida no verão. A estação seca engloba até cinco meses, de maio a setembro, ocorrendo chuvas nos meses restantes, com precipitação média anual de 1.500 mm. A temperatura média anual oscila entre 21,5 ºC e 24,9 ºC. Esta fisionomia encontra-se em bom estado de conservação. Maiores informações sobre a área estão em Carvalho et al. (2008). Para a amostragem da vegetação foi definido um universo amostral de aproximadamente 4 km2 (2000 x 200 m) com altitude entre 800 e 1000 m, e solos do tipo Latossolo Vermelho-Amarelo e Vermelho-Escuro, tendo em vista que nesta área ocorre exclusivamente a vegetação de cerrado sensu stricto, encontrando-se isenta de distúrbios antrópicos (ex. queimadas) que ocorreram em outras áreas do PESCAN. Ao longo deste universo amostral foram alocadas, aleatoriamente, dez unidades amostrais (parcelas) de 20 x 20 m (400 m2), resultando uma amostra total de 4.000m2 (0,4 ha). Buscou-se, desta forma, englobar uma maior heterogeneidade florística, conforme sugerido por Felfili et al. (2005) para amostragem em cerrado sensu stricto. Em cada parcela, todos os indivíduos com DB ≥ 5 cm (diâmetro a altura da base = 30 cm do nível do solo) foram incluídos na amostragem, segundo critérios de inclusão definidos por Felfili et al. (2005) para amostragem da vegetação lenhosa em cerrado sensu stricto. Foram amostrados 641 indivíduos, pertencentes a 79 espécies e 33 famílias botânicas, cuja relação completa encontra-se em Carvalho et al. (2008). O esforço amostral foi avaliado por curvas de rarefação para a riqueza e diversidade de espécies, e considerado satisfatório (CARVALHO et al. 2008). Na Tabela 1 é apresentada a lista das espécies com seus respectivos valores de densidade absoluta. Tabela 1. Relação das espécies lenhosas (DB ≥ 5 cm) com suas respectivas densidades absolutas (DA) no cerrado sensu stricto do Parque Estadual da Serra de Caldas Novas – PESCAN, sudeste de Goiás, Brasil. Espécies ordenadas de acordo com valores decrescentes de DA. Tabela adaptada de Carvalho et al. (2008) FAMÍLIA-Subfamília Espécie DA VOCHYSIACEAE Qualea parviflora Mart. 73 CLUSIACEAE Kielmeyera coriacea (Spreng.) Mart. 38 OCHNACEAE Ouratea hexasperma (St. Hil.) Baill. 26 NYCTAGINACEAE Neea theifera Oerst. 23 ASTERACEAE Eremanthus glomerulatus Less. 22 CLUSIACEAE Kielmeyera speciosa St. Hil. 22 MALPIGHIACEAE Heteropterys byrsonimifolia A. Juss. 22 APOCYNACEAE Hancornia speciosa Gomez 21 VELLOZIACEAE Vellozia squamata Pohl 18 DILLENIACEAE Davilla elliptica St. Hil. 17 MELASTOMATACEAE Miconia ferruginata DC. 16 FABACEAE-Caesalpinoideae Sclerolobium paniculatum Vog. 14 FABACEAE-Mimosoideae Plathymenia reticulata Benth. 14 MYRTACEAE Psidium sp1. 14 SAPOTACEAE Pouteria ramiflora (Mart.) Radlk. 13 VOCHYSIACEAE Salvertia convallariaeodora St. Hil. 13 FABACEAE-Mimosoideae Sthryphnodendron adstringens (Mart.) Coville 12 SAPOTACEAE Pouteria torta (Mart.) Radlk. ssp. torta 12 VOCHYSIACEAE Vochysia elliptica (Spreng.) Mart. 12 APOCYNACEAE Aspidosperma tomentosum Mart. 11 Diversidade de um cerrado... CARVALHO, F. A. Biosci. J., Uberlândia, v. 27, n. 1, p. 148-155, Jan./Feb. 2011 150 CARYOCARACEAE Caryocar brasiliense Cambess. 11 MALPIGHIACEAE Byrsonima coccolobifolia (Spreng.) H. B. & K. 11 VOCHYSIACEAE Qualea grandiflora Mart. 11 FABACEAE-Faboideae Vatairea macrocarpa (Benth.) Ducke 10 EBENACEAE Diospyros burchellii Hiern. 9 FABACEAE-Mimosoideae Sthryphnodendron polyphyllum Mart. 9 CONNARACEAE Connarus suberosus Planch. 8 FABACEAE-Caesalpinoideae Hymenaea courbaril L. 8 MALPIGHIACEAE Byrsonima crassa Nied. 7 ARECACEAE Syagrus flexuosa (Mart.) Becc. 6 CELASTRACEAE Salacia crassiflora (Mart. ex Schult.) G. Don 6 DILLENIACEAE Curatella americana L. 6 LYTHRACEAE Lafoensia pacari St. Hil. 6 PROTEACEAE Roupala montana Aubl. 6 RUBIACEAE Palicourea rigida Kunth 6 STYRACACEAE Styrax ferrugineus Nees & Mart. 6 ASTERACEAE Piptocarpha rotundifolia (Less.) Baker 5 BIGNONIACEAE Tabebuia aurea (Manso) Benth. & Hook. f. ex S. Moore 5 ERYTHROXYLACEAE Erythroxylum suberosum A. St. Hil. 5 FABACEAE-Faboideae Dalbergia miscolobium Benth. 5 APOCYNACEAE Aspidosperma macrocarpon Mart. 4 ARALIACEAE Schefflera macrocarpa (Serm.) D.C. Froolik 4 BIGNONIACEAE Tabebuia ochracea (Cham.) Standl. 4 FABACEAE-Caesalpinoideae Dimorphandra mollis Benth. 4 FABACEAE-Faboideae Ascomium dasycarpum (Vog.) Yakovl. 4 RUBIACEAE Tocoyena formosa (Cham. & Schltdl.) K. Schum. 4 ANNONACEAE Annona coriacea Mart. 3 FABACEAE-Caesalpinoideae Peltogyne confertiflora (Hayne) Benth. 3 MYRTACEAE Myrcia sp1. 3 MYRTACEAE Psidium rufum Mart ex DC. 3 SOLANACEAE Solanum lycocarpum St. Hil. 3 VOCHYSIACEAE Qualea multiflora Mart. 3 VOCHYSIACEAE Vochysia rufa Mart. 3 ANNONACEAE Annona crassiflora Mart. 2 ANNONACEAE Cardiopetalum calophyllum Schltdl. 2 ERYTHROXYLACEAE Erythroxylum tortuosum Mart. 2 FABACEAE-Faboideae Bowdichia virgiloides H. B. & K. 2 FABACEAE-Faboideae Pterodon pubescens (Benth.) Benth. 2 MALPIGHIACEAE Byrsonima verbascifolia (L.) DC. 2 MALPIGHIACEAE Malpighiaceae sp.1 2 MYRSINACEAE Cybianthus sp1. 2 MYRTACEAE Myrcia variabilis Mart. ex DC. 2 NYCTAGINACEAE Guapira noxia (Netto) Lundell var. noxia 2 VERBENACEAE Lippia lasiocalycina Cham. 2 ANACARDIACEAE Astronium fraxinifolium Schott 1 ANNONACEAE Xylopia aromatica (Lam.) M.C. Dias 1 Diversidade de um cerrado... CARVALHO, F. A. Biosci. J., Uberlândia, v. 27, n. 1, p. 148-155, Jan./Feb. 2011 151 ASTERACEAE Asteraceae sp.1 1 BIGNONIACEAE Tabebuia sp.1 1 CHRYSOBALANACEAE Licania humilis Cham. & Schltdl. 1 ERYTHROXYLACEAE Erythroxylum deciduum St. Hil. 1 FABACEAE-Cercidae Bauhinia brevipes Vogel 1 FABACEAE-Faboideae Dipteryx alata Vog. 1 FABACEAE-Faboideae Machaerium opacum Vog. 1 FABACEAE-Mimosoideae Mimosa cf. claussenii Benth. 1 LOGANIACEAE Strychnos pseudoquina St. Hil. 1 MYRTACEAE Myrcia tomentosa (Aubl.) DC. 1 NYCTAGINACEAE Guapira graciliflora (Mart. ex Schum.) Lundell 1 RUBIACEAE Alibertia edulis (L. C. Rich.) A. C. Rich. ex DC. 1 SALICACEAE Casearia sylvestris Swartz 1 Total 641 Análises A diversidade da comunidade foi analisada por meio da aplicação de modelos de distribuição da densidade das espécies (MAGURRAN, 1988). Os dados de densidade das espécies foram extraídos de Carvalho et al. (2008) e analisados a partir de três modelos, o geométrico, o de vara- quebrada e o normal-logarítmico, utilizando-se o logaritmo na base 10 (log10). Magurran (1988) comenta que estes são os modelos mais aplicados em estudos ecológicos de comunidades heterogêneas, sendo eficientes para inferir sobre a repartição de nicho entre as espécies e a influência de fatores ambientais ou antrópicos. O teste de Qui- quadrado (χ2) foi aplicado para testar a significância da distribuição das abundâncias das espécies em cada um dos três modelos, onde um valor abaixo do nível de probabilidade de 95% (P < 0,05) indica a ausência de ajuste ao modelo (HAMMER et al., 2008). Uma análise de correspondência segmentada (DCA) foi aplicada de forma complementar para analisar a distribuição (heterogeneidade) das espécies na comunidade. Esta técnica de análise indireta de gradientes é utilizada em estudos ecológicos de comunidades para ordenar de forma integrada os dados de espécies em relação às suas parcelas, e seu resultado expressa, indiretamente, o produto da variabilidade na distribuição das espécies pelas parcelas ao longo da comunidade (FELFILI et al., 2007). Para a realização da DCA foi elaborada uma matriz quantitativa de densidade de espécies por parcelas. Os dados de espécies não sofreram padronização ou transformação, uma vez que estiveram na mesma escala, e tendo em vista o objetivo da análise da comunidade como um todo, incluindo as espécies de baixa densidade.Todas as análises foram desenvolvidas no software PAST versão 1.81 (HAMMER et al., 2001). RESULTADOS E DISCUSSÃO Dentre os três modelos de distribuição da densidade de espécies testados, o único que não se ajustou à comunidade foi o geométrico, conforme o teste de significância de Qui-quadrado (χ2 = 81,83, P = 0,01; Figura 1). Este modelo parte da ‘hipótese do nicho pré-ocupado’, ou seja, que determinadas espécies exercem maior dominância na comunidade e repartem os recursos seqüencialmente, resultando em uma abundância proporcional à utilização dos recursos e afetando diretamente (geometricamente) a distribuição das espécies subseqüentes (MAGURRAN, 1988). As comunidades ajustadas ao modelo geométrico são aquelas mais pobres em espécies, como resultado de condições estressantes ou estágios iniciais de sucessão pós-distúrbios (MAGURRAN, 1988), o que não se aplica à comunidade estudada, que não possui registros de distúrbios antrópicos conhecidos, e que apresentou elevada diversidade (H’ = 3,82 nats.ind-1) e uniformidade (J = 0,88) na distribuição das espécies, indicando ausência de dominância (CARVALHO et al., 2008). Os modelos de vara-quebrada e normal- logarítmico apresentaram valores de significância superiores ao nível de probabilidade de 95% (P > 0,63; Figura 1), indicando bons ajustes e suportando a hipótese levantada, visto que são aqueles normalmente atribuídos a comunidades heterogêneas em equilíbrio (SUGIHARA, 1980; MAY, 1986; MAGURRAN, 1988). Diversidade de um cerrado... CARVALHO, F. A. Biosci. J., Uberlândia, v. 27, n. 1, p. 148-155, Jan./Feb. 2011 152 0 10 20 30 40 50 60 70 80 Núm ero de es pécies -0,8 -0,4 0 0,4 0,8 1,2 1,6 2 N ú m e ro d e i n d iv íd u o s ( lo g 1 0 ) 0 10 20 30 40 50 60 70 80 Núm ero de es pécies -0,8 -0,4 0 0,4 0,8 1,2 1,6 2 N ú m e ro d e i n d iv íd u o s ( lo g 1 0 ) 0 1 2 3 4 5 6 7 Oitavo 0 4 8 12 16 20 24 N ú m e ro d e e s p é c ie s Figura 1. Modelos de distribuição da abundância de espécies (A – geométrico; B – vara-quebrada; C – normal- logarítmico) aplicados na comunidade lenhosa do cerrado sensu stricto. Testes de Qui-quadrado: A (χ2 = 81,83, P = 0,01); B (χ2 = 37,62, P = 0,99); C (χ2 = 2,61, P = 0,63). Oitavos do modelo normal- logarítmico definidos segundo as classes de abundância (Oitavo 1 = 1 indivíduo.; 2 = 2-3; 3 = 4-7; 4 = 8-15; 5 = 16-31; 6 = 32-63; 7 = 64-127). A) B) C) Diversidade de um cerrado... CARVALHO, F. A. Biosci. J., Uberlândia, v. 27, n. 1, p. 148-155, Jan./Feb. 2011 153 O modelo de vara-quebrada parte da ‘hipótese de repartição randômica de recursos’, assumindo que existe um ou poucos recursos predominantes que são aleatoriamente divididos entre as espécies, e que, como a abundância seria proporcional a utilização dos recursos, as espécies encontrar-se-iam distribuídas de forma relativamente semelhante na comunidade (MAGURRAN, 1988). Por outro lado, o modelo normal-logarítmico assume a existência de diversos recursos aleatoriamente divididos entre as espécies na comunidade (SUGIHARA, 1980; MAY, 1986; MAGURRAN, 1988). Neste caso, a possível explicação seria a disponibilidade e repartição de diversos elementos no solo, macro e micro- nutrientes, que promovem a coexistência das espécies em seus nichos ótimos de estabelecimento. Embora não tenham sido realizadas análises de solos ou outros fatores ambientais nas parcelas, o padrão de distribuição normal-logarítmico foi corroborado pela análise da distribuição espacial das espécies por meio da DCA (Figura 2), tida como uma forma de inferir subjetivamente a distribuição das espécies em relação aos recursos baseado no arranjo do espaço de ordenação (FELFILI et al., 2007). Os autovalores dos dois primeiros eixos canônicos, todos superiores ao limite de 0,3, valor tido como significativo em estudos de gradientes em florestas tropicais heterogêneas (FELFILI et al., 2007), indicaram gradientes longos, ou seja, uma elevada heterogeneidade florística na comunidade, evidenciando uma maior diferenciação em termos de repartição de recursos. A vantagem do modelo normal-logarítmico sobre o de vara-quebrada é que ele não assume a premissa tão forte de um ou poucos recursos predominantes na conformação da comunidade, sendo mais realista para comunidades tropicais heterogêneas, pois parte do princípio que uma comunidade é composta por mosaicos de recursos, e que a presença e abundância de determinada espécie é um reflexo de sua capacidade de ocupar e repartir os diferentes nichos de recursos (SUGIHARA, 1980). Este padrão está de acordo com o descrito como regra para os cerrados do Brasil Central (FURLEY e RATTER, 1988; FURLEY, 1999; HARIDASAN, 2000), e o ajuste ao modelo normal-logarítmico reforça os resultados encontrados por Oliveira e Batalha (2005) como predominante em vegetação lenhosa de cerrado sensu stricto. P1 P2P3 P4 P5 P6 P7 P8 P9 P10 -0,6 0 0,6 1,2 1,8 2,4 3 3,6 4,2 4,8 5,4 6 Eixo 1 (autovalor = 0,699) -0,6 0 0,6 1,2 1,8 2,4 3 3,6 4,2 4,8 5,4 6 E ix o 2 ( a u to v a lo r = 0 ,4 7 9 ) Figura 2. Diagrama de ordenação da análise de correspondência segmentada (DCA) mostrando a disposição das parcelas amostrais em relação à composição quantitativa de espécies lenhosas no cerrado sensu stricto. Diversidade de um cerrado... CARVALHO, F. A. Biosci. J., Uberlândia, v. 27, n. 1, p. 148-155, Jan./Feb. 2011 154 CONCLUSÃO A comunidade lenhosa do cerrado sensu stricto apresentou ajuste aos modelos de abundância de espécies (vara-quebrada e normal-logarítmico) que refletem um equilíbrio ecológico, conforme a hipótese testada. Destes, o modelo normal- logarítmico foi considerado o mais adequado, pois parte da premissa que as espécies se distribuem ao longo de mosaicos de recursos, fato corroborado pela elevada heterogeneidade na distribuição das espécies detectada na análise de gradientes (DCA). Considerando as informações geradas, recomenda- se a aplicação destes diferentes modelos em estudos de comunidades lenhosas heterogêneas no cerrado. AGRADECIMENTOS Os dados utilizados neste estudo foram compilados de um estudo anterior (Carvalho et al., 2008) realizado durante a disciplina Ecologia de Campo (2005), ministrada em conjunto pelo Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília e Instituto de Biologia da Universidade Federal de Uberlândia. Agradeço a Victor Hugo P. Rodrigues, Ricardo V. Kilca, Ariane S. Siqueira, Adnilton F. Costa, Adriana O. Machado, Marina A. Oliveira e Silva, Pablo O. Pegorari, Paulo T. Garcia, Rodrigo A. dos Reis, Rosely F. F. Mata e Wender Faleiro pelo auxílio na coleta dos dados; aos professores Glein M. Araujo e Ivan Schiavini pela supervisão e contribuições durante o curso; aos revisores anônimos, pelas contribuições; à Agência Goiana de Meio Ambiente e Recursos Naturais pela licença de pesquisa; aos funcionários do PESCAN pelo apoio logístico. ABSTRACT: This study aimed to evaluate the diversity of the woody community of a cerrado sensu stricto in southeastern of Goiás State (Brazil), through species abundance models. Ten plots of 20 x 20 m were randomly allocated in an undisturbed cerrado sensu stricto area of 4 km2, and all individuals with DSH ≥ 5 cm (diameter at soil height = 30 cm aboveground) were sampled and identified. The broken-stick (χ2 = 37.62, P = 0.99) and lognormal (χ2 = 2.61, P = 0.63) models fits to community, reflecting an ecological equilibrium. The lognormal model was the most adequate, showing that the species are distributed along resource patches, in agreement to the pattern found in the gradient analysis (Detrended correspondence analysis - DCA). KEYWORDS: Lognormal model. Broken-stick model. Multivariate analysis. Woody community. REFERÊNCIAS CARVALHO, F. A.; RODRIGUES, V. H. P.; KILCA, R. V.; SIQUEIRA, A. S.; ARAUJO, G. M.; SCHIAVINI, I. Composição florística, riqueza e diversidade de um cerrado sensu stricto no sudeste do estado de Goiás. Bioscience Journal, Uberlândia, v. 24, n. 4, p. 64-72, 2008. FELFILI, J. M; FELFILI, M. C. Diversidade alfa e beta no cerrado sensu stricto da Chapada Pratinha, Brasil. Acta Botânica Brasílica, São Paulo, v. 15, n. 1, p. 243-254, 2001. FELFILI, J. M.; SILVA-JÚNIOR, M. C.; SEVILHA, A. C.; FAGG, C. W.; WALTER, B. M. T.; NOGUEIRA, P. E.; REZENDE, A. V. Diversity, floristic and structural patterns of cerrado vegetation in Central Brazil. Plant Ecology, The Netherlands, v. 175, p. 37-46, 2004. FELFILI, J. M.; CARVALHO, F. A.; HAIDAR, R. F. Manual para o monitoramento de parcelas permanentes nos biomas Cerrado e Pantanal. Brasília: Universidade de Brasília, Departamento de Engenharia Florestal, 2005. 60p. FELFILI, J. M.; CARVALHO, F. A.; LIBANO, A. M.; VENTUROLI, F.; PEREIRA, B. A. Análises multivariadas em estudos de vegetação. Brasília: Universidade de Brasília, Departamento de Engenharia Florestal, 2005. 54p. Diversidade de um cerrado... CARVALHO, F. A. Biosci. J., Uberlândia, v. 27, n. 1, p. 148-155, Jan./Feb. 2011 155 FURLEY, P. A.; RATTER, J. A. Soil resources and plant communities of the central Brazilian Cerrado and their development. Journal of Biogeography, Hoboken, v. 15, p. 97-108, 1988. FURLEY, P. A. The nature and diversity of neotropical savanna vegetation with particular reference to the Brazilian cerrados. Global Ecology and Biogeography, Hoboken, v. 8, p. 223-241, 1999. HAMMER, Ø; HARPER, D. A. T.; RYAN, P. D. 2001. PAST: Paleontological Statistical software package for education and data analysis. Palaentologia Electronica, Valencia, v. 4, 9 pp. HAMMER, Ø; HARPER, D. A. T.; RYAN, P. D. PAST - PAlaeontological STatistics, version 1.81, Manual. Disponível em http://folk.uio.no/ohammer/past. Acesso em 18/08/2008. HARIDASAN, M. Nutrição mineral de plantas nativas do cerrado. Revista Brasileira de Fisiologia Vegetal, Campinas, v. 12, n. 1, p. 54-64, 2000. HILL, J. K.; HAMER, K. C. Using species abundance models as indicators of habitat disturbance in tropical forests. Journal of Applied Ecology, London, v. 35, p. 458-460, 1998. MAGURRAN, E. A. Ecological diversity and its measurement. 2ed. Princeton, Princeton University Press, 1988. 179p. MAY, R. M. The search for patterns in the balance of nature: advances and retreats. Ecology, Washington, v. 67, p. 1115-1126, 1986. OLIVEIRA, F. F.; BATALHA, M. A. Lognormal abundance distribution of woody species in a cerrado fragment (São Carlos, southeastern Brazil). Revista Brasileira de Botânica, São Paulo, v. 28, n. 1, p. 39-45, 2005. SUGIHARA, G. Minimal community structure: an explanation of species abundance patterns. The American Naturalist, Chicago, v. 116, p. 770-787, 1980.