Microsoft Word - 6-AGRA_8070.doc Original Article Biosci. J., Uberlândia, v. 27, n. 2, p. 221-229, Mar./Apr. 2011 221 BALANÇO HÍDRICO CLIMATOLÓGICO, ARMAZENAMENTO EFETIVO DA ÁGUA NO SOLO E TRANSPIRAÇÃO NA CULTURA DE CAFÉ CLIMATOLOGICAL HYDRIC BALANCE, EFFECTIVE SOIL WATER STORAGE AND TRANSPIRATION IN COFFEE CULTURE Hudson de Paula CARVALHO1; Durval DOURADO NETO2; Reges Eduardo Franco TEODORO1; Benjamim de MELO1 1. Professor, Doutor, Instituto de Ciências Agrárias, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil. hudsonpc@iciag.ufu.br ; 2. Professor, Doutor, Universidade de São Paulo, Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Piracicaba, SP, Brasil. RESUMO: O balanço hídrico climatológico é uma das ferramentas mais usadas para se avaliar, indiretamente, se a quantidade de água presente no solo é capaz de suprir as necessidades hídricas da planta. Este trabalho teve como objetivos analisar o balanço hídrico climatológico, o armazenamento efetivo da água no solo e a transpiração de plantas de café cultivadas em regime de sequeiro. Para tanto, foi calculado o balanço hídrico climatológico diário do cafeeiro cultivado em região de cerrado no município de Uberlândia-MG, no período de janeiro de 2003 a maio de 2006. Concluiu-se que mesmo nos meses mais chuvosos do ano, há a existência de déficit hídrico em plantas de café conduzidas sob regime de sequeiro; o armazenamento efetivo da água do solo sofreu muita variação ao longo dos anos avaliados, sendo setembro, o mês onde esse valor é mais crítico, permanecendo abaixo de 30%; a transpiração relativa não pode ser tomada como único método de avaliação da queda de produtividade de plantas de café, conduzidas sob regime de sequeiro. PALAVRAS-CHAVE: Índice de área foliar. Evapotranspiração. Capacidade de água disponível. Déficit hídrico. Coffea arabica L. INTRODUÇÃO A deficiência hídrica é a principal responsável pela queda de produção de plantas de café cultivadas em regime de sequeiro na região de cerrado. Nesse sentido, estudos que avaliem a época de ocorrência da deficiência hídrica, a magnitude da mesma e sua influência na produtividade das plantas são de grande importância. O balanço hídrico climatológico é uma das ferramentas mais usadas para a estimativa da deficiência e do excedente hídrico, da reposição e da retirada da água do solo e da quantidade de água armazenada no mesmo. Segundo Tubelis e Nascimento (1992), o balanço hídrico contabiliza a precipitação perante a evapotranspiração potencial, levando em consideração a capacidade de armazenamento de água no solo. Esta é a máxima quantidade de água, utilizável pelas plantas, que pode ser armazenada na zona radicular das mesmas. Quando se deseja calcular o balanço hídrico climatológico, deve-se levar em conta a metodologia para a estimativa da evapotranspiração de referência (ETo). O método de Penman-Monteith (ALLEN et al., 1998) é tido como procedimento padrão para a estimativa da evapotranspiração de referência, por ser o método preconizado pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (Food and Agriculture Organization of the United Nations - FAO). Além da evapotranspiração de referência, outro parâmetro necessário para o cálculo do balanço hídrico climatológico de uma determinada cultura, é a determinação da evapotranspiração da mesma (ETc). Ela pode ser estimada através do coeficiente de cultura (kc), onde a relação direta desse índice com a evapotranspiração de referência fornece o valor de ETc. Além desse caminho, a ETc pode ser determinada pela soma da transpiração das plantas com a evaporação da água do solo. A ETc é aquela que ocorre em condições padrões, ou seja, cultura bem adaptada ao ambiente, com níveis ótimos de nutrientes e água no solo, e ataque de pragas e doenças ausente. Por outro lado, quando a condição de cultivo não é padrão, a ETc passa a ser a evapotranspiração real da cultura (ETr). Diversos autores têm pesquisado sobre o coeficiente de cultura para o cafeeiro (ALLEN et al. (1998), Arruda et al. (2000)), porém os valores apresentam grande diferença, o que dificulta a escolha correta dos mesmos. Sabendo dessa dificuldade, Villa Nova et al. (2001) propuseram um método para a estimativa da transpiração de plantas de café em função da evapotranspiração de referência e do índice de área foliar das mesmas, o que dispensa o uso do coeficiente de cultivo e da evapotranspiração da cultura dos cálculos. A relação entre a evapotranspiração da cultura e a evapotranspiração real da cultura (ETr) fornece uma importante informação sobre a Received: 06/06/10 Accepted: 03/12/10 Balanço hídrico... CARVALHO, H. P. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 27, n. 2, p. 221-229, Mar./Apr. 2011 222 condição hídrica da planta (PEREIRA et al., 2002; REICHARDT, 1990). De acordo com eles, quando a relação é menor do que um, deve-se considerar que a planta não produziu fotoassimilados no seu nível máximo, indicando que perdas poderão ocorrer, seja ela na produtividade ou no crescimento. Por outro lado, quando a relação for igual a um, considera-se que ela está produzindo fotoassimilados ao máximo e que, portanto, ela produzirá ou crescerá potencialmente. O objetivo do trabalho foi acompanhar o balanço hídrico climatológico, o armazenamento efetivo da água no solo e a transpiração de plantas de café cultivadas em regime de sequeiro. MATERIAL E MÉTODOS O experimento foi conduzido na Fazenda Experimental do Glória, pertencente à Universidade Federal de Uberlândia em Uberlândia-MG. A localização geográfica consta de 18º58’52’’ latitude Sul e 48º12’24’’ longitude Oeste e altitude de 912 m. O clima segundo a classificação de Köppen enquadra-se no tipo Aw, com estações bem definidas, inverno seco e verão quente e chuvoso. A temperatura média mínima do mês mais frio (julho) está acima de 18 ºC e a média máxima anual próxima de 23 ºC. As chuvas mostram-se mais abundantes nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro, onde ocorrem mais de 50% dos eventos em volume e em freqüência durante todo o ano (ASSUNÇÃO, 2002). Foram avaliadas plantas de café, variedade cultivada Rubi, seleção 1192, conduzidas em regime de sequeiro. As mudas de café (Coffea arabica L.), cultivar Rubi MG 1192, foram plantadas no dia 25 de janeiro de 2000, no espaçamento de 3,5 m entre linhas e 0,7 m entre plantas, sendo conduzidas em regime de sequeiro. O solo da área experimental foi caracterizado como Latossolo Vermelho Distrófico, textura argilosa. Antes do plantio das mudas o solo foi corrigido do ponto de vista químico em área total e sulcado, sendo que dentro do sulco foi colocado calcário e fosfato natural. As adubações subseqüentes foram realizadas conforme recomendação oficial para Minas Gerais (GUIMARÃES et al., 1999), em função da idade das plantas, com base na maior produção esperada, usando-se sempre a formulação N-P-K 20-05-20, aplicado a lanço na linha de plantio. A quantidade total recomendada foi parcelada em quatro aplicações, realizada entre os meses de outubro e março de cada ano. Além dessas adubações, foram realizadas aplicações foliares de micronutrientes via pulverizações. O controle de pragas e doenças foi realizado de forma preventiva. Nos dois primeiros anos após o plantio, o controle de plantas daninhas foi realizado por meio de capina manual na linha de plantio e aplicação de herbicida dessecante (Gliphosate) em jato dirigido na faixa adjacente a esta linha, o que resultou na presença de uma faixa de 0,7 m de braquiária (Brachiaria brizanta L.) nas entrelinhas, que foi manejada através de roçadas freqüentes. Do terceiro ano em diante, o controle das plantas invasoras realizado apenas com herbicida dessecante em jato dirigido na faixa adjacente à linha de plantio e roçadas nas entrelinhas. Os dados meteorológicos, com exceção da precipitação, foram obtidos na Estação Uberlândia, pertencente à rede meteorológica do 5º Distrito de Meteorologia do Instituto Nacional de Meteorologia – 5º DISME/INMET, distante cerca de 5 km do local do experimento. Os dados de chuva foram coletados em uma estação pluviométrica instalada ao lado do experimento. O balanço hídrico climatológico foi calculado para os anos de 2003, 2004, 2005 e 2006 (até maio). A evapotranspiração de referência (ETo) foi calculada em escala diária pela equação de Penman-Monteith (eq. 1), na forma reduzida, parametrizada por Allen et al. (1998) e recomendada como método padrão de obtenção de ETo pela FAO. ( ) ( ) ( )2 2 34.01 273 900 408,0 U eeU T GR ETo as ar n ⋅+⋅+∆ −⋅ + ⋅+−⋅∆⋅ = γ γ (1) Em que ETo se refere à evapotranspiração de referência (mm dia-1); ∆ à declividade da curva de pressão de vapor (kPa ºC-1); Rn à radiação líquida total diária (MJ m-2 dia-1); G ao fluxo de calor no solo (MJ m-2 dia-1); γ à constante psicrométrica (kPa ºC-1); Tar à temperatura média do ar (ºC); U2 à velocidade média do vento medido a 2 metros de altura (m s-1); es à pressão de saturação de vapor de água (kPa); e ea à pressão atual de vapor de água (kPa). A velocidade do vento foi medida na Estação Uberlândia a uma altura de 10 m, portanto, houve a necessidade de estimar esse valor para uma altura de 2 m (eq. 2). ( )42,58,67 87,4 2 −⋅ ⋅= ZLn UU Z (2) Balanço hídrico... CARVALHO, H. P. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 27, n. 2, p. 221-229, Mar./Apr. 2011 223 Em que Uz se refere à velocidade do vento medida na altura de 10 m acima do solo, m s-1; Z à altura de medida da velocidade do vento, 10 m; e Ln ao logaritmo natural. O valor do balanço de ondas longas foi estimado com base na equação proposta por Allen et al. (1998) (eq. 3). ( )        −⋅⋅⋅−⋅⋅= 35,035,114,034,0 4 so g aK Q Q eTBOL σ (3) Em que σ se refere à constante de Stefan- Boltzmann (4,903 10-9 MJ K-4 m-2 dia-1); TK à temperatura média do dia (K); e Qso à irradiância solar obtida com céu sem nuvens ou poeira (céu “limpo”) (MJ m-2 dia-1). Segundo Allen et al. (1998), a estimativa da radiação solar para um dia de céu sem nuvens ou poeira, ou seja, quando o valor da insolação se iguala ao fotoperíodo, pode ser dada pela equação 4. ( )[ ] Loso AQQ ⋅⋅+⋅= −510275,0 (4) Em que AL se refere à altitude do local em relação ao nível do mar (m). Os demais parâmetros da equação 1 foram determinados conforme metodologia descrita por Pereira et al. (2002). O balanço hídrico de cultura também foi calculado conforme a metodologia proposta por esses autores, adotando-se, entretanto, para o cálculo da evapotranspiração da cultura, apenas a fração referente à transpiração da planta, uma vez que no plantio em renque mecanizado, o cafeeiro cobre totalmente a superfície do solo ao longo da faixa abaixo da copa das plantas. Além do mais, as folhas das plantas ao caírem no chão, contribuem para que a evaporação seja reduzida. A transpiração da planta (eq. 5) foi estimada conforme metodologia proposta por Villa Nova et al. (2001). IAFEToTe ⋅⋅= 347,0 (5) Em que Te se refere à transpiração do cafeeiro (mm dia-1); e IAF ao índice de área foliar do cafeeiro (adimensional). O índice de área foliar (eq. 6), necessário ao cálculo da transpiração do cafeeiro, foi obtido conforme a metodologia proposta por Favarin et al. (2002). ( ) cd dheAcIAF ⋅+⋅⋅+−=⋅+−= 7896,05792,15786,07896,05786,0 (6) Em que Ac se refere à área total do dossel das plantas (m2); e ao espaçamento entre plantas na linha de plantio (m); hd à altura da copa das plantas (m); e dc ao diâmetro da copa das plantas (m). Como as copas de plantas adjacentes na linha de plantio uniram-se formando um maciço, adotou-se um formato de copa diferente daquele usado por Favarin et al. (2002). Por se tratar da cultivar Rubi MG 1192, que possui formato de copa cilíndrico, considerou-se que os cafeeiros apresentavam folhas apenas nas laterais voltadas para a entrelinha e na área delimitada pelo topo da copa. Dessa maneira, adotou-se diferentes equações para estimar a área lateral (eq. 7) e superior (eq. 8) do dossel das plantas. ehAl d ⋅⋅= 2 (7) Em que Al se refere à área lateral do dossel das plantas (m2); hd à altura do dossel das plantas (m); e e ao espaçamento entre plantas na linha de plantio (m). edAs c ⋅= (8) Em que As se refere à área superior do dossel das plantas (m2); e dc ao diâmetro da copa das plantas (m). Juntando-se as equações 7 e 8, foi obtida a equação 9, através da qual estimou-se a área da copa. AsAlAc += (9) Em que Ac se refere à área total do dossel das plantas (m2). A altura e o diâmetro da copa foram medidos em 16 plantas. A primeira característica foi tomada do solo até a gema apical, subtraído-se desse valor 0,2 m, referente à distância média entre o solo e o início do dossel. O diâmetro da copa foi medido na região da “saia” da planta e representa o maior comprimento entre os maiores ramos plagiotrópicos perpendiculares à linha de plantio. Para a determinação da CAD foram retiradas amostras indeformadas de solo abaixo da copa do cafeeiro nas profundidades de 20 cm e 40 cm em três locais distintos na área analisada, para a determinação das umidades no ponto de capacidade de campo (0,3 atm) e murcha permanente (15 atm) e densidade do solo. A profundidade efetiva das raízes do cafeeiro foi considerada como sendo 85 cm (MATIELLO et al., 2005). Assim como a evapotranspiração da cultura foi substituída por transpiração da cultura, a Balanço hídrico... CARVALHO, H. P. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 27, n. 2, p. 221-229, Mar./Apr. 2011 224 evapotranspiração real da cultura foi substituída por transpiração real da cultura. Dessa forma, a transpiração relativa das plantas foi determinada pela relação entre a transpiração real e a transpiração máxima da cultura (eq. 10). Te Tr TR = (10) Em que TR se refere à transpiração relativa (adimensional); e Tr é a transpiração real da cultura (mm). A partir dessa metodologia foi calculado diariamente o balanço hídrico da cultura de café e os resultados apresentados na forma gráfica. RESULTADOS E DISCUSSÃO Em cafeeiros conduzidos sob regime de sequeiro, a produção está diretamente ligada à condição do clima durante o período de florescimento e desenvolvimento vegetativo. Dentre os fatores climáticos, podem ser citadas a temperatura e a chuva como os principais. Os valores dessas variáveis meteorológicas medidas ao longo do período de avaliação estão presentes na Figura 1. Comparando esses valores com os apresentados por Assunção (2002), verifica-se que a ocorrência das chuvas foi irregular. Essa irregularidade, principalmente aquela referente ao início desse período, é particularmente ruim para o cafeeiro, uma vez que as principais floradas ocorrem, nessa região, durante os meses de setembro e outubro. Analisando os dados médios mensais de temperatura ao longo do período de avaliação do experimento, verificou-se que o valor médio anual para o local de plantio foi de 22,9 ºC. Além disso, pelas Figuras 1a, 1b e 1c nota-se que nos meses de setembro e outubro as temperaturas foram elevadas nessa região, tendo médias acima de 24 ºC. 0 100 200 300 400 500 600 700 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Meses - 2003 P ( m m ) 0 5 10 15 20 25 30 T a r (º C ) Precipitação Temperatura do ar 0 100 200 300 400 500 600 700 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Meses - 2004 P ( m m ) 0 5 10 15 20 25 30 T a r (º C ) Precipitação Temperatura do ar a b 0 100 200 300 400 500 600 700 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Meses - 2005 P ( m m ) 0 5 10 15 20 25 30 T a r (º C ) Precipitação Temperatura do ar 0 100 200 300 400 500 600 700 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Meses - 2006 P ( m m ) 0 5 10 15 20 25 30 T a r (º C ) Precipitação Temperatura do ar c d Figura 1. Valores mensais da precipitação (P) medida no posto agrometeorológico da Fazenda Experimental do Glória/UFU, e temperatura do ar (Tar), medida na Estação Uberlândia (5º DISME/INMET), nos anos de 2003 (a), 2004 (b), 2005 (c) e 2006 (d) em Uberlândia-MG. O balanço hídrico climatológico pode ser usado para quantificar as entradas e saídas de água do solo e com isso, o nível de armazenamento atual da água contida no mesmo. Nesse sentido, foram obtidos os valores de 108,7 mm e 86,4 mm, o que corresponde ao valor médio de 97,6 mm. Procurando simplificar os cálculos, foi adotado o valor de 100 mm. Esse resultado está coerente com aquele relatado por Pereira et al., (2002) para culturas perenes como o cafeeiro. No entanto, se situa um pouco abaixo dos 125 mm recomendados para essa cultura por Tubelis e Nascimento (1992). Balanço hídrico... CARVALHO, H. P. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 27, n. 2, p. 221-229, Mar./Apr. 2011 225 A Figura 2 apresenta os componentes do balanço hídrico (déficit e excedente hídrico, reposição e retirada da água do solo) observados no experimento. Nota-se, em alguns casos, retirada, déficit, reposição e excedente hídrico em um único mês, o que, certamente, se deve à estimativa diária do balanço hídrico, além da concentração das chuvas (Figura 1), e da demanda diária de água pela planta (Te), que, muitas vezes, é superior à transpiração real da cultura (Tr), gerando o déficit hídrico. Com isso, pode ser que ocorram altas precipitações em um dia, fazendo com que a CAD seja alcançada e gere grandes excedentes hídricos, mas no dia seguinte, as retiradas de água voltam a ocorrer. Na Figura 2a, verifica-se uma acentuada estiagem ocorrida no mês de fevereiro de 2003, promovendo retiradas de água armazenadas no solo. No mês seguinte, as chuvas foram mais intensas (310 mm ao todo) o que promoveu novamente um grande excedente hídrico. A partir do mês de junho do mesmo ano ocorreu uma estiagem, que durou até setembro daquele ano, sendo que no mês de agosto a precipitação foi de apenas 2,1 mm, o que significa uma quantidade muito pequena para influenciar o armazenamento de água do solo, a qual apresentava neste período, apenas 30,2 mm, de um total de 100 mm. No mês seguinte o armazenamento caiu ainda mais, chegando a 27,6 mm, em função do aumento da temperatura média do ar. Em outubro, as precipitações começaram a ocorrer na região gerando excedente hídrico. Essas chuvas, entretanto, foram muito concentradas, o que gerou déficit hídrico pelas retiradas de água do solo. A partir de novembro as chuvas foram mais freqüentes, permitindo um déficit hídrico de apenas 5,95 mm ao longo de todo o mês. -200 -100 0 100 200 300 400 500 600 700 Ja n F ev M ar A b r M ai Ju n Ju l A g o S et O u t N o v D ez Me s e s do ano m m Déficit Reposição Excedente Retirada -200 -100 0 100 200 300 400 500 600 700 Ja n F ev M ar A b r M ai Ju n Ju l A g o S et O u t N o v D ez Me se s do ano m m Déficit Reposição Excedente Retirada a b -200 -100 0 100 200 300 400 500 600 700 Ja n F ev M ar A br M ai Ju n Ju l A g o S et O ut N o v D ez Meses do ano m m Déficit Reposição Excedente Retirada -200 -100 0 100 200 300 400 500 600 700 Ja n F ev M ar A br M ai Ju n Ju l A g o S et O ut N o v D ez Meses do ano m m Déficit Reposição Excedente Retirada c d Figura 2. Extrato do balanço hídrico climatológico do cafeeiro cultivado em Uberlândia-MG, em regime de sequeiro, durante os anos de 2003 (a), 2004 (b), 2005(c) e 2006 (d). CAD = 100 mm. Durante os meses de janeiro, fevereiro, março e dezembro de 2004 (Figura 2b), houve boa regularidade das chuvas (Figura 1), o que resultou em baixos valores de déficit hídrico, que foram, respectivamente, de 2,19 mm, 1,15 mm, 5,78 mm e 1,61 mm. A partir do mês de abril, com a diminuição das chuvas na região, o déficit hídrico começou a aumentar e alcançou o valor máximo em setembro (85,56 mm). Durante esse mês, ocorreram as condições climáticas mais críticas para a cultura do cafeeiro durante todo o ano, não sendo verificada nenhuma chuva na região, com temperatura média do ar de 25,3ºC (Figura 1b). A situação nesse mês só não foi mais crítica, em função de precipitações que ocorreram em junho (32,0 mm) e julho (21,0 mm), que apesar de baixas, contribuíram para repor parte da água do solo, já que esses são meses onde Balanço hídrico... CARVALHO, H. P. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 27, n. 2, p. 221-229, Mar./Apr. 2011 226 as temperaturas são mais amenas, impondo menores transpirações às plantas. Comparando-se a necessidade de água por parte das plantas desde janeiro de 2003, quando foram iniciadas as avaliações, verifica-se que a demanda hídrica aumentou ao longo do período do experimento. Isso aconteceu por causa do crescimento da área foliar das plantas. Em julho de 2003 a altura e o diâmetro da copa das plantas eram, respectivamente, de 1,43 m e 1,53 m, passando para 1,72 m e 1,61 m em abril de 2004. Em maio de 2005 essas medidas foram quantificadas em 2,00 m e 1,98 m, respectivamente, e em maio do ano seguinte foram verificadas em 2,18 m e 2,21 m, caracterizando um aumento de 34% e 31% em termos de altura e diâmetro da copa, respectivamente, em relação à primeira tomada de dados realizada em julho de 2003. No mês de janeiro de 2005 o volume precipitado foi muito elevado (649,8 mm), o que influenciou sobremaneira o excedente hídrico calculado naquele mês. Por outro lado, no mês seguinte, o volume precipitado foi muito abaixo daquele normalmente verificado nessa região, conforme Assunção (2002). Essa situação promoveu o aparecimento de um déficit hídrico de 18,72 mm e altos valores de retirada da água armazenada no solo. No entanto, em março algumas precipitações ocorreram, promovendo a reposição de parte da água do solo. A partir de abril o déficit hídrico foi mais acentuado, alcançando aproximadamente 70 mm nos meses de agosto, setembro e outubro. Em 2005, outubro foi o mês mais quente do ano, onde a média diária alcançou 26,1 ºC (Figura 1c), influenciando positivamente a transpiração das plantas. No ano de 2006 foram realizados os cálculos até o mês de maio, em função do encerramento das avaliações ter ocorrido logo após a colheita do café. Em janeiro daquele ano, apesar dos 213 mm de chuvas verificou-se a ocorrência de déficit hídrico de 32,86 mm, o que pode ser explicado pela elevada temperatura média, que foi de 24,5 ºC (Figura 1d). Com base nas Figuras 2a, 2b e 2c, observa- se que o déficit hídrico está presente de forma mais acentuada nos meses de setembro e outubro, o que pode implicar em prejuízos no florescimento das plantas. Segundo Camargo e Camargo (2001), as principais floradas do cafeeiro arábica cultivado em Araguari-MG ocorrem durante esses dois meses. Considerando que esse município dista cerca de 30 km de Uberlândia-MG e em altitude semelhante, pode-se adotar essa afirmação para as plantas cultivadas neste último local. Apesar de o balanço hídrico ser um bom indicador das condições hídricas do solo, ele, por si só, não dimensiona o impacto do déficit hídrico na produtividade das plantas. Por outro lado, a relação entre as transpirações real (Tr) e potencial (Te) da cultura, denominada de transpiração relativa (Tr/Te), fornece um valor através do qual é possível relacionar o prejuízo da produtividade das plantas, em função do déficit hídrico ocorrido. A Tabela 1 apresenta os valores médios diários da transpiração relativa, em função dos meses de observação. Nota-se que em todos os casos os valores apresentados são menores que 1, indicando comprometimento da produtividade devido ao déficit hídrico (PEREIRA et al., 2002; REICHARDT, 1990). Tabela 1. Valores médios diários de transpiração relativa de plantas de café cultivadas em regime de sequeiro em Uberlândia-MG. Meses Ano Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez 2003 1,00 0,94 0,96 0,95 0,93 0,75 0,50 0,33 0,37 0,72 0,93 0,96 2004 0,98 0,99 0,93 0,90 0,83 0,80 0,62 0,36 0,15 0,54 0,89 0,99 2005 0,99 0,82 0,92 0,70 0,69 0,81 0,63 0,35 0,37 0,48 0,87 0,98 2006 0,78 0,93 0,95 0,84 0,51 ... ... ... ... ... ... ... “...” = valor numérico não disponível Os meses de maio, julho, agosto, setembro e outubro são aqueles onde a transpiração relativa foi menor, o que pode ter contribuído para uma queda severa na produtividade das plantas. A produtividade da lavoura foi de 12,8 sacas ha-1 de café beneficiado em 2003, de 11,3 sacas ha-1 em Balanço hídrico... CARVALHO, H. P. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 27, n. 2, p. 221-229, Mar./Apr. 2011 227 2004, de 8,6 sacas ha-1 em 2005 e de 70,6 sacas ha-1 em 2006. Apesar dos valores de transpiração relativa terem sido parecidos ao longo do período do experimento (Tabela 1), a produtividade da safra colhida em 2006 não foi prejudicada pelos baixos valores de Tr como nos anos anteriores. Portanto, a explicação baseada somente na transpiração relativa não é suficiente para explicar as baixas produções alcançadas em 2004 e 2005. O acompanhamento sistemático do armazenamento efetivo da água do solo é um importante indicador das condições hídricas a que as plantas estão submetidas. A Figura 3 detalha o comportamento desse armazenamento para a cultura do cafeeiro cultivada bob regime de sequeiro durante os anos de estudo. 0 20 40 60 80 100 120 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Meses - 2003 m m Máximo Efetivo a 0 20 40 60 80 100 120 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Meses - 2004 m m Máximo Efetivo b 0 20 40 60 80 100 120 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Meses - 2005 m m Máximo Efetivo c 0 20 40 60 80 100 120 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Meses - 2006 m m Máximo Efetivo d Figura 3. Detalhe dos níveis de armazenamento máximo e efetivo de água no solo estimados para o tratamento sem irrigação, durante os anos de 2003 (a), 2004 (b), 2005 (c) e 2006 (d) (até maio). Em agosto de 2003 a chuva verificada foi de apenas 2,1 mm, sendo, portanto, muito baixa para causar alguma diferença no armazenamento da água do solo (Figura 3a). Nesse ano, as chuvas mais efetivas após o outono ocorreram em 15/09 (4,0 mm), 16/09 (19,4 mm) e 17/09 (3,0 mm), acumulando 26,4 mm nesses três dias. Essa quantidade de água pode ter dado início à indução floral. A situação de deficiência hídrica e altas temperaturas durante o período de florescimento podem afetar sobremaneira a fecundação do ovário, limitando a produção (CAMARGO; CAMARGO, 2001). Em 2004 as primeiras chuvas após o outono aconteceram a partir do dia 11 de outubro. Em setembro as temperaturas foram as mais altas, alcançando a média de 25,3 ºC (Figura 1b). Naquele ano a florada iniciou no dia 4 de outubro, não por causa da chuva, que só ocorreu em 11/10, mas sim, pela entrada de uma frente fria na região, que causou uma diminuição da temperatura do ar no dia 3 de outubro. Segundo Rena e Maestri (1987) o sinal desencadeador da antese em cafeeiros pode estar relacionado tanto com temperatura quanto com a água, ou mesmo, a interação dos dois. Nesse sentido, as plantas já estavam prontas para a emissão das flores e apenas esperavam um estímulo climático para que o processo de florescimento fosse iniciado. Desta forma, como os níveis de armazenamento da água no solo estavam muito baixos nesse período (Figura 3b) houve prejuízos significativos na produção das plantas. No ano de 2005 as condições climáticas registradas mostravam um cenário mais favorável ao florescimento do cafeeiro. Na segunda quinzena do mês de agosto houve duas chuvas totalizando 13,9 mm, o que ajudou a diminuir o ritmo de declínio do armazenamento da água do solo, permitindo que as Balanço hídrico... CARVALHO, H. P. et al. Biosci. J., Uberlândia, v. 27, n. 2, p. 221-229, Mar./Apr. 2011 228 floradas ocorressem a partir do dia 4 do mês seguinte (Figura 1c), devido às precipitações verificadas no final de agosto e no início de setembro. Além disso, as temperaturas mais amenas medidas em setembro (23,9 ºC) contribuíram para “vingamento” das flores. Há que se considerar também que déficits hídricos, por mais moderados que sejam, afetam a expansão foliar, porém, a atividade fotossintética é muito menos atingida, criando-se assim, um balanço positivo de fotoassimilados, que são destinados ao crescimento radicular. No entanto, o crescimento das raízes é verificado apenas quando há um pouco de umidade no solo, já que, em condição de baixa umidade os ápices das raízes perdem turgor e conseqüentemente a capacidade de se desenvolverem. Como em 2005, especialmente nos meses de fevereiro, abril e maio, (Figura 3c) a condição hídrica do solo apresentou-se muito variável, com a baixa carga de frutos, as plantas podem ter investido boa parte dos fotoassimilados nas raízes, promovendo seu crescimento em profundidade e uma exploração mais efetiva do solo. Isso pode ter ajudado as plantas sob sequeiro a manter uma condição hídrica interna melhor durante o período de florescimento ocorrido em setembro daquele ano. Não obstante, os meses de outubro, novembro e dezembro de 2005 e fevereiro, março e abril de 2006 apresentaram bom nível de armazenamento da água no solo (Figuras 3c e 3d), o que favoreceu o crescimento dos frutos. CONCLUSÕES O balanço hídrico climatológico diário evidenciou que mesmo durante os meses mais chuvosos do ano, há a existência de déficit hídrico em plantas de café conduzidas sob regime de sequeiro. O Armazenamento efetivo da água do solo sofreu muita variação ao longo dos anos avaliados, sendo setembro, o mês onde esse valor é mais crítico, permanecendo abaixo de 30%. A transpiração relativa não pode ser tomada como único método de avaliação da queda de produtividade de plantas de café, conduzidas sob regime de sequeiro. ABSTRACT: The climatic water balance is one of the most used tools to assess, indirectly the amount of water present in the soil is capable of meeting the water needs of the plant. This study analyzed the climatologic hydric balance, the effective soil water storage and coffee plant transpiration in dry regimen cultivation. Daily climatologic hydric balance was calculated for coffee from January 2003 to May 2006. It was concluded that even in the most rainy months of the year, there is a hydric deficit in coffee plants grown in a dry regimen; effective soil water storage varied greatly through the years evaluated, and September was the most critical month, when this value remained below 30%; relative transpiration can not be taken as the single evaluation method for yield losses of coffee, grown in a dry regimen. KEYWORDS: Leaf area index. Evapotranspiration. Available water capacity. Hydric deficit. Coffea arabica L. REFERÊNCIAS ALLEN, R .G.; PEREIRA, L. S.; RAES, D.; SMITH, M. Crop evapotranspiration: guidelines for computing crop water requirements. Rome: FAO, 1998. 300 p. (FAO. Irrigation and Drainage Paper, 56). ARRUDA, F. 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