147 - 154 PAGINAS INICIALES.indd 1 Este texto aprofunda, reelabora conceitos e modifi ca a estrutura do paper “Revisitando os conceitos de comunicação popular, alternativa e co- munitária”, apresentado no Núcleo de Pesquisa “Comunicação para Cidadania”, do XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comuni- cação, Brasília-DF, INTERCOM/UnB, 6 a 9 de setembro de 2006. 2 Doutora em Ciências da Comunicação. Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo, São Paulo, Brasil. kperuzzo@uol.com.br. Recibido: 06/06/08 Aceptado: 03/12/08 I S S N 0 1 2 2 - 8 2 8 5 Vo l u m e n 1 1 N ú m e r o 2 D i c i e m b r e d e 2 0 0 8 Conceitos de comunicação popular, alternativa e comunitária revisitados. Reelaborações no setor1 Concepts of popular, alternative and community communication revisited, and the re-elaborations in the sector Cicilia M. Krohling Peruzzo2 Resumo Estudo sobre aspectos teóricos da comunicação popular, alternativa e comunitária enfatizando as reelaborações processadas na atualidade. O objetivo é resgatar seus con- ceitos no contexto dos movimentos sociais e comunidades, observando suas congruências e distinções.Trata-se de uma pesquisa bibliográfi ca de abordagem histórico-dia- lética. Conclui-se que novas práticas atualizam as formas de comunicação dos segmentos subalternos da sociedade. Enquanto a vertente comunitária sobressai, o jornalismo alternativo assume diversas feições possibilitadas pelas novas tecnologias da informação e comunicação. Palavras-chave: comunicação popular, comunica- ção comunitária, jornalismo alternativo. Abstract Study about the theoretical aspects of popular, alternative and community communication, emphasizing the re-ela- borations processed nowadays. The objective is to recover its concepts in the context of social movements and com- munities, observing their congruence and distinctions. This is a bibliographical research with a historical/dialec- tical approach. We come to the conclusion that new practi- ces update the forms of communication of poor segments of society. While the community perspective stands out, alternative journalism takes on various facets made pos- sible by the new information and communication techno- logies. Key words: Popular communication, community communication, alternative Journalism. 367 - 379 I S S N 0 1 2 2 - 8 2 8 5 368 Conceitos de comunicação popular, alternativa e comunitária revisitados. Reelaborações no setor Introdução Têm surgido manifestações de comunicação po- pular, alternativa e comunitária que se diferen- ciam, em parte, daquelas constituídas nos anos de 1970 aos de 1990, o que difi culta o seu reconheci- mento pelos paradigmas teóricos elaborados no referido período. O então contexto histórico era distinto e, embora esse período não se encontre num passado tão remoto, há especifi cidades e re- elaborações que demandam novos estudos. Este texto objetiva resgatar brevemente os prin- cipais conceitos de comunicação popular, alter- nativa e comunitária, situando-os a partir dos movimentos sociais e comunidades e observan- do suas congruências e distinções na atualida- de, tendo por base a realidade brasileira. Enfati- zam-se algumas das reelaborações deste tipo de comunicação na atualidade. Ao fi nal se discute uma possível classifi cação que permita identifi - car diferenças e agrupá-las em suas proximida- des estruturantes. Os procedimentos metodológicos são relativos à pesquisa bibliográfi ca e documental e a abor- dagem é histórico-dialética. Como o termo “comunitário” vem sendo em- pregado para identifi car diferentes processos comunicacionais, desde formas de comunicação do “povo”3 até experiências desencadeadas no âmbito da mídia comercial de grande porte, con- sidera-se oportuno refl etir sobre as especifi cida- des e os princípios norteadores de processos de comunicação popular, alternativa e comunitária. Comunicação popular, alternativa e comunitária: os conceitos e suas reelaborações A comunicação popular representa uma forma alternativa de comunicação e tem sua origem nos movimentos populares dos anos de 1970 e 1980, no Brasil4 e na América Latina como um todo. Ela não se caracteriza como um tipo qualquer de mídia, mas como um processo de comunicação que emerge da ação dos grupos populares. Essa ação tem caráter mobilizador coletivo na fi gura dos movimentos e organiza- ções populares, que perpassa e é perpassada por canais próprios de comunicação. Joana Puntel (1994, p.133), referenciando-se a Robert White, ressaltou este aspecto referindo-se à comuni- cação nos movimentos populares vinculados à igreja católica. A comunicação popular foi também denominada alternativa, participativa, participatória, horizon- tal, comunitária, dialógica e radical, dependendo do lugar social, do tipo de prática em questão e da percepção dos estudiosos. Porém, o senti- do político é o mesmo: uma forma de expressão de segmentos empobrecidos da população, mas em processo de mobilização visando suprir suas necessidades de sobrevivência e de participação política com vistas a estabelecer a justiça social. No entanto, desde o fi nal do século passado passou-se a empregar mais sistematicamente, no Brasil, a expressão comunicação comunitária para designar este mesmo tipo de comunicação, ou seja, seu sentido menos politizado. A comunicação popular representa uma forma alternativa de comunicação e tem sua origem nos movimentos populares dos anos de 1970 e 1980, no Brasil e na América Latina como um todo. Ela não se caracteriza como um tipo qualquer de mídia, mas como um processo de comunicação que emerge da ação dos grupos populares. 3 Aquelas que têm segmentos da população como protagonistas. 4 Ver Peruzzo (2004a) 369 Vo l u m e n 1 1 N ú m e r o 2 D i c i e m b r e d e 2 0 0 8 Cicilia M. Krohling Peruzzo Na prática, a comunicação comunitária por ve- zes incorpora conceitos e reproduz práticas ti- picamente da comunicação popular em sua fase original e, portanto, confunde-se com ela, mas ao mesmo tempo constrói outros matizes. Por exemplo, às vezes se desconecta de movimentos sociais e assume feições diversifi cadas quanto às bandeiras defendidas e mensagens transmitidas. A grande mídia também incorporou a palavra “comunitário” para designar algumas de suas produções. Percebe-se, dessa forma, que o termo é de uso problemático, já que pode se referir a processos diferentes entre si. É prudente recorrer ao status original dessa modalidade comunicati- va na América Latina, bem como aos conceitos de comunidade, para a caracterização mais ade- quada do processo. Historicamente, o adjetivo popular denotou tratar-se de “comunicação do povo”, feita por ele e para ele, por meio de suas organizações e movimentos emancipatórios vi- sando à transformação das estruturas opressivas e condições desumanas de sobrevivência5. Muitos autores6 latino-americanos dedicaram-se a estudos nessa linha de pesquisa. O que se bus- cava com os estudos sobre a comunicação popu- lar e alternativa, segundo Fernando Reyes Ma a (apud Festa, 1995, pp.131-132), era compreender esse novo fenômeno na vida dos latino-america- nos e caminhar junto na busca comum das uto- pias libertárias. Essencialmente, essa comunica- ção a partir do social buscava alterar o injusto, alterar o opressor, alterar a inércia histórica que impunha dimensões sufocantes, através de uma vocação libertadora que se nutria por uma mul- tiplicidade de experiências comunicativas. Entre os vários estudiosos destaca-se Mário Ka- plún (1985, p. 7), que, ao referir-se ao fenômeno da comunicação popular e alternativa, afi rma tratar-se de “uma comunicação libertadora, transformadora, que tem o povo como gerador e protagonista”. Ressaltando os aspectos educa- tivos desse tipo de processo de comunicação, o autor (1985, p. 17) esclarece que as mensagens são produzidas “para que o povo tome consci- ência de sua realidade” ou “para suscitar uma refl exão”, ou ainda “para gerar uma discussão”. Os meios de comunicação, nessa perspectiva, são concebidos como “instrumentos para uma educação popular, como alimentadores de um processo educativo transformador”. No Brasil, entre as primeiras publicações acadê- micas sobre o tema, destacam-se as de Regina Festa, Gilberto Gimenez, Juan Diaz Bordenave, Luis Ramiro Beltrán, entre outros, que trouxe- ram importantes contribuições para o desenca- deamento de estudos nessa linha de pesquisa. Para Festa (1986, p. 25; 1984, pp. 169-170), “a comunicação popular nasce efetivamente a par- tir dos movimentos sociais, mas sobretudo da emergência do movimento operário e sindical, tanto na cidade como no campo”, e se refere “ao modo de expressão das classes populares”. Outro conceito que circulou logo no início da práxis comunicativa popular e, portanto, mar- cou práticas e concepções teóricas, merecen- do ser lembrado, é o de Gilberto Gimenez. Ele (1979, p. 60) entende que a comunicação popu- 5 Ver Peruzzo (2004a) e Festa (1986). 6 Fernando Reyes Ma a, Mário Kaplún, Rafael Roncagliolo, Felipe Espinosa, Jorge Merino Utreras, Rosa Maria Alfaro, Eduardo Contre- ras, Alfonso Gumucio Dragon, Fernando Ossandron, Aldfredo Paiva, Máximo Simpson Grinberg, Josiane Jovet, Carlos Monsivais, Miguel Azcueta, Luis Ramiro Beltrán, Juan Diaz Bordenave, Ana Maria Ne- thol, Maria Cristina Mata, Diego Portales, Daniel Prieto, Hector Schu- mcler, José Ignácio Vigil, José Martinez Terrerro, Esmeralda Villegas Uribe, Regina Dalva Festa, Luiz Fernando Santoro, Marco Morel, Pe- dro Gilberto Gomes, Joana Puntel, Denise Cogo, Cicilia M.Krohling Peruzzo e muitos outros. A comunicação popular, alternativa e comunitária é expressão das lutas populares por melhores condições de vida, a partir dos movimentos populares, e representam um espaço para participação democrática do “povo”. I S S N 0 1 2 2 - 8 2 8 5 370 Conceitos de comunicação popular, alternativa e comunitária revisitados. Reelaborações no setor lar “implica a quebra da lógica da dominação e se dá não a partir de cima, mas a partir do povo, compartilhando dentro do possível seus pró- prios códigos”. Juan Diaz Bordenave, com seu livro Além dos meios e das mensagens (1983), palestras e outros escritos, trouxe –além de refl exões– relatos de experiências de outros países da América Latina que muito animaram a produção brasileira. Luis Ramiro Beltrán chegou explicitando a pro- posta de uma comunicação horizontal, confor- me será visto mais adiante. Convém frisar, ainda, que essa linha de comuni- cação (na pesquisa e na prática) se inspirava em concepções de Paulo Freire sobre a dialogicida- de na educação e a defesa da posição transfor- madora do ser humano no mundo. Outras publicações em português subsidiaram inicialmente essa práxis comunicacional no país, desde livros até cartilhas populares como as editadas pela ALER7 Brasil em parceria com o Serviço à Pastoral da Comunicação (SEPAC)- Edições Paulinas e outras entidades. Exemplo destas publicações são livros como Comunicação grupal e libertadora (1988), de autoria de José Mar- tinez Terrerro, da Edições Paulinas8; A comunica- ção alternativa na América Latina, organizado por Máximo Simpson Grinberg, publicado Editora Vozes em 1987; e Comunicação e classes subalter- nas (1980), coletânea organizada por José Mar- ques de Melo, que reúne textos apresentados no 2º Ciclo de Estudos Interdisciplinares da Co- municação da INTERCOM9, realizado em 1979. Entre as cartilhas populares editadas pela ALER Brasil, IBASE/CETA10, FASE11 e SEPAC-Edições Paulinas12 são: A Notícia Popular, A entrevista, A entrevista coletiva, O riso na rádio popular, Rádio revista de educação popular, Jornalismo popular13. Outras entidades, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Centro de Comunicação e Edu- cação Popular de São Miguel Paulista (CEMI) também divulgaram muito material de apoio, como a cartilha No ar... uma rádio popular!. Tra- ta-se de um período de fértil produção sobre o tema. São publicados dezenas de outros títulos entre artigos, ensaios, relatos, manuais, teses, dissertações e livros14, que ajudam a compor e a documentar o mosaico comunicacional de experiências de comunicação dos movimentos populares e a sistematizar conceitos teóricos e propostas de intervenção. Em síntese, a comunicação popular, alternativa e comunitária15 é expressão das lutas populares por melhores condições de vida, a partir dos movimentos populares, e representam um es- paço para participação democrática do “povo”. Possui conteúdo crítico-emancipador e reivindi- cativo e tem o “povo” como protagonista prin- cipal, o que a torna um processo democrático e educativo. É um instrumento político das clas- ses subalternas para externar sua concepção de mundo, seu anseio e compromisso na constru- ção de uma sociedade igualitária e socialmente justa. Estes são conceitos da comunicação popu- lar e alternativa das últimas décadas do século XX, assim como do início do século XXI. Neste período, ao mesmo tempo em que o mo- vimento popular continua a gerar práticas seme- lhantes ou equivalentes às que deram origem a centenas de estudos desse tipo de fenômeno co- municacional na América Latina, surgem outras 7 Asociación Latinoamericana de Educación Radiofônica, com sede em Quito, Equador. 8 Traduzido do castelhano de publicação editada pelas Edições Pauli- nas de Buenos Aires. 9 Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. 10 Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas/Centro de Trei- namento Audiovisual. 11 Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional. 12 Serviço à Pastoral da Comunicação / Irmãs Paulinas. 13 Todos traduzidos de textos originais em castelhano, de responsabili- dade da ALER -América Latina-, com sede em Quito, e escritos por José Ignácio López Vigil ou Andréa Geerts. 14 Entre eles o livro da própria autora, Comunicação nos movimentos po- pulares: a participação na construção da cidadania (2004), originalmente uma tese de doutorado, defendida em 1991. 15 Ver Peruzzo (2004a, pp. 124-126). 371 Vo l u m e n 1 1 N ú m e r o 2 D i c i e m b r e d e 2 0 0 8 Cicilia M. Krohling Peruzzo modalidades de formatos e de meios de comuni- cação característicos dos novos tempos e do jogo de interesses tanto no nível midiático como nos níveis econômico e político-ideológico. São rá- dios comunitárias, fanzines, canais comunitários na televisão a cabo, blogs, sites alternativos, etc. A pressão social provocou um avanço na de- mocratização dos meios de comunicação, o que pode ser identifi cado no aumento do número de emissores, principalmente por meio dos ca- nais de uso gratuito na TV a cabo, na área do rádio de baixa potência e com a presença cres- cente de entidades populares na internet. Um bom exemplo são as rádios comunitárias. São cerca de 15 mil emissoras em funcionamento no país, a maioria das quais opera no formato de rádio livre, sem autorização legal para operar, em grande parte em decorrência dos entraves de natureza política. Nada mais natural do que ter havido mudan- ças desde o período auge da comunicação po- pular até hoje. Oportuno considerar que, num ambiente democrático, caracterizado por elei- ções diretas e mais liberdade de organização e de expressão no conjunto da sociedade, as lu- tas por comunicação, simbolizadas pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), obtiveram relevantes conquistas. Alte- rou-se também o processo de ação e de concep- ção da comunicação no contexto dos movimen- tos populares proporcionando o surgimento de formas mais plurais, avançadas e ágeis de comunicação. De uma comunicação dirigida a pequenos grupos e centrada nos aspectos com- bativos dos movimentos populares, passou-se –aos poucos– a ampliar seu alcance pela incor- poração de meios massivos, principalmente de radiodifusão e internet, e, portanto, de novos conteúdos e linguagens16. Tais alterações provo- caram a necessidade de desenvolver as ativida- des de comunicação de forma mais profi ssional (que também tem suas implicações), além de incorporar as novas tecnologias de informação e comunicação (NTIC) com todo seu potencial e exigências. Há, pois, importantes alterações processadas no âmbito da comunicação dos próprios movi- mentos populares e organizações congêneres. Nessas condições, das novas formulações con- ceituais se requer a captação das nuances de uma comunicação gerada num patamar em que a democracia prevaleceu sobre o centralismo autoritário típico do regime militar, favorecen- do o rejuvenescimento de modos tradicionais –o alto-falante para a rádio comunitária FM, da seqüência de slides para o vídeo popular (que produzia documentários e vídeos educativos) e deste para a TV de rua (como a TV Tagarela –Rio de Janeiro, TV Mocoronga – Santarém/PA), e depois para o Canal Comunitário, e, ainda, a ebulição de formas alternativas (Revista Viração –São Paulo, Jornal Becos e Vielas Z/S –São Paulo, Centro de Mídia Independente-CMI –interna- cional e CMI Brasil–, rádio escola-comunidade) e públicas de comunicação (canais comunitá- rios na TV a cabo e as rádios comunitárias). Sem eliminar os formatos mais tradicionais, como o alto-falante e bicicleta ou carro de som. Trata- se da comunicação do povo que sabe modifi cá- Com o passar do tempo, o caráter mais combativo das comunicações populares –no sentido político-ideológico de contestação e projeto de sociedade– foi cedendo espaço a discursos e experiências mais realistas e plurais (quanto a tratamento da informação, abertura à negociação) e incorporando o lúdico, a cultura e o divertimento com mais desenvoltura, o que não signifi ca dizer que a combatividade tenha desaparecido. 16 Ver Peruzzo (1998). I S S N 0 1 2 2 - 8 2 8 5 372 Conceitos de comunicação popular, alternativa e comunitária revisitados. Reelaborações no setor la segundo a conjuntura política e tecnológica, com sabedoria e conhecimentos acumulados. Se nos anos de 1970, 1980 e parte dos 90 a con- tra-comunicação17 aparecia preponderantemen- te no âmbito dos movimentos populares, das organizações de base, da imprensa alternativa, da oposição sindical metalúrgica, de ONGs, de setores progressistas da igreja católica18, ou re- alizada por militantes articulados em núcleos de produção audiovisual, a partir dos últimos anos pipocam experiências comunicacionais as mais diversas, incluindo as do tipo popular tra- dicional (hoje mais conhecidas como comunitá- rias e se baseiam em premissas de cunho coleti- vo), além daquelas realizadas por associações, ONGs, grupos ou até por pessoas autonoma- mente. Os exemplos podem ser encontrados em jornais e rádios comunitários, nas associações de usuários dos canais comunitários na televisão a cabo19, em Organizações não-Governamentais que desenvolvem projetos coletivos de desenvol- vimento social por meio da comunicação –mui- tos dos quais com propósitos similares àqueles antes encabeçados por movimentos populares–. Esses projetos em geral envolvem bairros, enti- dades sem fi ns lucrativos, e às vezes se destinam especifi camente a adolescentes e jovens. Podem assumir um misto de mídia comunitária e alter- nativa20, numa dinâmica em que se descobre que a confecção de meios de comunicação pode me- diar favoravelmente a melhoria da auto-estima, despertar uma perspectiva profi ssional e a cons- trução da cidadania em áreas carentes. Ao mesmo tempo, ocorre a presença cada vez mais substantiva dos setores populares na mí- dia convencional (comercial e educativa), que abriu mais espaço para assuntos antes restritos aos canais alternativos e populares, com des- taque para a programação local e regional, o que, em tese, também favorece a abordagem de temas ligados ao desenvolvimento social e à cultura local. Nessa dinâmica, o movimento po- pular passa a marcar sua presença tanto de for- ma individual (dando depoimentos e contando histórias de projetos sociais bem sucedidos), como grupal, quando suas propostas passam a sensibilizar e a permear a programação da mí- dia, embora nem sempre de forma favorável ao mesmo21. Acrescentando, ainda, a conquista de espaços (principalmente no rádio local/regio- nal) para difusão de programas próprios produ- zidos por organizações populares ou entidades aliadas, como a Oboré -–Projetos Especiais em Comunicações e Artes. Surgiram também no- vos meios alternativos de comunicação, como a Adital –Agência de Informação Frei Tito para a América Latina, Jornal Brasil de Fato, o Centro de Mídia Independente e o Observatório do Direi- to à Comunicação, entre outros, com liberdade para canalizar abordagens críticas sobre a mí- dia e a sociedade. No espectro televisivo, há uma série de novas iniciativas com fi nalidade de promover a edu- cação informal, a cultura e o desenvolvimento social22. É o caso dos canais públicos de televi- são de uso gratuito no sistema a cabo, como o 17 Comunicação das classes subalternas e em oposição à comunicação favorável ao status quo. 18 Por exemplo, o Centro de Pastoral Vergueiro (CPV), que iniciou suas atividades em 1969 e se fortaleceu nos anos de 1970, tendo realizado um trabalho de catalogação, editoração e difusão de publicações popu- lares, e do Centro de Comunicação e Educação Popular de São Miguel Paulista (CEMI), que teve um trabalho muito importante de comunica- ção popular na Zona Leste. Segundo Festa (1986, pp.184-189), em 1979 o CPV divulgou 150 títulos de publicações populares. Em 1980 foram mais de 280, em 1981, 418 e em 1982, 523 publicações. 19 Tal tipo de associação extrapola os parâmetros da comunicação popu- lar-comunitária típica por confi gurar-se num processo que aglutina diferentes modalidades de entidades (sindicatos, associações de mo- radores, igrejas, entidades culturais e fi lantrópicas etc.) e dirigir-se a uma audiência diversifi cada, embora seja de uma mesma cidade. 20 Exemplos: Revista Viração (São Paulo), Jornal Becos e Vielas Z/S (São Paulo), Joinha Filmes (São Paulo), Agência de Notícias Raio X Comu- nicação (São Paulo), Coletivo Metareciclagem (www.liganois.com. br) (São Paulo), Jornal Cidadão (Rio de Janeiro), etc. 21 A mídia massiva comercial passou a abrir mais espaço para assuntos antes restritos aos meios alternativos e comunitários, como também para programação regional, o que favorece a abordagem de temas ligados à cidadania, desenvolvimento social e cultura local. 22 Se bem que essa fi nalidade caberia a qualquer meio de comunicação. No entanto, a mídia audiovisual comercial é dada fundamentalmente ao entretenimento, não importando se o seu teor agride “minorias” ou provoca repercussões destrutivas de valores humanos e culturais. 373 Vo l u m e n 1 1 N ú m e r o 2 D i c i e m b r e d e 2 0 0 8 Cicilia M. Krohling Peruzzo universitário, o comunitário (ambos espalhados pelos municípios brasileiros), o canal do Poder Judiciário, os canais legislativos (TV Câmara, TV Assembléia – nos estados e municípios e TV Se- nado) e os educativo-culturais. Há ainda canais privados de conteúdo educativo na televisão por assinatura, como o STV (do SESC-SENAI23) e o Canal Futura (da Globo), os quais evidenciam o interesse de aproximação das classes dominan- tes às demandas da sociedade civil para passar uma imagem de socialmente responsáveis. Com o passar do tempo, o caráter mais comba- tivo das comunicações populares –no sentido político-ideológico de contestação e projeto de sociedade– foi cedendo espaço a discursos e ex- periências mais realistas e plurais (quanto a tra- tamento da informação, abertura à negociação) e incorporando o lúdico, a cultura e o divertimen- to com mais desenvoltura, o que não signifi ca dizer que a combatividade tenha desaparecido. Houve também a apropriação de novas tecnolo- gias da comunicação e incorporação com mais clareza da noção do acesso à comunicação como direito humano. Refere-se a pontos de passagem e de conver- gência entre a comunicação popular, a alterna- tiva e a comunicação comunitária. Esta última extrapola dos movimentos populares, embora continue em muitos casos a se confi gurar como tal ou a representar um canal de comunicação destes movimentos, ou ainda, no mínimo, a ter vínculos orgânicos com os mesmos. Portanto, se é fácil distinguir entre comunicação comunitá- ria e mídia local, o mesmo não ocorre entre ela e a popular e alternativa. Do ponto de vista conceitual, as manifestações da comunicação alternativa se diferenciam mais nitidamente na sua vertente jornalística, como pode ser visto a seguir, a partir de um breve res- gate de aspectos históricos. Imprensa alternativa A expressão comunicação alternativa, típica dos anos 1960 aos 1980, vem sendo retomada. Ela surgiu para designar a comunicação popu- lar, como foi explicitada, e caracterizar o tipo de imprensa não alinhada às posturas da mídia tradicional, então sob a batuta da censura do re- gime militar no Brasil. Neste caso, denomina-se imprensa alternativa. Era uma época em que a maioria dos grandes jornais se alinhava à visão ofi cial do governo, por opção político-ideológi- ca ou pela coerção, sob a força da censura. A im- prensa alternativa representada pelos pequenos jornais, em geral com formato tablóide, ousava analisar criticamente a realidade e contestar um tipo de desenvolvimento. São exemplos, o PIF- PAF, lançado em 1964; Pasquim (1969); Posição (1969); Opinião (1972); Movimento (1975); Coo- jornal (1975); Versus (1974); De Fato (1975); Extra (1984), entre outros24. Eram jornais dirigidos e elaborados por jornalistas de esquerda, alguns ligados à pequena burguesia, que, cansados do autoritarismo, aspiravam um novo projeto so- cial e preocupavam-se em informar a população sobre temas de interesse nacional numa aborda- gem crítica. Como afi rma Raimundo Rodrigues Pereira (1986, pp. 55-56), “a imprensa alternativa foi ex- pressão da média burguesia, dos trabalhadores e da pequena burguesia, defendeu interesses nacionais e populares, portanto, condenava o regime militar”. “A imprensa alternativa foi expressão da média burguesia, dos trabalhadores e da pequena burguesia, defendeu interesses nacionais e populares, portanto, condenava o regime militar”. 23 Serviço Social do Comércio e Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial. 24 Ver Kucinski (1991) e Pereira (1986). I S S N 0 1 2 2 - 8 2 8 5 374 Conceitos de comunicação popular, alternativa e comunitária revisitados. Reelaborações no setor Para Bernardo Kucinski (1991, p. XVI), a im- prensa alternativa surgiu da articulação de duas forças igualmente compulsivas: o desejo das es- querdas de protagonizar as transformações ins- titucionais que propunham e a busca, por jor- nalistas e intelectuais, de espaços alternativos à grande imprensa e à universidade. É na dupla oposição ao sistema representado pelo regime militar e às limitações à produção intelectual- jornalística sob o autoritarismo, que se encontra o nexo dessa articulação entre jornalistas, inte- lectuais e ativistas políticos. Eram jornais que se apresentavam como alterna- tiva de leitura aos grandes jornais então existen- tes. Tratavam de temas comumente enfocados pela imprensa e circulavam no mesmo circuito: eram vendidos em bancas, por assinaturas ou em locais de público fl utuante (universidades, centros de convenções, etc.). No conjunto, a imprensa alternativa comporta- va, além de jornais com características de peri- ódicos de circulação diária e os boletins popu- lares, outros segmentos como o da imprensa popular ligados aos movimentos populares. Na imprensa, então dita popular, destacavam-se o Mulherio, produzido por um grupo de mulheres e que tratava da situação do público feminino na sociedade; o Porantin, do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), que abordava a questão do índio; e o Jornallivro, produzido por entidades e grupos voltados ao trabalho de educação de base. Entre os segmentos atentos à imprensa político-partidária devem ser citados os jornais Voz da Unidade, Tribuna da Luta Operária, Compa- nheiros e Em Tempo. A imprensa sindical, por seu lado, editou jornais importantes como a Tribuna Metalúrgica e Folha Bancária25, ainda existentes. Então, o que caracteriza o jornalismo como al- ternativo é o fato de representar uma opção en- quanto fonte de informação, pelo conteúdo que oferece e pelo tipo de abordagem. Mas, como já ressaltado, também os pequenos jornais, bole- tins informativos e outras formas de comunica- ção (como panfl etos, alto-falantes, carro de som, literatura de cordel, slides etc. –do circuito dos movimentos populares) eram chamados alter- nativos pela força do sentido do seu conteúdo, porém, sem dispensar a leitura de jornais con- vencionais. Em suma, há uma comunicação al- ternativa no âmbito dos movimentos populares que extrapola jornais e o jornalismo. Comunicação popular e comunitária: diversidade e convergência Há que se recordar que comunicação popular deriva da palavra povo, de uso não uníssono. Como enfatiza Wanderley (1979, p. 64), o termo povo pode signifi car o conjunto dos cidadãos (o povo brasileiro); os nacionalistas que lutam contra um colonizador estrangeiro; os pobres ou empobrecidos, sempre lembrados como “po- vão” ou “povinho”; as classes subalternas situa- das em oposição das classes dominantes na so- ciedade. Pode-se ainda tomar “povo” como um conceito sempre em transformação que contém rica negatividade e está sempre em oposição aos que se apresentam como anti-povo, os opresso- res ou aqueles que contradizem as necessidades e interesses da maioria. Da perspectiva de povo como conceito dinâ- mico, deriva-se a idéia do popular-alternativo. Comunicação comunitária, na forma como vem se desenvolvendo nos últimos tempos signifi ca: o canal de expressão de uma comunidade (independente do seu nível sócio- econômico e território), por meio do qual os próprios indivíduos possam manifestar seus interesses comuns e suas necessidades mais urgentes. 25 Ver Festa (1986) e Kucinski (1991). 375 Vo l u m e n 1 1 N ú m e r o 2 D i c i e m b r e d e 2 0 0 8 Cicilia M. Krohling Peruzzo Situa-se no universo dos movimentos sociais populares no processo de lutas por direitos de cidadania. Mas há outras dimensões do popu- lar, como popular-folclórico, abarcando as ma- nifestações culturais tradicionais e genuínas do povo presentes em manifestações de folkco- municação (literatura de cordel etc.); e como popular-massivo, quando permeia a grande mídia privada. Esta última dimensão se mani- festa em três perspectivas: culturalista (trabalha dimensões da cultura do povo), popularesca (programa midiático que se diz popular por usar o linguajar ou desfrutar de altos índices de audiência, em geral, por explorar o assistencia- lismo sensacionalista explorando/atendendo in- teresses/necessidades de pessoas) e de utilidade pública (conteúdo informativo ou motivacional com a fi nalidade de esclarecer sobre problemá- ticas de bairros e demais assuntos de interesse local ou de mobilizar socialmente)26. Assim, há mais o que diferenciar entre as formas de comunicação ditas populares ou comunitá- rias que são dirigidas ao “povo” por intermédio dos meios de comunicação comerciais –ditas populares– e aquelas protagonizadas por cida- dãos ou movimentos e entidades associativas de interesse público, do que entre comunicação popular e comunitária. As primeiras, apesar de desenvolverem dimensões que podem ser co- munitárias ou populares, nem sempre visam a emancipação cidadã, nem modifi cam a lógica de manipulação característica da grande mídia comercial, ressalvando algumas exceções. A comunicação popular e comunitária pode ser entendida de várias maneiras, mas sempre de- nota uma comunicação que tem o “povo” (as iniciativas coletivas ou os movimentos e organi- zações populares) como protagonista principal e como destinatário, desde a literatura de cordel até a comunicação comunitária. Comunicação comunitária, na forma como vem se desenvolvendo nos últimos tempos signifi - ca: o canal de expressão de uma comunidade (independente do seu nível sócio-econômico e território), por meio do qual os próprios indiví- duos possam manifestar seus interesses comuns e suas necessidades mais urgentes. Deve ser um instrumento de prestação de serviços e forma- ção do cidadão, sempre com a preocupação de estar em sintonia com os temas da realidade lo- cal” (Deliberador; Vieira, 2005, p. 8). Portanto, do ponto de vista teórico e das práti- cas sociais recentes, a comunicação comunitária recorre princípios da comunicação popular, po- dendo haver certa distinção entre uma experi- ência e outra, segundo as características de cada situação. É comum, por exemplo, existirem ca- sos em que o comunitário se torna mais plural ao atuar num bairro, numa cidade ou região onde há diversidade de atores sociais, e em cuja realidade certas características comunitaristas (ação conjunta, participação na gestão, proprie- dade coletiva) se diluem, mas outras permane- cem, como o sentido orgânico do vínculo local, participação na programação e a transmissão de conteúdos de interesse público. Por tudo o analisado, a comunicação comuni- tária –que por vezes é denominada popular, alternativa ou participativa– se caracteriza por processos de comunicação baseados em prin- cípios públicos, como não ter fi ns lucrativos, propiciar a participação ativa da população, ter –preferencialmente– propriedade coletiva e di- fundir conteúdos com a fi nalidade de desenvol- ver a educação, a cultura e ampliar a cidadania. Engloba os meios tecnológicos e outras moda- lidades de canais de expressão sob controle de associações comunitárias, movimentos e orga- nizações sociais sem fi ns lucrativos. Por meio dela, em última instância, realiza-se o direito de comunicar27 ao garantir o acesso aos canais 27 Ver Peruzzo (2004b).26 Ver mais detalhes em Peruzzo (2004a, pp. 116-120). I S S N 0 1 2 2 - 8 2 8 5 376 Conceitos de comunicação popular, alternativa e comunitária revisitados. Reelaborações no setor de comunicação. Trata-se não apenas do direito do cidadão à informação, enquanto receptor – tão presente quando se fala em grande mídia –, mas do direito ao acesso aos meios de comunicação na condição de produtor e difusor de conteúdos. Luis Ramiro Beltrán (1981, pp. 30-32), ressaltan- do as contribuições de precursores como Fer- nando Reyes Ma a, Miguel Azcueta, Juan Diaz Bordenave, Josiane Josuet e João Bosco Pinto, além do informe fi nal da Reunión sobre la Auto- gestión, el acesso y la Participación en Material de Comunicación, da Unesco, realizada em Bel- grado (1977), na explicitação da comunicação horizontal, já falava em direito à comunicação como: acesso (direito de receber mensagens); di- álogo (direito de receber e emitir mensagens); e participação (direito de participar efetivamente dos processos de comunicação). Há muito tempo se sabe que a participação ativa do cidadão em todas as fases da comunicação, como protagonista, propicia a constituição de processos educomunicativos favoráveis ao de- senvolvimento mais ágil do exercício da cidada- nia. Desse modo, apesar da validade de meios comunitários que prezam apenas a difusão de conteúdos de interesse público e aderentes às localidades ao invés de provocar a participação avançada das pessoas no que fazer comunica- tivo, o ideal é possibilitar a oportunidade de aprendizado não só pelas mensagens divulga- das mas também pelo envolvimento direto na sua produção e difusão. Não se discute a impor- tância da difusão de conteúdos educativos, mas não é só por meio deles que se conscientiza. Os processos de comunicação popular e comu- nitária têm maior visibilidade, especialmente em duas situações: quando os desafi os estão, por exemplo, na apropriação de instrumentos de comunicação dirigida, como pequenos jornais, panfl etos, cartazes, faixas, troças carnavalescas, peças de teatro, slides, alto-falantes, TV de rua etc. Oportuno lembrar que os meios artesanais foram os que se mostraram viáveis no período inicial da ação dos movimentos populares. Já em outra situação, quando há o empoderamento so- cial das tecnologias de comunicação, que passa pelo videocassete, alto-falante, rádio em freqü- ência modulada, televisão comunitária no siste- ma cabo, e mais adiante, sites, blogs, fotologs e listas de discussão na internet. Empoderamento, de empowerment, em inglês, quer dizer partici- pação popular ativa com poder de controle e de decisão nos processos sociais (políticas públicas relacionadas à educação, saúde, Comunicação, transporte, questões de gênero, geração de ren- da), e como tal, também, a apropriação de meios de comunicação. O desafi o atual é justamente avançar no empoderamento qualitativo e am- plo das novas tecnologias de comunicação, ao mesmo tempo em que as antigas modalidades comunicativas continuam tendo seu lugar. Comunicação comunitária e comunidade: aproximações conceituais Assim como o adjetivo popular é constitutivo da expressão “comunicação popular” e deriva da palavra povo, a expressão “comunicação comu- nitária” tem ligação com os conceitos de comu- nidade. Estes são complexos e estão em transfor- O sentimento de pertença, a participação, a conjunção de interesses e a interação, por exemplo, são características que persistem ao longo da história, enquanto a noção de lócus territorial específi co como elemento estruturante de comunidade está superada pelas alterações provocadas pela incorporação de novas tecnologias da informação e comunicação 377 Vo l u m e n 1 1 N ú m e r o 2 D i c i e m b r e d e 2 0 0 8 Cicilia M. Krohling Peruzzo mação. Originalmente enfatizam-na como uma unidade em que os laços entre os seus membros são orgânicos e espontâneos – sejam eles basea- dos na vizinhança, laços de sangue ou espiritual (Tönnies, 1973, 1995), pressupõem uma base ge- ográfi ca específi ca [sic] e a existência de coesão social (Maciver; Page 1973, p. 122), ou ainda se vislumbra a formação de uma organicidade ca- paz de constituir uma “comunidade universal”, a partir de uma sintonia de interesse pela vida (Buber, 1987), ou seja, a formação de uma “co- munidade de idéias”, entre outros aspectos. Em meio a críticas no que se refere ao caráter utópico de comunidade, como concebida pe- los clássicos, desde as últimas décadas do sé- culo XX, quando lhe foi atribuído um sentido extemporâneo e se decretou sua possível morte enquanto fenômeno social. Porém, ao que tudo indica, a comunidade nunca deixou de existir, apesar das alterações em suas confi gurações e dos (des)entendimentos teóricos, e continua fa- zendo parte do debate na atualidade. Há mudanças substanciais nas concepções de comunidade, ao mesmo tempo em que alguns de seus princípios ainda se verifi cam. O senti- mento de pertença, a participação, a conjunção de interesses e a interação, por exemplo, são ca- racterísticas que persistem ao longo da história, enquanto a noção de lócus territorial específi co como elemento estruturante de comunidade está superada pelas alterações provocadas pela incorporação de novas tecnologias da infor- mação e comunicação. Sem menosprezar que a questão do espaço geográfi co continua sendo um importante fator de agregação social em de- terminados contextos e circunstâncias. Enfi m, a comunicação comunitária pressupõe a existência de uma práxis que vai além do sim- ples estar próximo ou compartilhar das mes- mas situações. Pertencer a uma mesma etnia ou morar num mesmo bairro ou usar o mesmo transporte coletivo, não quer dizer que existam relações comunitárias. A comunidade se funda em identidades, ação conjugada, reciprocidade de interesses, cooperação, sentimento de per- tença, vínculos duradouros e relações estreitas entre seus membros. Portanto, nem todo meio de comunicação local é comunitário, apenas por se dirigir a uma audi- ência próxima, usar a mesma linguagem ou fa- lar das coisas do lugar. Este pode simplesmente reproduzir os padrões da mídia comercial pri- vada em termos de interesses econômicos e po- líticos, além de se basear na mesma lógica de gestão e programação, distanciando-se da pers- pectiva comunitarista. Assim, à comunicação comunitária são reser- vadas exigências de vínculos identitários: não possuir fi nalidades lucrativas, e estabelecer re- lações horizontais entre emissores e receptores com vistas ao empoderamento social progressi- vo da mídia e ampliação da cidadania. Há outro nível de mudança que interfere no con- ceito de comunidade e que tem tudo a ver com a comunicação comunitária, qual seja, a mística em torno da justiça social. Esta é construída na práxis dos movimentos populares, associações comunitárias, sindicatos, setores progressistas de igrejas, ONGs de base social e demais or- ganizações do terceiro setor. Mesmo não seja possível identifi cá-los como comunidades espe- cífi cas, estes atores buscam a transformação das condições de opressão e sofrimento de segmen- tos da população brasileira com vistas a efeti- vação de um mundo em que todos possam ter dignidade e seus direitos de cidadania respei- tados. Têm algo em comum, a partir do qual se poderia vislumbrar a constituição de uma “co- munidade de idéias”. É neste nível que a comu- nicação comunitária vai se cruzando com outras formas de expressão e com os próprios fazeres sociais, afi nal ela não é algo que acontece à par- te, mas, imbricada nos processos associativos mais amplos. I S S N 0 1 2 2 - 8 2 8 5 378 Conceitos de comunicação popular, alternativa e comunitária revisitados. Reelaborações no setor Considerações fi nais As práticas comunicacionais geraram conceitos que permitem tomar as expressões comunicação popular, alternativa e comunitária como sinôni- mos, quando se referem às lutas de segmentos subalternos por sua emancipação, mesmo ha- vendo algumas características próprias em cada um dos processos. A comunicação alternativa se recria continua- mente. Sua vertente comunitária vem ganhan- do expressividade e distinção no Brasil desde o fi nal dos anos 1990. Recentemente, a comunica- ção popular-alternativa e o jornalismo alterna- tivo se atualizam e assumem diversas feições. As motivações para tanto possivelmente vêm do interesse social presente nos cidadãos e nas organizações civis em interferir nos sistemas ge- radores e mantenedores da desigualdade, além das possibilidades inovadoras, como a efetiva interatividade, que as novas tecnologias de in- formação e comunicação (NTIC) oferecem. Referências Beltrán, L. R. Adeus a Aristóteles.Comunicação e Sociedade: revista do Programa de Comuni- cação. S.B.do Campo: UMESP, n. 6, p. 5-35. Set. 1981. Buber, Martin. Sobre comunidade. Seleção e intro- dução de Marcelo Dascal e Oscar Zimmermann. São Paulo: Perspectiva, 1987. Deliberador, Luzia M. Y.; Vieira, Ana C. R. Co- municação e educação para a cidadania em uma Cooperativa de Assentamento do MST. Trabalho apresentado no NP Comunicação para a Cida- dania. XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, promovido pela INTERCOM e realizado na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, de 5 a 9 de setembro 2005. [CDRom]. Diaz Bordenave, Juan. 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