Revista Brasileira de Ciências Ambientais – Número 24 – Junho de 2012 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478 54 Efeito da fertirrigação combinado com a adubação mineral e orgânica sobre as propriedades químicas do solo Effect of fertirrigation combined with mineral and organic fertilization on soil chemical properties RESUMO O objetivo deste estudo foi avaliar o efeito do uso combinado da irrigação com esgoto tratado com as práticas agronômicas da adubação mineral e orgânica e da calagem sobre as propriedades químicas do solo. O experimento foi realizado em casa de vegetação, no delineamento experimental inteiramente casualizado, tendo como unidades experimentais vasos com capacidade de 14 L. Os tratamentos constaram de três combinações, adubo, efluente e dez variedades de batata-doce, constituindo um fatorial 3 x 10, com 10 repetições. Os resultados obtidos indicaram que a irrigação com efluente de esgoto tratado trouxe efeitos benéficos para o solo estudado, notadamente, no aumento da capacidade de troca catiônica (CTC). Além disso, complementado pela adubação química e mineral, o efluente melhorou os níveis de fertilidade do solo ao incrementar as concentrações de macro elementos. PALAVRAS-CHAVE: fertirrigação; química do solo; reuso. ABSTRACT The aim of this study was to evaluate the effect of combined use of irrigation with treated sewage to the agronomic practices of mineral and organic fertilization and liming on soil chemical properties. The experiment was conducted in a greenhouse in a completely randomized design, with pots as experimental units with a capacity of 14 L. Treatments consisted of three combinations: fertilizer, effluent and ten varieties of sweet potato, constituting a factorial 3 x 10, with 10 repetitions. The results indicated that irrigation with treated sewage effluent has brought beneficial effects in the studied soil, notably in the increased cation exchange capacity. Moreover, supplemented by mineral and chemical fertilizers, improved the effluent levels of soil fertility by increasing the concentrations of macro elements. KEYWORDS: fertirrigation; soil chemistry; reuse. Liliana Pena Naval Bióloga, doutorado em Engenharia Química. Docente da Universidade Federal do Tocantins. Palmas, Tocantins, Brasil liliana@uft.edu.br Fued Abrão Junior Engenheiro Ambiental, Mestre em Ciências do Ambiente pela UFT. INFRAERO-Superintendência Regional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. fajunior.sbgl@infraero.gov.br Daniel Vidal Pérez Pesquisador A da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Doutorado em Química pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, Brasil danperezenator@gmail.com Revista Brasileira de Ciências Ambientais – Número 24 – Junho de 2012 55 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478 INTRODUÇÃO De acordo com o World Resources Institute (WRI, 2000), se nos dias atuais quase metade da população mundial enfrenta problemas de escassez de água, sobretudo no que se refere à disponibilidade de águas superficiais, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA, 2004) alerta que as previsões para os próximos anos não são nada favoráveis nem, tampouco, otimistas. Para Brown (2003), o mundo caminha para um déficit hídrico generalizado, em que a irrigação é uma grande contribuinte desta realidade, dado ao aumento e à evolução tecnológica das formas de captação de água (bombas elétricas e a combustíveis fósseis de grande potência) ocorrida no último meio século. Esta afirmação corrobora com Câmera e Santos (2002) que, além de ratificarem que a irrigação é a atividade humana que mais consome água, estimam que o percentual deste tipo de uso frente aos demais é da ordem de 80%. Segundo Hespanhol (2003), no Brasil 70% da água consumida é destinada à agricultura, o que permite concluir que a falta deste recurso passa a ser um fator limitante à produção agrícola; ante o que, a reciclagem e o reuso de água vêm tornado quase que uma necessidade para a conservação e manutenção das fontes naturais ainda existentes (USEPA, 2004). De acordo com a Food and Agriculture Organization (FAO, 2003), o total de áreas com solos irrigados com esgoto concentrado ou diluído, é estimado em 20 milhões de hectares distribuídos em 50 países, representando aproximadamente 10% das áreas irrigadas em países em desenvolvimento. Neste contexto, o emprego de efluentes de esgotos tratados na irrigação se tem mostrado como fonte alternativa viável de água, desde que tomados os devidos cuidados e controles (Hespanhol, 2003). Pollice et al. (2003), avaliaram os efeitos da irrigação com efluentes tratados sobre o solo e cultivares de tomates e funcho, e observaram que não houve alterações significativas em suas propriedades químicas e microbiológicas. De acordo com Bastos (1999), 70% das áreas irrigadas com efluentes no Peru são destinadas ao cultivo de hortaliças. Devido ao grande potencial de geração de esgoto doméstico tratado e em virtude do déficit hídrico que vem se acentuando, a prática do reuso na agricultura apresenta-se não apenas como uma prática viável, mas também importante. Nesse sentido este estudo objetivou conhecer o comportamento do solo frente a este tipo de atividade. OBJETIVO Avaliar o efeito do uso combinado da irrigação com efluente de uma estação de tratamento de esgoto com as práticas agronômicas da adubação mineral e orgânica e da calagem sobre as propriedades químicas do solo. METODOLOGIA O experimento foi realizado em casa de vegetação, no delineamento experimental inteiramente casualizado, tendo como unidades experimentais vasos com capacidade de 14 L preenchidos com amostra seca e destorroada da camada de 0 a 15 cm de profundidade de um Latossolo Vermelho-Amarelo (Tabelas 1 e 2). Os tratamentos constaram de três combinações, adubo, efluente e dez variedades de batata-doce, constituindo um fatorial 3 x 10, com 10 repetições. A configuração de cada tratamento foi a seguinte: T1: irrigação com efluente de esgoto tratado em solo de pH corrigido por calagem; T2: irrigação com efluente de esgoto tratado em solo de pH corrigido por calagem e adubado (química e organicamente); T3: irrigação com água em solo de pH corrigido por calagem e adubado (química e organicamente). A adubação e calagem seguiram as recomendações de Ribeiro et al. (1999), sendo aplicados em função dos tratamentos, 41,5 g/vaso de calcário dolomítico, 15,0 g/vaso de adubo mineral (Tabela 3) e 150,0 g/vaso de adubo orgânico (Tabela 4). As dez cultivares de batata doce [Ipomoea batatas (L) Lam] utilizadas foram: 7 clones (C08, C48, C58, C100, C106, C112, C114) e 3 variedades (Palmas, Brasilandia Roxa e Branca); esta olerícola foi escolhida por se adaptar bem às condições locais, além de servir como alimento e matéria-prima para a produção de álcool. O efluente usado ao longo do experimento foi proveniente de uma Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), a qual é composta de Filtro Biológico seguido de Reator UASB; os parâmetros analisados foram aqueles que constituem os principais agentes poluidores de corpos d’água por esgotos domésticos e industriais (Von Sperling, 2005). Os procedimentos analíticos foram realizados de acordo com APHA (2005). Para estimar a quantidade de água utilizada na irrigação, adotou- se o método Epan, conforme a descrição apresentada por Papadopoulos (1999); trata-se de um método simples que, a partir de medições básicas da evaporação da água de um Tanque Classe A, localizado na área cultivada, estima a evapotranspiração da cultura através de equações matemáticas e, consequentemente, a necessidade de água por ela demandada; na fase inicial, correspondente ao período seco, foi aplicada uma lâmina d’água de 14 L m-2 dia-1; na fase final, referente ao período chuvoso, Revista Brasileira de Ciências Ambientais – Número 24 – Junho de 2012 56 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478 Tabela 1. Características químicas e físicas do Latossolo Vermelho-Amarelo utilizado no experimento Profundidade pH-H2O C N Ca Mg Na K Al CT C P Argila Areia Silte Cm g kg- 1- ----------------------- cmolc kg -1 --------- mg kg-1 --------g kg-1 --- 0-15 5,4 9,1 0,8 0,5 0,3 0,01 0,18 0,1 4, 8 1 220 7 0 6 74 Tabela 2. Características químicas e físicas do Latossolo Vermelho-Amarelo utilizado no experimento Profundidade Fe Mn Zn Cu Cr Ni Cd Pb Cm ----------------------------------------------------------------- mg kg-1-------------------------------------- Mehlich 1 0-15 13,7 2,43 0,60 0,25 0,029 0,069 < LD 0,24 Água Régia 0-15 22240 43,3 6,07 3,79 21,9 3,47 2,56 1,39 < LD significa menor que o limite de detecção Tabela 3. Características químicas dos insumos utilizados no experimento Insumo Fe Mn Zn Cu Cr Ni Cd Pb -------------------------------------------------------------- g kg-1------------------------------------ NPK 4-14-8 19,6 1,18 5,32 0,19 0,044 < LD < LD 0,4 6 Calcário 1,23 0,03 < LD < LD < LD < LD < LD < LD < LD significa menor que o limite de detecção Tabela 4. Características químicas dos insumos utilizados no experimento Adubo Orgânico* C N Ca Mg Na K P Al Fe S --------------------------------------------------------- g kg-1------------------------ ------------------g.kg-1------------ 45,2 6,23 79,7 7,17 1,22 10,42 17,42 22,1 10,9 0,004 Metais B Mn Zn Co Cu Cr Ni Cd Pb ---------------------------------------------------------------------------------g kg-1----------------------------------------- 0,06 0,39 0,34 <LD 0,05 0,01 <LD 0,001 0,002 * Composto de esterco de galinha e casca de arroz; < LD significa menor que o limite de detecção Revista Brasileira de Ciências Ambientais – Número 24 – Junho de 2012 57 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478 aplicaram-se 7 L m-2 dia-1; desta forma, foi aplicado um volume total de 14,10 m3, que equivaleu a 150 L/vaso. Um semestre após o plantio foram coletadas amostras de solo em todas as unidades experimentais, nas quais foram analisados pH (em água), capacidade de troca catiônica (CTC), carbono orgânico (C orgânico), nitrogênio total (N total), fósforo assimilável (P), micronutrientes (Fe, Mn, Zn, Cu) e metais (Cr, Cd, Pb, Ni) extraídos por solução Mehlich 1, segundo EMBRAPA (1997). Os dados de solo (pH, C, N, Ca, Mg, Na, K, CTC, P, Fe, Mn, Zn, Cu, Cr, Ni, Cd e Pb) obtidos foram analisados estatisticamente, empregando-se o Proc GLM do Statistical Analysis System (SAS, 2000). Para os resultados significativos encontrados pelo teste F, foi aplicado o teste de Tukey, a nível de 5% de probabilidade, a fim de se classificar as médias de tratamentos; em alguns casos, se usou a transformação raiz quadrada (√x + 1), visando homogeneizar os dados quando a razão entre o maior e o menor valor da variável a ser analisada apresentou resultado superior a 20, em conformidade com Fernandez (1992). RESULTADOS A análise de variância indicou para a maioria das variáveis de solo analisadas, que apenas a aplicação de efluente exerceu efeito significativo sobre as características avaliadas, situação em que o efeito da aplicação foi estudado como se não existisse o efeito dos clones e de sua interação (Gomes, 1982). Em função da variação nas quantidades de efluente e adubo adicionadas ao solo e das condições de realização do experimento, é possível particularizar o efeito de alguns desses fatores sobre os parâmetros de solo estudados; com respeito ao pH e apesar dos três tratamentos terem contado com a mesma correção (calagem), aquele que recebeu água (T3) ao invés do efluente, foi o que apresentou um valor de pH significativamente maior que os outros 2 tratamentos (Tabela 6). É possível especular que tal resultado esteja relacionado ao elevado poder tampão da matéria orgânica, que se traduz pelo seu Ponto de Carga Zero (PCZ) próximo a 2,0 (Uehara, 1988) e a elevada carga elétrica de superfície dos colóides orgânicos (Silveira et al., 2003; neste sentido, o significativo aumento do teor de matéria orgânica no solo, medido indiretamente pelo aumento do teor de carbono orgânico em T1 e T2, corrobora com esta hipótese, (Tabela 6). A principal fonte de cálcio nos três tratamentos de solo estudados, foi o calcário; mesmo assim, não se pode negligenciar a contribuição dos fertilizantes, tanto minerais como orgânicos; daí, o resultado de Ca em T1 ter sido significativamente menor que os outros, já que esse tratamento não recebeu adubação. Os teores de potássio obtidos também expressam a contribuição do fertilizante, principalmente, o de origem mineral; ou seja, T2 mostrou concentração de K significativamente maior (Tabela 6), Tabela 5. Composição química média de efluente proveniente da Estação de Tratamento de Esgoto Variável Efluente Variável Efluente pH 6,5 Na (mg L-1) 45,0 Sólidos Totais (mg L-1) 247 S (mg L-1) 18,0 Sólidos Solúveis Totais (mg L-1) 49 Cu (mg L-1) 0,04 Sólidos Dissolvidos Totais (mg L-1) 202 Fe (mg L-1) 0,38 N AMONIACAL (mg L -1) 22 Mn (mg L-1) 0,06 N ORGÂNICO (mg L -1) 8 Zn (mg L-1) 0,06 N TOTAL (mg L -1) 30 Ni (mg L-1) 0,04 P (mg L-1) 5 Cr (mg L-1) 0,12 K (mg L-1) 12,0 Pb (mg L-1) 0,02 Ca (mg L-1) 16,0 Cd (mg L-1) 0,03 Mg (mg L-1) 3,0 B (mg L-1) 0,05 Alcalinidade (mg L-1) 116 Co (mg L-1) 0,03 DBO (mg L-1) 36 - - Revista Brasileira de Ciências Ambientais – Número 24 – Junho de 2012 58 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478 pois envolveu duas fontes desse elemento: a principal, oriunda do adubo mineral (NPK) e a secundária, do efluente; o T3 apresentou um resultado intermediário, visto que só possuía a contribuição do K do fertilizante mineral; por último, T1 só contava com a contribuição do efluente que, comparativamente, possui menos K. É notória a preocupação com o aumento da concentração de sódio em solo pelo uso de efluentes (Pescod, 1992) o que, também, foi observado no presente estudo; isto é, as maiores concentrações de Na foram encontradas nos tratamentos T1 e T2 (Tabela 6), diferindo significativamente do que foi irrigado com água (T3). Vale ressaltar, no entanto, que os valores de RAS (Razão de Adsorção de Sódio) calculados para T1 e T2 foram, respectivamente, 1,2 meqL-1 e 1,1 meqL-1, não oferecendo, portanto, risco potencial às plantas (USEPA, 2004). O aumento significativo da Capacidade de Troca Catiônica (CTC) verificado em T1 e T2 está relacionado ao incremento, também, significativo, do teor de carbono orgânico nesses tratamentos (Tabela 6), A maior influência da matéria orgânica nas propriedades químicas do solo reside na alteração do seu complexo coloidal; isso se reflete diretamente no aumento de cargas superficiais negativas e, consequentemente, a maior retenção de cátions (Zech et al., 1997; Abreu Jr. et al., 2001). Como, em média, os valores de pH se mantiveram próximos à neutralidade (Tabela 6) e superiores ao valor correspondente ao PCZ da matéria orgânica, que é de aproximadamente 2,0 (Uehara, 1988), se justifica o aumento de cargas superficiais negativas (medidas através da CTC) em função da aplicação de efluente em T1 e T2. Os teores de fósforo, tal como os de potássio, também representam a contribuição dos fertilizantes. Ressalta-se, contudo, que o baixo valor de P obtido em T1 está relacionado, provavelmente, à baixa concentração de P no efluente (Tabela 5 ) e à possibilidade de formação de fosfato de cálcio, que é insolúvel, oriundo da reação de uma fonte em que o P encontra-se totalmente dissolvido, como é a forma presente no efluente, com o calcário. Apesar de se esperar um teor de nitrogênio maior nos tratamentos que receberam o efluente como fonte de água, observa-se (Tabela 6) que, estatisticamente, não houve diferenciação para os teores desse elemento entre os tratamentos empregados. Fonseca (2001) observou que as perdas de nitrogênio pela volatilização de NH3 em solos irrigados com efluentes têm sido altas. Ramirez-Fuentes et al. (2002) observam, também, que outras formas de perda de N em solos que receberam efluentes podem ocorrer em decorrência da lixiviação de nitrato, oriundo da nitrificação do NH4 + presente no efluente, ou da desnitrificação, processo de redução biológica do N mineral até N2, que pode ocorrer quando o solo fica encharcado, após a aplicação do efluente. As maiores concentrações de manganês obtidas em T2 e T3 refletem, sem dúvida, a elevada contribuição, via fertilizante mineral e orgânico, como se apresenta na Tabela 3 e 4, uma vez que o teor de Mn no efluente foi baixo (Tabela 5), o que corrobora Pescod (1992) e Bastos et al. (2003). Os resultados de ferro e cobre também refletem a contribuição do adubo mineral e orgânico (Tabela 3 e Tabela 4); contudo, desta vez não se pode descartar a participação do efluente (Tabela 3), que embora não apresente valores significativos destes elementos por unidade de volume, contribuiu cumulativamente para os incrementar; assim, T2 foi o tratamento que, significativamente, destacou-se, pois apresentava as Ta bela 6. Características químicas do Latossolo Vermelho Amarelo submetido a três tipos de combinação, entre irrigação e adubação, ao término do experimento Tratamento pH-H2O C N Ca Mg Na K CTC P --------- g kg-1--- ----------------------------- cmolc kg -1 --------------- mg kg-1 Efluente + calcário (T1) 6,99 b 10,1 a 0,9 a 3,3 b 1,3 a 0,67 a 0,06 c 6,2 a 9 c Efluente + calcário + adubo (T2) 6,93 b 10,0 a 0,9 a 3,9 a 0,9 c 0,63 a 0,15 a 6,2 a 244 a Água + calcário + adubo (T3) 7,37 a 9,3 b 0,9 a 4,0 a 1,1 b 0,30 b 0,12 b 5,4 b 129 b CV 5 12 11 13 18 34 3* 13 41* Médias seguidas de letras diferentes na mesma coluna significa que são estatisticamente diferentes pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade *Análise de variância calculada com dado transformado por raiz quadrada Revista Brasileira de Ciências Ambientais – Número 24 – Junho de 2012 59 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478 duas contribuições, tanto do adubo mineral e orgânico, quanto do efluente; já T1 e T3 indicaram menores valores de Fe e Cu, pois tinham apenas duas fontes de contribuição; o comportamento do zinco é similar ao do K e P (Tabela 7). Também, no caso do cádmio, os resultados obtidos no solo (Tabela 7) refletem as contribuições dos insumos utilizados (Tabela 4 e 5), em que o adubo orgânico e o efluente são os principais contribuintes; desta forma, T2 e T3 apresentaram valores significativamente maiores que T1. Quanto ao Ni, apesar do efluente ser o principal contribuinte (Tabela 3), os dois tratamentos que levaram sua aplicação, T1 e T2, diferiram significativamente. Com respeito ao chumbo existem, aparentemente, dois mecanismos envolvidos; o efluente torna o Pb mais disponível devido à sua facilidade de complexação pela matéria orgânica (Silveira et al., 2003); com isso, esperava-se que tanto T1 como T2 apresentassem os maiores valores de Pb no solo; mas, o que se observa é que a concentração de Pb no solo de T2 é significativamente menor que o de T1; Melamed et al. (2003) observaram que o P forma facilmente compostos insolúveis com Pb; como o solo de T2 apresenta concentração de P disponível significativamente superior ao de T1 (Tabela 6), justifica-se, então, o fato observado de que Pb é significativamente maior em T1 do que em T2 (Tabela7). CONCLUSÃO O efeito do uso combinado da irrigação com esgoto tratado com as práticas agronômicas da adubação mineral, 15,0 g/vaso, e orgânica, 150,0 g/vaso, e da calagem, 41,5 g/vaso, sobre as concentrações dos elementos químicos analisados, C, N, Ca, Mg, Na, K, P, Fe, Mn, Zn, Cu, Cr Ni, Cd, Pb, possibilitou verificar que a adição de 150 L/vaso* esgoto tratado contribuiu para o incremento dos nutrientes N, P e K, essências ao desenvolvimento vegetal, mas em concentrações inferiores à adubação química, o que não permite considera-lo um substituto à esta. Entretanto, o esgoto causou variação na concentração de C, 10,0 gkg-1 contra 9,3 gkg-1 Nas parcelas que não o receberam, influenciando positivamente no aumento de aproximadamente 13% da capacidade de troca catiônica (CTC), do solo. Esse efeito quando associado às práticas agronômicas de correção da acidez e de correção química, melhoraram os aspectos nutricionais do solo. Nesse sentido, as parcelas adubadas e irrigadas com efluente quando comparada àquelas adubadas e irrigadas com água, apresentaram variações percentuais positivas de 20% e 47% para os macronutrientes K e P, e de 24% e 30% para os micronutrientes Zn e Cu. No que se refere à sodicidade do solo, avaliada a partir da razão de de sódio, as parcelas irrigadas com esgoto apresentaram maiores valores, variando de 1< rãs <1,2, o que não é considerado um fator de risco ao desenvolvimento vegetal, dado que este é de ras<3. Quanto aos metais de interesse do ponto de vista da contaminação, principalmente Cr, Cd e Pb o efluente não influenciou significativamente em seus teores, com exceção do Pb que apresentou 50% a mais de concentração na parcelas não adubadas e com ele irrigadas. Entretanto, essa concentração de 0,12 mgkg-1, está abaixo daquela considerada critica para irrigação, que aproximadamente 5 mgkg-1. Em geral, o esgoto se mostrou uma fonte de água alternativa à irrigação, não apresentado riscos significativos quanto ao aumento da sodicidade e a contaminação do solo por metais. Ademais, o incremento do carbono orgânico é benéfico do ponto de Tabela 7. Características químicas do Latossolo Vermelho Amarelo submetido a três tipos de combinação, entre irrigação e adubação, ao término do experimento Tratamento Fe Mn Zn Cu Cr Ni Cd Pb ------------------------------------------ mg kg-1---------------------------------------------------- Mehlich 1 Efluente + calcário (T1) 5,8 b 3,7 b 1,6 c 0,19 b 0,030 b 0,050 c 0,001 b 0,12 a Efluente + calcário + adubo (T2) 9,01 a 5,9 a 10,3 a 0,26 a 0,088 a 0,086 a 0,030 a 0,07 b Água + calcário + adubo (T3) 6,2 b 6,4 a 7,8 b 0,18 b 0,079 a 0,066 b 0,022 a 0,05 b CV 22 21 18* 3* 1* 1* 1* 3* Médias seguidas de letras diferentes na mesma coluna são estatisticamente diferentes pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade * Análise de variância calculada com dado transformado em √ (raiz quadrada) Revista Brasileira de Ciências Ambientais – Número 24 – Junho de 2012 60 ISSN Impresso 1808-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478 vista agronômico. Assim, se bem administrada, a irrigação de determinadas culturas agrícolas com esgoto tratado pode reduzir o uso de água convencional na agricultura, podendo reduzir os custos de produção e o redirecionamento da quantidade de água não utilizada para fins potáveis, como abastecimento humano e animal. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU JR, C. H.; MURAOKA, T.; OLIVEIRA, F. C. Cátions trocáveis, capacidade de troca de cátions e saturação por bases em solos brasileiros adubados com composto de lixo urbano. Scientia Agrícola, Piracicaba, v.58, p.813-824, 2001. APHA, American Public Health Association, Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater. 21 st, Centennial Edition, Washington, 2005. BASTOS, R. K. X. Fertirrigação com Águas Residuárias. In: FOLEGATTI, M. V. (Coord.) Fertirrigação: citrus, flores e hortaliças. Guaíba: Agropecuária, 1999. p. 279-291 BASTOS, R. K. X.; ANDRADE NETO, C.O; CORAUCCI F. B.; MARQUES, M. O. Introdução. In: BASTOS, R. K. X. (Org.). 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