Mobile TV: where we are and the way forward Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153... (p. 235-262) 235 PEREIRA, A. M. G. Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153 do Novo Código de Processo Civil na 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó - RN. Revista de Direito Setorial e Regulatório, Brasília, v. 4, n. 1, p. 235-262, maio 2018. Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153 do Novo Código de Processo Civil na 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó - RN Public Policy in Cycle and its Implementation: The Case of Article 153 of The New Code of Civil Procedure at the 1st Civil Court of Caico-RN Submetido(submitted): 18/07/2017 André Melo Gomes Pereira* Parecer(revised): 17/10/2017 Aceito(accepted): 11/12/2017 Resumo Propósito – Buscou-se descrever a fase de implementação de uma política pública específica que teve como formulador o Poder Legislativo e como implementador o Poder Judiciário, consubstanciada na previsão normativa referente à ordem de tramitação dos processos nas diversas unidades judiciais brasileiras. Metodologia/abordagem/design – Análise normativa, doutrinária e principiológica sobre a inovação trazida no art. 153 do novo código de processo civil sob a perspectiva da Política Pública em ciclos. Foi conferida atenção à implementação da mencionada Política Pública pela 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó/RN, centrando -se nas estratégias e resultados alcançados. Resultados – A implementação da regra de cumprimento pelas unidades judiciais constitui relevante política pública a ser desenvolvida como forma de buscar efetividade da prestação jurisdicional, desde que executada em observância aos ditames constitucionais, notadamente aos princípios republicano, da impessoalidade e isonomia. Implicações práticas – Importância da adesão pelo Judiciário à política formulada pelo Legislativo, resguardada, contudo, a independência e gestão próprias . A percepção acerca da relevância da cooperação por todos que participam da implementação. Originalidade/relevância do texto – Elucidar a aplicabilidade da inovação trazida com a regra de cumprimento pelo judiciário. Palavras-chave: gestão de processos judiciais, ordem objetiva, implementação, política pública, processo civil. Abstract Purpose – This study describes the implementation phase of a specific public policy, formulated by the Legislative Power, enforced by the Judiciary Power. Such policy was embodied in legal provisions related to the sequence in which proceedings should be processed in all Brazilian judicial units. *Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Graduado e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Juiz de Direito Titular de 3ª Entrância do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte - TJRN. Email: cabocodosertao@hotmail.com. mailto:cabocodosertao@hotmail.com 236 Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153... (p. 235-262) PEREIRA, A. M. G. Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153 do Novo Código de Processo Civil na 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó - RN. Revista de Direito Setorial e Regulatório, Brasília, v. 4, n. 1, p. 235-262, maio 2018. Methodology/approach/design – Normative and principle-related analysis, as well as commentary the innovation brought by article 153 of the new Code of Civil Procedure according to the perspective of public policy in cycles. It was given attention to the implementation of the aforementioned public policy by the 1st Civil Court of the Caico- RN Judicial District, focusing on the strategies and results achieved. Findings – The implementation of the compliance rule by judicial units constitutes a relevant public policy to be developed to seek effectiveness in jurisdictional services, as long as the former is executed observing the constitutional principles, notably, impersonality, isonomy and republican principles. Practical implications – It is important that the Judiciary’s adhere to the policy formulated by The Legislative Power. However, each branch has to safeguard its owns management and independency, as well as the perception of the cooperation’s relevance from everyone who participated in its implementation. Originality/value – Elucidate the applicability of the innovation brought by the rule of compliance implemented by the judiciary. Keywords: Legal Proceedings Management, Objective Order, Implementation, Public Policy, Civil Process. Introdução O tema sobre que versa o presente texto, elaborado após as valiosas sugestões propiciadas pela disciplina “Direito e Análise de Política Pública”, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Direito, Estado e Constituição da Universidade de Brasília, aborda a fase de implementação de política pública específica que ganhou notoriedade com a aprovação e posterior vigência da lei nacional nº 13.105 de 17 de março de 2015 – Novo Código de Processo Civil- NCPC. O texto da norma contido no art. 153 do Novo Código de Processo Civil - NCPC - estabeleceu uma ordem cronológica objetiva para cumprimento dos atos judiciais pelas secretarias judiciais, visando a garantir a impessoalidade, a transparência e a igualdade no andamento dos processos. Em paralelo a esse artigo, o NCPC também inovou com o texto do art. 12 que previu uma ordem objetiva para julgamento pelos juízos monocráticos e colegiados. Partindo-se da visão da política pública em ciclos ou fases, o que se propõe é examinar um caso concreto de uma unidade judicial em que o desafio de implementação da norma contida no artigo 153 foi enfrentado pela equipe de servidores públicos que lá exercem as suas funções. A análise envolveu estratégias de abordagem que consistiram na utilização horizontal de Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153... (p. 235-262) 237 PEREIRA, A. M. G. Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153 do Novo Código de Processo Civil na 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó - RN. Revista de Direito Setorial e Regulatório, Brasília, v. 4, n. 1, p. 235-262, maio 2018. ferramentas da qualidade1. Objetivou-se elaborar e executar o planejamento por meio da cooperação com a finalidade de unir esforços para uma realidade que apresentava relativo grau de novidade, a exigir inovação. Partindo-se do referencial da política pública em ciclos e focando-se nas análises da fase de implementação, pretende-se examinar o desafio, as estratégias e os resultados já alcançados no caso escolhido. Para seguir esta proposta, o artigo terá a seguinte estrutura: no primeiro item, traremos a visão sobre a política pública em ciclos, destacando-se a fase da implementação; no segundo item trabalharemos a política específica e a interpretação de suas normas principais; o terceiro item será dedicado às estratégias utilizadas para implementação da política e os resultados já alcançados; e o quarto item, finalmente, será dedicado às conclusões. Política pública em ciclos e a fase de implementação A preocupação com o estudo da política nos séculos XIX e XX e o próprio ambiente cientificista da época conduziram a uma tentativa de racionalização das análises das políticas públicas e à sua divisão em fases2 (BAPTISTA e REZENDE, 2016), que são ora interconectadas ora bem distintas a depender das visões daqueles que se dedicaram ao estudo do tema. A política pública passou a ser vista como processo, o que se afigura uma vantagem para a cognição, pois “facilita o entendimento de um processo multidimensional por meio da desagregação da complexidade do processo em um número indeterminado de estágios e subestágios” (HOWLETT, 2013, p. 16). Contudo, ao mesmo tempo traz a desvantagem de conduzir ao risco de que os policy-makers passem a resolver os problemas públicos de um modo sistemático e mais ou menos linear ou de “pressupor que o desenvolvimento dessa política tem que seguir inevitavelmente um estágio após o outro” (HOWLETT, 2013, p. 16-17). Nessa linha de análise por meio da decomposição ou da ampliação da política pública em ciclo ou fases, Tatiana Baptista e Mônica Rezende elaboraram um quadro-resumo bastante claro com algumas das principais propostas da literatura sobre o tema. Face ao poder de síntese que ele expressa, justifica-se a sua utilização neste texto (BAPTISTA e REZENDE, 2016): 1O termo qualidade aqui empregado é oriundo da ciência da administração e significa maximização de resultados por meio de estratégias de gestão. 238 Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153... (p. 235-262) PEREIRA, A. M. G. Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153 do Novo Código de Processo Civil na 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó - RN. Revista de Direito Setorial e Regulatório, Brasília, v. 4, n. 1, p. 235-262, maio 2018. Estudos Fases definidas HA Simon – Administrative Behaviour, 1947 Inteligência, Desenho, Escolha. HD Lasswell – The Policy Orientation, 1951 Informação, Promoção, Prescrição, Invocação, Aplicação, Término e Avaliação. R Mack – Planning and Uncertainty, 1971 Reconhecimento do problema, Formulação de alternativas, Decisão, Efetivação, Correção/Ajuste. R Rose – Comparing public policy, 1973 Reconhecimento público das necessidades existentes, Como os temas são colocados na agenda, Como as demandas avançam, Como o governo se envolve no processo decisório, Recursos e constrangimentos, Decisões políticas, O que determina as escolhas de governo, A escolha no contexto, Implementação, Resultados, Avaliação da política e Feedback. G Brewer – The policy sciences emerge, 1974 Invenção, Estimativa, Seleção, Implementação, Avaliação e Término. W Jenkins – Policy Analysis: a political and organizational perspective, 1978 Iniciação, Informação, Consideração, Decisão, Implementação, Avaliação e Término. BW Hogwood and LA Gunn – Policy analysis for the Real World, 1984 Definição de temas, Filtro de temas, Definição de temas, Prognóstico, Definição de objetivos e prioridades, Análise de opções, Implementação da política, monitoramento e controle, Avaliação e revisão, Manutenção da política, Sucessão e Término. Howlett e Ramesh, Studying Public Policy, 1993 Montagem da agenda, formulação da política, tomada de decisão, implementação e avaliação. Tabela 1: As fases do processo decisório em diferentes estudos sobre análise de política. Fonte: BAPTISTA e REZENDE, 2016. A análise das propostas de classificação acima permite verificar que a fase de implementação surge em todas elas. Embora já se tenha anotado que as fases do ciclo da política pública não podem ser visualizadas de forma estanque, isolada e sem comunicação, não se pode por outro lado desconhecer, especialmente para os que se dedicam à gestão pública, a importância crucial dessa fase. Ela pode, muitas vezes, definir o próprio sucesso ou insucesso de uma política que pode ter sido muito bem planejada nas fases anteriores. A relação das outras fases do ciclo com a da implementação, a abertura ou não para o aprendizado, a utilização de um sistema de comando e controle dominante ou um de cooperação com os administradores e burocracias responsáveis no fim da linha para concretização da política pública são Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153... (p. 235-262) 239 PEREIRA, A. M. G. Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153 do Novo Código de Processo Civil na 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó - RN. Revista de Direito Setorial e Regulatório, Brasília, v. 4, n. 1, p. 235-262, maio 2018. aspectos que demonstram a relevância dos estudos sobre esta fase. Esta relevância tem sido apontada pela literatura: “Dada a complexidade de elementos que convergem na fase de implementação, esta é vista pelos analistas da política como um momento crucial no ciclo da política, que traz importantes contribuições para a análise de políticas. E é no aprofundamento desta fase que alguns estudos começam a indicar a necessidade de se buscar entender o processo político de forma mais dinâmica e interativa.” (BAPTISTA e REZENDE, 2016). De um modo mais que sintético, pode-se pontuar que as ideias sobre a fases da implementação se situam entre as abordagens denominadas de top- down e bottom-up. Como bem explicitam Luciana Leite Lima e Luciano D’Ascenzi: “Encontramos duas abordagens hegemônicas na literatura sobre implementação de políticas públicas. Uma delas toma como foco de análise o processo de formulação da política pública, e as variáveis destacadas são referentes às normas que a estruturam. A segunda abordagem enfatiza elementos dos contextos de ação nos quais a política será implementada. Toma como variáveis as condições dos espaços locais e as burocracias implementadoras.” (LIMA e D’ASCENZI, 2013, p. 101-102). Na primeira perspectiva pressupõe-se que, uma vez criada a política, “conformar-se-ia um processo técnico de implementação” (LIMA e D’ASCENZI, 2013, p. 103), restando clara a separação entre a decisão e sua operacionalização “com arenas e atores distintos”, sendo essa perspectiva denominada top-down ou desenho prospectivo (LIMA e D’ASCENZI, 2013, p. 101-102). Na segunda perspectiva, pelo menos dois pressupostos da primeira são questionados. Com efeito: “O segundo modelo analítico questiona dois supostos: o da influência decisiva dos formuladores sobre o processo de implementação e o de que as diretrizes explícitas, a determinação precisa de responsabilidades administrativas e a definição exata de resultados aumentam a probabilidade de as políticas serem implementadas com êxito (ELMORE, 1996). Ele enfatiza que a discricionariedade dos implementadores é inevitável e pode ser desejável, já que esses atores detêm conhecimento das situações locais e podem adaptar o plano a elas (O’BRIEN & LI, 1999). Tais ajustes podem ser possíveis fontes de inovação, dependente, no entanto, das capacidades do Estado. Essa abordagem é comumente denominada bottom-up ou desenho retrospectivo (ELMORE, 1996).” (LIMA e D’ASCENZI, 2013, p. 101-102). 240 Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153... (p. 235-262) PEREIRA, A. M. G. Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153 do Novo Código de Processo Civil na 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó - RN. Revista de Direito Setorial e Regulatório, Brasília, v. 4, n. 1, p. 235-262, maio 2018. É evidente que nos dois grandes grupos de classificação das ideias na área há variações e até mesmo propostas alternativas que buscam incorporar outros aspectos à análise da fase de implementação da política pública. Foge aos objetivos deste trabalho aprofundar essa análise, pois se considera que esses grandes grupos já fornecem o referencial teórico necessário para o estudo proposto. Política pública, Poder Judiciário e art. 153 do NCPC Howlett, Ramesh e Perl já indagaram, ao problematizar a ideia de ciclo na política pública, se esse modelo seria aplicável a todos os tipos de atividade governamental do Legislativo ao Judiciário (HOWLETT, 2013, p. 17). Neste texto, adota-se a linha de que as funções do Judiciário em si encerram políticas públicas específicas que devem colaborar para a resolução institucionalizada de determinados conflitos de interesses, como também para equilíbrio institucional do Estado brasileiro. Afigura-se razoável que, diante desses objetivos gerais, sejam formuladas diversas políticas públicas tanto pelos órgãos encarregados do autogoverno do Poder Judiciário como pelo Poder Legislativo, pelo Poder Executivo e até mesmo por inflexões de organismos nacionais e internacionais, a exigir condutas que vão desde o aprimoramento na proteção aos direitos humanos até a denominada “segurança jurídica” para atrair investimentos, sobretudo por meio de capital estrangeiro. No presente estudo, decidimos analisar uma das políticas públicas aplicadas pelo Judiciário e realçadas no NCPC, contida no art. 153 do NCPC. Em artigo, ainda não publicado, examinou-se a interpretação da norma, e se concluiu possuir a natureza de regra que densifica diversos princípios, notadamente o republicano, o da impessoalidade e a isonomia. Nesse texto, defende-se a possibilidade de que cada unidade judicial adote um modelo de gestão, desde que seja público e atenda aos princípios citados. O debate em tal trabalho acadêmico era mais problemático porque a norma aparentemente criava uma ordem inflexível de cumprimento, o que restou devidamente afastado por uma alteração no NCPC ainda no período de vacatio legis. Por oportuno, transcreve-se o texto da norma: Art. 153. O escrivão ou o chefe de secretaria atenderá, preferencialmente, à ordem cronológica de recebimento para publicação e efetivação dos pronunciamentos judiciais. (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016) (Vigência) § 1º A lista de processos recebidos deverá ser disponibilizada, de forma permanente, para consulta pública. § 2º Estão excluídos da regra do caput: Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153... (p. 235-262) 241 PEREIRA, A. M. G. Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153 do Novo Código de Processo Civil na 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó - RN. Revista de Direito Setorial e Regulatório, Brasília, v. 4, n. 1, p. 235-262, maio 2018. I - os atos urgentes, assim reconhecidos pelo juiz no pronunciamento judicial a ser efetivado; II - as preferências legais. § 3º Após elaboração de lista própria, respeitar-se-ão a ordem cronológica de recebimento entre os atos urgentes e as preferências legais. § 4º A parte que se considerar preterida na ordem cronológica poderá reclamar, nos próprios autos, ao juiz do processo, que requisitará informações ao servidor, a serem prestadas no prazo de 2 (dois) dias. § 5º Constatada a preterição, o juiz determinará o imediato cumprimento do ato e a instauração de processo administrativo disciplinar contra o servidor. (BRASIL, 2015) Este texto, juntamente com o do art.12, gerou de início reações duras da doutrina. Podem-se citar pelo menos dois posicionamentos críticos à norma, embora fundados em argumentos bem diversos. Fernando Gajardoni, em artigo veiculado pela internet intitulado “O novo CPC e o fim da gestão na justiça”, trouxe críticas expressas tanto ao art. 12 como ao art. 153 do NCPC, embora de forma contemporizada: “Os dispositivos, em primeira análise, mostram-se razoáveis. Realmente, a cronologia no julgamento, no cumprimento dos processos e na publicação das decisões judiciais, ao menos em princípio, aparenta ser imperativo de igualdade, já que distribui as agruras da espera pela tutela jurisdicional entre todos (art. 5º, caput, da CF). Além disso, a regra impede, também, que o julgamento, o cumprimento e a publicação das decisões no processo sigam ordem distinta, considerando as partes envolvidas (e sua eventual capacidade econômica ou política), ou mesmo a “influência” ou o “prestígio” dos advogados atuantes. Por fim, tem-se que a previsão da cronologia obstará que magistrados e secretarias venham a preterir os processos mais complexos em favor dos processos mais simples, de fácil julgamento/cumprimento, uniformizando, assim, o tempo da Justiça.” (GAJARDONI, 2014). Apesar dessa primeira visão, o autor tece críticas fortes aos artigos do NCPC, fundamentando que eles não só impedirão a gestão das unidades judiciais pelos juízes, pelos servidores e pelo próprio Conselho Nacional de Justiça, como também impedirão a gestão adequada dos processos individualmente considerados. Com efeito: “Praticamente todos que se arriscam a pensar o sistema de Justiça no Brasil afirmam que o nosso problema não é de legislação processual (ao menos não é o principal deles). A Justiça brasileira precisa, muito antes do que qualquer Novo Código de Processo Civil, investir em gestão. 242 Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153... (p. 235-262) PEREIRA, A. M. G. Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153 do Novo Código de Processo Civil na 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó - RN. Revista de Direito Setorial e Regulatório, Brasília, v. 4, n. 1, p. 235-262, maio 2018. Pois em todo o mundo se trabalha, atualmente, com a ideia de gerenciamento de unidades judiciais (court management) e de processos (case management), isto é, com a aplicação, no âmbito do Poder Judiciário, de conhecimentos e técnicas de gestão hauridos da Economia e da Administração (definição de prioridades, racionalização do uso dos recursos econômicos e humanos disponíveis, separação de problemas afins para tratamento em bloco, realocação racional dos espaços físicos, investigação do potencial de cada célula dentro das unidades judicias, etc.). Através da gestão judicial busca-se emprestar à prática cartorial e dos gabinetes judiciais (court management), e também à própria condução individualizada do processo pelo magistrado (case management), um grau de racionalidade e organização próprias da iniciativa privada, com a produtividade e eficiência que lhes é peculiar. O Novo Código de Processo Civil, contudo – na contramão desta tendência mundial -, dificulta sobremaneira a aplicação da gestão na Justiça brasileira, vedando que magistrados e servidores possam, com a liberdade necessária, gerenciar as unidades judiciais em que atuam. (...) O que, entretanto, aparenta ser um avanço, causará infindáveis problemas práticos, havendo real risco de a novidade prejudicar profundamente a prestação do serviço público jurisdicional no país. Considerando que mais de 50% das unidades judiciais no Brasil têm competência cumulativa – verdadeiras clínicas gerais que cuidam de processos cíveis, criminais, de família, empresariais, fiscais, etc. – , não se acredita que o estabelecimento da cronologia, como única rotina de trabalho, seja algo razoável ou minimamente eficiente. (...) Ninguém é contra a cronologia para julgamento e cumprimento de processos. Pelo contrário. Ela é desejável, pois espelha igualdade de tratamento pelo Estado. Porém, ela deve ser aplicada juntamente com outras técnicas de gestão, avaliadas casuisticamente conforme características da unidade judicial e do próprio caso concreto. Definir legal e abstratamente, com base simplesmente na cronologia, a forma de julgamento, cumprimento/publicação de atos processuais, não parece consentânea com a promessa de um processo civil constitucional, justo e célere, premissas principais do Novo CPC (arts. 1º e 4º). O sistema deveria se preocupar em punir os poucos magistrados e servidores que cedem a influências escusas para definir suas pautas de trabalho. Não, na ânsia de impedir iniquidades, engessar inovações na gestão da Justiça.” (GAJARDONI, 2014). Como se verifica, o que se extrai da argumentação de Fernando Gajardoni é que a temática relativa à ordem cronológica de conclusão para julgamento e para cumprimento não deveria ter sido tratada pelo CPC. Evidentemente que essa crítica foi abrandada com o advérbio “preferencialmente” que foi adicionado ao texto da norma quando da vacatio legis. Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153... (p. 235-262) 243 PEREIRA, A. M. G. Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153 do Novo Código de Processo Civil na 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó - RN. Revista de Direito Setorial e Regulatório, Brasília, v. 4, n. 1, p. 235-262, maio 2018. Lúcio Delfino publicou artigo no sítio do CONJUR – (Consultor Jurídico) intitulado: “Art. 153 do novo CPC vai contra o advogado diligente”. Teceu críticas ao artigo do NCPC, o qual, segundo o autor, prejudicaria o bom e diligente profissional da advocacia. Em suas palavras: “Nem de longe se nega as boas intenções do legislador. A questão, contudo, é que não se percebeu a gravidade das implicações que o dispositivo aludido, de duvidosa constitucionalidade, poderá acarretar no dia a dia do foro. Basta pensar que uma das atividades mais comuns e de longa data integrada à nossa tradição, praticada pelos advogados em diligência, preocupados com os interesses dos seus constituintes, é cobrar a atuação dos servidores responsáveis pelo cumprimento de atos processuais, como (...) Não é à toa que, no meio forense, o advogado já tenha sido apelidado, com uma ponta de sarcasmo, de pedinte qualificado, tamanhas são as atribuições que exigem sua atenção contínua, às vezes, a bem da verdade, incômodo para os servidores que com ele lidam no cotidiano. Ninguém nega que o mundo seja imperfeito. Ele o é, em abundância, o que de fato também se aplica à realidade forense, onde a lida diária, a envolver, no final das contas, contato entre pessoas, muitas vezes exige a atuação mais próxima do profissional da advocacia — atuação essa que, não obstante invisível nas laudas dos autos, é assaz positiva exatamente por acelerar o trâmite e o fecho da atividade jurisdicional. O art. 153 representa, nessa ótica, uma ação avessa ao advogado diligente, quem, com o seu trabalho zeloso e atento, coopera e faz com que a marcha processual permaneça viva, isto é, aquele profissional que, ao perceber que um processo sob seu patrocínio encontra-se na vala comum das escrivanias, sujeito à inércia indefinida, usa do corpo a corpo para garantir que a prestação jurisdicional dê-se em tempo satisfatório. Há, ainda, incompatibilidade entre o art. 153 e a própria principiologia que confere alicerce ao CPC Projetado. É suficiente afirmar que ali, em seu corpo normativo, fazendo eco à Constituição Federal, lê-se um artigo estabelecendo que as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do processo, incluída naturalmente a atividade satisfativa (art. 4º) (...). Como já se disse, o art. 153 desdenha o papel do próprio advogado e a sua condição de agente indispensável à administração da justiça (CF/88, art. 133), mina a sua liberdade de performance em prol de um arranjo matematizado que relega ao nada a inteligência dos escrivães e chefes de secretaria em controlar e administrar o próprio meio em que exercem seu ofício. Com isso não é difícil perceber que se impedirá o advogado de quebrar a burocracia interna dos cartórios judiciais e, por meio de sua peleja habitual, provocar e conservar a marcha processual dos feitos que patrocina. Enfim, o dispositivo em comento tem plenas condições de anular um fenômeno que, observado de ponto privilegiado, é assaz benéfico: afinal, são milhares de advogados que obraram como pedintes qualificados, cujos 244 Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153... (p. 235-262) PEREIRA, A. M. G. Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153 do Novo Código de Processo Civil na 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó - RN. Revista de Direito Setorial e Regulatório, Brasília, v. 4, n. 1, p. 235-262, maio 2018. esforços reunidos alavancam uma força invisível empenhada, com perfeição, à garantia de duração razoável do processo. E mais que isso, e não menos grave: o art. 153 privilegia o litigante que não tem interesse em uma justiça ágil, além de sustentar uma possível comodidade que, vez ou outra, distingue a atuação de alguns servidores: a partir de agora, afora os casos nos quais a intimação se der automaticamente por meio da retirada dos autos em carga, sempre que cobrados pelos advogados operantes nos autos, terão os escrivães (ou chefes de secretaria), por dever funcional, que se apegarem ao inexorável respeito à ordem contida em lista. Dirão, com voz segura: “Veja a lista, doutor! Seu processo ainda está lá atrás, e, como o senhor bem sabe, é nosso dever aguardar o momento certo para atender ao que foi determinado pelo juiz. Não é má vontade minha. Está na lei, e não fui eu quem a criei! E não alimente esperanças de rapidez, pois vai demorar um pouquinho para o seu cliente ser atendido; olhe como está a nossa secretaria: abarrotada, sem espaço sequer para andarmos; estamos praticamente pisando sobre processos ...” É o Estado, uma vez mais, interferindo aonde não deveria, enfiando seu longo e pontudo nariz em esfera na qual a liberdade de atuação daqueles que funcionam no processo, onde operam e sempre operaram os advogados, é de longe a melhor opção. Corre-se, por isso, o risco real de o novo CPC arruinar esse ganho em rendimento, cuja conquista se deve também ao advogado diligente, atento ao trâmite dos seus processos e preocupado em cumprir, da forma mais expedita possível, seu mandato e atender aos interesses daquele que o contratou.” (DELFINO, 2014). Como se constata, sem maiores dificuldades, Lúcio Delfino partilha da conclusão de Fernando Gajardoni de que o NCPC não deveria ter trazido uma ordem objetiva para cumprimento dos processos. Contudo, os fundamentos centrais são bem diversos. Lúcio Delfino defende não ser adequado que os processos em que os constituintes têm um “advogado diligente” recebam a mesma tramitação de um outro que por um motivo ou por outro não apresentam o mesmo interesse junto às secretarias das unidades judiciais. Outros autores simplesmente elogiaram a regra sem quase nenhuma reflexão sobre a sua aplicação em aspectos gerenciais das unidades judiciais (DIDIER JR, 2015, p. 21; DIERLE et al, 2015, p. 168; NEVES, 2015, p. 23). Uma minoria até admitiu alguma flexibilidade na regra de julgamento, mas nada discorreu sobre a ordem de cumprimento dos processos (ARENHART et al, 2015, p. 111; MEDINA, 2015). A inserção de uma regra ordenadora no NCPC sobre cumprimento de atos judiciais, e, consequentemente, sobre organização e gestão de secretarias judiciais tem o mérito inegável de possibilitar, ampliar e trazer claramente para o nível discurso diversas questões e conflitos nem sempre transparentes ou debatidos com objetividade. Mais do que prejudicar as unidades judiciais que adotavam algum modelo de gestão ou as ações do CNJ, a regra chamou a Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153... (p. 235-262) 245 PEREIRA, A. M. G. Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153 do Novo Código de Processo Civil na 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó - RN. Revista de Direito Setorial e Regulatório, Brasília, v. 4, n. 1, p. 235-262, maio 2018. atenção para as unidades que não têm modelo algum e trabalham reativamente, o que possibilita a violação, ainda que não intencional, de diversos princípios constitucionais. A regra também fez destacar diversas condutas pouco ortodoxas de profissionais do direito, os quais por um motivo ou por outro, utilizam-se de diversos expedientes para que os processos em que atuam tenham nas secretarias judiciais uma tramitação diferenciada. Como já demonstrado ao longo do artigo, houve quem trouxesse para o debate público a argumentação de que a regra prejudicaria o advogado diligente (DELFINO, 2014). É compreensível que o advogado busque o andamento dos processos que patrocina. O que se apresenta como pretensão abusiva (CARVALHO NETTO e SCOTTI, 2012, p. 141 e ss.) é defender o modelo de relações pessoais, de preferências, de pressões, e de “pedinte qualificado” como aquele que deve ser mantido e perseguido. Esse modo de ver as coisas, de autocompreensão da atividade profissional, expressa as dificuldades de se aplicarem normas transparentes e objetivas a um caldo cultural no qual ainda existem valores semi-tradicionais (DAMATTA, 2002), operando no sistema. Exemplo interessante são os expedientes de ouvidorias juntos aos tribunais e o andamento de representações por suposta demora na prestação jurisdicional, ainda que a unidade judicial tenha um modelo de gestão e uma boa produção, como meio de pressionar as secretarias a conferirem tratamento mais atencioso a determinando escritório de advocacia. É preciso superar os dilemas (DAMATTA, 2002) em favor dos princípios constitucionais. Como já exposto, a ideia de se criar uma ordem de cumprimento para os pronunciamentos judiciais executado pelas secretarias e cartórios das unidades judiciais é inovação, pois não existia no sistema do Código de Processo Civil de 1973. Não há sequer qualquer indicação que possa sugerir alguma ordenação, pois, nos mais das vezes, as leis processuais se preocuparam em descrever procedimentos, prazos e até mesmo prioridades, mas nunca em estabelecer ordens para cumprimento. Essa circunstância de omissão legal não significa, no entanto, afirmar que inexiste qualquer ordenação nas unidades judiciais brasileiras. Pelo contrário, em diversos âmbitos do Judiciário, foram criados métodos e técnicas de organização de secretarias, pautados pela divisão de trabalho e, em alguns, com indicadores de desempenho e análise permanente de dados estatísticos3. 3De há muito são produzidas estatísticas setorialmente nos diversos ramos do Poder Judiciário Nacional. O que houve mais recentemente foi aperfeiçoamento e um esforço de padronização pelo Conselho Nacional de Justiça, que entre outras medidas criou uma numeração única de processos e uma tabela unificada de procedimentos e assuntos, obrigando todas as unidades a elaborarem estatísticas e as remeterem 246 Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153... (p. 235-262) PEREIRA, A. M. G. Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153 do Novo Código de Processo Civil na 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó - RN. Revista de Direito Setorial e Regulatório, Brasília, v. 4, n. 1, p. 235-262, maio 2018. O Conselho Nacional de Justiça, criado pela Emenda Constitucional nº 45, passou a ter intensa preocupação com a gestão do Judiciário como um todo, não só nas atividades-meio, mas também nas atividades-fim, como se extrai dos exemplos das metas anuais estabelecidas para todos os órgãos judiciais no Brasil. A forma de construção das metas se revelou no início pouco democrática e pouco participativa. O CNJ se reunia com as cúpulas dos tribunais com margem reduzida de interação. O primeiro grau era inteiramente esquecido. Isso explica alguns dos números muito limitados quando se foi constatar o cumprimento ou não das metas do CNJ. Recentemente, as metas passaram a ser fixadas no ano anterior e, mais recentemente ainda, o CNJ passou a fazer reuniões regionais para se tentar democratizar e enriquecer a construção das metas. Esses percalços são compreensíveis pela própria “idade” do CNJ que ainda está definindo a sua identidade e os métodos de trabalho. Em verdade, a horizontalidade interna na definição de prioridades é algo que ainda precisa ser construído nos diversos órgãos de autogoverno do Poder Judiciário. Reuniões com todos os magistrados, formação de grupos de trabalho com todos eles para se discutir as metas, os meios de cumprimento, as prioridades devem ser uma prática institucionalizada no âmbito de cada tribunal. Recentemente, foi criada uma Comissão de Valorização do Primeiro Grau, o que é um passo significativo, embora insuficiente.4 Como se observa a partir das metas de 2009 e das fixadas nos anos subsequentes, sempre houve uma preocupação com a razoável duração do processo. O Conselho Nacional de Justiça sempre elegeu como critério o tempo de tramitação do processo. Diferentemente do critério do recebimento estabelecido no artigo 153 ou da ordem de conclusão para a prática de ato processual, o CNJ utilizou o fator cronológico, tendo como referência a data de ajuizamento da ação. Utilizando-se até mesmo do senso comum, é possível aferir que o cidadão que busca o Poder Judiciário não deseja saber se o seu mensalmente para o Conselho Nacional de Justiça por meio eletrônico, sem prejuízo das informações já prestadas aos tribunais locais. Todos esses fatores possibilitaram a edição anual do Relatório Justiça em Números que constitui importante instrumento de gestão e planejamento para o Poder Judiciário. 4A criação da referida comissão foi resultado de um processo mais amplo, cuja implementação não ocorreu. Tal processo pretendia distribuir a força de trabalho e os recursos equitativamente entre o primeiro e segundo grau. Foi constatado que mais de 90% dos processos no Brasil se encontram no primeiro grau, contudo, como o autogoverno é exercido com exclusividade pelos tribunais, as diferenças em recurso humanos e condições materiais de trabalho são absurdas em detrimento do primeiro grau de jurisdição. Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153... (p. 235-262) 247 PEREIRA, A. M. G. Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153 do Novo Código de Processo Civil na 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó - RN. Revista de Direito Setorial e Regulatório, Brasília, v. 4, n. 1, p. 235-262, maio 2018. processo foi recebido pela secretaria primeiro do gabinete ou quando foram os autos conclusos, mas sim quando ajuizou a demanda, ou, em outras palavras, há quanto tempo tramita o processo, e espera o cidadão a resolução do conflito de interesses. Pelo sistema da lei, um processo antigo que foi recebido depois de um recente na Secretaria tem que ser cumprido posteriormente. Diferentemente do que ocorre com o art. 12, não há no art. 153 qualquer exceção em relação a metas fixadas pelo Conselho Nacional de Justiça ou pelo tribunal local, muito menos pelos juízes e suas equipes de servidores. Em verdade, pela intepretação desse contexto haveria uma “pilha comum” de processos para cumprimento, outra para as prioridades legais e outra para os processos urgentes. Haveria, portanto, três ordens de cumprimento, destacando-se que os feitos que ingressariam na “fila” dos urgentes teriam que ser assim reconhecidos caso a caso pelo juiz. Para quem tem o mínimo conhecimento do funcionamento das secretarias e dos cartórios judiciários, não é difícil imaginar diversas consequências quanto à gestão imediatas. Vamos destacá-las separadamente. Diversos juízos de primeiro grau no Brasil, às vezes com algum apoio dos Tribunais, mas, muitas vezes, por iniciativa própria, desenvolveram modelos de gestão de secretaria ao longo de anos de reflexão, experimentação e verificação controlada de resultados. Para as finalidades deste artigo, citaremos três modelos de gestão existentes no Rio Grande do Norte e que foram objeto de publicação específica produzida por magistrada e servidores no âmbito Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte. No referido manual, são trazidos basicamente três modelos (CORDEIRO et al, 2013). O primeiro, conhecido por “Colmeia” distribui os processos entre os servidores com a criação de setores para cada servidor. A divisão de processo dá-se geralmente pelo algarismo final. Exemplo, servidor A fica responsável pelos feitos com terminação em 1 e 2 e assim sucessivamente de 0 a 9. É possível também a divisão dos setores por procedimento, a exemplo de setor de execução fiscal, de execução penal, de cumprimento de sentença, de tutela coletiva, de procedimento comum, ou de procedimentos especiais, por exemplo. Isso dependerá do número de servidores e de processo existentes. Esse modelo de distribuição de tarefas nas secretarias judiciais traz as seguintes vantagens: a) cria uma distribuição permanente das tarefas entre os servidores, eliminando a necessidade de distribuição diária das tarefas e processos a serem cumpridos; b) responsabiliza pessoalmente o servidor pelo feitos do seu setor; c) capacita o servidor para realizar diversas rotinas; d) estimula o compartilhamento das inovações criadas em cada setor e, ao mesmo tempo, incentiva a inovação, pois o servidor tem diante de si o desafio diário com os feitos do seu setor; e) se a divisão for pelo dígito (último algarismo) será 248 Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153... (p. 235-262) PEREIRA, A. M. G. Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153 do Novo Código de Processo Civil na 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó - RN. Revista de Direito Setorial e Regulatório, Brasília, v. 4, n. 1, p. 235-262, maio 2018. possível uma saudável comparação entre o desempenho dos setores, possibilitando ao Chefe de Secretaria auxiliar com orientações, compartilhamento de experiências e eventuais mutirões para superação de pontos de estrangulamento específicos; f) reabilita o Chefe de Secretaria à função de coordenação, planejamento e acompanhamento das tarefas, e não mais à de um mero executor com muitas vezes acontece. As desvantagens desse modelo são que, na prática, não há mais uma única secretaria, mas sim várias em cada setor. Em outras palavras, no modelo de Colmeia puro, por dígito, o processo permanece no mesmo setor da autuação até o arquivamento. Ou seja, todos os atos de cumprimento e ordinatórios devem ser praticados em cada setor. O Chefe de Secretaria ao invés de fiscalizar uma pilha de publicação ou de expedição de mandado terá que fiscalizar quatro, cinco ou seis, dependendo do número de colmeias. Outra dificuldade é a possibilidade de os setores terem ritmos diferentes de trabalho, o que pode ser corrigido, mediante a geração de relatório de processos paralisados a cada três meses por exemplo. Questão também que constitui desafio é a referente às férias e aos afastamentos de servidor responsável por um setor. É evidente que, ressalvada a hipótese de se ter um servidor “reserva”, o setor terá seu ritmo de trabalho diminuído porque geralmente o servidor que substitui alguém normalmente o faz acumulando as funções do seu setor originário. O segundo modelo trabalha com a ideia de gestão por competências, aplicando-se a divisão de trabalho por processo ou subprocesso de trabalho. Em uma determinada unidade judicial um servidor ficaria com a atribuição de expedir mandados de citação e de intimação; outro, de cartas precatórias e de publicação, outro de juntada de documentos aos autos, outro, ainda, de autuação e de atos ordinatórios e assim por diante. Geralmente, há um rodízio semestral ou anual na distribuição dessas tarefas. Oferece a vantagem de: a) especializar o servidor nas rotinas; b) distribuir antecipadamente as tarefas; c) incentivar a inovação, ainda que restrita aos subprocessos específicos de responsabilidade do servidor; d) responsabilizar o servidor pessoalmente pelas tarefas que lhe foram atribuídas; e e) equaliza o tempo de cumprimento. As desvantagens desse modelo podem ocorrer, mais uma vez, no momento de férias e afastamentos do servidor; na perda de visão integral do processo; no ritmo diferente de tramitação, já que alguns feitos podem exigir apenas determinadas rotinas que são executadas de forma mais operacional pelo responsável pelo subprocesso; e no compartilhamento de experiências limitado ao momento do rodízio, uma vez que os servidores executam tarefas diferentes. O último modelo puro que citamos é o da chamada “pilha do dia”. Nele, o Chefe de Secretaria separa na noite anterior os processos para Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153... (p. 235-262) 249 PEREIRA, A. M. G. Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153 do Novo Código de Processo Civil na 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó - RN. Revista de Direito Setorial e Regulatório, Brasília, v. 4, n. 1, p. 235-262, maio 2018. cumprimento, vindos do gabinete do juiz ou decorrentes de atos ordinatórios para cumprimento por todos os servidores no dia seguinte. Embora seja uma forma de distribuição de tarefas focada em resultados, parece exigir uma relação adequada entre servidores e número de processos diários para serem cumpridos, e ainda a inexistência de estoque considerado um instante zero, ou seja, que não haja processos acumulados aguardando cumprimento. Nesse terceiro modelo, seria razoável esperar que, teoricamente, os servidores pudessem cumprir a pilha do dia e uma parte do estoque. Contudo, a realidade da maioria das unidades judiciais brasileiras é marcada por uma grande quantidade de processos e pela escassez de recurso humanos. Atente-se que tramitam no Judiciário brasileiro mais de 100 milhões de processos e esse quadro não pode ser esquecido. Por outro lado, as unidades judiciais que constituem uma exceção, ou seja, que contam com pequeno quantitativo de processos e bom número de servidores, podem implementar esse sistema. Contudo, mesmo nessas unidades, é necessário trabalhar com a indeterminação na demanda processual no curto e médio prazo que vem caracterizando a distribuição de casos novos no Judiciário. É evidente que os modelos rapidamente tratados não esgotam os modelos de gestão existentes em todo o Judiciário brasileiro, muito menos detalham as diversas “boas práticas” criadas nas diversas unidades judicias pelo país, muitas das quais suscetíveis de divulgação e aplicação com maiores ou menores adaptações nas demais unidades judiciais. Há unidades judiciais que combinam os diversos modelos, procurando obter o máximo de resultados com base na especificidade dos feitos que lá tramitam e na disponibilidade de recursos humanos e materiais. Em síntese, os modelos demonstram que o texto do art. 153 pretendeu transmitir um único modo de gestão, baseado na ordem de recebimento, impedindo qualquer divisão de trabalho fundada em tipos de procedimento, assunto, fase processual, pilha do dia ou outros. Além disso, o art. 153 não permite o conhecimento sobre aspetos relativos a recursos humanos, perfil da litigiosidade, condições socioeconômicas, ou história social em cada localidade de um país continental onde a unidade judicial se encontra inserida. O modelo que a interpretação gramatical e isolada do art. 153 traz impede ou limita por demais qualquer ação inovadora e o que é mais grave desmantela todas as experiências exitosas de gestão, pois praticamente todas elas pressupõem divisão racional de trabalho, algo é impedido pela regra5. 5Pude, na condição de observador participante, verificar resultados expressivos na 1 ª Vara Cível da Comarca de Caicó, no Estado Rio Grande do Norte. Trata -se de uma vara cível não especializada. No ano anterior à aplicação das ferramentas de gestão, foram produzidas 700 sentenças. Após a aplicação das medidas, chegou -se a produzir 250 Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153... (p. 235-262) PEREIRA, A. M. G. Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153 do Novo Código de Processo Civil na 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó - RN. Revista de Direito Setorial e Regulatório, Brasília, v. 4, n. 1, p. 235-262, maio 2018. Mesmo na hipótese de servidor único para desempenhar todas as atividades processuais, ele não se poderia distribuir racionalmente entre as suas tarefas, pois não poderia escolher um dia, por exemplo, para expedição alvarás, outro para certificação de prazo e assim por diante, uma vez que os processos estariam em uma única pilha para diferentes rotinas de cumprimento, muitas vezes em varas de competência ampla. Não é necessário esforço para imaginar o caos que a produção de uma regra inflexível a partir da interpretação do texto legal pode trazer. O que chama a atenção é que o texto da lei – NCPC - foi aprovado nesses termos em um momento em que cresce na administração pública como um todo e no Poder Judiciário em particular um discurso de gestão, de pesquisa de dados, de levantamento de estatísticas, de planejamento estratégico, de boas práticas e de inovação (ABRUCIO, 2007, p. 67-68; MARANHÃO e MACIEIRA, 2010, p. 34; ANDRADE, 2011; CORDEIRO et al, 2013). Com a introdução do advérbio preferencialmente no texto da norma, restou às unidades judiciais o espaço para implementação criativa da regra de cumprimento. Estudo de Caso: a 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó no Rio Grande do Norte A unidade judicial analisada se constitui em uma das quatro unidades judiciais da comarca de Caicó no Estado do Rio Grande do Norte. As outras varas são de competência criminal, de família e infância e juventude e juizado especial. A 1ª Vara Cível, portanto, recebe todos os processos cíveis com exceção das matérias de família e infância e juventude. Na condição de observador participante, o autor do presente artigo passou a integrar a equipe desta unidade judicial cível desde o dia 30 de março de 2010. A partir dessa data, sempre atentando para uma série de medidas de três mil sentenças em um único ano. A arrecadação de custas aumentou em mais de 300%. Com a criação de setor específico de execução, de dezenas alvarás para recebimento de valores, passou-se à casa próxima de mil por ano, com milhões de reais sendo pagos. No período de cinco anos, mais de 11 mil processos foram arquivados definitivamente. Todos esses resultados foram obtidos com horizontalidade na gestão mediante a construção de soluções mediante a divisão dos processos por procedimentos, assuntos, fases e dígitos, procurando-se retirar o melhor de cada modelo. Antes da aplicação das medidas de gestão, a direção de secretaria distribua diariamente as tarefas e todos estavam nas mesmas pilhas de cumprimento sem divisão ou racionalização das tarefas, como exige o texto do art. 153 do NCPC Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153... (p. 235-262) 251 PEREIRA, A. M. G. Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153 do Novo Código de Processo Civil na 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó - RN. Revista de Direito Setorial e Regulatório, Brasília, v. 4, n. 1, p. 235-262, maio 2018. gestão, inclusive a horizontalidade entre os setores internos de decisão e a implementação, foi possível obter os resultados abaixo em comparação com o ano imediatamente anterior. No período compreendido entre os meses de abril a dezembro do ano de 2010, ou seja, em menos de um ano, a unidade chegou a produzir 1.845 sentenças, 515 decisões interlocutórias e 3.214 despachos, gerando um rendimento de produtividade na proporção de, aproximadamente, 200% acima do período antecedente. Ainda como resultado expressivo da utilização de um plano estratégico adequado e de uma gestão horizontal, o índice de produtividade na vara continuou e continua obtendo, progressivamente, resultados satisfatórios. Com efeito, chegou-se a produzir, aproximadamente, 3.000 sentenças e 6.500 despachos em um único ano, conforme se infere da tabela e dos gráficos a seguir. Sentenças Decisões Interlocutórias Despachos Março/2009 a Março/2010 546 515 3.214 Ano 2010 – Abril a Dezembro 1.845 927 3.307 Ano 2011 – Janeiro a Dezembro 2.029 1.886 4.290 Ano 2012 – Janeiro a Dezembro 1.413 1.556 1.377 Ano 2013 – Janeiro a Dezembro 3.156 1.896 6.684 Ano 2014 – Janeiro a Dezembro 2.755 2.450 3.889 Ano 2015 – Janeiro a Dezembro 1.328 1.304 3.348 Ano 2016 – Janeiro a Agosto 669 746 3.345 Tabela 2 - Desempenho de Produtividade dos atos judiciais na 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó/RN. Fonte: Relatório Sintético da Movimentação Processual, abril/2010 a dezembro/2012; Sistema de Automação do Judiciário - SAJPG5, março/2009 a agosto/2016. 252 Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153... (p. 235-262) PEREIRA, A. M. G. Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153 do Novo Código de Processo Civil na 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó - RN. Revista de Direito Setorial e Regulatório, Brasília, v. 4, n. 1, p. 235-262, maio 2018. 0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500 4000 4500 5000 Mar/09 a Mar/10 Abr/10 a Dez/10 Jan/11 a Dez/11 Jan/12 a Dez/12 Sentença Decisão Despacho Figura 1 - Desempenho de Produtividade dos atos judiciais na 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó/RN. Fonte: Relatório Sintético da Movimentação Processual, abril/2010 a dezembro/2012; Sistema de Automação do Judiciário SAJPG5, março/2009 a dezembro/2012. Figura 2 - Desempenho de Produtividade dos atos judiciais na 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó/RN. Fonte: Sistema de Automação do Judiciário SAJPG5, janeiro/2013 a agosto/2016. É de se notar que, apesar da grande quantidade de processos cadastrados mensalmente, em média 131 (cento e trinta e um), o juízo consegue sentenciar em torno de 129% (cento e vinte e nove por cento), uma 0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 7000 8000 Jan/13 a Dez/13 Jan/14 a Dez/14 Jan/15 a Dez/15 Jan/16 a Ago/16 Sentença Decisão Despacho Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153... (p. 235-262) 253 PEREIRA, A. M. G. Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153 do Novo Código de Processo Civil na 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó - RN. Revista de Direito Setorial e Regulatório, Brasília, v. 4, n. 1, p. 235-262, maio 2018. vez que são proferidas aproximadamente 169 (cento e sessenta e nove) sentenças ao mês6. Ademais, a utilização de um plano estratégico eficiente, exercido por servidores que são autores também desse mesmo plano, possibilitou que, no período de cinco anos, mais de 11.000 processos fossem arquivados definitivamente, otimizando, com isso, a arrecadação das custas processuais. Sobre esse último aspecto, é válido pontuar que o índice da arrecadação das custas aumentou em mais de 300%. No ano de 2014 o valor da arrecadação das custas processuais correspondeu a R$ 272.793,58 (duzentos e setenta e dois mil, setecentos e noventa e três reais e cinquenta e oito centavos), permanecendo no ano de 2015 em um patamar equivalente de arrecadação no montante de R$ 254.006,05 (duzentos e cinquenta e quatro mil e seis reais e cinco centavos), sendo a 1ª Vara Cível a unidade judiciária que mais arrecadou custas processuais no Estado do Rio Grande do Norte, conforme gráfico: Figura 3 - Arrecadação anual de custas pela 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó/RN. Fonte: Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte – Secretaria Orçamento e Finanças – FDJ, janeiro/2009 a dezembro/2015. Desde de abril de 2010 houve um planejamento, a distribuição das tarefas, por meio do sistema de colmeias por dígito, setor específico para os processos que versam sobre direitos metaindividuais e outro para os de execução. Procurou-se, assim, evitar agir reativamente com o propósito de 6Informações extraídas do Relatório Sintético de Movimentação Processual das Atividades no período de abril/2010 a agosto/2016, constantes no Sistema de Automação do Judiciário SAJPG5. R$0,00 R$50.000,00 R$100.000,00 R$150.000,00 R$200.000,00 R$250.000,00 R$300.000,00 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 Custas 254 Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153... (p. 235-262) PEREIRA, A. M. G. Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153 do Novo Código de Processo Civil na 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó - RN. Revista de Direito Setorial e Regulatório, Brasília, v. 4, n. 1, p. 235-262, maio 2018. garantir-se impessoalidade e igualdade. Não obstante, a novidade legislativa do art. 153 do NCPC trouxe um enorme desafio para a equipe dos servidores da unidade judicial, mediante a imposição de maior transparência por meio de divulgação do modelo de gestão, da publicação de listas com a ordem cronológica de recebimento e os critérios de cumprimento. Em outras palavras, como dar cumprimento à regra, compatibilizando-a com os modelos de gestão que vinha sendo utilizado com sucesso nos últimos anos? De início, é necessário frisar que os órgãos diretivos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte não promoveram qualquer reunião de trabalho, curso ou orientação para aplicação do art. 153 do CPC. Muito menos foi criada qualquer ferramenta de informática para geração das listas de cumprimento ou de julgamento. Partindo-se da premissa de ser imprescindível a cooperação dos burocratas (servidores públicos) no final da linha de implementação da política, foi formulado um plano de implementação da norma que seguiu diversas etapas. Considerando-se que o NCPC entraria em vigor no dia 18 de março de 2016, no dia 18 de novembro de 2015 foi editada pelo juízo a Portaria nº 7, que criou a comissão de elaboração e de revisão de portaria referente à organização e à gestão do fluxo dos processos e rotinas de trabalho. Até 1º de dezembro de 2015, a referida comissão deveria concluir seus trabalhos e oferecer minuta de portaria, acompanhada de exposição de motivos, observando os princípios e as regras referidos nos consideranda, as estratégias de gestão já utilizadas com sucesso na 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó e o ambiente sociojurídico em que a norma iria incidir. Cinco servidores, ou seja, 50% do total de servidores compuseram essa comissão. No mesmo dia, por meio da Portaria nº 8, os outros cinco servidores compuseram a comissão de revisão de minuta de portaria referente à organização e à gestão do fluxo dos processos e rotinas de trabalho. A comissão tinha por objetivo analisar a questão, propor sugestões e elaborar parecer sobre a minuta de portaria, remetendo exposição de motivos e observando os princípios e regras referidos nos consideranda, as estratégias de gestão já utilizadas com sucesso na 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó e o ambiente sociojurídico em que a norma irá incidir. Em ambas as portarias, foi concedida autorização para que os servidores pudessem se ausentar do trabalho uma hora por dia durante uma semana para estudos adicionais e instrumentais ao cumprimento da portaria. Os trabalhos seriam elaborados no ambiente do trabalho. No dia 15 de dezembro de 2015, a primeira comissão entregou a minuta da portaria, destacando, conforme ata de reunião: Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153... (p. 235-262) 255 PEREIRA, A. M. G. Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153 do Novo Código de Processo Civil na 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó - RN. Revista de Direito Setorial e Regulatório, Brasília, v. 4, n. 1, p. 235-262, maio 2018. “a opção por manter o Sistema de Distribuição Funcional de Atribuições (SDFA) e, ainda, ampliá-lo, tendo em vista que, já utilizado há pelo menos dois anos nesta Unidade Judiciária, pode-se observar o êxito do modelo que trouxe mais eficiência para o cumprimento das demandas e para a distribuição equânime das atividades entre os servidores. A comissão entendeu a necessidade de ampliação do modelo SDFJ e sugeriu a criação de seis Unidades Autônomas – UA (A, B, C, D, E, e CNJ) com a subdivisão da Unidade Execuções por procedimento. Sugeriu-se o nome de um servidor a cada uma das unidades. Sugeriu-se que para cada UA criada deveria conter pilhas obrigatórias, as quais foram nomeadas observando-se as especificidades de cada uma das Unidades. Entendeu-se pela necessidade de cada Unidade elaborar pilha própria para processos que contenham atos parelelos para cumprimento. Sugeriu-se que fosse autorizado ao chefe de secretaria a criar ordens de serviço ou outros documentos que contemplem a ordem de substituição nos casos de férias e licenças, ou outro motivo de caráter excepcional, entre as UAs de Cumprimento; a necessidade de haver rodízio ou não dentro de cada setor e / ou extra setor, se for o caso; e uma ordem de planejamento para cumprimento dos atos judiciais.” No dia 2 de fevereiro de 2016, a comissão revisora entregou as suas observações com propostas de alterações na minuta, resumindo na ata da reunião que: “de acordo com as discussões realizadas, foram feitas modificações na minuta, levando-se em consideração a opinião e as ideias de cada um dos servidores integrantes da comissão revisora. Ainda houve o questionamento pelos servidores se a feitura da referida portaria pelos serventuários desta vara não seria uma forma de legitimar os procedimentos a serem adotados nesta vara. Os servidores querem acreditar que o que será feito não irá prejudicar a vida profissional de cada um, e sim melhorar o trabalho, como proferido pelo Juiz em reunião anteriores. Ficou decidido que a redação da minuta revisora será enviada por e-mail para todos os integrantes da referida comissão para análise e aprovação. Uma vez aprovada, a minuta revisada será enviada via correio eletrônico ao MM. Juiz desta vara, ao respectivo Chefe de Secretaria, Hugley Douglas Dias e a representante da Comissão Elaborada, servidora Verônica Maria da Silva.” No dia 16 de março do mesmo ano, foi realizada uma reunião conjunta com as duas comissões, o Chefe de Secretaria e o Juiz de Direito Titular, e foi conferida à portaria a redação final, a qual foi publicada no Diário da Justiça Eletrônico no exato dia da entrada em vigor do NCPC, 18 de março de 2016. A referida portaria, que recebeu o número 1/2016, manteve e especificou mais detalhadamente os setores da unidade judicial. Em verdade, estabeleceram os seus artigos 2º e 3º: 256 Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153... (p. 235-262) PEREIRA, A. M. G. Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153 do Novo Código de Processo Civil na 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó - RN. Revista de Direito Setorial e Regulatório, Brasília, v. 4, n. 1, p. 235-262, maio 2018. Art. 2° - Distribuir as atividades do Juízo entre seus serventuários da seguinte forma: I – Unidades de Cumprimento Autônomas; II – Gestão de Qualidade. Art. 3° - Criar seis Unidades de Cumprimento Autônomas. I – Unidade Autônoma de Cumprimento A será responsável pelos processos com terminação no número 1, 2 e 3; II - Unidade Autônoma de Cumprimento B será responsável pelos processos com terminação 4, 5 e 6; III - Unidade Autônoma de Cumprimento C será responsável pelos processos com terminação 7, 8 e 9; IV - Unidade Autônoma de Cumprimento D será responsável pelos processos com terminação 0 e por todos os feitos de natureza coletiva; V- Unidade Autônoma de Cumprimento de METAS do CNJ será responsável pelo cumprimento dos processos definidos como prioridade pelo Conselho Nacional de Justiça; VI – Unidade Autônoma da Execução será responsável pelo cumprimento de todos os processos de execução, quais sejam: Execução contra as Fazendas Públicas, Cumprimento de Sentença, Execução de Título Extrajudicial e Execução Fiscal. § 1º – Fica determinada a devolução à Unidade respectiva dos processos incluídos nas Metas de julgamento do CNJ assim que forem sentenciados; § 2º - As Unidades de Cumprimento Autônomas serão distribuídas entre os servidores, respondendo, cada um deles, pela Unidade que lhe couber7. Nesse ponto, a portaria aprimorou a divisão de trabalho já estabelecida. Porém, a grande questão era explicitar qual seria a ordem de cumprimento, como seria aferida e principalmente, como seria controlada em consonância com as unidades de cumprimento previstas nos artigos 2º e 3º. A portaria pretendeu responder a essas questões no art. 7º, o qual estabeleceu as pilhas padronizadas de cada unidade da Secretaria e ainda estabeleceu no parágrafo primeiro que: “em cada pilha citada nos incisos e alíneas acima deverá a Secretaria obedecer à ordem de recebimento dos processos;” complementando 7Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte – Diário da Justiça Eletrônico. Secretaria Vara / 1ª Vara Cível / Fórum - Municipal "Amaro Cavalcanti" / Comarca - Caicó Edição disponibilizada em 18/03/2016 DJe Ano 10 - Edição 2013. Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153... (p. 235-262) 257 PEREIRA, A. M. G. Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153 do Novo Código de Processo Civil na 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó - RN. Revista de Direito Setorial e Regulatório, Brasília, v. 4, n. 1, p. 235-262, maio 2018. no parágrafo primeiro do art. 8º, que: “considerar-se-á, para efeito de ordem de cumprimento e de publicação, a data do recebimento;”. Contudo, mesmo com essas normas, do ponto de vista prático, apresentava-se problemático alimentar uma lista manualmente para cumprimento ou confiar exclusivamente na posição que os processos com autos físicos ocupassem nas prateleiras. Em razão desses aspectos, foi solicitado ao setor de informática que criasse localizações específicas e codificadas com a mesma expressão linguísticas das pilhas de cada unidade autônoma de cumprimento. Essas localizações permitiriam a elaboração e busca automática de listas pelo sistema informatizado e atualização permanente. A título de exemplo, é possível citar as localizações da Unidade “A”: “1188 A - Ag. Audiência 1189 A - Ag. Dev. de Mandados (ADM) 1190 A - Ag. Certidão de Publicação 1191 A - Ag. Dev. de AR e ADCP 1192 A - Ag. TEJ/Razões de Recursos de 01 a 15 1193 A - Ag. TEJ/Razões de Recursos de 16 a 31 1194 A - Cumprir 1195 A - Cumprir Urgente e Prioridade Legal 1196 A - Dec. Prazo de 01 a 10 1197 A - Dec. Prazo de 11 a 20 1198 A - Dec. Prazo de 21 a 31 1199 A - Expedientes Assinados 1200 A - Prioridade Saúde 1201 A - Publicar 1202 A - Publicar Urgente 1203 A - Passar Hermes 1205 A - Certificar 1206 A - Peças para juntar”.8 Com essas ações, a lista com a ordem de cumprimento vem sendo publicada uma vez por semana no Diário da Justiça Eletrônico e no quadro de avisos do átrio do Fórum. A título ilustrativo, seguem figuras de demonstrativos parciais das listas disponibilizadas no período compreendido de 16 de agosto de 2016 e 16 de setembro de 2016, referentes à conclusão ao gabinete e à secretaria, respectivamente: 8Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte – Diário da Justiça Eletrônico. Secretaria Vara / 1ª Vara Cível / Fórum - Municipal "Amaro Cavalcanti" / Comarca - Caicó Edição disponibilizada em 18/03/2016 DJe Ano 10 - Edição 2013. 258 Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153... (p. 235-262) PEREIRA, A. M. G. Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153 do Novo Código de Processo Civil na 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó - RN. Revista de Direito Setorial e Regulatório, Brasília, v. 4, n. 1, p. 235-262, maio 2018. Figura 4 - Lista de processos conclusos ao gabinete. Fonte: Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte – Diário da Justiça Eletrônico. Secretaria Vara / 1ª Vara Cível / Fórum - Municipal "Amaro Cavalcanti" / Comarca – Caicó. Edição disponibilizada em 16/08/2016 DJe Ano 10 - Edição 2013. Figura 5 - Lista de processos conclusos ao gabinete. Fonte: Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte – Diário da Justiça Eletrônico. Secretaria Vara / 1ª Vara Cível / Fórum - Municipal "Amaro Cavalcanti" / Comarca – Caicó. Edição disponibilizada em 16/09/2016 DJe Ano 10 - Edição 2013. Já foram realizadas duas reuniões de avaliação e aperfeiçoamento. Além da superação de velhos e maus hábitos e do prestígio a diversos princípios constitucionais, o que se observa é que a implementação política Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153... (p. 235-262) 259 PEREIRA, A. M. G. Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153 do Novo Código de Processo Civil na 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó - RN. Revista de Direito Setorial e Regulatório, Brasília, v. 4, n. 1, p. 235-262, maio 2018. pública trazida pelo Legislativo tem se mostrado possível e consentânea com o modelo de gestão utilizado na unidade judicial. Para tanto, foi fundamental a adesão dos servidores que paulatinamente perceberam que a ordem de cumprimento não implica afastar a utilização de ferramentas de gestão, as quais racionalizam e potencializam as ações da vara. Pelo contrário, as mudanças acarretam diálogo mais transparente com os jurisdicionados e proteção contra gestões indevidas e antirrepublicanas provenientes de quaisquer atores. Conclusão No presente artigo, buscou-se descrever a fase de implementação de uma política pública específica que teve como formulador o Poder Legislativo e como responsável pela implementação o Poder Judiciário. Trata-se de norma na forma de regra, mas que densifica diversos princípios constitucionais ao prever que a tramitação dos processos nas diversas unidades judiciais brasileiras, as quais recebem quase trinta milhões de processos novos por ano, deve obedecer a critérios transparentes, objetivos e republicanos. Apesar da veiculada por meio de normas constitucionais e legais, a implementação dessa política representou e representa um considerável desafio de gestão tanto em relação ao público interno como externo do Judiciário. Considerando esses aspectos, a implementação desenvolvida na 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó, no Estado do Rio Grande do Norte, buscou horizontalidade na formulação das ações, bem como a cooperação de todos os servidores e autoridades que estão no final da linha e que são os responsáveis em grande parte pela concretização das normas. Foram criadas comissões, realizadas reuniões, normatizadas estratégias e postas em práticas avaliações para aperfeiçoamento contínuo das rotinas implementadas. Claramente houve uma adesão à política formulada pelo Legislativo, mas com respeito ao espaço de independência e de gestão próprio do Poder Judiciário. Houve, desse modo, a percepção da importância da cooperação de todos os que participam da fase da implementação. Referências Bibliográficas ABRUCIO, Fernando Luiz. Trajetória recente da gestão pública brasileira: um balanço crítico e a renovação da agenda de reformas. Revista de administração pública, v. 41, p. 67-86, 2007. 260 Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153... (p. 235-262) PEREIRA, A. M. G. Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153 do Novo Código de Processo Civil na 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó - RN. Revista de Direito Setorial e Regulatório, Brasília, v. 4, n. 1, p. 235-262, maio 2018. ANDRADE, Sara Maria de. Sociologia do Direito - nos termos da Resolução 75 do CNJ. Coleção Direito de Bolso. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011. BAPTISTA, Tatiana Wargas de Faria; REZENDE, Mônica. A ideia de ciclo na análise de políticas públicas. Disponível em: . Acesso em: 27 Set. 2016. BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil. Publicada no Diário Oficial da União em 17 de março de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015- 2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 10 Dez. 2017. CARVALHO NETTO, Menelick; SCOTTI, Guilherme. Os direitos fundamentais e a (in) certeza do Direito: a produtividade das tensões principiológicas e a superação do sistema de regras. Belo Horizonte: Fórum, 2012. DAMATTA, Roberto. Considerações sócio-antropológicas sobre a ética na sociedade brasileira. In Encontros entre meios e fins: a experiência da Comissão de Ética Pública – Brasília : Comissão de Ética Pública. Secretaria Executiva, 2002, p. 52. Disponível em: http://www.cnpq.br/documents/10157/44888/encontro_meios_fins_1.p df/01f98b10-6557-4f59-83f5-956c4e7b4853. Acesso em: 23 Nov. 2017. DELFINO, Lúcio. O art. 153 do novo CPC vai contra o advogado diligente. Consultor Jurídico. 1º de agosto de 2014. Disponível em: . Acesso em: 29 Nov. 2015. DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17ª ed. Salvador: JusPodivm, 2015. GAJARDONI, Fernando da Fonseca. O novo CPC e o fim da gestão na justiça. Revista Jota. 22/12/2014. Disponível em . Acesso em: 29 Out. 2015. HOWLETT, Michael; RAMESH, M.; PERL, Anthony. Política pública: seus ciclos e subsistemas–uma abordagem integral. Trad. Francisco G. Heidemann. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. LIMA, Luciana Leite; D'ASCENZI, Luciano. Implementação de políticas públicas. Revista de Sociologia e Política, v. 21, n. 48, p. 101-102, http://www.ims.uerj.br/pesquisa/ccaps/?p=432 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153... (p. 235-262) 261 PEREIRA, A. M. G. Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153 do Novo Código de Processo Civil na 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó - RN. Revista de Direito Setorial e Regulatório, Brasília, v. 4, n. 1, p. 235-262, maio 2018. 2013. Disponível em: . Acesso em: 28 Set. 2016. MACIEIRA, Maria Elisa Bastos; MARANHÃO, Mauriti; Como Implementar a Gestão em Unidades Judiciárias. Rio de Janeiro: FGV, p. 34, 2010. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. MEDINA, José Miguel Garcia. No novo CPC, a ordem cronológica de julgamento não é inflexível. Consultor Jurídico. 09/02/2015. Disponível em . Acesso em: 29 Out. 2015. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil – Lei 13.105. São Paulo: Método, 2015. NOBRE, Ticiana Maria Delgado; FARIA, Francisco Ribeiro de; CORDEIRO, Michellson Costa de Lima. Manual de Gestão de Secretaria Judiciária. Natal: Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, 2013. Disponível em: . Acesso em: 29 Out. 2015. SOUTO, Cláudio. Ciência e ética no direito: uma alternativa de modernidade. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1992. THEDORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco: PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC – Fundamentos e sistematização. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. WEHLING, Arno. O escravo ante a lei civil e a lei penal no Império. WOLKMER, Antonio Carlos. Fundamentos da história do direito. Belo Horizonte: Del Rey, 7ª ed., p. 483-486, 2012. 262 Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153... (p. 235-262) PEREIRA, A. M. G. Política Pública em ciclo e implementação: o caso do art. 153 do Novo Código de Processo Civil na 1ª Vara Cível da Comarca de Caicó - RN. Revista de Direito Setorial e Regulatório, Brasília, v. 4, n. 1, p. 235-262, maio 2018.