A Aplicação da Teoria Processual Administrativa à Lei nº 13.655/2018 (p. 129-146) 129 NEGREIROS, H. R. L. F. V. de A Aplicação da Teoria Processual Administrativa à Lei nº 13.655/2018 e as Reformas Regulatórias. Revista de Direito Setorial e Regulatório, v. 5, n. 2, p. 129-146, outubro 2019. A APLICAÇÃO DA TEORIA PROCESSUAL ADMINISTRATIVA À LEI Nº 13.655/2018 E AS REFORMAS REGULATÓRIAS The Application of Administrative Theory in the Law No 13655/2018 and the Regulatory Reforms Submetido(submitted): 17/12/2018 Hamanda Rafaela. L. F. V. de Negreiros* Parecer(revised): 03/01/2019 Aceito(accepted): 18/01/2019 Abstract Purpose – The purpose of this article is to investigate how Law no. 13,655/2018 which added relevant aspects listed by administrative procedural theory within the context of regulatory changes. Methodology/approach/design – In the first section of the article, it is outlined the context in which occurred the legislative change. The second section will explain the administrative procedural theory and its main characteristics and then relate it to the content of Law no. 13,655/18, within the scenario of regulatory changes. Findings – The article serves as a basis for the study of the application of the fundamentals of administrative procedural theory of regulation in a legislative framework. Originality/value – The subject deserves attention from scientific research and will contribute to the study of administrative procedural theory as an institutional model of rulemaking, given the lack of recent research on the new legislation with this approach. Keywords: Administrative process theory. Law no. 13,655/2018. Reforms. Regulation. Resumo Propósito – Este artigo tem por finalidade averiguar como a Lei nº 13.655/2018 agregou aspectos relevantes elencados pela teoria processual administrativa dentro do contexto das reformas regulatórias. Metodologia/abordagem/design – Na primeira seção do artigo, externa-se a conjuntura que propiciou a mudança legislativa. Na segunda seção será explicada a teoria processual administrativa e suas principais características com o fim de relacioná-la com o conteúdo da Lei nº 13.655/2018 no cenário das mudanças regulatórias. *Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba-UFPB (2007). Especialista na área de Direito Público (Processo Civil e Tributário-2008/2010). Mestra em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília-UnB (2014). Advogada da União desde 2010, atualmente exercendo as suas funções na Coordenação de Estudos e Pareceres da Procuradoria Federal Especializada junto ao CADE. E-mail: hamandarafaela@hotmail.com. mailto:hamandarafaela@hotmail.com 130 A Aplicação da Teoria Processual Administrativa à Lei nº 13.655/2018 (p. 129-146) NEGREIROS, H. R. L. F. V. de A Aplicação da Teoria Processual Administrativa à Lei nº 13.655/2018 e as Reformas Regulatórias. Revista de Direito Setorial e Regulatório, v. 5, n. 2, p. 129-146, outubro 2019. Resultados – O artigo serve como embasamento para o estudo da aplicação dos fundamentos da teoria processual administrativa da regulação em um arcabouço legislativo. Originalidade/relevância do texto – O assunto merece atenção da pesquisa científica e contribuirá para o estudo da teoria processual administrativa como modelo institucional de normatização, tendo em vista a inexistência de pesquisas recentes acerca da nova legislação com esse enfoque. Palavras-chave: Teoria processual administrativa. Lei nº 13.655/2018. Reformas. Regulação. INTRODUÇÃO A Lei nº 13.655/2018 trata de uma legislação que altera o Decreto-Lei nº 4.657/42 (a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), passando a estabelecer novos parâmetros para que a Administração Pública, órgãos de controle e o Poder Judiciário atuem com o objetivo de ter mais eficiência e dar mais segurança jurídica aos regulados. A Lei nº 13.655/2018 é paradigmática, uma vez que estabelece que as instituições não podem basear suas decisões apenas em princípios jurídicos abstratos. Por exemplo, os princípios da competição ou da universalização, que muitas vezes embasam as deliberações das agências reguladoras, não podem ser os únicos motivadores. A nova legislação sustenta que os atos devem ser acompanhados de análises de impacto e consequências, estabelece a obrigatoriedade de regras de transição que prevejam os mecanismos de viabilização de determinadas imposições administrativas ou regulatórias. A Lei também equaliza os princípios a serem perseguidos por reguladores e órgãos de controle, tentado evitar que rivalizem no esforço regulatório. Há previsão de consulta pública antes da edição de atos normativos por autoridade administrativa, procurando trazer transparência à atividade normativa do Executivo. Como são fixados parâmetros para orientar como as instituições podem convergir e construir decisões mais qualificadas, é uma Lei que dá diretrizes interpretativas e que pretende aprimorar a atuação pública por meio de uma governança democrática e de uma gestão mediante a cooperação. Estabelece-se, então, um diálogo com a teoria processual administrativa da regulação (CROLEY, 2008), que apresenta a visão de que os atos regulatórios do Estado podem ser percebidos como um complexo de procedimentos e garantias, cujos mecanismos são empregados para promover e realizar o interesse coletivo. Neste contexto, considerando a competência normativa e decisória das agências regulatórias e a possibilidade de realizações de reformas, muitas vezes A Aplicação da Teoria Processual Administrativa à Lei nº 13.655/2018 (p. 129-146) 131 NEGREIROS, H. R. L. F. V. de A Aplicação da Teoria Processual Administrativa à Lei nº 13.655/2018 e as Reformas Regulatórias. Revista de Direito Setorial e Regulatório, v. 5, n. 2, p. 129-146, outubro 2019. repentinas e drásticas no conjunto regulatório, pretende-se no presente estudo abordar de que modo a nova legislação agrega aspectos relevantes elencados pela citada teoria processual administrativa da regulação. Fazer a avaliação de qualquer lei recém-nascida é tarefa extremamente desafiadora, tanto mais quando se trata de uma lei que se dispôs a disciplinar atividades de normas que vinculam a elaboração e a interpretação de outras normas. A despeito disso, o assunto merece atenção da pesquisa científica e um artigo que pondere como a teoria processual administrativa da regulação pode ser adotada como modelo institucional de normatização, visando a promoção do interesse público, contribuirá para o estudo do tema dentro da seara das reformas regulatórias, tendo em vista a inexistência de pesquisas recentes com esse enfoque1. Na primeira seção do artigo, a ideia é externar a conjuntura que propiciou a justificativa da mudança legislativa por meio de regras de hermenêutica dentro do contexto interpretativo dos atos administrativos. Na segunda seção, inicialmente, será explicitada a teoria processual administrativa da regulação, as suas características, peculiaridades e distinções, principalmente quanto aos pressupostos da public choice, para depois relacioná-la com o conteúdo da Lei nº 13.655/2018, dentro do cenário das inovações regulatórias. Pretende-se, ao final, evidenciar como a nova Lei, ao aplicar a teoria de regulação, pode colaborar efetivamente para a concretização do interesse e bem- estar sociais, destacando-se que a análise da normatização ocorrida deve ser realizada mediante a avaliação da compatibilidade entre o procedimento ou mecanismos utilizados no processo de decisão e os objetivos almejados pela legislação (CROLEY, 2008). A JUSTIFICATIVA E O PROCEDIMENTO DE ALTERAÇÃO LEGISLATIVA O Projeto de Lei nº 7.444/2017 (PLS 349/2015) que deu origem ao texto da Lei ora em estudo, teve como escopo alterar a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB (Decreto-Lei 4.657/42) para introduzir preceitos de ordem pública que favoreçam a segurança jurídica e a qualidade das decisões públicas. Originalmente apresentado no Senado Federal pelo Senador Antônio Anastasia, o projeto se inspirou em estudos e pesquisas empíricas desenvolvidas na Sociedade Brasileira de Direito Público – SBDP, na Fundação Getúlio 1 Foi realizada pesquisa de maneira ampla na Internet e, de modo detalhado, no repositório institucional da UnB (https://www.bce.unb.br/bibliotecas- digitais/repositorio/teses-e-dissertacoes/). https://www.bce.unb.br/bibliotecas-digitais/repositorio/teses-e-dissertacoes/ https://www.bce.unb.br/bibliotecas-digitais/repositorio/teses-e-dissertacoes/ 132 A Aplicação da Teoria Processual Administrativa à Lei nº 13.655/2018 (p. 129-146) NEGREIROS, H. R. L. F. V. de A Aplicação da Teoria Processual Administrativa à Lei nº 13.655/2018 e as Reformas Regulatórias. Revista de Direito Setorial e Regulatório, v. 5, n. 2, p. 129-146, outubro 2019. Vargas de Direito de São Paulo e na Faculdade de Direito da USP. Com base em amplo diagnóstico e em reflexões suscitadas por esses trabalhos, seus autores, Professor Carlos Ari Sundfeld e Professor Floriano de Azevedo Marques Neto, redigiram o chamando Projeto de Lei da Segurança Jurídica (PALMA, 2018). O pressuposto foi de que o aumento de regras sobre processos e controle da administração tem provocado o aumento da incerteza e da imprevisibilidade e que este efeito deletério pode colocar em risco a estabilidade institucional. Por sua vez, a justificativa foi de tentar neutralizar alguns fatores que são considerados distorções da atividade jurídico-decisória pública, dentre eles, cita-se o alto grau de indeterminação do conteúdo de grande parte das normas públicas, a dificuldade do Poder Público obter o cumprimento voluntário e rápido das obrigações e a instabilidade dos atos jurídicos públicos com alto risco de modificação e invalidação posterior2. Assim, os três grandes impasses que a Lei da Segurança Jurídica endereça são: “1. Principiologia na estrutura do controle: as pesquisas apontam que, não raro, controladores reputam a decisão administrativa válida ou inválida com base em princípios ou conceitos jurídicos indeterminados; 2. A motivação tende a não considerar as consequências concretas da decisão controladora: no geral, os controladores adotam uma visão deliberativa limitada ao caso concreto – a casuística –, que não considera os impactos da decisão específica, ou do conjunto decisório, sobre a gestão pública em termos de custos, tempo, legitimidade, eficácia da política pública e isonomia perante os demais cidadãos. Nessa linha, o sistema de controle é insensível aos obstáculos e às reais dificuldades do gestor; 3. As decisões administrativas são meramente provisionais: na medida em que atos, contratos, processos administrativos e grandes decisões de políticas públicas sujeitam-se a amplíssimo controle – sem claras balizas sobre o cabimento e a intensidade do controle –, as decisões administrativas assemelham-se a uma “primeira tentativa”, cuja deliberação final depende do aval do controlador” (PALMA, 2018). Em termos procedimentais, o processo legislativo percorreu os trâmites regulares das Casas Congressuais. Foi realizada audiência pública na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania no Senado (CCJ) e no dia 9 de março de 2O Projeto de Lei foi resultado de pesquisas amplas desenvolvidos por pesquisadores da Sociedade Brasileira de Direito Público em parceria com a Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas. O que inspira a proposta é justamente a percepção de que os desafios da ação do Poder Público demandam que a atividade de regulamentação e a aplicação das leis seja submetida a novas balizas interpretativas, processuais e de controle, a serem seguidas pela administração pública federal, estadual e municipal. Para maiores detalhes acerca do resultado vide: SUNDFELD, Carlos Ari. Contratações Públicas e seu Controle. São Paulo: Malheiros, 2013. A Aplicação da Teoria Processual Administrativa à Lei nº 13.655/2018 (p. 129-146) 133 NEGREIROS, H. R. L. F. V. de A Aplicação da Teoria Processual Administrativa à Lei nº 13.655/2018 e as Reformas Regulatórias. Revista de Direito Setorial e Regulatório, v. 5, n. 2, p. 129-146, outubro 2019. 2016, a Senadora Simone Tebet apresentou relatório com voto favorável à aprovação do PLS 349/2015 e com emenda que trazia pontuais alterações de aprimoramento do texto. No dia 29 de março de 2017, por unanimidade, o Projeto foi aprovado pela CCJ-SF, sem recebimento de qualquer recurso. Aprovado pelo Plenário do Senado Federal no dia 19 de abril de 2017, o Projeto de nº 349/2015 foi remetido à Câmara dos Deputados, então PL 7.448/2017. Na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJC), não foram apresentadas emendas ao Projeto e no dia 15 de setembro de 2017, o Relator Deputado Paulo Abi-Ackel apresentou parecer pela constitucionalidade da matéria. A Deputada Erika Kokay interpôs recurso que, por sua vez, foi objeto de requerimento de retirada de proposição de iniciativa coletiva (8279/2018), deferido no dia 21 de março de 2018. No dia 5 de abril, pela Mensagem 10/2018, o Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Rodrigo Maia, encaminhou o PL 7.448/2017 à sanção presidencial. O Projeto de Lei foi transformado na Lei Ordinária nº 13.655/2018, na data de 24 de abril de 2018, tendo sido sancionada pela Presidência da República com uma série de vetos. As informações sobre o processo legislativo do Projeto de Lei estão nos sites institucionais para acompanhamento imediato. No campo acadêmico, o Projeto de Lei teve amplo debate público. Foi realizada mesa redonda no próprio Senado Federal, artigos acadêmicos e eventos se sucederam, programas de disciplina nos programas de graduação e pós-graduação reservaram aulas para debater o tema e diversas foram as manifestações em artigos eletrônicos de amplo acesso à comunidade jurídica (PALMA, 2018). Realizada a contextualização da elaboração da legislação, no que diz respeito à finalidade deste trabalho, importa ater-se principalmente aos principais dispositivos legais que podem afetar a relação entre reguladores e regulados num panorama de mudanças regulatórias. Nesse aspecto, as fundamentais mudanças trazidas pela Lei podem ser resumidas pelo (a): 1) princípio da motivação concreta (artigos 20, 21 e 22), que estabelece que o agente público precisa atentar para as consequências concretas de suas soluções jurídicas, consagrando alguns princípios gerais a serem observados pelas autoridades nas decisões baseadas em normas indeterminadas; 2) regime de transição e de modulação da interpretação no tempo (artigos 23 e 24), que traz a previsão de que, em caso de mudança de entendimento, é preciso indicar como a realidade concreta será adaptada ao novo cenário jurídico e que deve ser levada em consideração a interpretação normativa que preponderava no momento do nascimento do ato administrativo; e 3) clareza normativa (artigos 29 e 30), que dispõe que a edição de atos normativos poderá ser precedida de consulta pública para manifestação dos interessados e que as 134 A Aplicação da Teoria Processual Administrativa à Lei nº 13.655/2018 (p. 129-146) NEGREIROS, H. R. L. F. V. de A Aplicação da Teoria Processual Administrativa à Lei nº 13.655/2018 e as Reformas Regulatórias. Revista de Direito Setorial e Regulatório, v. 5, n. 2, p. 129-146, outubro 2019. autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas. Portanto, as diretrizes que estruturaram os mencionados dispositivos objetivaram: a) impedir que consequências concretas sejam extraídas a partir de normas de alta indeterminação jurídica, de modo superficial e sem mensurar os efeitos decorrentes; b) tutelar os atos jurídicos perfeitos, evitando que novas interpretações em momento futuro leve à revisão de decisões públicas; e c) estabelecer que as normas, fontes de direitos e obrigações, precisam ser editadas mediante prévia consulta pública. Passa-se, então, ao estudo de como o emprego dos pressupostos da teoria processual administrativa podem ter sido agregados pela nova legislação como instrumento para o desenvolvimento de normatização voltada à preservação do interesse público por meio de uma modelagem que institucionaliza a participação dos atores e que garanta a finalidade do processo administrativo. PRINCIPAIS ASPECTOS DA TEORIA PROCESSUAL ADMINISTRATIVA DA REGULAÇÃO De acordo com a teoria processual administrativa da regulação, os atos regulatórios do Estado podem ser percebidos como um complexo de procedimentos e garantias, cujos mecanismos são empregados para promover e realizar o interesse coletivo. A regulamentação do Estado pode e contribui efetivamente para a concretização do interesse e bem-estar sociais, destacando- se que a análise dos resultados alcançados por essas atividades deve ser realizada mediante a avaliação da compatibilidade entre o procedimento ou mecanismos utilizados no processo de decisão e os objetivos por eles almejados (CROLEY, 2008). A teoria desenvolvida por Steven P. Croley tenta demonstrar que a atividade regulatória, desenvolvida pelas agências reguladoras, tem grande potencial de oferecer outcomes regulatórios favoráveis ao interesse público e majoritário. A explicação é de que atuariam sob conhecidos princípios constitucionais administrativos, a exemplo da supremacia do interesse público, publicidade, moralidade, legalidade, eficiência e proporcionalidade, dentre outros, tratando a regulação sob a ótica jurídica, no lugar da ótica tendenciosamente econômica. A dimensão jurídico-institucional ou jurídico processual, existente por trás do processo administrativo regulatório, tende a promover o interesse público (public interest), preservando, portanto, a funcionalidade do Direito Regulatório (ARANHA, 2015). A atividade regulatória pela ótica do processo de tomada de decisão pelos administradores permite a realização da regulação publicamente interessada e imune às pressões de grupos especiais político e economicamente influentes. Assim, considerados os elementos que integram o processo de A Aplicação da Teoria Processual Administrativa à Lei nº 13.655/2018 (p. 129-146) 135 NEGREIROS, H. R. L. F. V. de A Aplicação da Teoria Processual Administrativa à Lei nº 13.655/2018 e as Reformas Regulatórias. Revista de Direito Setorial e Regulatório, v. 5, n. 2, p. 129-146, outubro 2019. tomada de decisões, isto é, as normas justificadoras dos procedimentos adotados para exercício da regulação, assim como a motivação das decisões e o ambiente em que estas são tomadas, é possível a implementação de regulações favoráveis ao interesse público (CROLEY, 2008). Considera-se, então, como regulação de interesse público aquela cujos benefícios para a sociedade empatam com os benefícios concedidos a parcelas minoritárias da sociedade sob o ponto de vista econômico (ARANHA, 2015). A despeito da dificuldade de se definir o que é exatamente interesse público3, o desenvolvimento de seu conceito ligado à cidadania e à igualdade pode ser o caminho a se direcionar, já que valorizar a cidadania e os princípios constitucionais e democráticos pode ajudar a determinar as bases de legitimidade da atuação regulatória de proteção do interesse público (FEINTUCK, 2010). A teoria processual administrativa diminui a influência atribuída pela public choice, que ressalta aspectos negativos da regulação (HILL, 1999), sustentando que os procedimentos de tomada de decisão dos agentes lhes fornecem autonomia suficiente para fomentar interesses de abrangência geral. Os teóricos da public choice levantam a hipótese de que a melhor solução para contornar a captura das agências reguladoras e as consequentes falhas regulatórias seria, simplesmente, abandonar a atividade regulatória estatal e deixar que o livre mercado se autorregule por meio de seus próprios mecanismos de equalização, embora também sejam reconhecidamente imperfeitos (CROLEY, 2008). 3Sabe-se que a noção de interesse público possui conteúdo indeterminado por natureza (GRAU, Eros Roberto. Direito, Conceitos e Normas Jurídicas. São Paulo: Editora RT, 1988, p. 72). Entretanto, essa indeterminação não impede que haja uma conceituação do núcleo mínimo do termo, que serve para embasar a sua utilização no presente artigo, considerando que “o interesse público não se confunde com o interesse do Estado, com o interesse do aparato administrativo ou do agente público. É imperioso consciência de que um interesse é reconhecido como público porque é indisponível, porque não pode ser colocado em risco (...). Afirma-se que o princípio da supremacia e indisponibilidade do interesse público é o alicerce fundamental do Direito Público, o que seria suficiente para legitimar as decisões adotadas pelos administradores. Ora, juridicamente, o titular do interesse público é o povo, a sociedade (...)” (JUSTEN FILHO, Marçal. Conceito Administrativo Reescrito: problemas do passado e temas atuais. Revista Negócios Públicos, ano II, n. 6, 2005, p. 39-41). O interesse público não pode ser utilizado como instrumento ou argumento para atuações ou omissões do Estado, em prejuízo ou em detrimento de todo arcabouço de direito dos cidadãos previstos ou decorrentes de direitos e garantias constitucionais. Acerca dos limites e do conceito de interesse público no Estado Regulador (FEINTUCK, Mike. Regulatory Rationales Beyond the Economic: In Search of the Public Interest. In: BALDWIN, Robert; CAVE, Martin; LODGE, Martin (org.). The Oxford Handbook of Regulation. Oxford: Oxford University Press, 2010). 136 A Aplicação da Teoria Processual Administrativa à Lei nº 13.655/2018 (p. 129-146) NEGREIROS, H. R. L. F. V. de A Aplicação da Teoria Processual Administrativa à Lei nº 13.655/2018 e as Reformas Regulatórias. Revista de Direito Setorial e Regulatório, v. 5, n. 2, p. 129-146, outubro 2019. Croley invoca justamente a possibilidade contrária, ou seja, a hipótese de que, em certos casos, os agentes reguladores atuam em sentido oposto ao que foi colocado acima, entregando resultados normativos favoráveis ao interesse público em detrimento dos interesses específicos dos poderosos grupos organizados que agem em favor próprio (CROLEY, 2008). Por essa visão, a teoria processual administrativa da regulação apresentaria resultados inerentes à maior parte da sociedade, sendo “garantia institucional da preservação do interesse em setores regulados” (ARANHA, 2015, p. 36). A teoria processual administrativa almeja alcançar seus objetivos por meio da publicação da intenção de agir, do esclarecimento das motivações, da abertura de oportunidades para o recebimento de contribuições, da adoção de um processo decisório racional e da fundamentação detalhada acerca do porquê agir de determinada forma (CROLEY, 2008). Dessa forma, sob a ótica da teoria processual administrativa da regulação, é possível identificar certo número de elementos que constituem o conjunto de pressupostos que são capazes de embasar a atuação legítima dos agentes reguladores diante dos jogos políticos envolvidos: a) procedimento administrativo; b) ambiente jurídico-institucional; c) neutralidade do processo administrativo. Percebe-se, então, que, pela teoria processual administrativa da regulação, o processo administrativo é o canal legal e institucional por meio do qual são tomadas decisões regulatórias operacionais e concretas. O processo administrativo, inevitavelmente, faz parte de toda e qualquer teoria regulatória. Por sua vez, a neutralidade do processo administrativo se exterioriza por meio de procedimentos fundados na transparência, na publicidade, no apoio da sociedade e na busca pela excelência dos atos regulatórios, por meio da constante adaptação das propostas às realidades concretas. Admite-se, dessa forma, que tudo isso pode transcorrer em ambiente institucional regulatório capaz de garantir a proteção e a estabilidade dos servidores responsáveis pela regulação a ser produzida (ARANHA, 2015). Assim, feições relevantes desta teoria podem ser visualizadas quando se adota o fundamento de uma normatização que visa atender interesses que excedem o escopo de determinados grupos, tomando como base a existência de um processo que busca minimizar os riscos da captura por meio da tentativa do resguardo do interesse público. A Aplicação da Teoria Processual Administrativa à Lei nº 13.655/2018 (p. 129-146) 137 NEGREIROS, H. R. L. F. V. de A Aplicação da Teoria Processual Administrativa à Lei nº 13.655/2018 e as Reformas Regulatórias. Revista de Direito Setorial e Regulatório, v. 5, n. 2, p. 129-146, outubro 2019. A FORMULAÇÃO DA LEI Nº 13.655/2018 E A TEORIA PROCESSUAL ADMINISTRATIVA Poder Normativo Conjuntural das Agências Reguladoras Como visto, a teoria processual administrativa da regulação preserva o interesse coletivo por meio de instrumentos que tornam pública a intenção da agência antes, durante e depois da regulação; proporcionam ao máximo a participação da coletividade no processo; reduzem a interferência de determinados grupos que possam desvincular o processo administrativo de seu fim e exijam a fundamentação de decisões. Muitos dos dispositivos da nova legislação parecem estar em consonância com as características da mencionada teoria e vão ao encontro da demanda da sociedade pelo maior conhecimento das decisões. É um formato preciso e eficiente do controle do Estado, que aprimora a gestão pública, a governança democrática, o incentivo da participação da sociedade e a construção de decisões mais qualificadas. Em particular, destaca-se o artigo 29 da Lei nº 13.655/2018 que, ao dispor que a edição de atos por autoridade poderá ser precedida de consulta pública para manifestação de interessados (a ser considerada na decisão), institui o dever-poder de que os processos normativos sejam permeáveis pelos administrados que serão atingidos por seus efeitos. Mais que isso, confere uma racionalidade à função normativa da administração, de modo que ela não seja referenciada, apenas, por balizas ex ante (fundamento legal), com viés retrospectivo (backward-looking), mas por um olhar prospectivo (foward- looking), mediante o qual serão aferidos os impactos, equilibrados interesses e comparadas alternativas (PALMA, 2014). O dispositivo também caminha na firme trilha da incorporação de institutos de origem anglo-saxônica ao nosso ordenamento jurídico (MARQUES NETO, 2015), especificamente da doutrina da hard look, de acordo com a qual a entidade administrativa, com função normativa, tem que demonstrar a relação entre as razões que norteiam a edição da proposta de normativo e as evidências relevantes para a análise do problema que ele terá o desiderato resolver4. O devido processo legal se presta, justamente, a compatibilizar o exercício da função normativa estatal com os interesses dos administrados, conforme disciplina prevista no Administrative Procedure Act, de 1946. Daí porque a Suprema Corte construiu diversos precedentes, por intermédio dos quais consagrou o dever de manifestação (hearing) dos agentes 4Consolidada em Ethyl Corp. v. EPA, 541 F.2d. (D.C. Cir. 1976). 138 A Aplicação da Teoria Processual Administrativa à Lei nº 13.655/2018 (p. 129-146) NEGREIROS, H. R. L. F. V. de A Aplicação da Teoria Processual Administrativa à Lei nº 13.655/2018 e as Reformas Regulatórias. Revista de Direito Setorial e Regulatório, v. 5, n. 2, p. 129-146, outubro 2019. que teriam os seus direitos afetados pelo exercício da regulação5 (FREITAS, 2016). Assim, a aplicação da estudada teoria à nova legislação, ao propor critérios procedimentais precisos, pode colaborar para a diminuição do exercício desmedido da competência normativa, vale dizer, a edição excessiva de portarias, resoluções e demais instrumentos normativos, assim como alterações bruscas e drásticas no conjunto normativo regulatório, que geram um cenário de considerável insegurança jurídica aos agentes econômicos envolvidos. Com efeito, as dificuldades que decorrem da competência normativa regulatória das agências podem configurar violação aos ideais de cognoscibilidade, confiabilidade e calculabilidade, que compõem o princípio da segurança jurídica (ÁVILA, 2014). Além das alterações bruscas das normas provocadas pela atuação normativa das agências reguladoras, chama-se também atenção ao problema de “juridificação” no ambiente regulatório nacional. A juridificação consiste no fenômeno da multiplicação de normas legais e regulamentares, com tendência a criar uma “babel normativa”, de difícil absorção pelo mercado, má adaptação e rejeição pelos indivíduos regulados. Por meio dela, produz-se inúmeras fontes normativas, dispersas e desconexas, cada uma refletindo a visão de uma agência reguladora. Por consequência, tal fenômeno compromete a capacidade de assimilação do conjunto normativo pelos agentes econômicos envolvidos (NUSDEO, 2011). Sabe-se que o poder regulamentar representa a parte normativa que cabe ao Executivo, sem, todavia, esgotá-la, pois ela é uma normatividade condicionada à legalidade da medida e, portanto, submissa às diretivas de políticas públicas de regulação exaradas pelo Legislativo. A prescrição de comportamentos para a orientação de condutas por intermédio de previsões e situações de fato, ao lado das determinações de diretrizes e metas de desempenho, representam uma margem de manobra normativa em um modelo que exige a coexistência de regimes distintos no mesmo rol de atividades, gerando, com isso, uma normatividade complexa (ARANHA, 2015). O ponto de inflexão do tema do poder normativo no âmbito da Administração, especialmente dos entes reguladores, não está na mera edição de programas gerais e abstratos, mas na possibilidade que eles podem vir a ter de primariamente inovar, construindo sentido autônomo dentro do sistema formal de regras jurídicas (ordenamento) (LOPES, 2018). 5Cite-se o precedente Mathews v. Eldridge, 424 U.S. 319 (1976) em que se consagrou o entendimento de que a extinção de um direito de um particular só poderá ser levada a efeito após a sua oitiva. A Aplicação da Teoria Processual Administrativa à Lei nº 13.655/2018 (p. 129-146) 139 NEGREIROS, H. R. L. F. V. de A Aplicação da Teoria Processual Administrativa à Lei nº 13.655/2018 e as Reformas Regulatórias. Revista de Direito Setorial e Regulatório, v. 5, n. 2, p. 129-146, outubro 2019. É certo que demandas oriundas dos sistemas econômicos e político- burocrático geram a necessidade de uma normatização de conjuntura no âmbito da Administração, mas de modo algum em razão dos riscos e potenciais de coerção envolvidos há sentido para se atribuir ao Executivo um poder amorfo e, por isso, de difícil controle. Há necessidade de delimitação de competência, abrangendo pelo menos três dimensões: limites, conformações e diretrizes (LOPES, 2018). Nesse sentido, Carlos Ari Sundfeld defende que as agências reguladoras não usurpam a função legislativa; o Poder Legislativo continua editando normas gerais e abstratas (standards); entretanto, as atuais exigências da sociedade impõem o estabelecimento de uma normativa específica a respeito de diversos setores da economia por entidades específicas (SUNDFELD, 2006, p. 27). A competência normativa regulatória das agências deve ser compreendida à luz da finalidade do exercício da atividade administrativa, a qual reside no cumprimento das competências constitucional e legalmente consagradas às autoridades. Trata-se de competência normativa “inserida no bojo das competências administrativas do Estado e, por conseguinte, subordinada, sempre, à legalidade” (ARAGÃO e SAMPAIO, 2006). A proposta de constituição das agências deve cumprir o papel de melhorar a governança regulatória, assumindo o compromisso de estabilização das normas de cada setor. Ocorre que a edição excessiva de várias normas infralegais por tais agências, além de alterações bruscas e drásticas do conjunto normativo regulatório, pode acabar por resultar justamente no efeito contrário: um cenário de insegurança jurídica. As autoridades não podem praticar atos arbitrários com poderes ilimitados, o que leva a concluir que os princípios são normas jurídicas vinculativas e que elas têm o dever de aplica-los para respeitar os direitos evolvidos. É certo que a agências têm que se pautar pelas regras oriundas da Lei, mas não menos correto é que devem observar princípios jurídicos e realizar diretrizes políticas. Mais claramente, ao lado da aplicação da lei de ofício e da salvaguarda de interesse públicos, as autoridades têm compromissos também com o respeito aos princípios e seus decorrentes direitos (LOPES, 2018). Por isso, a importância de uma regulação normativa praticada por meio de uma interpretação voltada para frente, orientada na ponderação de interesses, custos, ônus e benefícios da ação regulatória (GUERRA, 2005). Na trilha da teoria processual administrativa da regulação, a nova Lei também contribui para que a regulação não atenda apenas a determinados 140 A Aplicação da Teoria Processual Administrativa à Lei nº 13.655/2018 (p. 129-146) NEGREIROS, H. R. L. F. V. de A Aplicação da Teoria Processual Administrativa à Lei nº 13.655/2018 e as Reformas Regulatórias. Revista de Direito Setorial e Regulatório, v. 5, n. 2, p. 129-146, outubro 2019. grupos de pressão ou lobbies6, já que os administradores públicos, responsáveis por produzir normas reguladoras, atuariam com maior preocupação acerca das consequências práticas de suas atividades sobre o bem comum e social do que sobre interesses próprios ou de grupos específicos de pressão (CROLEY, 2008). Percebe-se, desse modo, que situar como instituições podem se relacionar para elaborar normas e construir decisões mais qualificadas, fornecendo diretrizes interpretativas e conforto para inovar, pode-se dizer que a Lei nº 13.655/2018 incorporou vários pressupostos da teoria processual administrativa da regulação. De fato, a legislação criou incentivos para o advento de uma função regulatória norteada por feições prospectivas e processualistas (FREITAS e MARQUES NETO, 2018). Exigência de Análise das Consequências das Decisões Por outro lado, os artigos 20 e 21 da Lei trouxeram a exigência de que também as esferas judiciais e controladora, para além de terem que discriminar as razões decisórias, devem disciplinar os seus efeitos. Trata-se de um ônus argumentativo que ultrapassa o dever genérico de motivação das decisões. Nesse ponto, há que se questionar se ao tentar estabelecer uma perspectiva obrigatória de avaliação do consequencialismo das decisões, a nova legislação não acabou por ultrapassar os limites da razoabilidade e, ao contrário 6Com efeito, os reguladores e regulados precisam saber quais normas são necessárias e quando. Existe uma procura por normatização, respondida com a oferta de dispositivos legais. Esta procura pode ser legítima ou pode apenas visar ao aumento da lucratividade de alguns às custas da comunidade. Sobre o assunto vide NUSDEO, Fábio. O direito econômico centenário: um “vol d’oiseau’ sobre o passado e algumas perspectivas para o futuro. Revista de Direito Público da Economia – RDPE. Belo Horizonte, ano 9, n. 36, p. 101-132, out./dez. 2011. A Aplicação da Teoria Processual Administrativa à Lei nº 13.655/2018 (p. 129-146) 141 NEGREIROS, H. R. L. F. V. de A Aplicação da Teoria Processual Administrativa à Lei nº 13.655/2018 e as Reformas Regulatórias. Revista de Direito Setorial e Regulatório, v. 5, n. 2, p. 129-146, outubro 2019. do que se pretendia7, pode passar a gerar insegurança jurídica8 para quem almeja interpretá-la, já que é dotada de vários conceitos genéricos e pouco precisos, que dependem da avaliação ligada à experiência do intérprete. No que diz respeito à apreciação das consequências práticas da decisão, tal previsão transfere, principalmente, ao campo controlador e judicial, a responsabilidade de muitas vezes determinar aspectos que se encontram fora da competência de suas esferas, pois a realidade de quem revisa é fracionária e incide apenas sobre os atos que estão naquele processo, sendo, por conseguinte, bem diferente da visão ampla de possibilidades que detinha quem decidiu originariamente. Por diversas vezes pode não ser possível ou viável o apontamento de todas as consequências existentes com elementos que extrapolam a legalidade, incluindo uma completa análise de um amplo espectro de probabilidades de decisões administrativas alternativas que o regulador poderia ter tomado. Alguns desses órgãos podem abusar dessa tarefa, outros ignorá-la. Em circunstâncias normais, o encargo não é simples, a atuação no controle e responsabilização pode criar disfuncionalidades no sistema, interferências indevidas que podem reduzir direitos. Não se trata de desconhecer os impactos de um regime desarmonizado e com baixa segurança jurídica. Todavia, os órgãos de controle e judiciais não são elaboradores de política pública e existem para garantir direitos ameaçados ou violados. Não podem atuar com base em finalidades, não podem argumentar conforme interesses, sua tarefa é decidir de acordo com a legalidade, a Constituição e os princípios (PENALVA, 2018). Nessa linha, conforme a teoria processual administrativa da regulação, a centralidade da atividade regulatória do Estado deve se apoiar mais no processo 7Assistimos a um processo contraditório: quanto mais se avança na produção de normas disciplinadoras da ação da Administração, mais se aprofunda a precarização da segurança jurídica. Quanto mais crescem processos e controles, maiores a imprevisibilidade e a incerteza. Isso tudo pode pôr em risco os ganhos da estabilidade econômica, política e institucional construída nos últimos anos. A incerteza jurídica é a porta de entrada das violações aos direitos. Necessário, pois, melhorar o ferramental que permita assegurar segurança e previsibilidade, tanto na ação do Poder Público quanto na sua relação com os indivíduos. Diante desse diagnóstico, este texto propõe medidas para neutralizar, de algum modo, importantes fatores de distorção da atividade jurídico-decisória pública, afetando sua eficiência e segurança jurídica. (MARQUES NETO, FLORIANO DE AZEVEDO; SUNDFELD, Carlos Ari. Uma Nova Lei para Aumentar a Qualidade Jurídica das Decisões Públicas e de seu Controle in SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Contratações Públicas e seu Controle. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 278). 142 A Aplicação da Teoria Processual Administrativa à Lei nº 13.655/2018 (p. 129-146) NEGREIROS, H. R. L. F. V. de A Aplicação da Teoria Processual Administrativa à Lei nº 13.655/2018 e as Reformas Regulatórias. Revista de Direito Setorial e Regulatório, v. 5, n. 2, p. 129-146, outubro 2019. administrativo decisório dos órgãos regulatórios (CROLEY, 2008). O processo administrativo regulatório é o canal legal e institucional por meio do qual são tomadas as decisões regulatórias operacionais e concretas. Por essa razão, o seu estudo é essencial para compreender o “produto final” da regulação e qualquer teoria que venha a negligenciar essa realidade poderá incorrer em erro e fragilidade teórica e empírica (CROLEY, 2008). A teoria processual administrativa compreende a atuação dos órgãos regulatórios, por meio de suas autoridades. Essa atuação é algo a ser comemorado, por supor que os administradores públicos, responsáveis por tal encargo, são menos vulneráveis. Como já salientado, o mecanismo decisório das agências reguladoras, baseado em informações técnicas disponíveis ao público e avaliadas segundo seus custos e benefícios para a sociedade, promove a autonomia das agências reguladoras frente às pressões dos legisladores e dos grupos de interesse específicos (CROLEY, 2008). A participação dos órgãos controladores e do Poder Judiciário na arena regulatória seria importante, mas eventual para o controle da constitucionalidade e da legalidade das normas e decisões concretas tomadas no âmbito da regulação, impondo atenção aos órgãos de regulação quanto aos requisitos legais de sua própria atividade, sob pena de verem suas ações invalidadas (SALES, 2018) Dessa forma, a ampliação demasiada do espectro do controle dos atos, da maneira como realizada pela Lei nº 13.655/2018, parece ultrapassar os ditames da teoria processual administrativa da regulação, segundo a qual a análise dos domínios controlador e judicial deveria permanecer circunscrita à aferição da existência, da motivação e da congruência das variáveis que conferiram racionalidade ao processo regulatório. CONCLUSÃO Uma das finalidades mais comentadas na bibliografia acerca do novo diploma legal foi de que almejou-se abrandar o ambiente de insegurança hermenêutica. Reconhece-se a “indeterminação do Direito” como uma característica natural e inafastável. O Direito seria uma matéria-prima plástica e dinâmica, de modo que diferentes soluções jurídicas podem ser obtidas de modo legítimo por meio da hermenêutica. O problema da indeterminação do Direito já é exposto há muito tempo: os juristas tentam rolar a pedra do Direito para o topo do monte em busca da obtenção de uma determinação unívoca do Direito, mas, sempre, ao chegar perto do cume da montanha, a pedra implacavelmente retorna ao seu início de A Aplicação da Teoria Processual Administrativa à Lei nº 13.655/2018 (p. 129-146) 143 NEGREIROS, H. R. L. F. V. de A Aplicação da Teoria Processual Administrativa à Lei nº 13.655/2018 e as Reformas Regulatórias. Revista de Direito Setorial e Regulatório, v. 5, n. 2, p. 129-146, outubro 2019. “indeterminação”9. Diz-se assim que a hermenêutica é racional, só que ela se ocupa com processos, total ou parcialmente irracionais, como o da aplicação do direito, conforme o seguinte lema: tratar o irracional da forma mais racional possível (KAUFMANN, 1999). Feitas essas considerações, pode-se dizer que a legislação estudada parece ter bem empregado várias premissas da teoria processual administrativa da regulação, principalmente quando propiciou um incremento da aplicabilidade dos princípios processuais administrativos, ajudando a mediar a implementação de um ambiente de menor instabilidade para os reguladores e regulados. Entretanto, ao tentar conter a indeterminação do Direito definindo que sejam consideradas e explicitadas todas as consequências práticas das decisões em todas as esferas deliberativas, a Lei nº 13.655/2018 distanciou-se da teoria processual administrativa por transferir a lógica da gestão pública para outras esferas decisórias que atuam sob outras exigências argumentativas, deslocando competência institucional dos órgãos que efetivamente executam a atividade de regulação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAGÃO, Alexandre Santos de; SAMPAIO, Patrícia Regina Pinheiro. Omissão no exercício do poder normativo das agências e a concorrência desleal. In: ARAGÃO, Alexandre Santos de (Coord.). O poder normativo das agências reguladoras. Rio de Janeiro: Forense, 2006. ARANHA, M. I. Poder normativo do Executivo e teoria da regulação. In: Notícia do Direito Brasileiro 9: 135-154, 2002. _______. Manual de direito regulatório. Coleford: Laccademia Publishing, 2014 (edição Kindle). ÁVILA, Humberto. 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