Mobile TV: where we are and the way forward A busca por responsividade: o desenho regulatório dos testes de convivência... (p. 131-148) 131 CARNEIRO, L. A. A busca por responsividade: o desenho regulatório dos testes de convivência de serviços de telecomunicações no Brasil. Revista de Direito Setorial e Regulatório, v. 8, nº 1, p. 131-148, maio 2022. A busca por responsividade: o desenho regulatório dos testes de convivência de serviços de telecomunicações no Brasil The quest for responsiveness: the regulatory design of the coexistence tests of telecommunications services in Brazil Submetido(submitted): 16 May 2021 Leandro Alves Carneiro* https://orcid.org/0000-0003-0507-0836 Parecer(revised): 20 May 2021 Aceito(accepted): 23 September 2021 Artigo submetido à revisão cega por pares (Article submitted to peer blind review) Licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International Abstract [Purpose] In 2014 and 2019, Anatel, together with several actors, promoted coexistence tests between telecommunications services for the introduction of 4G and 5G mobile communication technologies in radio frequencies already used by other applications. In this article, these cases are described and analyzed using the responsive regulation theory. [Methodology/approach/design] For the analysis, the case study method was adopted. [Findings] Several characteristics of responsive regulation could be perceived, such as tripartite interaction, nodal governance, and responsiveness to industry’s structure. [Practical implications] These characteristics opened possibilities for regulatory innovations and can be adapted to other situations in telecommunications and in other sectors. [Originality/value] The study demonstrates opportunities for the responsive regulation theory beyond the pursuit of compliance, the most common application of the theory. Besides, the article indicates an intertwining between regulatory policy and technological development policy, highlighting the importance of non-regulated actors with in-depth technical knowledge, usually neglected in institutional analyses. Keywords: Responsive regulation. Tripartite regulation. Nodal governance. Technological development. Telecommunications. Resumo [Propósito] Em 2014 e em 2019, a Anatel, em conjunto com diversos atores, promoveu testes de convivência entre serviços de telecomunicações para a introdução das *Consultor Legislativo na Câmara dos Deputados na área de Ciência, Tecnologia, Comunicação, Informática e Sistema Postal. Engenheiro Eletrônico pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica – ITA (2004). Mestre (2016) e doutorando em Ciência Política na Universidade de Brasília – UnB. E-mail: leandro.a.carneiro@gmail.com. https://orcid.org/0000-0003-0507-0836 mailto:leandro.a.carneiro@gmail.com 132 A busca por responsividade: o desenho regulatório dos testes de... (p. 131-148) CARNEIRO, L. A. A busca por responsividade: o desenho regulatório dos testes de convivência de serviços de telecomunicações no Brasil. Revista de Direito Setorial e Regulatório, v. 8, nº 1, p. 131-148, maio 2022. tecnologias 4G e 5G de comunicação móvel em faixas d e radiofrequências já ocupadas por outras aplicações. Neste artigo, esses casos são descritos e analisados à luz da teoria da regulação responsiva. [Metodologia/abordagem/design] Para a análise, foi adotado o método de estudo de caso. [Resultados] Nos casos descritos, puderam ser percebidas diversas características da regulação responsiva, como a atuação tripartite, governança nodal e responsividade à estrutura da indústria regulada. [Implicações práticas] Essas características abriram possibilidades de inovações regulatórias e possivelmente poderão ser adaptadas para outras situações-problema no setor de telecomunicações e em outros. [Originalidade/relevância do texto] O estudo evidencia oportunidades para a teoria da regulação responsiva para além da busca pela conformidade, a aplicação mais comum da teoria. Além disso, o artigo indica um entrelaçamento entre política regulatória e política de desenvolvimento tecnológico, destacando a importância de atores não r egulados com conhecimento técnico aprofundado, geralmente negligenciados nas análises institucionais. Palavras-chave: Regulação responsiva. Regulação tripartite. Governança nodal. Desenvolvimento tecnológico. Telecomunicações. INTRODUÇÃO O presente trabalho tem por objetivo estudar dois casos de resolução de problemas regulatórios no setor de telecomunicações. Nesses casos, houve a necessidade de criação de espaços de diálogo, por meio de testes de laboratoriais e de campo, com a participação de diversas partes interessadas. Esse ambiente para testagem e construção de soluções foi necessário para eliminar dúvidas sobre a viabilidade e a efetividade das soluções propostas até então. A criação desses espaços de diálogo, muito característica da regulação responsiva, pode ser observada com algumas nuances que revelam a importância de certos atores para a inovação regulatória. Com a participação de diversos atores, sob a liderança da agência reguladora setorial, foram discutidas alternativas para convivência de serviços regulados, evidenciando-se a importância do conhecimento tecnológico para superação de déficit de capacidade da agência reguladora. O tema reveste-se de importância singular, uma vez que propicia um ecossistema regulatório mais plural, com especializações que acabam por tonar as discussões mais profundas e possibilitam o desenvolvimento de soluções inovadoras e adequadas para os problemas regulatórios enfrentados. A busca por responsividade: o desenho regulatório dos testes de convivência... (p. 131-148) 133 CARNEIRO, L. A. A busca por responsividade: o desenho regulatório dos testes de convivência de serviços de telecomunicações no Brasil. Revista de Direito Setorial e Regulatório, v. 8, nº 1, p. 131-148, maio 2022. Para isso, o presente trabalho apresenta uma contextualização do tema por meio desta introdução e pelo resgate de alguns elementos da Teoria da Regulação Responsiva que será a guia teórica aplicada aos casos empíricos. Posteriormente os casos estudados são descritos e a partir deles são coletadas evidências à luz da teoria de referência. Por fim, são apresentadas as conclusões, principais achados e possíveis desdobramentos para o desenho de experiências regulatórias futuras. Adiantando-se parcialmente os resultados, pode-se perceber um ecossistema variado no setor de telecomunicações no Brasil, mas ainda com algumas lacunas. Destaca-se ainda a participação de entes não regulados, como desenvolvedores de tecnologia, universidades e institutos de pesquisa, revelando um entrelaçamento entre políticas regulatórias e políticas de desenvolvimento tecnológico. REGULAÇÃO RESPONSIVA: ASPECTOS RELEVANTES PARA OS CASOS ESTUDADOS A teoria da regulação responsiva pressupõe um “espaço de interação e influência recíproca entre regulação estatal e privada onde estariam as melhores oportunidades de construção de alternativas de desenho regulatório” (ARANHA e LOPES, 2019, p. 206). À luz desse pressuposto, pode-se dizer que o objetivo da regulação responsiva é dotar o regulador de maiores possibilidades que visem à conformidade dos regulados. Com isso, são desenvolvidas diversas pirâmides de estratégias regulatórias (BRAITHWAITE, 1985; AYRES e BRAITHWAITE, 1992), medidas de constrangimento (AYRES e BRAITHWAITE, 1992), adequadas dependendo do perfil e comportamento dos regulados (BRAITHWAITE, 2011), de suas motivações, bem como da estrutura da indústria regulada (ARANHA e LOPES, 2019, p. 213). Alternativas estratégicas podem envolver ainda o uso de recompensas (BRAITHWAITE, MAKKAI e BRAITHWAITE, 2007), gerando diamantes com enfoques em regulação de conformidade e em regulação aspiracional (KOLIEB, 2015), bem como diversos outros tipos de pirâmides regulatórias (ARANHA e LOPES, 2019, p. 240). Por esse motivo, é muito importante conhecer a estrutura da indústria regulada para utilização de recompensas que incentivem os regulados e outros atores a participarem do processo regulatório. Esse conjunto de estratégias leva à incorporação e à aproximação de atores variados no processo regulatório. Essa maior proximidade dos atores levou a preocupações com a captura, o que pode ser contrabalanceado pela inserção de atores não regulados, formando um tripartismo regulatório (AYRES e BRAITHWAITE, 1992). 134 A busca por responsividade: o desenho regulatório dos testes de... (p. 131-148) CARNEIRO, L. A. A busca por responsividade: o desenho regulatório dos testes de convivência de serviços de telecomunicações no Brasil. Revista de Direito Setorial e Regulatório, v. 8, nº 1, p. 131-148, maio 2022. Essa percepção leva a reflexões sobre o desenho do arranjo para a construção regulatória, o qual pode se beneficiar de estratégias de governança nodal, a qual assim define os nós numa rede de governança (DRAHOS, 2004, p. 404): “Nodes are either actors within a network or the organizational product of two or more networks which are tied together for a common purpose. This latter type of node (termed a “super-structural” node) does not integrate networks, but rather is a structure that brings together actors who represent networks in order to concentrate resources and technologies for the purpose of achieving a common goal. Super-structural nodes are the command centers of networked governance.” Essa incorporação de atores advindos de diversas redes no processo regulatório impactou na evolução da teoria da regulação responsiva, surgindo então a “regulação inteligente” que “propõe um modelo expandido da pirâmide regulatória, ou regulação tridimensional em que a escalada de constrangimentos ocorre nos três níveis: governamental; de negócios regulados; e de terceiros interessados” (ARANHA e LOPES, 2019, p. 259). Dois dos eixos fundamentais dessa vertente dos estudos sobre regulação responsiva e relevantes para o presente trabalho são o republicanismo regulatório e pluralismo jurídico, descritos por Gunningham e Grabosky (1998) em sua obra referência sobre o tema. A incorporação de agentes não-regulados tem como objetivo também mitigar possíveis déficits de capacidades dos reguladores. As agências reguladoras são entidades públicas com conhecimento técnico especializado e desde Weber (1982, p. 231) já se reconhece a importância da capacitação com uma das características da burocracia moderna. Esse conhecimento é ainda mais relevante num contexto de governança de rede, já que, segundo Drahos (2004, p. 405), governança requer informação e a informação pode ser entendida como a base do conhecimento. Nesse sentido, uma das dimensões desse conhecimento para as agências reguladoras se refere às tecnologias utilizadas pelos regulados. Esse aspecto se reflete na dinâmica e em outras características setoriais, cuja compreensão é indispensável ao regulador. Com isso, reconhece-se que a presença de conhecimento tecnológico no ecossistema regulatório importa para uma boa regulação. No entanto, o desenvolvimento de novas tecnologias não cabe ao regulador e é produzido, em grande medida, por agentes não-regulados. Reconhece-se, então, como corolário da importância do conhecimento tecnológico, a necessidade de se incorporar esses atores não-regulados no processo regulatório por meio de arranjos de governança nodal. A busca por responsividade: o desenho regulatório dos testes de convivência... (p. 131-148) 135 CARNEIRO, L. A. A busca por responsividade: o desenho regulatório dos testes de convivência de serviços de telecomunicações no Brasil. Revista de Direito Setorial e Regulatório, v. 8, nº 1, p. 131-148, maio 2022. DESCRIÇÃO DOS CASOS ESTUDADOS Os casos utilizados neste estudo diferenciam-se dos casos usualmente tratados no contexto de regulação responsiva, os quais buscam a conformidade regulatória. Os casos ora apresentados situam-se num contexto distinto, o de construção de regulamentação para introdução de novos serviços com o mínimo de conflitos com serviços legados. Para a resolução desses eventuais conflitos, há uma variedade de alternativas, como a realocação de serviços legados, construção de bandas de guarda, introdução filtros nos equipamentos receptores, dentre outras (OECD, 2014, p.33). Para se garantir a viabilidade e a possibilidade de comparação entre as soluções, muitas vezes há a necessidade da realização de testes, o que, de fato, aconteceu nos casos estudados. Para coleta de evidências, são estudados dois conjuntos de testes de convivência entre serviços de telecomunicações. O primeiro deles refere-se à limpeza da faixa de 700 MHz, processo que gera o chamado “dividendo digital”, o qual proporcionou a introdução de tecnologias 4G no referido espectro. O segundo caso trata-se da limpeza da faixa de 3,5 GHz, ocupada por transmissões de TV aberta via satélite (TVRO – Television receive-only), para introdução da tecnologia 5G nessa banda de frequências. Caso 1: Introdução do 4G na faixa de 700 MHz A introdução da TV Digital propicia com que um mesmo número de canais de TV possa ser transmitido num espectro mais restrito, uma vez que a tecnologia digital é mais eficiente na transmissão de informações. Com isso, há a possibilidade de liberação de mais radiofrequências tanto para novos canais de TV, quanto para outras aplicações. Essa possibilidade ficou conhecida como “dividendo digital”, pois há um ganho espectral advindo da digitalização de transmissões analógicas de TV (ITU, 2010, p. 75). A introdução de novos serviços, no entanto, tem que ser feita com cautela para se evitar tanto interferências dos novos sistemas sobre canais de TV, quanto de canais de TV sobre os novos serviços. No caso brasileiro, os novos serviços planejados para o dividendo digital foram os de banda larga móvel, notadamente a tecnologia 4G (LTE – Long Term Evolution), que precisavam então conviver harmonicamente com as transmissões de radiodifusão terrestre. Para as transmissões de TV digital brasileira, utilizou-se o padrão ISDB- T (Integrated Services Digital Broadcasting Terrestrial), padrão desenvolvido no Japão, com adaptações para o caso brasileiro. Essas adaptações geraram um novo padrão internacional (ISDB-Tb) com características técnicas diferentes do caso japonês (PISCIOTTA, 2010). Essas diferenças fizeram o caso brasileiro único à época, o que poderia levar a interferências e problemas de convivência 136 A busca por responsividade: o desenho regulatório dos testes de... (p. 131-148) CARNEIRO, L. A. A busca por responsividade: o desenho regulatório dos testes de convivência de serviços de telecomunicações no Brasil. Revista de Direito Setorial e Regulatório, v. 8, nº 1, p. 131-148, maio 2022. entre os serviços de banda larga móvel e os de radiodifusão terrestre de sons e imagens. Assim, houve a necessidade de se avaliar como esses serviços iriam se comportar na prática, considerando características reais tanto dos equipamentos de TV residenciais, quanto dos transmissores das emissoras de TV, da infraestrutura de 4G e de seus terminais. Isso tudo deveria ainda ser combinado com condições populacionais, geográficas e socioeconômicas do país. Essas avaliações, feitas a partir de testes de convivência desenvolvidos por um conjunto de atores sob a coordenação da Anatel, envolveram tanto testes laboratoriais (ANATEL, 2014a), quanto testes de campo (ANATEL, 2014b). Os testes apontaram medidas que viabilizaram a licitação da faixa de 700 MHz para banda larga móvel (ANATEL, 2014c), caracterizando-se como uma medida exitosa e que forneceu a base para a construção, no edital de licitação da faixa, soluções inovadoras, como a EAD (Entidade Administradora do Processo de Redistribuição e Digitalização dos Canais de TV e RTV) e o GIRED (Grupo de Implantação do Processo de Redistribuição e Digitalização de Canais de TV e RTV). A EAD era uma entidade formada pelos vencedores do edital de licitação da faixa de 700 MHz e promoveu, sob a supervisão do GIRED, diversas atividades operacionais para garantir a convivência entre os serviços (ANATEL, 2014d). Caso 2: Introdução do 5G na faixa de 3,5 GHz Em 2019, novo arranjo para realização de testes foi necessário. Trata-se da introdução de sistemas de banda larga móvel com tecnologia 5G na faixa de 3,5 GHz, faixa em que há transmissões de radiodifusão aberta por satélite. Internacionalmente, essa faixa é utilizada pelo serviço fixo por satélite, que têm condições de operação distintas dessa aplicação no Brasil (ITU, 2020, p.124)1. Desta forma, assim como no caso da faixa de 700 MHz já descrito, há peculiaridades do caso brasileiro que dificultaram o uso de resultados internacionais para a implantação dos novos serviços. Com isso, houve a necessidade novamente da realização de testes laboratoriais e de campo (ANATEL, 2019), só que agora com atores distintos, já que a situação-problema envolvia outros serviços de telecomunicações e outras tecnologias. 1Na tabela de alocação da Região 2, que corresponde às Américas, a referida faixa de frequências está alocada para o FSS (Fixed Satellite Service), enquanto que no Brasil o uso tem características de BSS (Broadcast Satellite Service). A busca por responsividade: o desenho regulatório dos testes de convivência... (p. 131-148) 137 CARNEIRO, L. A. A busca por responsividade: o desenho regulatório dos testes de convivência de serviços de telecomunicações no Brasil. Revista de Direito Setorial e Regulatório, v. 8, nº 1, p. 131-148, maio 2022. ANÁLISE DOS CASOS Entidades participantes Com base nos relatórios dos testes anteriormente citados, pode-se perceber a participação das seguintes entidades, classificadas de acordo com seu perfil: 138 A busca por responsividade: o desenho regulatório dos testes de... (p. 131-148) CARNEIRO, L. A. A busca por responsividade: o desenho regulatório dos testes de convivência de serviços de telecomunicações no Brasil. Revista de Direito Setorial e Regulatório, v. 8, nº 1, p. 131-148, maio 2022. Somente Caso 1 Somente Caso 2 Casos 1 e 2 Regulador/órgão público Ministério das Comunicações IPqM (Marinha) Anatel Regulado/Presta dor GSMA Rede Vida Sindisat Bandeirantes ABERT ABRATEL Claro Oi Globo Record Sinditelebrasil Telefonica-Vivo TIM Desenvolvedor de tecnologia e equipamentos Hitachi-Kokusai- Linear JDSU Maxlinear Screen Service Bedinsat BrasilSat Century Eldtec Elsys Embrasat Ericsson Greatek Rohde & Schwarz Viavi Visiontec CPqD Huawei Proeletronic Qualcomm Laboratório de Certificação CertLab Associação Técnica SET Terceiro Setor Instituto Avanzi Universidade/Ce ntro de Pesquisa Inatel UnB Mackenzie Não Identificado Aeromax Tabela 1: Entidades participantes dos casos estudados. Como se percebe, há uma grande variedade de tipos de entidades. Para algumas, há certa dificuldade de classificação e outras categorizações poderiam ser imaginadas, dependendo do critério adotado. Esses atores vêm de diversas redes de conhecimento, caracterizando o ambiente dos testes como uma espécie de nó superestrutural (DRAHOS, 2004), mesmo que sua mobilização tenha sido temporária. Com isso reconhece-se que os recursos informacionais e até mesmo materiais, como estrutura laboratorial e A busca por responsividade: o desenho regulatório dos testes de convivência... (p. 131-148) 139 CARNEIRO, L. A. A busca por responsividade: o desenho regulatório dos testes de convivência de serviços de telecomunicações no Brasil. Revista de Direito Setorial e Regulatório, v. 8, nº 1, p. 131-148, maio 2022. de equipamentos, estão dispersos numa multiplicidade de atores, exigindo estratégias de governança nodal. Diferenças e similaridades entre os casos A lista das entidades participantes dos dois casos revela algumas similaridades. A primeira delas é a participação das reguladas interessadas, que, nesse caso, são tanto empresas de telefonia móvel, como emissoras de TV. Cabe destacar que nesse rol aparecem também as associações desses regulados, revelando um grau de organização para defesa de interesses coletivos. Destaca-se também a presença de desenvolvedores de tecnologia e fabricantes de equipamentos, tanto brasileiros, quanto estrangeiros. Aparecem em ambos os casos, associações técnicas, como a ABINEE e a SET, em que pese a primeira também poder ser classificada na categoria “desenvolvedor de tecnologia e equipamentos”, já que se trata de associação de empresas dessa natureza. Outro destaque também é a participação do CPqD (Fundação Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações). Essa fundação era o centro de pesquisas do sistema Telebrás antes da privatização do setor de telecomunicações no país na década de 1990, constituindo-se importante centro de pesquisa e desenvolvimento. Há que se destacar ainda o número de entidades participantes dos testes, em torno de 30 para ambas as situações. Quanto às diferenças, percebe-se que o caso dos 700 MHz teve uma participação mais intensa do setor acadêmico e de laboratórios de certificação. No segundo caso, entretanto, um dos laboratórios utilizados para os testes foi o do centro de pesquisa da Marinha do Brasil, o que não aconteceu no primeiro caso2. Pode-se supor que a maior participação do setor acadêmico nos testes envolvendo a radiodifusão terrestre decorreu do importante papel que esse setor exerceu no debate sobre implantação da TV Digital no país. Esse debate criou competências e uma comunidade de desenvolvimento em torno do tema. No primeiro caso, houve a participação de entidades do terceiro setor, o que não aconteceu no segundo caso, o que poderia trazer olhares diferenciados para o processo. Essa constatação corrobora com o previsto por Braithwaite (2006) ao apontar uma menor participação de ONGs no processo regulatório em países em desenvolvimento do que em países desenvolvidos que, supostamente, têm um terceiro setor mais proeminente. 2No primeiro caso, houve testes posteriores que usaram infraestrutura do CCOMGEX (Comando de Comunicações e Guerra Eletrônica do Exército). Fonte: http://www19.senado.gov.br/sdleg-getter/documento/download/d88a373c-3b12-4515- b70c-8ad496c760d1 (acesso em 23/09/2021). http://www19.senado.gov.br/sdleg-getter/documento/download/d88a373c-3b12-4515-b70c-8ad496c760d1 http://www19.senado.gov.br/sdleg-getter/documento/download/d88a373c-3b12-4515-b70c-8ad496c760d1 140 A busca por responsividade: o desenho regulatório dos testes de... (p. 131-148) CARNEIRO, L. A. A busca por responsividade: o desenho regulatório dos testes de convivência de serviços de telecomunicações no Brasil. Revista de Direito Setorial e Regulatório, v. 8, nº 1, p. 131-148, maio 2022. Papel de atores não regulados Ambos os casos lidaram com o estado da arte da tecnologia a ser implementada nas redes brasileiras. Esse fato combinado com a convivência dessas tecnologias com tecnologias legadas necessitou também de um sólido conhecimento das últimas e de peculiaridades do ambiente regulatório brasileiro. Com isso, foi praticamente mandatório que o país desenvolvesse soluções próprias, dadas as características únicas da combinação de tecnologias novas com serviços legados específicos. Para a viabilidade dos testes, foi então preciso a participação de outras entidades que não os próprios operadores de redes outorgados à prestação de serviços de telecomunicações ou radiodifusão (regulados). A participação desses atores não-regulados, como laboratórios de certificação, fabricantes de equipamentos, universidades e centros de pesquisa trouxe conhecimento tecnológico, estrutura, equipamentos, bem como a visão de uma terceira parte, mitigando-se eventuais conflitos de interesse. O envolvimento desses atores robusteceu os testes e favoreceu o desenvolvimento de soluções adequadas às realidades do país e às suas idiossincrasias regulatórias, geográficas e socioeconômicas. Com base nesse conhecimento e na maior imparcialidade desses atores, a agência reguladora teve melhores condições de embasar suas decisões e atenuar visões divergentes advindas de regulados com interesses conflitantes. Com essa atuação em rede, percebe-se a lógica do tripartismo, evitando-se medidas regulatórias discricionárias unilaterais, ou até mesmo riscos de captura pela proximidade de reguladores e regulados (AYRES e BRAITHWAITE, 1992, p. 54-100). Esses atores não-regulados, mas com conhecimento minucioso e detalhista, podem mergulhar mais profundamente nas questões técnico- regulatórias, detectando problemas e dificuldades que, sem eles, não poderiam ser antecipadas. Esses benefícios são relativamente análogos aos benefícios da fiscalização privada no caso da busca por conformidade, a qual pode ser mais ostensiva, com profissionais especializados (BRAITHWAITE, 1982, p. 1468). De maneira análoga, as soluções advindas dos testes podem ser internalizadas e operacionalizadas com maior segurança, já que envolvem atores internos dos regulados e dos fornecedores de insumos. Com isso, há maiores garantias de que as soluções desenvolvidas serão adequadas, quando implementadas em escala, do que soluções baseadas exclusivamente em avaliações extrínsecas do regulador. De maneira geral, as regulamentações são construídas unilateralmente pelo regulador baseado em informações advindas de consultas públicas e outras maneiras de interação com os regulados e outros atores. De outra parte, existem padronizações advindas de arranjos quase que exclusivamente privados, como A busca por responsividade: o desenho regulatório dos testes de convivência... (p. 131-148) 141 CARNEIRO, L. A. A busca por responsividade: o desenho regulatório dos testes de convivência de serviços de telecomunicações no Brasil. Revista de Direito Setorial e Regulatório, v. 8, nº 1, p. 131-148, maio 2022. 3GPP, IEEE, dentre outros. O que a experiência dos casos descritos revela é que existem práticas que podem combinar elementos desses dois “tipos ideais” de regulamentação, aproveitando-se de maiores pontos de interação e interlocução do que momentos isolados, como consultas públicas. O arranjo dos testes de convivência utilizou, assim, um desenho regulatório típico de uma regulação inteligente, resumida em quatro sugestões de Howlett e Rayner (2004, p. 173): a) instrumentos regulatórios que possibilitem interações positivas entre os atores e que respondam à estrutura da indústria regulada e ao contexto; b) considerar todos os instrumentos regulatórios disponíveis e sem se vincular à dicotomia entre regulação e mercado; c) num contexto de pressão sobre governos para “fazer mais com menos”, favorecer técnicas baseadas em incentivos, autorregulação e envolvimento de terceiros; d) procura por novos instrumentos regulatórios para atender aos desafios de governança. Nesse contexto, técnicas de gerenciamento de rede são particularmente importantes para se chegar a resultados virtuosos. Para isso, deve-se compreender a lógica que rege a participação dos entes não-regulados a fim de se verificar a quais estímulos esses atores respondem. No caso do setor acadêmico, a valorização de atividades de extensão com maior ponderação nas avaliações da Capes poderia ser um diferencial. Para os fabricantes, a visualização de possibilidades de desenvolvimento de produtos inovadores e de novos mercados para soluções advindas dos testes parece ser também um grande motivador. A compreensão apurada desses fatores tende a levar a um arranjo institucional que incentive a participação desses agentes, a qual se dá em bases essencialmente voluntárias. Atores financiados e não financiados pelo Funttel Cabe destacar ainda que o Brasil possui políticas de desenvolvimento tecnológico para o setor de telecomunicações, especialmente por meio do Funttel (Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações). Esse fundo, regido pela Lei nº 10.052, de 28 de novembro de 2000, já foi utilizado para o financiamento de diversas iniciativas, conforme demonstram resultados apresentados (BRASIL, 2020). Ao longo de sua existência, o fundo realizou aportes de cerca de R$ 1,5 bilhão, dos quais destacam-se os valores destinados ao CPqD para continuidade de pesquisas e desenvolvimentos que datavam de antes da privatização do sistema Telebrás. A tabela abaixo compila as entidades beneficiadas pelo Funttel e que participaram de algum dos dois testes descritos: Entidade Valores 142 A busca por responsividade: o desenho regulatório dos testes de... (p. 131-148) CARNEIRO, L. A. A busca por responsividade: o desenho regulatório dos testes de convivência de serviços de telecomunicações no Brasil. Revista de Direito Setorial e Regulatório, v. 8, nº 1, p. 131-148, maio 2022. Brasilsat Harald R$ 6.056.046,43 Fundação CPqD R$ 661.801.009,18 Hitachi Kokusai Linear Equipamentos Eletrônicos 3 R$ 6.901.884,58 Inatel 4 R$ 39.583.960,33 Instituto Presbiteriano Mackenzie R$ 3.670.491,30 Tabela 2 – Entidades participantes dos testes e patrocinadas pelo Funttel. Como se percebe, há a participação de entidades financiadas pelo Funttel em processos regulatórios, evidenciando um entrelaçamento entre a regulação setorial e políticas de desenvolvimento tecnológico para o mesmo setor. Esse entrelaçamento no setor de telecomunicações já era perceptível na gestão do Funttel, uma vez que a Anatel participa do conselho gestor do fundo (inciso IV do §1º do art. 2º da Lei nº 10.052/2000). No entanto, não se percebe uma institucionalização da participação específica de universidades, centros de pesquisa e desenvolvedores de tecnologia nas instâncias participativas da agência. O próprio Conselho Consultivo da Anatel, estabelecido em sua lei de criação, não previu a participação desse tipo de ator no fórum (art. 34 da Lei nº 9.472/1997). Conforme apontaram os dados, o Funttel auxiliou na construção de um ecossistema regulatório mais completo e foi importante na viabilização dos testes de convivência e na elaboração de alternativas regulatórias. Com isso, percebe-se que os recursos desse fundo apresentam externalidades positivas que vão além do desenvolvimento tecnológico em si. Com a compreensão do entrelaçamento entre as políticas, pode-se imaginar a possibilidade de que o Funttel e outros fundos congêneres possam aprovar projetos, testes ou outros tipos de arranjos para resolução de situações- problema advindas de demandas regulatórias específicas. A própria Constituição Federal já aponta para a importância do desenvolvimento tecnológico para o sistema produtivo, especialmente após as alterações promovidas pela Emenda Constitucional nº 85/2015: Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação. § 1º A pesquisa científica básica e tecnológica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso da ciência, tecnologia e inovação. 3Soma das entidades “Hitachi Kokusai Linear Equipamentos Eletrônicos”, “Hitachi Kokusai” e “Linear Equipamentos Eletrônicos”. 4Soma referente aos valores das entidades “Inatel” e “Fundação Instituto Nacional de Telecomunicações”. A busca por responsividade: o desenho regulatório dos testes de convivência... (p. 131-148) 143 CARNEIRO, L. A. A busca por responsividade: o desenho regulatório dos testes de convivência de serviços de telecomunicações no Brasil. Revista de Direito Setorial e Regulatório, v. 8, nº 1, p. 131-148, maio 2022. § 2º A pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional. § 3º O Estado apoiará a formação de recursos humanos nas áreas de ciência, pesquisa, tecnologia e inovação, inclusive por meio do apoio às atividades de extensão tecnológica, e concederá aos que delas se ocupem meios e condições especiais de trabalho. § 4º A lei apoiará e estimulará as empresas que invistam em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao País, formação e aperfeiçoamento de seus recursos humanos e que pratiquem sistemas de remuneração que assegurem ao empregado, desvinculada do salário, participação nos ganhos econômicos resultantes da produtividade de seu trabalho. § 5º É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular parcela de sua receita orçamentária a entidades públicas de fomento ao ensino e à pesquisa científica e tecnológica. § 6º O Estado, na execução das atividades previstas no caput, estimulará a articulação entre entes, tanto públicos quanto privados, nas diversas esferas de governo. § 7º O Estado promoverá e incentivará a atuação no exterior das instituições públicas de ciência, tecnologia e inovação, com vistas à execução das atividades previstas no caput. (grifos nossos) Apesar da importância do desenvolvimento científico e tecnológico para o ambiente econômico ser muito reconhecida, sua aplicação ao ambiente regulatório, que pode ser entendido como parte do ambiente econômico, é raramente destacada. Espera-se que, com o detalhamento desses casos à luz da Teoria da Regulação Responsiva, a importância do desenvolvimento tecnológico sobre a regulação possa ser melhor compreendida. Ambiente dos testes O ambiente de discussão criado pelos testes é algo bastante interessante de se observar. Nesse mesmo ambiente laboratorial colaboraram pessoas com diversas experiências e distintas visões sobre o setor de telecomunicações. Longe de se fazer uma análise antropológica do ambiente laboratorial, como fizeram Latour e Woolgar (1988), o ambiente dos testes foi muito diferente do ambiente regulatório tradicional, marcado por reuniões formais, geralmente em escritórios em Brasília, conflitos de interesse, interações pontuais e com muitas barreiras à interação franca e virtuosa. O ambiente dos testes foi mais informal e relaxado, como se percebe pelas fotos presentes nos relatórios. Nesse ambiente, as relações transpassam vínculos institucionais e passam a ser mais pessoais, a ponto de os colaboradores apontarem as amizades como legados do projeto (ANATEL, 2014c, p.84). Esses vínculos e relações informais certamente são ativos setoriais que podem ser mobilizados em outras situações, algo essencial num setor com rápidas e constantes evoluções tecnológicas, como o setor de telecomunicações. 144 A busca por responsividade: o desenho regulatório dos testes de... (p. 131-148) CARNEIRO, L. A. A busca por responsividade: o desenho regulatório dos testes de convivência de serviços de telecomunicações no Brasil. Revista de Direito Setorial e Regulatório, v. 8, nº 1, p. 131-148, maio 2022. O clima propiciado por interações mais longas e contínuas gerou uma atmosfera de colaboração típica de equipes laboratoriais. Um laboratório existe justamente para que diversas tentativas não exitosas possam ser experimentadas antes de que um sucesso seja alcançado. A pressão por resultados e a expectativa dos novos serviços também colaboraram para o uso de estratégias do tipo “falhe rápido, aprenda rápido, ajuste rápido” e “experimente, aprenda, aprimore, repita”, já destacada por Braithwaite (2014, p. 22). Essa responsividade é advinda da própria dinâmica da indústria de telecomunicações, com rápidas e intensas mudanças tecnológicas. Assim, os testes criaram experiências para o desenho e introdução de experiências futuras utilizando-se conceitos como o sandbox regulatório e laboratórios de inovação, por exemplo. Esses conceitos já aparecem na legislação e em experiências de alguns setores brasileiros. A Lei de Governo Digital (Lei nº 14.129/2021) traz um capítulo inteiro sobre Laboratórios de Inovação e a Lei Complementar nº 182/2021, conhecida como Marco Legal das Startups, traz também um capítulo inteiro sobre sandbox regulatório. Por fim, o Banco Central do Brasil pode ser apontado como um exemplo de implementação dos dois conceitos5, que guardam algumas similaridades com os casos estudados neste trabalho. Os próprios debates sobre o OpenRAN no Brasil e em outros países poderiam se beneficiar enormemente de arranjos de testes laboratoriais e de abordagens da regulação responsiva na construção de “pirâmides de regulamentação”6 adequadas à dinâmica do setor de comunicações móveis. CONCLUSÃO É importante que o artigo seja escrito para uma grande audiência. Este modelo está voltado a uniformizar os requisitos formais de submissão de artigo à Revista. Ao aderir ao que consta deste modelo, os requisitos formais de artigo científico exigidos pela Revista terão sido cumpridos. Os casos estudados são inovações regulatórias que provavelmente não encontrariam soluções adequadas para as situações-problema se não fosse o envolvimento de um conjunto de atores estatais, não-estatais, de entidades reguladas e não-reguladas. 5https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/sandbox (acesso em 23/09/2021).https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/LIFT (acesso em 23/09/2021). 6Poderia se pensar em uma “pirâmide de regulamentação” aplicada exclusivamente ao processo de construção de normas técnicas, em e não no processo regulatório mais amplo, que envolve também os diversos mecanismos para a busca da conformidade. https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/sandbox https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/LIFT A busca por responsividade: o desenho regulatório dos testes de convivência... (p. 131-148) 145 CARNEIRO, L. A. A busca por responsividade: o desenho regulatório dos testes de convivência de serviços de telecomunicações no Brasil. Revista de Direito Setorial e Regulatório, v. 8, nº 1, p. 131-148, maio 2022. A participação de atores não regulados, como laboratórios de certificação, desenvolvedores de tecnologia, universidades e institutos de pesquisa foram essenciais no desenvolvimento de soluções regulatórias. Reconhece-se então a contribuição que esses atores podem trazer para o ecossistema regulatório. Por outro lado, a participação de organizações não governamentais foi bastante reduzida em que pese o caráter eminentemente técnico dos testes. Com o desenvolvimento de testes e soluções com a participação de diversos atores e partes interessadas, houve diversas externalidades positivas, tais como maior conhecimento do regulador sobre as tecnologias da indústria regulada; construção de relações de confiança entre as partes interessadas; maiores possibilidades de interação e construção de soluções dialogadas; e oportunidades de inovação regulatória apoiadas em conhecimento técnico. Esses benefícios dotaram o ecossistema setorial de maior maturidade, podendo desenvolver soluções exitosas como a EAD no edital do 4G e com grande potencial de êxito, como a EAF no edital do 5G. A construção dessas soluções regulatórias baseadas em testes de laboratório e de campo possibilitam, assim, a pavimentação de um caminho de menor resistência (BRAITHWAITE, 1985, p. 126). Essa atuação em rede incorpora visões, capacidades e competências distintas, o que amplia as possibilidades de atuação, abrindo margem para inovações regulatórias e também tecnológicas. Esse arranjo com uma multiplicidade de atores, especialmente estatais, não estatais e do meio acadêmico não deixa de lembrar a estrutura de hélice tripla, tão celebrada como mecanismo para geração de inovações (ETZKOWITZ e LEYDESDORFF, 2000). Além disso, a incorporação de atores não regulados pode ser entendida como uma estratégia de regulação responsiva, pois fornece a lógica de atuação tripartite (AYRES e BRAITHWAITE, 1992). Num contexto de um setor com rápida dinâmica tecnológica, como o de telecomunicações, a inserção de atores com conhecimento tecnológico responde a características específicas da indústria regulada (ARANHA e LOPES, 2019, p. 213). Extrai-se, portanto, das experiências com os testes de convivência, que a teoria da regulação responsiva pode ser utilizada em outros contextos, não só na busca pela conformidade, como já acontece em algumas situações no setor de telecomunicações brasileiro (ARANHA, 2016). Percebe-se que o desenvolvimento de regulamentações adequadas à realidade se robustece com a utilização de princípios da regulação responsiva, atendendo às crescentes expectativas sobre a atuação das agências reguladoras. 146 A busca por responsividade: o desenho regulatório dos testes de... (p. 131-148) CARNEIRO, L. A. A busca por responsividade: o desenho regulatório dos testes de convivência de serviços de telecomunicações no Brasil. Revista de Direito Setorial e Regulatório, v. 8, nº 1, p. 131-148, maio 2022. A estratégia de governança em rede adotada e a participação de atores não regulados com conhecimento técnico colaborou na elaboração das alternativas à atuação estatal, descartando aquelas inviáveis, bem como propondo soluções que dificilmente poderiam ser encontradas pelo regulador ou por qualquer dos atores privados individualmente. Ressalva-se que o arranjo para realização dos testes só foi implementado devido a peculiaridades do caso concreto em que o uso de abordagens inovadoras de atuação em rede foram praticamente obrigatórias. Essa atuação em rede é uma estratégia que ainda não está sedimentada na cultura regulatória setorial e seria interessante que arranjos com a participação de desenvolvedores de tecnologia fossem propiciados em outros contextos menos extremos, o que possivelmente resultaria no desenvolvimento de soluções mais virtuosas. Vale mencionar que o uso de arranjos como os estudados dependem da existência de fabricantes de equipamentos e de desenvolvedores de tecnologia. Por esse motivo, percebe-se a existência de um entrelaçamento entre políticas de desenvolvimento tecnológico e políticas regulatórias, bem como demonstra a existência de externalidades positivas do desenvolvimento tecnológico sobre a regulação setorial. A participação desses atores ocorreu, em grande medida, porque o Brasil é um país com um grande mercado de telecomunicações e com políticas de desenvolvimento tecnológico longevas. Essas condições propiciaram a existência de uma comunidade de entidades com relativo domínio tecnológico. Isso se reflete nos casos estudados, uma vez que entidades financiadas por políticas de desenvolvimento tecnológico, como o Funttel, estavam presentes e foram essenciais na realização dos testes. A ausência ou a participação mais tímida desses atores certamente teria trazido prejuízos para a pluralidade de visões e para o aprofundamento de discussões técnicas e do desenvolvimento de arranjos institucionais que levaram à realização dos testes reportados neste estudo. Essa relevância deixa claro o impacto de políticas de desenvolvimento tecnológico sobre a qualidade da regulação. Por fim, espera-se que experiências como as relatadas possam servir de inspiração para outras situações e na incorporação de agentes regulados e não regulados dotados de capacidade técnica na busca por soluções responsivas e adequadas às peculiaridades de cada caso. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANATEL, Agência Nacional de Telecomunicações. Relatório de Teste Laboratorial de Interferência do LTE na faixa de 700 MHz no ISDB- T. Brasília, 2014a. A busca por responsividade: o desenho regulatório dos testes de convivência... (p. 131-148) 147 CARNEIRO, L. A. A busca por responsividade: o desenho regulatório dos testes de convivência de serviços de telecomunicações no Brasil. Revista de Direito Setorial e Regulatório, v. 8, nº 1, p. 131-148, maio 2022. ANATEL, Agência Nacional de Telecomunicações. Relatório do Teste em Campo sobre a Convivência do LTE na faixa de 700 MHz no ISDB-T. Brasília, 2014b. ANATEL, Agência Nacional de Telecomunicações. Testes de Convivência LTE x TVD: Laboratório e Campo. Brasília, 2014c. ANATEL, Agência Nacional de Telecomunicações. Edital de Licitação nº 2/2014. Brasília, 2014d. ANATEL, Agência Nacional de Telecomunicações. Relatório dos Testes de Convivência entre o IMT Operando na Faixa de 3,5 GHz e Sistemas Satelitais Operando em Faixa Adjacente. Brasília, 2019. ARANHA, M. I. Telecommunications Regulatory Design in Brazil: Networking around State Capacity Deficits. Economia Pubblica, v. 25, n. 2, p. 83-105, 2016. ARANHA, M. I.; LOPES, O. de. A. 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