82 Aprender a escrever em contextos multilingues através da descrição de obras de arte Origem do artigo Este artigo surge do trabalho de investigação-ação rea- lizado no âmbito do mestrado em Didática da Língua Portuguesa, desenvolvido no ano letivo 2012-2013. O trabalho foi preparado entre setembro e outubro de 2012, implementado entre outubro de 2012 e junho de 2013. Os dados foram analisados posteriormente e apresentados na tese de mestrado Arte D’Escrita- Desenvolvimento da Escrita em Alunos de Língua Materna e Alunos de Língua Não Materna, apresen- tada em março de 2014. Recebido: janeiro 13, 2017 Aceito: julho 17, 2017 Disponível online: dezembro 18, 2017 Submission Date: January 13th, 2017 Acceptance Date: July 17th, 2017 Available Online: December 18th, 2017 doi:10.11144/Javeriana.syp36-71.aecm Aprendizaje de la escritura por medio de la descripción de obras de arte en un contexto multilingüe Writing Learning Using the Description of Works of Art in a Multilingual Context Ágata Pereira Portuguesa. EB1 JI da Venteira, Agrupamento de Escolas Amadora Oeste. Escola Superior de Educação de Lisboa. Mestre em Didática da Língua Portuguesa. agatish_mu@sapo.pt Carolina Gonçalves Portugal. Escola Superior de Educação de Lisboa. CICS. Nova, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa. PhD em Teoria Curricular e Metodologias de Ensino, Professora Adjunta na Escola Superior de Educação de Lisboa Campus de Benfica do IPL -1549-003 Lisboa. carolinag@eselx.ipl.pt 83 Resumo O ensino integrado das artes motiva os alunos e complementa a aquisição de linguagem, permitindo aos alunos beneficiar de experiências interdisciplinares entre linguagem e arte (Haust, 2008). O artigo apresenta um projeto de investigação-ação de natureza inclusiva e transdisciplinar desenvolvido num contexto de diversidade linguística e cultural. Os principais obje- tivos do estudo foram: (i) desenvolver competências de escrita através da arte em alunos de português língua não materna (PLNM) e (ii) melhorar as competências de escrita em alunos de língua materna, oriundos de meios socioeconómicos des- favorecidos. O programa foi implementado numa turma de 3.º ano do 1º. Ciclo E.B e incidiu na produção escrita de textos descritivos. Os resultados obtidos no pós-teste mostram evoluções globais nas produções. Os textos são mais extensos, com marcadores textuais de macro e microestrutura do texto descritivo. Os alunos L2 evoluíram especialmente na qualidade das produções escritas e no enriquecimento de vocabulário. Palavras-chave: didática da língua; escrita; texto descritivo; contexto multilingue Resumen La enseñanza integrada de artes motiva a los estudiantes y apoya la adquisición del lenguaje, ya que combina la lectura, la escritura y las actividades orales, lo que permite a los estudiantes beneficiarse de las experiencias interdisciplinarias entre el lenguaje y el arte (Haust, 2008; Faisal y Wulandari, 2013). Actualmente la escuela portuguesa es diversa en términos lingüísticos y sociales, integrando estudiantes de alrededor de 120 nacionalidades. Para estos estudiantes es una tarea compleja adquirir habilidades en portugués porque en la mayoría de los casos el idioma de la escuela no es su lengua materna (Wang y Wen, 2002, Silva y Gonçalves, 2011). Con estos antecedentes, este trabajo presenta un proyecto de investigación-acción de naturaleza inclusiva y transdisciplinaria, desarrollado en contextos multilingües desfavorecidos; el enfoque principal de este estudio fue el de: (i) mejorar el desarrollo de las habilidades de escritura a través del arte en estudiantes de diferente lengua nativa, y (ii) aumentar el desarrollo de habilidades de escritura en estudiantes nativos, pero que provienen de contextos socioeconómicos desfavorecidos. Trabajamos con niños en tercer grado de primaria en un programa de intervención de escritura durante 9 meses, escribiendo un texto descriptivo usando las artes y fueron evaluados antes y después de la prueba en la que se les pidió escribir un texto descriptivo siguiendo una pieza de art. Los resultados obtenidos en la prueba posterior mostraron mejoras en el rendimiento general de los estudiantes, escribieron textos más largos con marcadores de macro y microestructura de textos descriptivos, especialmente en los estudiantes de portugues como segunda lengua, en términos de producción de escritura y enriquecimiento de vocabulario. Palabras clave: didáctica del lenguaje; escritura; texto descriptivo; contexto multilingüe Abstract Teaching integrated arts motivates students and supports language acquisition because it integrates reading, writing and oral activities, allowing students to benefit from interdisciplinary experiences between language and art (Haust, 2008; Faisal y Wulandari, 2013). The Portuguese School is currently linguistically and socially diverse, integrating students from about 120 nationalities. For these students to acquire skills in Portuguese is a complex task because the language of schooling is not, in most cases, their mother tongue (Wang y Wen, 2002; Silva y Gonçalves, 2011). With this background, this paper presents an action research project, of inclusive and transdisciplinary nature, developed in disadvantaged and multilingual contexts and the main focus of this study was: (i) to improve the development of writing skills through art in a non-native language students and (ii) to increase the development of writing skills in native students, but who are from disadvantaged socio-economic contexts. We worked with children in 3th grade of the primary school in a writing intervention program during 9 months writing a descriptive text using arts and they were evaluated in pre- and post-test in which they were asked to write a descriptive text following a piece of art. The results obtained in the post-test showed improvements in overall performance of students, writing longer texts with markers of macro and microstructure of descriptive texts, particularly students of Portuguese second language in writing production and vocabulary enrichment. Keywords: language didactics; writing; descriptive text; multilingual context 84 Ágata Pereira e Carolina Gonçalves Introdução Atualmente, a escola portuguesa recebe alunos oriundos de múltiplas nacionalidades ao longo dos vários ciclos. Em 2005, o Documento Orien- tador para o Português Língua Não Materna contava aproximadamente noventa mil estu- dantes de outras nacionalidades a frequentar o sistema de ensino português, concentrando-se cerca de 36 730 alunos no 1.º Ciclo do Ensino Básico (CEB) (Ministério de Educação, 2005), tendo o português como língua não materna (PLNM). Recentemente, segundo dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), no ano letivo de 2008-2009, frequentavam o ensino básico e secundário português, 58 520 crianças e jovens estrangeiros, com idades compreendidas entre os 5 e 18 anos (Hortas, 2013). Neste contexto multilingue e multicultural surge a necessidade de criar espaços de comu- nicação e de expressão livre para que todos os alunos que frequentam a escola o façam com sucesso. Para tal, a identificação de dificuldades e a seleção de tarefas adequadas são a chave apara a aquisição de competências de forma significativa. Para estas situações, a articulação entre as artes: desenho, pintura entre outras técnicas plás- ticas e os conteúdos de língua parece beneficiar o desenvolvimento linguístico dos alunos, uma vez que o desenho se constitui, desde cedo, como forma natural de expressão da criança, apoiando-a em termos comunicativos e na resolução de proble- mas (National Assembly of State Arts Agencies, 2006; Vygotsky, 2009). As artes têm uma profunda capacidade de enriquecer o desenvolvimento individual e social e podem ser um recurso imprescindível para pro- fessores de língua (Office of Bilingual Education and Foreing Languages Studies, 2010). O desenho é o modo de expressão mais natural nas crianças antes da aquisição da escrita que, por necessitar de ensino formal, revela discrepâncias entre as competências orais, artísticas e escritas (Vygotsky, 2009). Assim, importa definir um espaço de motivação e de comunicação que estabeleça a relação entre a escrita e as artes, ajudando a criança a desenvolver competências sem abandonar uma forma de expressão que lhe é mais natural. A articulação entre a arte e a escrita promove a concentração e observação, motiva a pesquisa sobre artistas conhecidos e desconhecidos e per- mite a fundamentação dos trabalhos que os alunos desenvolvem (Haust, 1998). A arte em escolas de meios desfavorecidos é um reduto para alunos que, de outra forma, dificilmente veriam a sua prestação valorizada, Aprender a escrever em contextos multilingues através da descrição de obras de arte 85 Ágata Pereira e Carolina Gonçalves | Aprender a escrever em contextos multilingues num contexto com poucos espaços de comunicação pessoal e livre. Alunos integrados em projetos de arte afirmam que o trabalho ao nível das artes conferiu sentido à frequência escolar, reduzindo a desmotivação e o risco de abandono escolar (Galef Institute of Los Angeles, 2003). Em Portugal, o ensino de arte contempla as áreas da expressão dramática, musical, físico- motora e plástica. Atualmente, o desenvolvimento destas áreas tem apenas três horas distribuídas no horário letivo semanal, fator que pode influenciar negativamente a evolução dos alunos, sobretudo em alunos do 1º. CEB. No entanto, considera-se que pode ser uma abordagem integradora de todos os alunos na aprendizagem da língua. Problemática A premissa apresentada anteriormente foi o ponto de partida para a implementação do projeto que aqui se apresenta, que tem como principais obje- tivos: desenvolver competências de Língua Por- tuguesa em alunos portugueses e em alunos com PLNM; trabalhar a produção textual, sobretudo do género descritivo; motivar e integrar os alunos PLNM em projetos de turma; promover o ensino das artes numa perspetiva transversal. Para alcançar estes objetivos, desenvolveu-se um programa de intervenção, composto por três fases: i) diagnóstico, que implicou a aplicação de um pré-teste, bem como o trabalho de conceitos prévios em termos de expressão plástica e a ela- boração de sequências didáticas (Camps, 2003); ii) programa de intervenção, que contemplou a implementação de seis sequências didáticas que articularam o desenvolvimento da produção escrita com o trabalho de expressão plástica; e iii) avaliação, que envolveu a aplicação do pós-teste e a avaliação da implementação do programa de intervenção. De forma a responder à questão- problema: “Como contribuir para o desenvolvi- mento da escrita em aluno L1 e L2 oriundos de contextos desfavorecidos, a partir do texto descri- tivo em articulação com as artes?”, definiram-se as seguintes questões: i) Qual o contributo do ensino da arte no desenvolvimento da aprendizagem da escrita no 1º. Ciclo, em contextos multiculturais?; ii) Qual o contributo da motivação dos alunos no processo de aprendizagem da escrita?; iii) Como se processa o desenvolvimento da escrita em alunos com português L1 e em alunos com PLNM? ; e organizou-se o programa de intervenção em três fases, tal como já foi referido anteriormente, com a duração de oito meses. Será importante salientar Signo y Pensamiento 71 · WRAB | pp. 82 - 97 · volumen XXXVI · julio-diciembre 2017 86 que, de acordo com a Lei de Bases do Sistema Educativo (1986) e outros documentos que regem a Escola Portuguesa, o 1.º Ciclo do Ensino Básico, em Portugal, é ministrado em monodocência pelo que cabe ao professor Titular de Turma, um professor generalista, com formação em todas as áreas disciplinares, assegurar o cumprimento dos currículos das várias disciplinas, em que se incluem o ensino de língua portuguesa e as áreas de expressão plástica e visual. Enquadramento teórico Aprendizagem da escrita de textos descritivos em contextos multilingues com recurso às artes Dados apresentados pelo observatório da imi- gração dão conta de quase 60 000 alunos no sistema educativo português, oriundos de cerca de 120 países, (Ministério da Educação, 2013). De acordo com o Documento Orientador do Portu- guês Língua Não materna (2005), estes alunos refletem necessidades ao nível linguístico, curri- cular e de integração, uma vez que a sua língua e cultura diferem da portuguesa, propondo-se, por isso, a aplicação de princípios de integração, de igualdade, de interculturalidade e de qualidade. Dada a diversidade linguística e cultural existente nas escolas portuguesas, a falta de res- postas adequadas tem contribuído para “[…] a manutenção e reprodução de índices elevados de exclusão ou desnivelamento social das populações minoritárias” (Caels y Mendes, 2008, p. 271). Importa, portanto, valorizar os conhecimentos, a cultura e a língua que os alunos PLNM trazem à priori, criar espaços multilingues e multicultu- rais em que as famílias se envolvam, de forma a motivar e elevar as expectativas escolares destes alunos (Gouveia y Solla, 2004). No entanto, para promover a aprendizagem de uma L2, é necessário recorrer a estratégias diferenciadoras do foro metacognitivo, cognitivo e sócio afetivo. Zabala (1998) apresenta um conjunto de relações interativas e facilitadoras das aprendizagens, que passam pela planificação flexível e adaptável às necessidades, pela atribuição de sentido às ativida- des, estabelecimento de metas e apoios, assim como a criação de canais de comunicação que favoreçam o debate de ideias e a cooperação. Tarefas em que a sua realização permite ao aluno reconhecer a sua pertinência e as suas finalidades concretas são potenciadoras de maior motivação e autonomia. A cooperação é igualmente uma estraté- gia fundamental na aprendizagem da língua, assumindo-se como realidade necessária ao sucesso escolar dos alunos. A partilha de processos e estratégias de resolução de problemas a par da dimensão afetiva atuam de forma enriquecedora e positiva no desenvolvimento da língua (Barbeiro y Pereira, 2007). Também Cassany (2007) refere o facto de a aprendizagem de uma língua ser sempre uma tarefa cooperativa, na medida em que requer comunicação e interação entre vários sujeitos e é, igualmente, meio de integração numa sociedade. Se em termos orais, a imersão promove a aquisição de uma nova língua de forma natural, na escrita este processo é mais complexo pois aprender a escrever implica a utilização da linguagem de uma forma distinta (Cassany, 1999). A participação dos alunos em processos interativos de produção escrita permite-lhes ace- der mais facilmente à linguagem das diferentes disciplinas do currículo, alcançando aprendiza- gens mais significativas (Niza, Seguro y Mota, 2011). Camps (2003) refere ainda que aprender a escrever implica a criação de relações através da linguagem escrita. Dada a necessidade de um processo formal de aprendizagem relativamente à aquisição da escrita, o programa de Língua Portuguesa (Buescu, Morais, Rocha y Magalhães, 2015) define como um dos seus primeiro descritores de desempenho “perceber que a escrita é uma representação da língua oral”, residindo aqui a importância da definição de modelos de escrita. Atualmente é consensual que o processo de realização de um texto, da conceção à redação, é interativo e recíproco, considerando-se esquemas específicos para a produção dos diferentes tipos ou géneros de texto, o que ajuda a identificar as estratégias e processos cognitivos utilizados pelos 87 Ágata Pereira e Carolina Gonçalves | Aprender a escrever em contextos multilingues alunos no processo de escrita (Hayes y Flower). A aprendizagem da escrita para alunos de lín- gua segunda (L2) é um desafio mais complexo do que para os alunos de língua materna (L1) (Silva y Gonçalves, 2010). A dificuldade na aquisição de competências linguísticas pode condicionar a pro- gressão académica dos alunos na generalidade das áreas. Castro (2005) entende, por isso, que é impor- tante perceber até que ponto os alunos imersos numa L2 recorrem à sua L1 durante os processos de escrita em L2. Na mesma linha, Wang e Wen (2002) propõem um modelo descritivo do processo de composição em L2 no qual sugerem que, apesar da tarefa e do seu resultado serem apresentados em L2, os alunos recorrem à L1 para gerar ideias, aceder a conhecimentos prévios e controlar do pro- cesso de escrita, vendo, assim, facilitados aspetos como a coerência e a mobilização de informação na escrita (Castro, 2005). Deduz-se, então, que, uma vez que há necessidade de recorrer a L1, quanto mais proficiente na sua língua materna for o aluno, melhores resultados poderá obter em L2, ou, como refere Cassany (2005), a literacia em L1 influencia as produções em L2. Recurso à sequência descritiva no projeto de intervenção Nas últimas décadas, vários foram os estudos na área da produção textual (Hayes y Flower, 1980; Graham, 1999; Graham y Harris, 2000), e das diferentes tipologias (Marcuschi, 2005; Marcuschi, 2008). Na definição do conceito de texto, refere-se uma unidade autónoma, dotada de uma superes- trutura que determina a forma textual e engloba os conceitos de macroestrutura e microestrutura. A primeira diz respeito à coerência do texto e à hierarquização dos seus elementos. A segunda corresponde ao conjunto de frases do texto que, ordenadas entre si, resultam na aquisição do sig- nificado global do texto (superestrutura) (Neves y Oliveira, 2001). Esta definição permite assim identificar diversas tipologias textuais que, por sua vez, podem agrupar vários géneros. Ressalva-se, porém, que dentro do mesmo texto, podem coexis- tir vários tipos de sequência textual, sobressaindo uma sequência dominante. No sentido de avançar uma tipologia de sequência textual, Adam (1992) aponta para sequências monogeradas: narrativas, descritivas, argumentativas e explicativas; e poligeradas: dialogais, na medida em preveem mais do que um locutor. Das sequências apresentadas pelos autor, no estudo aqui apresentado, optou-se por aprofundar a sequência descritiva por permitir levar ao recetor a forma como se perceciona qualquer aspeto do mundo que nos rodeia (Alvarez, 1998). Neves e Oliveira (2001) e Adam (1992) referem este tipo de sequência como pouco autónoma e frequente- mente subsidiárias de outras. A sequência descritiva caracteriza-se pela ausência de uma ordem linear fixa e obedece a uma hierarquia, possibilitando resumir toda a informação numa palavra: tema ou título, sendo este o elemento que define a estrutura do texto e agrupa todos os outros elementos. A descrição usa mecanismos de expansão textual que relacionam as propriedades ou qualidades ligadas ao tema. A expansão da sequên- cia é feita através de processos de aspetualização: elenco das partes e das suas propriedades; construção de relação: assimilação do objeto por comparação, metáfora ou metonímia; subtematização: enca- deando ou expandindo os elementos ou partes do objeto descrito (Neves y Oliveira, 2001). As autoras definem três passos para cumprir a hierarquia da sequência descritiva: (i) introdução: identificação do tema, situação no tempo, no espaço e na realidade face a quem descreve. O locutor assume aqui uma perspetiva mais realista (registo objetivo) ou recorre a emoções/sensações (registo subjetivo); (ii) desen- volvimento, no qual se identificam e caracterizam, a partir da perspetiva escolhida (geral/específica; fixa/ móvel), as partes que devem ser descritas organiza- damente e exploradas por todos os sentidos; e (iii) conclusão em que o locutor aprecia globalmente as qualidades ou características elencadas e revela uma visão do conjunto descrito. Para além da organização do texto, há que ter em conta questões micro e macroestruturais que retomam a análise no campo da frase e no uso de Signo y Pensamiento 71 · WRAB | pp. 82 - 97 · volumen XXXVI · julio-diciembre 2017 88 léxico (geral e específico) adequado. Importa tam- bém estabelecer relações lexicais, construções figu- rativas (comparações, metáforas), usar os verbos no tempo presente ou pretérito, recorrer a estruturas assindéticas, polissindéticas, caracterizadoras e modificadoras, adjetivar e utilizar localizadores decorrentes da organização do espaço (Silva, 2012). Costa e Pereira (2005) referem várias dificul- dades demonstradas pelos alunos na elaboração de textos descritivos e avançam que o recurso a atividades que desenvolvam competências ao nível da produção textual, no campo da explicitação linguística e da sua microestrutura, levam os alu- nos a progredir na produção escrita de sequências descritivas. Trata-se, então, de definir estratégias para o ensino de textos descritivos. Neste campo, Neves e Oliveira (2001) propõem atividades de sala de aula partilhadas ou cooperativas, à semelhança do que também é defendido para a aprendizagem de uma língua. Estas devem iniciar-se com ins- truções específicas que conduzam à estruturação do conhecimento, e que passam pela definição da entidade, localização no espaço e no tempo, apresentação, escolha do ponto e do modo de observação e definição dos sectores ou dos planos da observação. Este processo de organização e de planificação do texto é registado em grelhas que obedecem à estrutura textual convencional: introdução, desenvolvimento, conclusão, e sugere o recurso a imagens como suporte mais adequado a este tipo de texto. Por esta razão, a sequência descritiva apresenta-se assim como a mais favorável à arti- culação com as artes plásticas dada a propensão à exploração de cores, formas, imagens, entre outros aspetos (Faisal y Wulandari, 2013). Vários estudos relacionam o desenvolvimento de currículos ligados às artes ao sucesso académico dos alunos envolvidos nestes processos. As artes também parecem estar ligadas ao aspeto sócio afetivo e motivacional dos alunos (Haust, 2008; Iwai, 2003). Nesta linha, corrobora-se a opinião de Guedes (2012), quando afirma que a natureza eclé- tica, multidisciplinar e integradora das artes pode colocar desafios muito interessantes ao ensino. A autora (2012) associa ainda as artes à sua perspetiva transversal contemplando três tipos de atividade: execução, aplicando técnicas; criação, fazer algo novo; apreciação, através do contacto com obras de outros. E qualquer destas dimensões pode ser relacionada com a escrita, nomeadamente com a produção de textos descritivos. Metodologia O estudo foi baseado na metodologia de inves- tigação-ação, ocupando o professor um lugar privilegiado (Lima y Pacheco, 2006), no sentido da concretização de objetivos práticos definidos previamente (Ávila de Lima y Pacheco, 2006). Deste modo, foi possível ao professor contribuir para o ensino de forma mais ativa, sem se limitar à concretização de um currículo pré-definido (Alarcão, 2000). Pretendeu-se igualmente fazer face a dificul- dades inerentes ao ensino e às constantes mutações sociais que o caracterizam, tal como no contexto do trabalho apresentado. Assim, numa atitude de pesquisa e de desenvolvimento profissional, o professor investigador pretendeu contribuir para o ensino de uma forma mais ativa, não se cinjindo à execução de currículos previamente definidos (Alarcão, 2000). O desenvolvimento deste estudo privilegiou o processo de execução desde o diagnostic, a plani- ficação passando pela ação, observação e reflexão, sendo que a última terá efetivamente contribuído para adaptar, ajustar e, por vezes, alterar o per- curso inicialmente traçado. Os dados recolhidos no pré e no pós-teste foram categorizados e analisados qualitativamente, contudo houve necessidade de quantificar alguns elementos de forma a aprofundar a investigação, pois, como se verificou, foi importante a descrição, a compreensão e a interpretação dos dados com rigor como tentativa de os explicar (Ávila de Lima y Pacheco, 2006). 89 Ágata Pereira e Carolina Gonçalves | Aprender a escrever em contextos multilingues Instrumentos Os instrumentos de recolha de dados passaram pela aplicação da Gol-E (Grelha de Observação de Linguagem–nível escolar) (Kay y Santos, 2003), do teste diagnóstico de Português Língua Não Materna aos alunos PLNM, e pela realização de um pré-teste ao nível da produção de textos de sequência descritiva. O pré-teste e o pós-teste consistiram no pedido de descrição da obra “Objetos Pessoais” de René Magritte. Não foi dado tempo limite para a tarefa. A análise das duas recolhas foi feita em conjunto de forma a estabelecer termos de comparação precisos. Procedimentos O estudo levado a cabo entre setembro e junho, e compreendeu as fases de preparação, com diag- nósticos que permitiram a conceção de sequências didáticas (Camps, 2003) adaptadas à realidade e ao estádio de desenvolvimento dos alunos; a implementação, fase ao longo da qual se aplicaram as sequências didáticas trabalhando transversal- mente conteúdos de pintura e desenvolvimento da competência de escrita. As sequências foram estruturadas de forma a potenciar a construção de textos descritivos, contudo verificou-se a incursão necessária e desejável a outros tipos e géneros textuais como a narrativa, a poesia, a biografia, a carta, o convite, entre outros. Privilegiou-se a escrita enquanto processo de forma própria e intencional (Santana, 2007). O modelo adotado baseou-se no modelo de Hayes e Flower (1980), e cumpriram-se as fases de planificação, textualização e revisão em todas as produções textuais. Após a última fase, foi frequente voltar à primeira etapa ou à segunda, de forma a aperfeiçoar os textos. Deu-se maior ênfase ao trabalho em grupos ou a pares, pois só desta forma os alunos partilham e aprendem uns com os outros, apoiando-se nas visões e experiências de cada um. Os alunos desenvolveram as atividades, conceitos e vocabulário, que não constava no léxico ativo dos alunos de PLNM, de forma cooperativa; e foram igualmente construídos modelos de apoio à escrita de textos descritivos. Cada sequência didática abordou a obra de um pintor ou um estilo de pintura: Van Gogh, Dali, Kandinsky, Klee e os surrealistas portugue- ses. À medida que se foram desenvolvendo técnicas plásticas, também se foi dando cumprimento aos descritores de desempenho do currículo de portu- guês ao nível da oralidade, da leitura e da escrita. A intervenção necessitou de adaptação ao nível da diferenciação pedagógica para os alunos de PLNM. A estes alunos, foram fornecidos modelos, esquemas e listas de palavras de forma que estes pudessem ter instrumentos de auxílio à construção de textos. Dadas a dificuldades demostradas pela gene- ralidade dos alunos à partida, a promoção do seu sucesso, quer ao nível da escrita, quer no plano artístico teve de passar, como defende Vygotsky (2009), pelo convite à escrita de assuntos do seu interesse, coisas que façam parte da sua vida. Só assim é assegurada a motivação e envolvimento dos participantes num projeto em cooperação e partilha de experiências. Na última sequência didática, organizou-se e levou-se a cabo uma exposição dos trabalhos plásticos e alguns textos realizados pelos alunos num espaço público da freguesia. Esta iniciativa teve a colaboração da escola, das famílias, da junta de freguesia e envolveu positivamente a comunidade escolar. Posteriormente, foi feita a autoavaliação do projeto com os alunos através de uma reflexão escrita sobre o percurso e o desfecho. Também foi aplicado o pós-teste seguindo um procedimento em tudo semelhante ao pré-teste. Caracterização dos participantes Os participantes no estudo foram 18 alunos de uma turma do 3.º ano do 1º. CEB a frequentar uma escola pública da área da grande Lisboa. Os alunos tinham idades compreendidas entre os 8 e os 14 anos, sendo 11 rapazes e 7 raparigas. Pertencem a um estrato socioeconómico e cultural médio-baixo, sendo que a maioria dos pais não Signo y Pensamiento 71 · WRAB | pp. 82 - 97 · volumen XXXVI · julio-diciembre 2017 90 terminou o ensino secundário e são oriundos de famílias com uma estrutura débil. O grupo integrava 5 crianças para as quais a língua de escolarização não é a sua língua materna, oriundos da Roménia, da Ucrânia e da Guiné. De acordo com o QECRL (2009), os seus níveis de proficiência linguística situavam-se entre o A1-iniciação e o B1-intermédio A aprendizagem em contexto de imersão na língua portuguesa faz com que estes alunos sejam mais proficientes em termos orais do que em termos escritos, apesar de três terem tido algum tempo de escolarização no seu país de origem. O grupo não partilhava, inicialmente, gran- des empatias, até porque existia uma barreira etária tão forte quanto a barreira linguística, mas esteve, como se verificou, disponível para partilhar experiências e cooperar na construção de projetos comuns. Resultados Os dados analisados foram recolhidos no pré-teste1 e no pós-teste. Em ambos foi pedido aos alunos que observassem e descrevessem o quadro “Objetos Pessoais” de René Magritte. A proposta foi igual para alunos de LM e PLNM, para a qual foram solicitadas informações gerais, referentes às for- mas, cores, localização e dimensão dos elementos da obra em análise. A primeira descrição foi pedida antes de se trabalhar formalmente a estrutura, ou hierarquia do texto descritivo. O pós-teste foi aplicado no final do programa de intervenção de sequências didáticas em que se abordaram algu- mas marcas características do texto descritivo (adjetivação, emprego de localizadores e verbos no tempo adequado, organização e orientação da descrição, momentos de introdução, desen- volvimento e conclusão). Verificou-se, de uma recolha para a outra, diferenças expressivas, tal como se pode confirmar no anexo 1. Aquilo que, na primeira recolha, se assemelhava ao “grau zero” da descrição (Adam, 1992), com alguns casos de escrita de pseudo- palavras, na segunda recolha revelou evoluções em termos de estrutura e extensão textuais. Apesar de a turma ter trabalhado a maioria dos conteúdos de forma cooperativa e através de dinâmicas de grupo ou em pares, importa também analisar especificamente o grupo de L2 que, à partida, teria maior dificuldade em ultrapassar os obstáculos impostos pela barreira linguística. Na análise dos dados, considerou-se: i) a estrutura do texto descritivo (introdução, desen- volvimento, conclusão); ii) os marcadores do texto descritivo (subtematização, comparação, localiza- dores, emprego de verbos); e iii) e a extensão do texto (número de palavras). Estrutura do texto descritivo Relativamente à estrutura do texto descritivo, pode observar-se uma evolução bastante expressiva. Nas introduções do pré-teste não houve alunos a atribuir um título ao texto e apenas 22% dos alunos situou o que observava no espaço e/ou realidade que ocupava. Após a implementação das sequências didáticas, 56% da turma deu título e situou a obra observada no espaço e realidade. Nestas introduções ficou demonstrada a aquisição de vocabulário específico do domínio artístico: “Esta obra…”, “… pintura de René Magritte…” “Este quadro…”. O desenvolvimento dos textos também sofreu alterações positivas. As categorias perspetiva, aparência e o recurso a figuras de estilo evoluíram bastante. Abaixo dos 50% ficou o uso de figuras de estilo, que, ainda assim, registou um aumento de 6% (no pré-teste) 39% (no pós-teste). Por outro lado, a totalidade da turma descreveu a aparência dos objetos em foco e 83% dos alunos abordaram a imagem dando a noção de perspetiva. É importante salientar que, no momento final do projeto, já ocorria a diversificação de vocabulário e a existência de relações de sinonímia, sobretudo no que diz respeito aos verbos empregues. A turma também registou progressos ao nível da conclusão dos textos. No pré-teste, 45% dos alunos não faziam uma apreciação conjunta, dado o carácter de “lista” das produções iniciais. 91 Ágata Pereira e Carolina Gonçalves | Aprender a escrever em contextos multilingues Na produção final, 100% dos alunos fazem uma apreciação conjunta, global e, consequentemente, subjetiva da imagem. Destes, 67% justificam a apreciação registada. Analisando os mesmos indicadores dos dados da turma nos alunos de L2, verifica-se evolução em todos. Inicialmente, nenhum dos cinco alunos PLNM deu título ao texto. Na segunda recolha, 60% dos alunos conseguiu cumprir este parâme- tro. A situação no espaço e realidade observada foi descrita pela totalidade dos alunos, enquanto na primeira produção, apenas um tinha preenchido este requisito. No desenvolvimento, todos os alunos tiveram em conta a aparência dos elementos. A organização segundo uma perspetiva subiu de 20% para 60%, assim como o recurso a comparações. Um dos textos estava todo organizado em torno de comparações, não contemplando a perspetiva. A descrição mobi- lizou os sentidos e experiências do autor. Na conclusão, ao contrário dos 40% que tinham realizado uma apreciação conjunta no pré- -teste, 100% dos alunos realizaram e justificaram a apreciação global que fizeram da imagem. Um dos alunos esteve muito perto do registo objetivo, considerando o estilo do artista e relacionando-o com outros autores. Marcadores do texto descritivo Os testes aplicados foram também analisados em termos dos seguintes marcadores de texto descritivo: subtematização, uso de comparações e o emprego de localizadores. Verificou-se que 83% dos alunos passaram a recorrer a localizadores de forma a organizar a descrição da imagem. A subtematização e a comparação ficaram aquém do expectável e desejável apesar de se ter verificado um aumento razoável no recurso a estes marcadores. O processo de subtematização ao longo do desenvolvimento dos textos, evoluiu de 11% no pré-teste para 39% no pós-teste. A estratégia de comparação enquanto mecanismo de extensão subiu de 6% na primeira recolha para 39% na produção final. A noção de que a produção escrita tinha de ser organizada e a descrição deveria obedecer a uma ordem ou direcionalidade de apresentação dos elementos potenciou o uso de localizadores. A transição da produção listagens para a produção de textos dependentes da hierarquia descritiva levou ao aumento do emprego de tempos verbais. Do pré para o pós-teste, verificou-se não só o aumento, 94% dos alunos usaram mais de dez formas verbais nos testos e 20% usaram mais de quinze verbos, como uma diversificação das formas verbais, maioritariamente no presente do indicativo (de dezasseis para trinta e seis verbos diferentes empregues nos textos). Naturalmente, a maioria dos alunos incidiu sobre os verbos ser, haver e estar enquanto indicadores de posição e localização dos elementos. Verificou-se, no uso de verbos e outras classes de palavras, que os alunos passaram a usar vocábu- los pouco comuns no seu quotidiano (pintar, existir, representar, sentir) de forma correta e autónoma. Estes alunos registaram um enorme aumento no vocabulário ativo e disponível como comprova o recurso a marcadores do texto descritivo. A maioria dos alunos diversificou o vocabulário tentando não se repetir demasiado, o que é visível, por exemplo no aumento de formas verbais apli- cadas à descrição. Verifica-se que 80% dos alunos aumentou para o dobro ou mais a utilização desta classe de palavras. A percentagem de alunos que recorre à subtematização é superior à percentagem da turma, assim como o recurso a comparações. A organização do texto melhorou com o emprego de localizadores, estabelecendo-se uma apresentação ordenada dos elementos descritos. Extensão do texto descritivo A extensão dos textos também registou um aumento global do número de palavras. No pré-teste apenas um texto passava as cento e vinte palavras e mais de metade dos textos tinham entre vinte e oitenta palavras. No pós-teste existe apenas um texto abaixo das oitenta palavras, o que coloca 82% das pro- duções entre as oitenta e as cento e vinte palavras Signo y Pensamiento 71 · WRAB | pp. 82 - 97 · volumen XXXVI · julio-diciembre 2017 92 e 12% acima das cento e vinte palavras. A extensão dos textos também conta com aumentos expressivos. Apenas um aluno não aumen- tou o número de palavras, no entanto, a qualidade da sua produção melhorou consideravelmente. Os restantes elementos de PLNM aumenta- ram as suas produções para mais do dobro, outro marcador que se sobrepõe aos resultados gerais da turma. Para este aumento na extensão contribuiu o enriquecimento da estrutura do texto descritivo e o desenvolvimento do vocabulário ativo dos alunos. Conclusões A discussão dos dados aqui apresentados não pode ter em conta apenas os resultados dos testes aplicados e o percurso realizado pela turma em termos de aumento de conhecimentos nas várias áreas trabalhadas é o maior fundamento da sua evolução. O vocabulário dos alunos aumentou, diversificou e melhorou no sentido do emprego de termos mais específicos e da aquisição de conceitos passíveis de ser mobilizados noutros contextos. A escrita de textos também sai beneficiada, pois os alunos passam a estruturar as suas pro- duções em, pelo menos, três parágrafos referentes à introdução, ao desenvolvimento e à conclusão. Revelam ainda a necessidade de planificar os tex- tos, conferindo-lhe um título ou tema a partir do qual desenvolvem as ideias. A maioria da turma consegue identificar a existência ou ausência de marcadores do texto descritivo quando procede à revisão da sua produção (Cassany, 2005a). O desenvolvimento dos textos elenca os elementos da imagem com uma ordem relativa à localização, posição ou dimensões de cada um. A capacidade de usar localizadores, adjetivos e outras figuras de estilo impede que as produções dos alu- nos se assemelhem as listas ou meras enumerações (Costa y Pereira, 2003). Também se verifica a necessidade de criar um desfecho contextualizado para o que escrevem. Nas conclusões, os alunos fazem uma apreciação global da imagem descrita e dois terços da turma justifica a sua apreciação. A sequência descritiva, por aparecer muitas vezes como subsidiária e dependente de outras tipologias textuais (Neves y Oliveira, 2001), utiliza maioritariamente o pretérito imperfeito dos verbos, contudo, as produções dos alunos contemplam sobretudo o presente do indicativo (Faisal y Wulandari, 2013). A imagem não tem movimento nem faz parte de uma ação ou história pelo que são empregues os verbos ser, haver, estar com maior incidência. A extensão dos textos dos alunos mediante a estruturação do texto, a adjetivação e localização dos elementos não seria um dado imprevisível. Assim, não consideramos que os alunos tenham mais para dizer acerca da imagem mas no momento final, sabem como dizer o que pretendem. Para os alunos PLNM, os resultados não foram muito diferentes da restante turma, no entanto, há que considerar que o seu ponto de partida foi bastante diferente e o percurso mais longo, trabalhoso e diferenciado. A motivação conferida pelo recurso às artes foi um fator muito importante. O papel des- empenhado pelas artes no ensino não deve ser subestimado, pois torna a aprendizagem mais gratificante, desenvolve a criatividade e expande os horizontes dos alunos (Ewing, 2010). Este projeto desenvolveu igualmente a par- tilha de experiências, sentimentos e questões cul- turais que enriqueceram todo o grupo, existindo nesta turma uma diversidade linguística e cultural a que se deve estar sensível (Ançã, 1999). Ao retomar as questões que orientaram o projeto: i) Qual o contributo do ensino da arte no desenvolvimento da aprendizagem da escrita no 1º. Ciclo, em contextos multiculturais?; ii) Qual o contributo da motivação dos alunos no processo de aprendizagem da escrita?; iii) Como se processa o desenvolvimento da escrita em alunos com português L1 e em alunos com PLNM?, pode concluir-se que, inicialmente os alunos não tinham noção da estrutura do texto descritivo e que o seu ensino formal e explícito veio colmatar algumas lacunas, quer ao nível da 93 Ágata Pereira e Carolina Gonçalves | Aprender a escrever em contextos multilingues sequência descritiva quer ao nível do vocabulário, coerência e organização das frases. Os resultados do pré-teste nortearam a conceção e aplicação de sequências didáticas ins- piradas pela produção artística e orientadas para a produção escrita na sua dimensão processual de acordo com o modelo proposto por Hayes e Flower (1980). As sequências articularam objetivos/descri- tores de desempenho do programa de Língua Portuguesa com o currículo de expressão plástica do 1º Ciclo. Para além de todos os benefícios implicados pela implementação de projetos de arte em salas de aula, em particular em meios desfavorecidos, os resultados sugerem as seguintes conclusões: a. As produções dos alunos melhoraram em termos de coerência, extensão e diversificação de vocabulário. b. A escrita de textos ganhou sentido enquanto processo. Os alunos passam a planificar, escrever, rever e melhorar as suas produções. c. Os textos apresentados passam a estar orga- nizados em, pelo menos, três parágrafos: introdução, desenvolvimento e conclusão. d. A sequência descritiva evoluiu de “listas” para textos que contêm marcadores de micro e macroestrutura do texto descritivo. e. A articulação da arte com a escrita permitiu aumento na fluência de ideias, facilitou o pro- cesso de solução de problemas e promoveu a clareza na reflexão e comunicação oral e escrita. f. A cooperação e comunicação entre pares facilitaram o processo de desenvolvimento de escrita de todos os alunos com valorização das experiências de cada um. O desenvolvimento do estudo foi facilitado pelo cariz de investigação-ação que concedeu à professora da turma uma posição bastante vanta- josa no desenvolvimento e na eventual reformu- lação de objetivos e atividades. No âmbito do texto descritivo, haverá ainda vários pontos a aperfeiçoar, nomeadamente o recurso a figuras de estilo, a subtematização e retematização, e a apreciação de génese objetiva. Assim, pode responder-se positivamente às duas primeiras questões, dado o argumento uni- ficador e comunicativo das artes em sala de aula e na sociedade. A terceira questão coloca-nos a consciência de que o processo de desenvolvimento de escrita ofe- rece mais dificuldades a alunos PLNM, contudo o 1º. CEB é uma fase propícia ao desenvolvimento de uma L2. Sendo esta a língua de escolarização e encontrando-se os alunos PLNM num estádio elementar da aquisição da leitura e escrita, as diferenças entre alunos L1 e L2 esbatem-se. Considera-se, no entanto, necessária a frequente sensibilização dos professores para as dificuldades sentidas por alunos que à entrada para a escola trazem input linguísticos e culturais tão diferentes. Depende da escola integrar e potenciar o contributo que estas diferenças representam ao invés de permitir a reprodução de padrões depre- ciativos e de exclusão. Signo y Pensamiento 71 · WRAB | pp. 82 - 97 · volumen XXXVI · julio-diciembre 2017 94 Referências Adam, J. M. (1992). Les textes: types et prototypes. Paris: Éditions Nathan. Alarcão, I. (2000). Professor-investigador: Que sen- tido? Que formação? En B. P. 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Anexo 1 Tabela 1: Produções escritas dos alunos no pré e no pós-teste Pré-teste Pós-teste Eu vejo um pincel grande com a cor castanha que está por cima do armário grande com a cor castanha à frente de uma esponja com a cor laranja redonda ao lado de um copo cor azul grande ao lado de uma escova pequena com a cor rosa e amarela à frente de uma cama grande com a cor castanha, vermelha e branca por cima de um pente gigante e cor castanha e rosa. E a minha opinião é que esta obra de arte é muito bonita. Aluno 11 Os objetos pessoais Há um pintor famoso que fez este quadro. Ele era um artista muito bom. Ele fez quadros muito bonitos. Esta obra foi feita com objetos pessoais dele. Chama-se René Magrite. Há um copo grande azul transparente ao lado de um fósforo e um sabonete gigante. O fósforo é pequeno, é rosa e amarelo e é tipo um retângulo fininho e está ao lado do copo. Atrás do sabonete gigante está um armário castanho retangular grande que está debaixo do pincel de barbear castanho e branco grande que é muito fininho. Ao lado está um pente grande rosa e castanho que está por cima da cama castanha, branca com colcha vermelha. É grande e retangular. O teto é bege, a parede é azul com nuvens brancas. E a minha opinião é que este quadro é muito bonito e muito engraçado. Aluno 11 Signo y Pensamiento 71 · WRAB | pp. 82 - 97 · volumen XXXVI · julio-diciembre 2017 96 Cama escova lápis Nolais no ceu são brlavo Cema ecil Eu costa esta e ma se tu da. Aluno 12 (Português Língua não Materna) O quadro lindo O quadro é grande. Lá dentro tem muitas coisas e tem cama e copos Em cima da cama tem um pincel e no chão um lápis e em cima do armário tem um microfone e dentro do armário há um sabonete e as cores são: azul, branco, castanho, amarelo rosa e preto. O quadro é maravilhoso e a minha opinião é que este quadro é lindo e parece-me o quadro do Salvador Dali mas foi pintado por René Magrite. Ele tem o mesmo estilo. A minha opinião que este quadro é lindo. Aluno 12 (Português Língua não Materna) Eu vejo um copo redondo médio verde, um pente médio às pintas, um sabonete redondo cor-de-rosa pequeno, um microfone preto e branco médio, um guarda-fatos com espelhos nas portas é castanho e é grande e é retangular, uma caneta pequena cor-de-rosa e amarela na ponta e uma cama castanha é grande retangular com um lençol branco e magenta. Aluno 14 Objetos pessoais Esta obra foi criada por René Magrite e chama-se “Objetos Pessoais”. Passa-se num quarto onde há vários objetos. O primeiro é um pente. O pente tem cores quentes e frias e é médio ou grande, não sei. A seguir vem a cama que está em baixo do pente. A cama é feita de madeira e, tal como o pente, está no canto direito. Ela é média como a minha. Depois da cama vem um cigarro, pelo menos é o que parece. Ele é cor- de-rosa e na ponta está amarelo, é pequeno e está mais ou menos no centro. Mais ao lado está o sabão. É cor-de-rosa, médio e este está no canto esquerdo. Atrás está o copo feito de vidro que é azul e também não sei se é grande ou médio. Este está mesmo no meio, ou melhor, no centro. Agora vem o armário. É grande e é feito de madeira e ainda tem dois espelhos e, é claro que é castanho. Está no lado esquerdo do quarto do quadro e é retangular. Em cima dele está um pincel de barbear, é médio, castanho e tem um pouco de prata. É claro que está no lado esquerdo do quadro. E, finalmente, os tapetes. Eles são verde-tropa e são retangulares e médios. Estes estão um em cada lado. Eu acho que este quadro foi muito difícil de fazer porque as reflexões são muito difíceis de pintar. Acho este quadro muito bonito e lindo. Aluno 14 Eu temo scova preto, caixa de maciajenh lápis corderosa, cam grande, armário grande, pincel, copo grande. Eu no gostu cama purce não bonito, eu gostu mina scova ela muito bonitu, eu no gostu copa porce ele feu, caixa de maciajenh bonitu! Aluno 18 (Português Língua não Materna) “Objetos pessoais” Este quadro fez o pintor René Magrite. Ele desenhou o quadro com a dimensão quadrada, ele pintou desenhos dos objetos que as pessoas usam. No lado esquerdo está uma cama. É retangular, tem uma almofada e fralda, na cama está um pente tão gigante que está quase a chegar ao teto castanho. No chão há dois tapetes. Nos tapetes há pincel de maquiagem, perto, ao lado direito um copo gigante, mais perto, em lado direito está uma caixinha de maquiagem. A armário está atrás de caixa de maquiagem em cima do armário estava um pincel de barbear. Este quadro faz-me sentir num sonho de objetos pessoais. Porque estão tão fantásticos e formas boas está tudo organizado muito bem. Aluno 18 (Português Língua não Materna) 1 Até à realização do pré-teste, a turma ainda não tinha contactado com vocabulário específico das artes plásticas: técnicas de pintura, nome e características dos materiais, conceito de cor, ponto, traço, plasticidade, entre outros. 97 Ágata Pereira e Carolina Gonçalves | Aprender a escrever em contextos multilingues Notas 1. Até à realização do pré-teste, a turma ainda não tinha contactado com vocabulário específico das artes plás- ticas: técnicas de pintura, nome e características dos materiais, conceito de cor, ponto, traço, plasticidade, entre outros. Cómo citar Pereira, Á. y Gonçalves, C. (2017). Aprender a escrever em contextos multilingues através da descrição de obras de arte. Signo y Pensamiento, 36(71), 82-97. https://doi.org/10.11144/Javeriana.syp36-71.aecm